Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Qualidade do ar interior

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O projecto de lei 401/VIII do PSD procura estabelecer um regime jurídico que permita controlar a qualidade do ar climatizado no interior dos edifícios, agendado potestativamente para hoje; veio o PS, à última hora, e já a queimar os prazos regimentais, apresentar também o seu projecto de lei que, tendo o mesmo objecto e âmbito de aplicação, difere substancialmente na forma de executar, ou deixar de executar, o controlo da qualidade do ar.

Sendo uma matéria de inegável importância dada a proliferação de aplicação generalizada da climatização de edifícios que, na ausência de normas reguladoras, nem sempre, ou mesmo quase nunca, cumprem com os requisitos necessários para manter o ar "respirável".

O resultado é uma climatização que apenas se preocupa com a parte mais sensível, a temperatura do ar, ignorando a humidade relativa, a renovação do ar e a sua purificação. Mesmo nos sistemas mais avançados, a frequente falta de manutenção, incluindo a limpeza de filtros, tem como consequência a degradação do ar interior para níveis de poluição bastante superiores ao que se verifica no exterior dos edifícios.

Para além da saturação em poeiras e pólens, causadoras de alergias, não raro, desenvolvem-se fungos e bactérias que dão origem a doenças bastante mais graves como a conhecida "Doença do Legionário". Contudo, mesmo sem atingir a gravidade conhecida pelo "sindroma dos edifícios doentes", existem níveis de contaminação do ar aparentemente "mais inofensivos" mas que não deixam de provocar "mau estar" e perturbações na saúde de quem passa a maior parte do tempo nesse ambiente.

O controlo da qualidade do ar no interior dos edifícios é assim, sem dúvida, um problema de saúde pública que importa solucionar, em benefício das pessoas.

Muitos países avançaram já com medidas de controlo e a própria União Europeia prepara directiva nesse sentido.

As iniciativas legislativas, agora presentes, são, sem dúvida, oportunas e merecem uma reflexão no sentido de poderem proporcionar um efectivo controlo da qualidade do ar no interior dos edifícios, o que deve merecer uma cuidada análise na especialidade.

Sem pretender fazer desde já essa indispensável discussão, apontamos contudo algumas questões essenciais neste debate em que se coloca, antes de mais, a questão dos partidos proponentes estarem ou não disponíveis para as analisar na especialidade.

Assim, começando pelo âmbito, precisamente igual nos dois projectos, não nos parece aceitável a exclusão integral dos edifícios providos de ventilação natural, pelo facto de que muitos dos edifícios projectados como tal, incluindo estabelecimentos de ensino e centros comerciais, acabam por imposição de manutenção da temperatura, manter janelas fechadas, aplicar cortinas de ar nos vãos, etc., isto é: eliminar os próprios elementos construtivos de ventilação natural.

No projecto do PSD, parece-nos desproporcionada a exigência de um técnico responsável pela manutenção da qualidade do ar e outro pela gestão da respectiva informação técnica, por cada edifício. Em contrapartida, a obrigatoriedade dos sistemas possuírem um certificado de qualidade e planos de manutenção aprovados, sob pena de não serem licenciados, acompanhada de uma inspecção periódica obrigatória efectuada, essa sim por técnicos credenciados, poderia resultar numa maior eficiência.

Também a criação da denominada "entidade competente" de direito privado, com estatuto de utilidade pública, para gerir e coordenar todas as actividades relativas ao controlo da qualidade do ar climatizado no interior dos edifícios, parece desnecessária, pois as funções da administração pública podem e devem ser geridas pelos organismos da própria administração.

Igualmente, não concordamos com a ligação da obrigatoriedade de cumprimento de normas sujeitas a passagem de licença de habitabilidade dos edifícios acabados de construir, uma vez que este é um acto administrativo de certificação de execução da obra conforme o projecto e rapidamente seria compreendida como a certificação de um sistema cuja verificação não deve competir às Câmaras, mas sim aos organismos dos Ministérios do Ambiente e da Saúde e, sobretudo, cuja verificação deve ser permanente com incidência no funcionamento e não sobre a instalação e montagem.

Por fim, os conflitos técnicos surgidos e as sanções aplicadas terão que prever a medida essencial de protecção da saúde pública, caso esteja em risco a sua defesa, isto é: a proibição pura e simples de funcionamento do sistema, até à sua reparação, independentemente da resolução de conflitos.

Quanto ao projecto de lei do PS, sem pôr em causa a intenção que lhe é subjacente, pensamos que "chuta" para o lado errado, isto é, as medidas preconizadas não passariam de boas intenções e deixariam tudo na mesma.

Parece-nos perfeitamente despropositada a sujeição de projectos de arquitectura à Direcção Geral do Ambiente e à Inspecção Geral de Saúde. Com que objectivos?

Estes pareceres apenas servem para aumentar a carga burocrática da administração. Os projectos têm autores que devem ser responsabilizados pelas consequências das obras que produzem ao longo do tempo e a sua responsabilidade não deverá nem poderá ser atenuada por qualquer aprovação.

No mesmo sentido vai a vistoria final que embrulha num acto administrativo da Câmara Municipal a licença de utilização e a aprovação do sistema. Tal procedimento implicaria, na prática, responsabilizar as Câmaras Municipais pelo funcionamento dos sistemas de ar condicionado, atirando para estas responsabilidades que são dos Ministérios do Ambiente e da Saúde.

Quanto ao controlo do funcionamento dos sistemas, não nos parece eficaz a ausência completa de fiscalização. Quem detecta os edifícios doentes?

O esquema proposta que em linhas gerais consistiria no proprietário requisitar uma vistoria ao seu próprio edifício, vistoria que apenas recomendaria as medidas a tomar em curto prazo, se funcionasse não se punha a necessidade desta lei, pelo simples facto dos proprietários actualmente, e sem a carga burocrática da vistoria, poderem proceder directamente à manutenção e reparação dos sistemas que possuem.

A determinação por lei dos parâmetros a que a qualidade do ar interior nos edifícios deve obedecer, só tem efeitos úteis, se de facto a administração pública fizer o controlo desses parâmetros e dispuser de mecanismos para fazer cumprir a lei, caso contrário esta será ineficaz e a defesa da saúde pública que, como todos reconhecemos, está em causa, necessita de medidas eficazes.

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