A criação da União Económica e Monetária e a nossa adesão ao Euro, vendidas aos portugueses como a possibilidade de fazerem parte de um mercado de centenas de milhões de consumidores e como um escudo protector, face à instabilidade monetária e financeira do resto do mundo e facilitadores das trocas comerciais dentro da EU e que consequentemente trariam ao nosso país o tão almejado desenvolvimento, mostraram-se ao longo destes 20 anos em que o euro está em circulação, desastrosas para a nossa economia, principais responsáveis pela destruição de grande parte do nosso aparelho produtivo e pelo mais longo período de recessão e estagnação económica que vivemos desde a revolução de Abril.
Portugal permanece hoje como um dos países mais pobres, mais desigual e mais dependentes da Europa.
São muitos os indicadores que provam esta triste realidade com que o nosso país se confronta após a adesão à UEM, ao Euro e com o início da circulação da Moeda Única.
O Produto Interno Bruto (PIB) praticamente estagnou desde a nossa adesão ao euro (1999) e em particular desde a entrada em circulação da moeda única (2002). Neste período crescemos a uma média anual de apenas 0,4%, enquanto a média da zona euro foi de 1% e da União Europeia foi de 1,2%. Desta forma o nosso país em vez de convergir, como nos prometeram, divergiu do resto da União Europeia.
O Investimento, apesar dos muitos milhares de milhões de euros de fundos comunitários que neste período afluíram à nossa economia (cerca de 88 mil milhões de euros), foi a variável de despesa nacional que mais sofreu com a nossa adesão ao Euro. Se em vésperas de entrada em circulação da moeda única, em 2001, o Investimento total na nossa economia representava 27% do PIB – Portugal era nessa altura o país da zona Euro em que este rácio era mais elevado – vinte anos depois esse peso é de apenas 20%. E Portugal é agora dos países da Zona Euro que menos peso tem do investimento no PIB, pior que nós só a Grécia, Chipre, Eslováquia e Luxemburgo. A dimensão do desastre é tal que, mesmo a preços correntes Portugal investe hoje, quase tanto como investia em 2001 e, consequentemente a preços constantes, isto é, em termos reais, a queda do investimento foi neste período de 16%. Só a Grécia conseguiu ver cair mais o seu investimento nestes últimos 20 anos.
Esta queda do investimento total analisada de forma desagregada mostra-nos que as quedas mais abruptas se registaram em duas componentes do investimento – equipamento de transportes e construção. Ambas caíram cerca de 40% em termos absolutos, reflexo do impacto que a adesão ao euro teve sobre o nosso aparelho produtivo, em especial Agricultura, Indústria e Construção.
Após a euforia dos anos noventa – período de forte crescimento económico e quase pleno-emprego - em que fruto das duas 1ªs fases da União Económica e Monetária (UEM) os mercados financeiros foram liberalizados, as privatizações de grandes económicos se sucederam e em que a banca nacional então privatizada se pode endividar quase sem limites para financiar a compra de habitação própria, o sector da construção civil e o consumo privado, nos últimos 20 anos a nossa economia foi confrontada com a outra face da moeda da UEM e com a necessidade de cumprir com os critérios de convergência (taxa de inflação, nível de dívida pública e défice orçamental). Só que agora o Estado Português, como resultado da adesão à UEM, já não tem os instrumentos de política monetária – taxa de câmbio e taxa de Juro – e a política orçamental está condicionada com um nível de défice de 3%.
Com o nosso aparelho produtivo exposto à concorrência internacional desprotegido (o chamado sectores de bens transaccionáveis), resultado de uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada com os nossos principais parceiros comerciais (Espanha, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Itália), o nosso país perdeu capacidade de competir nestes sectores, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional.
A evolução do peso quer do valor acrescentado bruto (VAB), quer do emprego destes sectores – agricultura, indústria e construção – no PIB e no emprego total do nosso país espelham bem o impacto que a UEM e a moeda única tiveram sobre o nossa aparelho produtivo e como foram determinantes para a desindustrialização da nossa economia.
Nestes últimos 20 anos, a indústria transformadora perdeu cerca de 250 mil empregos e viu o seu peso no PIB cair de 16,2% para 13,7%, o sector da construção caiu de 7,6% do PIB para 5,0% e perdeu cerca de 265 mil postos de trabalho e o sector agrícola caiu de 3,1% do PIB para 2,5% e perdeu 231 mil postos de trabalho. No seu conjunto estes três sectores produtivos perderam cerca de 755 mil postos de trabalho e viram o seu peso no PIB cair 5,7 pontos percentuais.
À desindustrialização dos nossos sectores económicos, com os sectores de bens transaccionáveis a perderem peso na produção nacional sucedeu uma clara terciarização da nossa economia, com a ascensão dos sectores do turismo, das actividades administrativas e dos serviços de apoio, serviços de informação e comunicação, serviços de consultoria, serviços de saúde e apoio social e actividades imobiliárias, actividades que viram o emprego crescer em cerca de 435 mil postos de trabalho e o seu contributo para o PIB crescer em 5,2 pontos percentuais.
Com a destruição do nosso aparelho produtivo registada nas últimas décadas, bem patente nos dados acima apresentados, o défice da nossa balança de bens permanece muito elevado, cerca de 7,4% do PIB no último ano e o nível de dependência do nosso país acentua-se de ano para ano. É de tal forma assim que se em 1999, as importações do sector agrícola representavam 31% da produção nacional deste sector, de acordo com o INE, em 2017 esse peso é já de 43%. Mas se é assim na agricultura, na indústria transformadora a situação é ainda muito mais grave, já que se as importações representavam 55% da produção deste sector, em 2017 elas representam já 65% da sua produção. Essa mesma dependência espelha-se nas componentes da Procura Final – Consumo Privado e Público, Investimento e Exportações – cada vez mais dependente da produção importada.
Depois do que acabámos de afirmar não é difícil concluir que o baixo crescimento económico, a estagnação e a recessão que vivemos nos últimos 20 anos acompanhada pela destruição de muito do nosso aparelho produtivo tiveram um duro impacto na evolução do emprego, do desemprego e da emigração. Foi assim que Portugal viu neste período reduzir-se o emprego em mais de 320 mil postos de trabalho, o desemprego subir e a emigração só desde 2011 até 2015 atingir cerca de 600 mil portugueses.
A perda de soberania do nosso país, para a qual a adesão à CEE/União Europeia e em particular a liberalização da circulação de capitais muito contribuíram, conheceu com a adesão à UEM e ao euro e o início do processo de privatizações em 1999, um nível nunca antes visto.
Empresas estratégicas do nosso país, algumas monopólios naturais, passaram integralmente para as mãos do grande capital privado fundamentalmente estrangeiro.
Ao mesmo tempo que processo de privatizações acelerava, a livre circulação de capitais a adesão à UEM e ao euro permitiu que o número de filiais de empresas estrangeiras nas últimas décadas crescesse a ritmo muito elevado. Estas filiais de empresas estrangeiras, de acordo com os últimos dados, são responsáveis por 40% do total das nossas exportações de bens, representam 26,3% do VAB do total do sector empresarial e 75% deste VAB gerado por filiais de empresas estrangeiras diz respeito a sociedades de entidades de sediadas em países da União Europeia. A presença de capital estrangeiro, que domina ainda mais de 50% das grandes empresas, estende-se muito para lá da titularidade directa, designadamente com a integração de muitas delas nas cadeias de valor de transnacionais; a subcontratação; a presença de fundos de investimento, como a BlackRock (o maior grupo financeiro mundial com posições em seis das grandes empresas do PSI-20).
O reverso da medalha da liberalização da circulação de capitais, da criação da UEM e da adesão ao euro, reflecte-se no cada vez maior saldo negativo da nossa balança de rendimentos primários, que espelha fundamentalmente os lucros e dividendos e juros que os investidores privados estrangeiros arrecadam anualmente e que transferem para os seus países – entre 1997 e 2020 o saldo negativo desta balança foi em média de 3,3 mil milhões de euros ano (1,6% do PIB em 2019).
Se em termos líquidos, Portugal recebeu da União Europeia desde 1986 cerca de 72 mil milhões de euros de apoios em fundos comunitários, também em termos líquidos o nosso país viu sair em parte desse período para o qual há informação do Banco de Portugal, entre 1995 e 2021, de lucros distribuídos, dividendos e juros cerca de 104,5 mil milhões de euros.
Se é verdade que e como tem sido dito, Portugal nos anos mais próximos vai receber da União Europeia muito dinheiro, o que é bem perceptível na movimentação dos representantes dos grandes interesses económicos, nomeadamente das grandes confederações patronais, é importante que por um lado não esquecermos o que aconteceu nos últimos 34 anos e por outro percebermos que a dimensão da crise que vivemos não tem precedentes, pela sua dimensão económica e sanitária e que se quisermos minimizar os seus impactos vai ser necessário muito investimento público.
Muito mais do que tem sido realizado nos últimos anos e basta comparar esse nível de investimento com a média dos fundos comunitários recebidos para verificarmos que os 15,3 mil milhões de euros previstos pelo Fundo de Recuperação e Resiliência para Portugal, não chegam para compensar o muito pouco que se investiu nestes anos. Desde 2010 até 2021, a redução do investimento público foi tal, que o montante de entrada de fundos comunitários foi superior à totalidade do investimento público. Não existem elementos para aferir com rigor qual o montante de fundos comunitários que é absorvido pelo investimento público, mas não existem dúvidas de que o investimento público nos últimos anos se reduziu na sua quase totalidade, ao mínimo indispensável para complementar a entrada de fundos comunitários.
É pois, importante que esse dinheiro para investimento público chegue e venha liberto de quaisquer formas de condicionalidade económica e política que pretendam interferir em decisões soberanas dos Estados, designadamente ao nível das opções, programação e execução dos fundos;
E simultaneamente que sejam adoptadas medidas que garantam que as verbas a mobilizar nos próximos anos sejam colocadas ao serviço da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da defesa e promoção da produção nacional, da recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia, da garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do país e do desenvolvimento soberano de Portugal.
O nosso país precisa de crescer a um ritmo mais elevado do que o tem feito, nomeadamente desde a adesão ao euro e ao início da circulação desta moeda no espaço comunitário em 2002. Precisa que esse ritmo de crescimento seja sustentado e suportado numa muito maior produção nacional e menos dependente das importações.
Só a afirmação de uma política soberana, que faça prevalecer os interesses dos trabalhadores e do povo português sobre as imposições e constrangimentos que emanam da UE, pode responder adequadamente às necessidades com que o país se confronta.