Áudio
Caros camaradas, estimados amigos
Em nome do PCP, gostaria de agradecer a presença de todos nesta iniciativa que fecha um ciclo que iniciámos no mês de Março com o seminário “Recuperar o controlo público da banca”, seguindo-se em Abril uma sessão pública sobre a renegociação da dívida pública e que termina agora com esta sessão que tem como tema: Libertar o país da submissão ao Euro, condição para a soberania e desenvolvimento nacional.
Iniciativas que contaram com as contribuições de Jorge Pires, Agostinho Lopes, Carlos Carvalhas, Miguel Tiago, Paulo Sá, Miguel Viegas, Octávio Teixeira, João Rodrigues, Ricardo Paes Mamede, José Lourenço, Nuno Teles, Sandro Mendonça, Marques dos Santos, Eugénio Rosa, Joaquim Batalha, a que hoje se juntam João Ferreira e os professores Jorge Bateira e João Ferreira do Amaral a quem agradecemos e valorizamos a presença.
O debate que hoje aqui nos trás não é nem um tema novo na acção do PCP e muito menos um assunto adormecido no actual quadro político nacional e europeu.
Longe vão os tempos em que muitos faziam gala em defender as inúmeras virtudes da entrada de Portugal no Euro. Do “pelotão da frente”, à tal «pedra» sobre a qual alguns iam construir a sua Europa, da apregoada convergência real, ao guarda-chuva do país contra a especulação financeira, do fim das crises à valorização dos salários ao nível do que se praticava nas grandes potências da Europa, o rol de promessas que acompanharam a imposição do Euro ao nosso povo foi de facto abundante.
O PCP combateu desde o primeiro momento a entrada de Portugal na moeda única e alertou para os seus perigos e impactos. Com a entrada da moeda em funcionamento no nosso país, o PCP não baixou a sua voz, combateu ilusões federalistas, denunciou o impacto da perda da soberania monetária e contribuiu para evidenciar e alargar a consciência da real dimensão do problema com que Portugal se passou a confrontar.
O PCP tinha e teve razão!
Tinha e teve razão quando se opôs ao processo de recuperação capitalista, ao corropio de privatizações e à perda de controlo público da banca. Tinha e teve razão quando alertou para o impacto da destruição do aparelho produtivo e as suas consequências no endividamento externo, para o processo especulativo em torno da dívida pública e para a defesa da sua renegociação por contraponto ao Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS impuseram conjuntamente com a troika estrangeira. Tinha e teve razão quando se opôs ao processo de integração capitalista europeu, da CEE à União Europeia, de Maastricht ao Euro, de Nice ao Tratado de Lisboa.
Aqui chegados, é importante não apagar a memória, nem permitir como alguns querem, que se distribuam responsabilidades por igual, incluindo aos que se opuseram ao rumo de desastre que colocou o país à beira de um precipício. Não! O PCP agiu de acordo com o seu compromisso com os trabalhadores e o povo, não se submeteu ao rolo compressor da União Europeia, nem aos interesses do capital. Alertou para as consequências, lutou contra este rumo, apontou soluções. E é isso que uma vez mais pretendemos fazer agora.
Camaradas e amigos
O euro, longamente almejado pelos grandes grupos económicos e financeiros europeus, incrustou-se com naturalidade na superestrutura política da transnacionalização do grande capital europeu, a CEE/União Europeia, e consistiu no desenvolvimento lógico e previsível requerido pela sua natureza de classe, sempre por nós denunciada.
Independentemente da sua configuração, independentemente das políticas que lhe estão associadas, o Euro foi e é um instrumento das classes dominantes e das grandes potenciais, construído para facilitar a transferência da riqueza produzida para as grandes potências, para lubrificar a apropriação e concentração da mais-valia no capital
A sua introdução em Portugal constituiu, um violento salto qualitativo, que acentuou gravosamente a opção neoliberal e federalista do edifício comunitário.
Para Portugal, em vez do propalado progresso social, o euro representou aumento do desemprego e da precariedade, contenção dos salários e aumento da exploração, desigualdades sociais e pobreza, emigração forçada e envelhecimento, desordenamento do território e degradação das funções sociais do Estado.
Em vez de investimento, expansão comercial e crescimento, representou desinvestimento e degradação produtiva, perda de competitividade e endividamento externo, estagnação e recessão.
Em vez da modernização, da racionalização, do novo modelo de especialização da economia, representou desindustrialização, privatização e “desnacionalização” das empresas estratégicas, enfraquecimento da intensidade tecnológica das exportações e aprofundamento de um perfil produtivo debilitado, dependente e periférico.
Em vez de contas públicas equilibradas, representou endividamento público, descontrolo orçamental e agravamento do défice como temos visto.
Em vez de eliminar a especulação cambial, substituiu-a pela especulação entre a moeda única e o dólar e outras moedas, e pela especulação com as dívidas soberanas.
Em vez da convergência europeia, tivemos divergência social, económica e cometitiva.
Tais foram os resultados do euro. Nada do que andaram a vender ao povo português. Nada do que prometeram ao povo português.
O euro e os constrangimentos da UEM servem os interesses da grande banca privada e dos grupos monopolistas, mas são contrários aos interesses dos trabalhadores e do povo português, bem como aos interesses dos trabalhadores e dos povos europeus.
A moeda única europeia ajusta-se tendencialmente aos níveis de produtividade, ao perfil de especialização produtiva e à capacidade exportadora sobretudo da Alemanha e aos requisitos do capital financeiro europeu.
Não tem em conta a realidade, as necessidades, os interesses da produção e da economia portuguesa. Menos ainda as suas potencialidades. Muito pelo contrário, é uma pressão permanente para a debilitação da nossa indústria, da nossa capacidade de produzir riqueza, da nossa liberdade de distribuir riqueza, do nosso desenvolvimento, da nossa soberania.
Portugal precisa de se libertar do euro e dos constrangimentos da integração monetária.
Precisa de uma moeda adequada à realidade e às potencialidades económicas do país, aos seus salários, produtividade e perfil produtivo, que concorra para os promover, ao invés de os desfavorecer.
Precisa de uma gestão monetária, financeira, cambial e orçamental autónoma e soberana, ajustada à situação nacional e que aproveite todas as margens de manobra para fomentar a produção, o emprego e o crescimento.
Precisa de contar com um verdadeiro banco nacional que suporte o seu projecto de desenvolvimento, nomeadamente como fonte de financiamento de último recurso que o liberte seja da chantagem dos especuladores no mercado da dívida, seja da chantagem do BCE, da União Europeia e do FMI no financiamento da banca e do Estado.
Precisa de abandonar o pacto de estabilidade e crescimento e todos os seus derivados, o tratado orçamental, a governação económica, o semestre europeu, que impõem o agravamento da exploração e do empobrecimento e constrangem violentamente o investimento e a actividade produtiva.
Precisa de abandonar a união bancária, que privatiza, entrega e concentra a actividade bancária nacional nas mãos dos grandes bancos europeus.
Precisa de se proteger das perdas de competitividade pelas valorizações excessivas da moeda única.
Precisa de mais atrito na saída de capitais, de resistir melhor à especulação financeira e conter o endividamento externo, animados pela União económica e monetária.
Portugal precisa, em suma, de se libertar do euro. E a libertação do euro teria todas essas vantagens.
Alguns pretendem, numa defesa implícita da integração monetária, que o “o problema não é do euro, mas da política do euro”.
É não perceber que o genoma da chamada austeridade e do empobrecimento já está todo contido no euro. Não deixa de ser risível manter estes equívocos, quando ao longo dos anos, na edificação da arquitectura do euro, se foram sempre apertando os constrangimentos e reforçando os mecanismos que empurram os estados e os povos para a eternização e aprofundamento da pobreza e da dependência
É não perceber que o euro, moeda única, seria sempre simultaneamente a moeda da periferia e do centro, dos países atrasados e das grandes potenciais , de Portugal e da Alemanha. Mas não se pode servir a dois amos, ou o euro se ajusta à condição, às necessidades e aos interesses da Alemanha, ou se ajusta aos de Portugal.
Como é sabido, o euro é uma moeda fiduciária, indissociável da política monetária, da definição das taxas de juro, de câmbio, dos objectivos da inflação, do fornecimento da liquidez bancária, das regras orçamentais, para o cada vez mais heterogéneo e socialmente fracturado espaço da zona euro. Não se pode, por exemplo, separar o euro da taxa de câmbio do euro ou das taxas de juro do BCE, comuns aos vários países.
A bem dizer, o euro é isso mesmo, a política do euro, a moeda da política do euro. Ora Portugal precisa de uma moeda diferente da Alemanha. E os trabalhadores portugueses e os povos da Europa precisam de políticas monetárias diferentes da dos monopólios e do grande capital financeiro.
A libertação da submissão ao euro é uma necessidade estrutural do país, um imperativo do desenvolvimento nacional, para vencer definitivamente a crescente exploração e o empobrecimento, para poder investir, para defender o aparelho produtivo, para escapar da estagnação, para voltar a crescer sustentadamente. E o país tem que ser preparado para isso.
Entenda-se que o reforço da integração capitalista nem sequer exclui, como se ameaçou no ano passado, a possibilidade de expulsão de países da zona euro. Como quem perante uma maçã já está demasiado podre, da qual já não se lhe consegue tirar nada, a manda borda fora para não correr o risco de apodrecer as outras maçãs que ainda estão dentro do cesto.
A União Europeia, e muito especialmente a zona euro, não estão feitas para ajudar os países ou os povos. Ficar ou não ficar, deixar ou não deixar um país no euro é, para o grande capital, que determina a política europeia, uma decisão resultante do permanente reequacionar dos seus ganhos e dos seus benefícios. Ou seja, este ou aquele país, estará bem na moeda única se, e quando, o grande capital retire daí proveitos.
Também os povos têm o direito de reequacionar as suas vantagens e desvantagens. Nenhum povo está condenado a ficar aprisionado no euro e os pseudo-argumentos legalistas ruíram quando a possibilidade foi aventada pelo próprio Eurogrupo em relação à Grécia. Há sempre a possibilidade do país, por vontade do seu povo, decidir a sua própria libertação.
Os beneficiários do euro e os seus prosélitos falam muito dos custos da saída do euro, mas falam pouco dos custos da entrada e menos ainda dos custos cada vez mais insuportáveis da permanência.
Não ignoramos, não negligenciamos, não menorizamos os riscos, os problemas e as dificuldades do deste caminho, depois deste tempo todo, quando já estão prestes a chegar à maioridade os primeiros cidadãos que nasceram depois da integração monetária.
Mas a libertação do Euro que propomos, é para o país crescer em vez de estagnar e definhar, é para investir em vez de regredir, é para criar emprego em vez da emigração forçada, é para distribuir a riqueza de uma forma mais justa em vez das crescentes desigualdades, é para viver melhor em vez de um paraíso prometido que se parece cada vez mais com um inferno, é para aprofundar a democracia, em vez da tornar prisioneira do directório das grandes potências.
A discussão que o PCP tem vindo a promover na sociedade portuguesa sobre o estudo e preparação para a libertação do país da submissão ao Euro tem sido acompanhada de uma crescente consciência em vários sectores da sociedade da justeza desta proposta. Portugal precisa de remover os constrangimentos e condicionamentos externos que impedem o seu desenvolvimento. O actual quadro político do país, decorrente da luta e da alteração da correlação de forças na Assembleia da República alcançada nas últimas eleições legislativas, em vez de esbater, evidencia ainda mais que só rompendo com as imposições da UE e do capital monopolista, será possível assegurar uma política que aproveite todas as potencialidades de desenvolvimento do país
A evidência de um país que, desde a adesão ao euro, praticamente não cresceu e multiplicou o desemprego, na verdade dos que menos cresceu no mundo, mas que simultaneamente adquiriu das maiores dívidas pública e externa do mundo, abre mais os olhos à população, do que todas as fundamentadas denúncias que se poderiam aqui fazer.
Para grandes males, grandes remédios. A libertação da submissão euro, a recuperação da soberania monetária é uma necessidade estrutural do país. Mais gente o compreende, mais gente o compreenderá.