Camaradas e amigos,
O momento que hoje vivemos têm trazido à tona um conjunto de problemas que, não sendo novos, ganharam mais evidencia nestes tempos.
Os avanços tecnológicos que se operam a grande velocidade têm impactos significativos na organização do trabalho e na sociedade e têm servido de pretexto para em nome da competitividade, da concorrência, da globalização e da internacionalização impôr cada vez mais uma política de exploração da força do trabalho e do empobrecimento geral.
Avanços que são sobretudo apresentados como uma alteração profunda do modo de produção ou de uma “modernização” das relações de trabalho, embrulhada em conceitos que mais não são que formas de trabalho precário, que acentuam a sua natureza exploradora.
Mas na realidade, os avanços tecnológicos são cada vez mais usados para corporizar novas e mais perigosas ofensivas e extorsões. E este é um problema central – o da apropriação dos ganhos do desenvolvimento tecnológico pelo capital monopolista e multinacional, sendo que as causas dos flagelos sociais e dos sucessivos atropelos aos direitos dos trabalhadores não estão na aplicação das tecnologias ou do desenvolvimento tecnológico.
O trabalho feito pelos trabalhadores das plataformas digitais é um desses exemplos.
E este é um trabalho que significa, na prática, ao regresso às Praças de Jorna em que dezenas de trabalhadores se concentram junto a cada restaurante e a cada serviço à espera de que o pedido de execução do trabalho, através do transporte ou entrega, lhes “caia” na aplicação do telemóvel para trabalharem.
O trabalho que executam é profundamente marcado pela enorme exploração e precariedade, sem quaisquer direitos garantidos, como o direito a um vínculo de trabalho permanente, a um salário justo, a um horário de trabalho definido, ao direito à protecção social nas suas várias dimensões, ao direito à informação, ao direito ao descanso e à garantia das condições de segurança e saúde no trabalho.
Estes direitos são aqueles que a estes trabalhadores não são garantidos, porque a expressão-chave mais utilizada pelas empresas que gerem as plataformas digitais é a flexibilidade e independência do trabalhador, sendo isto um forte incentivo à desregulação do trabalho e à criação de ilusões de uma independência que não existe. Estas empresas procuram romantizar uma ideia que mais não é do que o aumento da exploração. Ideia que exploram ao máximo para não cumprirem tudo o que já é previsto pela lei, nomeadamente pelo Código do Trabalho, engordando os seus lucros à custa do domínio que exercem sobre os trabalhadores e da sua precarização.
Perante estas realidades, os silêncios ou acções passivas são reveladoras da cumplicidade e conivência do Governo e das entidades fiscalizadoras para a continuidade desta prática laboral sem reconhecimento destes trabalhadores com vínculo de trabalho permanente à empresa gestora da plataforma digital.
Mais não fazem do que “assobiar para o lado”.
Esta não é uma nova modalidade de trabalho, como querem fazer crer e como a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em audição regimental que teve lugar ontem na Assembleia da República, por várias vezes o referiu em resposta às questões que o PCP colocou. O Governo, pela voz da Ministra voltou a dizer que a resposta a todos problemas existentes é o Livro Verde e afirmou que o Governo iria trabalhar no sentido da regulamentação das plataformas digitais e do trabalho nelas executados pelos trabalhadores.
Na verdade, além de não ser uma nova modalidade de trabalho, também não se trata de um produto do desenvolvimento tecnológico nem da revolução tecnológica e científica que tantas vezes apelidam de revolução industrial 4.0. É sim a forma tradicional de prestação de trabalho, no qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. Aliás, esta é a definição legalmente prevista no Código do Trabalho e salvaguarda perfeitamente estes trabalhadores.
Nesta sequência, as empresas que gerem plataformas digitais exercem poder de direção sobre os trabalhadores pois são elas quem emite as ordens e instruções para a execução do trabalho, exercem o poder de fiscalização e controlo pelos softwares de geolocalização que utilizam para controlo da execução do serviço a partir das informações sobre a distância percorrida e o tempo de entrega do serviço. E a aplicação de sanções aos trabalhadores não é mais do que o exercício do poder disciplinar.
E isto demonstra que o incumprimento da lei por parte destas empresas é o elemento chave na exploração e precariedade vivida por estes trabalhadores!
Estas empresas que reconhecem apertos à sua actividade na legislação nacional onde operam, fazem as necessárias pressões para que esses apertos desapareçam, apresentando esta actividade como algo nunca visto no mundo laboral.
A titulo de exemplo, em fevereiro deste ano a Uber elaborou um documento intitulado de “A Better Deal”, no qual dirige às entidades políticas, empresas gestoras de plataformas digitais e parceiros sociais por toda a Europa no sentido de se trabalhar numa nova norma/forma de trabalho para as plataformas digitais, fazendo das legislações nacionais completa “tábua rasa”.
Esta realidade tem tido por parte do PCP denúncia e intervenção. Lembramos aqui a intervenção ímpar e bastante forte que o PCP teve na implementação da Uber no sector do táxi de uma forma completamente desregulada, atropelando os direitos dos trabalhadores e sobrepondo-se a legislação já existente, no sentido de que esta é uma realidade para a qual nós estamos alerta e interventivos desde esse momento.
A multiplicação e intensificação destes instrumentos e o alargamento do número de trabalhadores associados actualmente exige que estejamos ainda mais atentos para acompanhar as situações e para fazer os combates necessários à defesa dos direitos dos trabalhadores.
Ontem, na audição regimental da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social assinalámos exatamente os problemas da precariedade, da exploração, das ilegalidades cometidas nesta área e também no debate quinzenal do Primeiro Ministro fizemos esse confronto exigindo resposta por parte do Governo no sentido de travar abusos e arbitrariedades e de garantir o cumprimento dos direitos laborais.
A denúncia e a posição pública que o PCP assume sobre estas matérias tem também reflexo em duas perguntas, uma à Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em que colocámos questões como por que razão o Governo não tomou ainda quaisquer medidas para combater a precariedade e sobre-exploração por parte das plataformas digitais e que medidas vai o Governo adoptar para garantir a aplicação do Código do Trabalho e demais legislação laboral é aplicada aos trabalhadores e ao trabalho intermediado por estas plataformas.
Questionámos também sobre que estudos desenvolveu o Governo para melhor caracterizar o mundo material das plataformas digitais, nomeadamente no que respeita a:
a) tipo de plataformas a operar em Portugal;
b) origem do seu capital social; volume de negócio;
c) número de trabalhadores por conta de outrem ao seu serviço;
d) número de falsos trabalhadores por conta própria;
e) número médio de horas efectivamente trabalhadas (incluindo os tempos hoje não remunerados pela plataforma em que o trabalhador está ligado e dependente da plataforma);
f) retribuição hora média (calculado tendo em conta todo o tempo colocado efetivamente ao serviço da plataforma)?
Questionando em conclusão sobre quais as medidas tomadas em relação aos autores de centenas de anúncios para recrutamento de trabalhadores como falsos trabalhadores por conta própria a prestar serviço em várias plataformas digitais, em troca de uma percentagem do pagamento realizado pelas plataformas a estes trabalhadores e que medidas pensa o governo adoptar para obrigar as plataformas a colocar os seus algoritmos disponíveis e inteligíveis quer pelas entidades fiscalizadoras quer pelos trabalhadores e suas organizações sindicais. E ainda, que acções de fiscalização foram já desenvolvidas face à evidência de estarem a ser cometidas pelas plataformas através destes algoritmos violações da legislação laboral, como sejam a aplicação de castigos sem qualquer processo disciplinar formal e no cumprimento da lei.
E ao Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, questionámos sobre que avaliação é feita da implementação, durante a pandemia, dos limites às taxas e comissões cobradas por algumas destas plataformas e que outras medidas vai o Governo adoptar para impedir práticas comerciais abusivas por parte de plataformas digitais de aquisição de bens e serviços.
Camaradas e amigos,
Tem sido, na verdade, a pretexto do desenvolvimento tecnológico que se escancarou a porta para, à margem da legislação laboral, se tentar enfraquecer o poder reivindicativo dos trabalhadores e esmagar os seus direitos sob a pretensa “modernização” das relações de trabalho, impondo novas e disfarçadas formas de trabalho precário, ao invés de garantir o direito à estabilidade e segurança no emprego e erradicar o flagelo do trabalho com vínculos precários, e bem assim, garantir que a um posto de trabalho permanente deve corresponder um contrato de trabalho efetivo.
Naturalmente que o PCP assume, também no plano institucional, ser uma voz reivindicativa e de defesa dos direitos destes trabalhadores, uma voz de combate a práticas comercias, abusivas e ilegais, como se evidencia na intervenção que temos tido.
Assumimos ser na AR a voz que traduz as lutas e reivindicações destes trabalhadores sabendo nós que a luta organizada é absolutamente determinante para que sejam garantidos, reforçados e conquistados direitos.
Porque a precariedade e exploração combatem-se, não se legitimam! E o PCP cá estará nesse combate.