Em Junho de 2014, o anterior Primeiro-Ministro afirmava que “não há precaridade laboral, mas há estabilidade laboral”, no entanto a realidade vivida por milhares de trabalhadores encarregou-se (e têm-se encarregado) de o desmentir.
O desemprego praticamente quadruplicou desde o início do século e entre 2009 e 2015 o número de postos de trabalho foi reduzido em quase meio milhão. O número de desempregados em sentido amplo passou de 653 mil para mais de 1 milhão e 200 mil, a taxa de desemprego dos jovens atinge os 35%, o número de desempregados de longa duração duplicou e apenas 23% dos trabalhadores desempregados recebem subsídio de desemprego. A precariedade atinge hoje quase 1/3 dos trabalhadores por conta de outrem.
A esmagadora maioria do pouco emprego criado é precário (como demonstram os cerca de 500 000 trabalhadores isolados a trabalhar a recibo verde), com salários muito baixos, com elevados ritmos de trabalho, horários desregulados e elevados níveis de exploração.
O desemprego, fator determinante de pressão sobre os trabalhadores para a imposição de salários mais baixos e de vínculos precários ascendeu, no final do 4.º trimestre de 2015, a 12,2% e, no que toca à média anual, ascendeu a 12,4% (em sentido restrito). Todavia, se a este número somarmos todos aqueles que são eliminados das estatísticas oficiais (os trabalhadores desempregados em estágios e formações, os trabalhadores inativos, que estando disponíveis para trabalhar não procuraram ativamente emprego nas semanas que antecederam a recolha de dados, e os trabalhadores que são obrigados a trabalhar a tempo parcial) facilmente concluímos que a realidade do desemprego atinge mais de um milhão e 200 mil trabalhadores. Só no que toca aos desempregados há mais de 12 meses, ascenderam, em 2015, a 63,5%.
Entre os jovens com menos de 35 anos, três em cada quatro não têm contrato permanente e os salários caíram brutalmente. Muitos não trabalham a tempo completo e auferem salários abaixo do salário mínimo obrigatório. A maioria dos jovens trabalhadores têm de permanecer em casa dos pais e cerca de 40% querem estudar, mas não têm como pagar os custos com a educação, devido ao aumento brutal do valor das propinas e à redução dos apoios da ação social escolar.
A precariedade laboral representa um estado de insegurança face à estabilidade, duração e qualidade do vínculo laboral, motivado por vários fatores, desde logo a incerteza provocada pelo carácter temporário do vínculo contratual a que o trabalhador está sujeito, a incerteza quanto à continuidade da tarefa que se desenvolve dentro da organização em que se está integrado, a incerteza quanto à manutenção dos direitos que protegem a natureza e qualidade do vínculo contratual a que se está sujeito – sobretudo através das alterações da legislação laboral, sempre penalizadoras dos trabalhadores, e da destruição da contratação coletiva.
Ainda que a precariedade seja um flagelo difícil de medir a partir de uns poucos indicadores estatísticos produzidos pelos institutos de estatística nacionais e internacionais, a precaridade laboral e o desemprego são problemas sociais gravíssimos e condicionam as condições materiais de existência e sobrevivência dos trabalhadores. Tais situações preocupantes atingem os interesses, as aspirações, as condições de vida e própria dignidade de milhões de trabalhadores ao mesmo tempo que afetam o desenvolvimento social e comprometem o futuro do país.
De facto, os problemas da precariedade laboral, da contratação ilegal e da violação dos direitos dos trabalhadores são indissociáveis dos baixos salários e remunerações, da falta de condições de trabalho e de elevados níveis de exploração.
Aumento da exploração, das desigualdades e empobrecimento geral dos trabalhadores e do povo são os traços mais marcantes deste período que os PEC inauguraram com um vasto e ininterrupto programa de medidas antissociais e de sistemática exploração da força do trabalho. Corte nos salários e pensões e outras remunerações do trabalho, de alterações para pior ao Código do Trabalho e à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, facilitação e promoção dos despedimentos, eliminação de feriados, desregulação e aumento dos horários de trabalho, generalização da precariedade são, entre outras, medidas que agravaram a exploração e a desigualdade na distribuição da riqueza em Portugal.
A parte do trabalho na distribuição do Rendimento Nacional reduziu-se e representava, em 2014, apenas 44,6%, enquanto a parte do capital e outros rendimentos atingem 55,4%. Os rendimentos do trabalho sofreram uma acelerada degradação entre 2010 e 2014, com uma desvalorização de 16,5%, em termos reais, e de praticamente o dobro na Administração Pública. Enquanto os rendimentos do trabalho caem, o excedente bruto de exploração (lucros grandes grupos/PSI 20) apesar da crise não param de crescer.
As várias formas e modalidades de contratação precária - contratos a termo em desrespeito pela lei, uso de falsos recibos verdes, encapotado trabalho em regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais, trabalho temporário sem observância de regras, recurso abusivo às chamadas medidas ativas de emprego são as formas dominantes deste fenómeno, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais.
Até nos serviços públicos se assiste a uma crescente e preocupante precarização das relações laborais - existem milhares de trabalhadores em escolas, centros de saúde, hospitais e outros serviços públicos que, desempenhando funções permanentes, têm vínculos contratuais precários.
Os sucessivos governos, ao invés de combater este fenómeno, têm promovido a precariedade laboral e o desemprego, nomeadamente através daquilo a que impropriamente chamam de “políticas de emprego” – utilizam os trabalhadores abrangidos pelos “Contratos de Emprego-Inserção”, “Contratos de Emprego-Inserção +” e estágios profissionais para, de forma precária e instável, suprirem necessidades permanentes dos serviços públicos e/ou de empresas privadas.
No nosso país existem trabalhadores que sobrevivem há anos neste carrocel do desemprego e da precariedade - estágios não remunerados, estágios profissionais, contratos de emprego-inserção, cursos de formação profissional – tudo formas de contratação precária que não respondem nem às necessidades dos serviços públicos nem do desenvolvimento económico e produtivo do país e, muito menos, respondem às necessidades destes trabalhadores.
O trabalho precário significa saltar de atividade em atividade, sem qualquer estímulo à formação e à qualificação e sem possibilidade de verdadeiras especializações. O trabalho precário atinge todos os trabalhadores, de todas as camadas e setores. Mesmo aqueles que não se encontram numa situação de vínculo precário são pressionados, na sua relação com a entidade patronal e os diversos empregadores, pela precariedade existente.
Além disso, a precariedade faz diminuir a proteção no desemprego e na doença, criando sérios prejuízos nas carreiras contributivas dos trabalhadores e afetando a capacidade de arrecadação de receita por parte da Segurança Social.
A precariedade do emprego é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações, da experiência profissional, bem como a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho, condicionando sobremaneira o desenvolvimento do país.
Os resultados das eleições legislativas do passado dia 4 de outubro, além de representarem uma derrota para a política de direita e para os partidos que a executaram nos últimos 4 anos, demonstraram de forma clara a vontade do povo português de romper com este rumo de exploração e empobrecimento.
O PCP considera a valorização do trabalho e dos trabalhadores como um dos eixos essenciais da política alternativa que propõe, assumindo neste quadro o compromisso de dar efetivo combate ao flagelo da precariedade e assim assegurar que todos os trabalhadores possam ver garantido o seu direito a um emprego estável e com direitos.
Desta forma, no cumprimento do seu compromisso com os trabalhadores e o povo, apresenta propostas concretas e alternativas, apresenta soluções, no desenvolvimento de uma política patriótica e de esquerda, ao serviço do povo e do país.
O PCP entende que o combate à precariedade laboral, ao trabalho não declarado e à contratação ilegal deve constituir uma política do Estado, como constitui o combate ao trabalho infantil que, não tendo sido totalmente eliminado, foi claramente reduzido a uma expressão mínima.
Uma política do Estado que deverá abranger as mais diversas áreas, setores e estruturas pelo que se justifica a criação de um Programa Nacional de Combate à Precariedade e à Contratação Ilegal e de uma Comissão Nacional que acompanhe o seu cumprimento.
Nos termos do disposto nos artigos 167º e 156º, alínea b), da Constituição e dos artigos 4º, n.º 1, alínea b) e 118º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º - Plano Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal
1 - Pela presente lei é criado o Plano Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal, adiante designado por Plano Nacional.
2 - O Plano Nacional tem como objectivo a concretização de uma política de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.
3 - O Plano Nacional tem como missões prioritárias:
a) O combate aos vínculos laborais precários para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros, aqui se incluindo, designadamente:
i) O combate à utilização das medidas ativas de emprego como o recurso a “Contratos de Emprego-Inserção”, “Contratos de Emprego-Inserção +” e estágios profissionais para o suprimento de necessidades não transitórias;
ii) O combate a todas as formas de falso trabalho independente e falsa prestação de serviços, nomeadamente no sentido doa erradicação dos falsos «recibos verdes»;
b) O combate às formas de trabalho não declarado e de contratação ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;
c) O combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário e ao outsourcing, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;
d) O combate à contratação a termo em desrespeito pela lei e à contratação a tempo parcial;
e) A promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
Artigo 2.º - Comissão Nacional
1 - Para a prossecução e concretização das missões cometidas ao Plano Nacional é criada a Comissão Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal adiante designada por Comissão Nacional.
2 - A Comissão Nacional é composta por:
a) Um membro designado pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, que preside;
b) Um membro designado pelo Ministério da Economia
c) Um representante de cada confederação sindical, com assento no Conselho Permanente da Concertação Social;
d) Dois representantes das confederações patronais com assento no Conselho Permanente da Concertação Social;
e) Um elemento designado pelos membros indicados nas duas alíneas precedentes.
Artigo 3.º - Competências
1 - São competências da Comissão Nacional:
a) O estudo, a análise e o acompanhamento da evolução das situações de precariedade laboral e de contratação ilegal, efetuando a sua monitorização e diagnóstico, bem como a centralização da informação recolhida;
b) A elaboração e a promoção de propostas e de iniciativas de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
c) O acompanhamento, em cooperação e articulação com a Autoridade para as Condições de Trabalho, do cumprimento da legislação em matéria de direitos laborais;
d) A sensibilização social contra as práticas de precariedade laboral e contra a contratação ilegal, combatendo a sua existência e expansão;
2 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional deve, nomeadamente:
a) Promover, coordenar, dinamizar e apoiar acções de divulgação e de informação sobre a promoção e protecção dos direitos dos trabalhadores, junto destes e da opinião pública em geral, com vista à prevenção da precariedade laboral e da contração ilegal;
b) Dirigir recomendações a todas as entidades, públicas e privadas, qualquer que seja a sua forma ou natureza jurídica, no sentido de promover acções concretas de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
c) Estabelecer acordos de cooperação institucional com outras entidades, sempre que o diagnóstico das situações e as necessidades justifiquem a execução de ações conjuntas para a prevenção da precariedade laboral e da contratação ilegal;
d) Promover a articulação com entidades inspetivas das áreas governamentais do Trabalho e da Solidariedade Social, das Finanças e da Economia, assim como com outros serviços que entenda relevantes, para a prossecução dos seus fins;
e) Instituir um procedimento de certificação de empresas, a partir de informação comprovada, que ateste o respeito pelos direitos dos trabalhadores e a inexistência de situações de precariedade laboral ou contratação ilegal, e promover a divulgação de uma lista das empresas certificadas neste âmbito;
f) Criar um programa específico para a Administração Pública, de monitorização permanente da situação em matéria de precariedade laboral, visando a sua eliminação, valorizando o papel que o Estado deve ter como exemplo da defesa e valorização do trabalho com direitos;
g) Acompanhar a criação e destruição líquida de postos de trabalho por tipo de contratação e sistematizar dessa informação
h) Acompanhar a efetiva criação de postos de trabalho, com vínculos permanentes, associada a investimentos com financiamento ou incentivos públicos, para cuja concessão concorreu o critério da promoção de emprego;
i) Receber queixas individuais e colectivas de práticas de precariedade laboral e contratação ilegal e proceder ao seu encaminhamento para as entidades competentes para a investigação e sancionamento de eventuais sanções.
3 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional pode ainda:
a) Promover e incentivar a realização de debates, colóquios, conferências, programas de rádio e televisão, trabalhos na imprensa, sítios na Internet, editar livros, folhetos, exposições, publicações, criar um centro de documentação ou uma biblioteca especializada ou utilizar qualquer outro tipo de acções de informação e sensibilização social em torno da precariedade laboral e da contratação ilegal;
b) Estabelecer programas regionais e sectoriais de investigação, recolha de informação e intervenção em sectores ou empresas onde o risco de incidência de contratação ilegal o justifique;
c) Promover a elaboração de um sistema de informação direta sobre situações de trabalho precário e de contratação ilegal e de uma lista pública de casos graves de violação da legalidade;
d) Promover a divulgação das boas práticas e a promoção do intercâmbio de experiências;
e) Elaborar e/ou disponibilizar estudos, bibliografias, trabalhos de investigação, relatórios ou outra documentação de interesse para a prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
f) Apoiar e promover a formação técnica e científica de pessoal qualificado com intervenção em matéria de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
g) Apresentar propostas de promoção ou reforço do quadro de normas e mecanismos de prevenção e combate à precariedade laboral e à contratação ilegal;
h) Promover o estudo da realidade europeia e de outros países em matéria de combate à precariedade laboral e à contratação ilegal com vista ao aproveitamento nacional dessas experiências e ao desenvolvimento de cooperação comunitária e internacional;
i) Cooperar com organizações de âmbito internacional e com organismos estrangeiros que prossigam fins conexos com os da Comissão Nacional, tendo em vista participar nas grandes orientações internacionais relativas ao combate à precariedade laboral e contratação ilegal e vinculá-las a nível nacional.
4 - As competências da Comissão Nacional são exercidas sem prejuízo das atribuições que por lei são cometidas à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), e das inerentes competências dos seus órgãos.
5 - A Comissão Nacional apresenta à Assembleia da República um relatório anual relativo à prossecução das missões do Programa Nacional, ao exercício das suas competências, à observação da realidade nacional em matéria de precariedade laboral e contração ilegal e às perspetivas de evolução da sua prevenção e combate.
6 - A cooperação institucional com a Comissão Nacional por parte de entidades públicas, nomeadamente da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), da Autoridade Tributária (AT), do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), é obrigatória.
Artigo 4.º - Dever de cooperação
Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional em ordem à prossecução dos seus fins, designadamente facultando as informações a que tenham acesso e que esta solicite no âmbito das suas competências.
Artigo 5.º - Dever de audição
A Comissão Nacional tem o dever de promover a audição dos sindicatos e outras organizações representativas dos trabalhadores, em ordem à célere e eficaz prossecução dos seus fins e a facilitar o exercício em concreto das suas competências.
Artigo 6.º - Serviços de apoio
Compete ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social regulamentar e dar execução às condições de instalação e funcionamento da Comissão, e afectar-lhe os meios técnicos e humanos, serviços de apoio e assessoria técnica necessários ao exercício das suas competências.
Artigo 7.º - Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, em 18 de fevereiro 2016