Obrigado pelo convite para nesta reunião abordar as experiências da Irlanda com o Euro e a UE em geral, incluindo também o nosso resgate. Darei também a minha opinião sobre para onde penso que a UE deverá encaminhar-se.
Provavelmente, todos viram as manchetes sobre o resgate irlandês e de como é suposto recuperarmos milagrosamente e como agora somos supostamente uma das principais economias da Europa.
A verdade é completamente diferente.
Creio que ainda estamos a sofrer os efeitos do resgate e do interesse da troika pela na Irlanda na altura da queda de mercado.
É claro que a UE argumentaria que todas as nossas decisões desde o resgaste são da nossa responsabilidade e não tem nada a ver com elas. Até certo ponto, isso é provavelmente verdade, mas o nosso Ministro das Finanças seria o presidente do Eurogrupo se fosse esse o caso?
Teria a UE teria socorrido a Irlanda se não seguíssemos completamente as suas orientações; penso que a experiência da Grécia mostra isso.
Ambos países tiveram a experiência de listas de espera maiores e dívida inter-geracional. Em ambos os casos, o resgate foi um empréstimo forçado para salvar bancos Alemães, Franceses e Britânicos, não o povo de nenhum dos dois países.
A única diferença real entre a Irlanda e a Grécia é que nós aceitamos silenciosamente, comprando a retórica do sistema que dizia que nós éramos totalmente responsáveis pela dívida.
Conseguimos termos um pouco mais ligeiros e talvez a nossa economia tenha conseguido sobreviver melhor, mas ainda estamos a sofrer o rescaldo, tal como os Gregos, sem dúvida.
O resgate foi muito grave para a Irlanda e o nosso povo, enquanto muito cómodo para os bancos Europeus que causaram a crise e se certificaram que receberiam todo o seu dinheiro de volta.
Quando se opera um resgate como este, cumprem-se as ordens para ser um bom menino, e nosso governo foi muito bom nisso. Aceitando um empréstimo forçado como se tivéssemos ficado contentes com isso.
É claro que na Europa é "a razão do mais forte é sempre a melhor" e os pequenos países devem ter cuidado. Tudo será feito para proteger os países maiores.
Penso que isto foi perfeitamente realçado pelos comentários de Mario Draghi ao Parlamento Europeu recentemente, onde ele agora é a favor de ajuda da UE financiada pela dívida, o que contrasta com sua postura quando liderou a Troika que e com os resgates da Irlanda e da Grécia.
Ele foi presidente do BCE que puniu a Grécia porque resistiu a austeridade. Agora que comanda a Itália é necessário ajuda da UE financiada pela dívida. A Itália, país onde a dívida pública é de 160% do PIB.
Mas a Itália é grande demais para falir, é isso que todos devemos aprender.
Vista de fora, a Irlanda é hoje um país em crescimento; ou para um proprietário de uma empresa multinacional é um ótimo lugar para fazer negócios. Não há dúvida que muitas grandes empresas e os ricos estão muito bem.
Mas oficialmente há quase 10 mil sem abrigo no país. Isso sem mencionar que nas áreas rurais, como a zona no extremo noroeste do país que eu represento, onde muitos sem abrigo ficam em casa de amigos ou familiares e não são considerados como tal.
No parlamento, na semana passada, ouvimos uma história de uma família em alojamento de emergência que ia ser despejadas porque tinham lá permanecido durante demasiado tempo!! A mulher cabeça do agregado tinha um emprego a tempo inteiro numa agência do governo que ajuda as famílias sem abrigo, onde ganha cerca de €35 mil por ano e não consegue comprar ou alugar uma casa por causa dos custos elevados. Este é o tipo de economia em que vivemos.
Além disso, temos um bairro operário de Dublin, onde há uma necessidade desesperada de habitação, e onde um bloco de duzentos apartamentos viu 80% dos habitações compradas pela Google para alojamento dos seus trabalhadores. Este é o tipo de política de governo que temos agora.
Poder-se-ia argumentar que isso não é culpa da UE, mas quando fomos resgatados, a Troika garantiu que a apoio à habitação fosse encerrado. Isso levou a um enorme acumulo de pessoas na lista de espera para habitação e um aumento de sem abrigos.
Até o momento, ainda não recuperamos dessa situação e a política do governo não está a corrigir a situação.
Cabe ao povo mudar de governo e essa é uma opção que procuro continuamente.
Seria interessante ver qual seria a atitude da Europa face a um governo diferente que coloque o povo em primeiro lugar.
Curiosamente, quando estava a olhar para o direito à habitação e para o reconhecimento dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais na Constituição Irlandesa, notei que em Portugal existe um direito constitutional à habitação. Parecia que a Troika não poderia atacar as políticas de habitação de Portugal por causa da proteção constitucional. Talvez isso seja um pouco simplista, mas é interessante notar; podem haver outras razões e eu gostaria de ouvir falar disso.
Mas, no contexto Irlandês, isso seria uma forma de reforçar a nossa constituição e proteger contra o enfraquecimento dos direitos dos cidadãos com maior envolvimento da Comissão [Irlandesa para os Direitos Humanos e Igualdade] no funcionamento do país.
Apresentei uma proposta 3 vezes no Parlamento para um referendo para consagrar Direitos Económicos, Sociais e Culturais na nossa Constituição, o que incluiria o direito à habitação; todas as vezes o governo bloqueou a proposta.
Assistimos hoje o aprofundamento da Zona Euro e a verdadeira razão para tal, no que diz respeito à Europa, é a militarização da comunidade Europeia.
Na Irlanda, vemos isso nas declarações sobre nossa neutralidade e como é egoísta, como dizem.
Devíamos aumentar o apoio aos nossos parceiros, juntando-nos à NATO ou comprometendo-nos plenamente com as iniciativas Europeias de defesa. A Irlanda entrar na NATO é a única maneira de proteger a Ucrânia, dizem.
Politicamente na Irlanda, os partidos dominantes – o Fine Gael (o partido abertamente conservador) e o Fianna Fail (partido menos abertamente centrista) – mas movem-se para desfazer a nossa neutralidade, ficariam felizes em vê-la desaparecer e podermos ser vistos como "bons meninos".
A dado momento, tivemos uma política de neutralidade na qual nos podiamos orgulhar. Por exemplo, fomos os promotores do Tratado de Não Proliferação Nuclear na ONU e dos primeiros signatários na década de 1960.
Muitas nações pequenas viam-nos como aliados por causa de nossa história de luta colonial e da nossa postura, e creio que isso está sendo ameaçado por causa de nossa subserviência ao projeto Euro.
Vemos a posição do governo Irlandês toma, quando na Irlanda, em relação à Palestina e como, quando vai para a UE, fica muito calado. A UE continua a trabalhar com Israel e apoiar a destruição contínua de aldeias e vidas Palestinas.
O encorajador é que, em sondagens, pelo menos 65% das pessoas querem manter a neutralidade como política governativa central. Isso diminuirá um pouco a sua determinação, mas, entretanto, continuarão a minar a neutralidade pouco a pouco.
Continuarão a avançar nesse sentido até quebrar a neutralidade.
Trabalharão com a NATO em questões como a segurança cibernética, porque na sua óptica isso não fere a neutralidade. Irão vendê-lo dessa maneira, e como não envolve soldados no terreno botas no chão, como não é emotivo para as pessoas, podem fazê-lo.
Nós, na Irlanda, devemos proteger-nos contra este avanço por um exército Europeu e garantir que os Irlandeses não acabem por morrer pelos ideais Europeus que criam uma fortaleza na Europa e permitem que milhares de pessoas, para cuja miséria a Europa contribuiu, se afoguem no Mediterrâneo.
As elites da Europa têm movimentações contínuas em direção a esse objetivo. Draghi disse ao Parlamento que "precisamos de um federalismo pragmático que englobe todas as áreas afetadas pelas transformações em curso: da economia à energia e à segurança. Se isso exigir encetar caminho que leve à revisão dos Tratados, devemos seguí-lo".
Disse também que a Europa deve passar a "tomar decisões por maioria qualificada", o que deixaria países como a Irlanda na defensiva e à mercê dos grandes Estados. Veremos políticas como o resgate para a Irlanda regularmente?
Como todos os grandes países da Europa, ex-impérios, ele quer uma "conferência para racionalizar e otimizar.... os gastos militares", isto é, utilizar cada vez mais os meios de guerra como a única política externa.
Se o Euro facilitar isso, então terá futuro a meu ver.