Uma avaliação cuidadosa do seguimento dado à chamada estratégia de Lisboa, torna claro que a dita Cimeira, que pretendeu apresentar-se como defensora do emprego, foi, de facto, um forte impulso ao acelerar do processo de liberalização de sectores fundamentais da economia, salientando, agora, a Comissão no seu relatório, o que considera "bons resultados" conseguidos relativamente à liberalização do "último quilómetro" da rede de telecomunicações, à criação de um quadro legislativo para o comércio electrónico, à definição do estatuto da sociedade europeia, e, simultaneamente, lamentando o que considera atrasos no que se refere à regulamentação dos contratos públicos, à liberalização dos mercados do gás, electricidade, transportes e serviços postais.
Ou seja, a Comissão insiste, cedendo em toda a linha às pressões das multinacionais para a criação de novas oportunidades de negócios, de mais ganhos e maiores lucros, na necessidade de avançar ainda mais rapidamente na liberalização completa dos mais variados sectores, incluindo de serviços públicos, e num caminhar mais acelerado no mercado de capitais incluindo na regulamentação dos serviços financeiros, tendo por objectivo incentivar os fundos de pensões e outros, à custa de maiores ataques à segurança social pública e a outros serviços públicos essenciais, designadamente nas áreas da saúde e educação.
Entretanto, na área social, apesar das declarações de intenções, adiam-se decisões fundamentais na defesa dos direitos dos trabalhadores, designadamente nas mais de 300 fusões anuais de empresas europeias do sector industrial e do seu cortejo de despedimentos, desemprego e sofrimento dos trabalhadores atingidos, de agravamento das desigualdades sociais e assimetrias regionais.
Simultaneamente, retomam-se declarações de necessidade de criação de um mercado de trabalho mais flexível, com maior mobilidade e adaptabilidade, leia-se emprego mais precário, com menos direitos para os trabalhadores, embora se reconheça que o desemprego é ainda demasiado elevado e que é inaceitável a persistência da pobreza e da exclusão social no início do novo milénio. Mas, enquanto tardam as medidas concretas e de fundo, a Comissão chega ao cúmulo de admitir, como hipótese, na proposta dos novos indicadores estruturais, a baixa do limiar da pobreza de 60 para 50 por cento do rendimento mediano nacional, o que eliminaria, por via administrativa, milhões de pobres da União Europeia.
Assim, tudo indicia que esta cimeira da Primavera e o relatório de síntese, com base nos novos indicadores estruturais, se limita a reafirmar o caminho do neoliberalismo, já traçado em Lisboa, de aceleração de liberalizações e privatizações, mantendo num plano secundário os aspectos sociais e ambientais, mesmo que num caso ou noutro lhes aplique alguma pincelada rosa ou esverdeada.