Caros camaradas e amigos,
Em matéria de justiça, o rumo da política nacional tem sido o da imposição de uma justiça de classe, governamentalizada e partidarizada, ao serviço e à medida dos interesses económicos e do grande Capital.
Política nacional essa que tem vindo a encontrar no processo europeu de comunitarização da justiça e dos assuntos internos cobertura e apoio para sucessivos e agravados avanços.
Contrariando as determinações da Constituição, sucessivos governos têm avançado, ainda que a diferentes velocidades, no sentido da descaracterização do poder judicial democrático, com a governamentalização e partidarização do aparelho judiciário, o ataque à independência dos tribunais e à autonomia do Ministério Público, agravando as dificuldades dos cidadãos no acesso à justiça e aos tribunais e procurando utilizar o aparelho judicial e repressivo do Estado para responder à luta dos trabalhadores e do povo.
A justiça e os tribunais são uma realidade cada vez mais distante e de mais difícil acesso para os cidadãos que pretendem defender e fazer valer os seus direitos mas também para o crime económico e financeiro e a corrupção a quem a justiça parece nunca conseguir chegar.
As sucessivas limitações dos mecanismos de apoio judiciário a par do brutal aumento de custos com a justiça imposto na última década significam, para uma ampla massa de cidadãos, a impossibilidade de ter os seus direitos defendidos nos tribunais, transformando estes em recurso quase privativo de quem dispõe de avultados recursos económicos ou de grandes empresas e grupos económicos para cobrança de dívidas.
A reorganização judiciária, iniciada pelo Governo PS/Sócrates e agora perfilhada pelo Governo PSD/CDS sob o ditame do Pacto de Agressão, é orientada por critérios de cega poupança orçamental e de controlo partidário e governamental da justiça. O chamado Mapa Judiciário aponta o encerramento de mais de meia centena de tribunais, a redução de profissionais em todas as áreas bem como a redução de meios financeiros e técnicos ao dispor da justiça, propondo ainda a organização piramidal dos tribunais de 1.ª instância com vista a facilitar o controlo político do poder judicial.
Partindo dos problemas reais da morosidade e das pendências nos tribunais, os governos aceleram o movimento de desjudicialização, entregando a mecanismos de mediação, concertação e conciliação importantes áreas que exigiriam controlo judicial. Não há Parceria Público-Privada ou concessão de serviço público que não preveja a resolução de eventuais diferendos por um tribunal arbitral, sempre em condições que não permitam a adequada defesa do interesse público.
O combate à criminalidade assume diferentes matizes. A pequena criminalidade, mais mediatizada, de menor gravidade ou gerada pela exclusão social e pela pobreza é alvo de grande atenção e frequentes alterações legislativas no sentido de garantir maior repressão penal, com agravamentos de penas, processos simples, julgamentos rápidos e condenações convincentes e aplicadas. Ao invés, a corrupção, a criminalidade grave e organizada ou o crime económico-financeiro têm garantida a quase total impunidade, beneficiando da cobertura legal a certas práticas criminosas e da falta de meios da investigação criminal para um combate eficaz.
E mesmo quando tudo funciona e os tribunais proferem condenações, uns milhares de euros continuam a ser suficientes para garantir que o processo se arrasta até à prescrição do crime ou à fuga sem extradição do arguido.
Neste quadro, o processo europeu de comunitarização da justiça não só constitui uma acrescida limitação à soberania nacional, como dá cobertura e incentivo a novos e agravados avanços na imposição de uma justiça de classe ao serviço do Capital transnacional.
As medidas tomadas a coberto do combate ao terrorismo ou o percurso registado em matérias como o mandado de detenção europeu, o sistema de vistos, a criação de estruturas como o Eurojust ou a Europol, os regimes de patentes e de organização judicial para a propriedade industrial e intelectual confirmam a natureza de classse do processo de comunitarização da justiça e os interesses que serve.
Quer pela indicação de objectivos e metas políticas, quer pela imposição concreta de regimes jurídicos, soluções processuais ou de organização da estrutura judiciária, também em Portugal o processo de comunitarização da justiça tem constituído incentivo e cobertura às políticas nacionais contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo e que contribuem para a descaracterização do regime democrático também no plano judiciário.