Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"A hora não é de pôr o povo à defesa, é de avançar para concretizar tais objectivos"

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo:

Foi a luta dos trabalhadores e do povo que nos trouxe até aqui. Foi a luta corajosa e determinada que os trabalhadores e o povo português travaram ao longo de quatro penosos anos que conduziu o Governo PSD/CDS ao isolamento político e social.

Foi essa luta que tornou evidente a ilegitimidade das suas políticas, que denunciou o caráter injusto e desigual das suas opções e a dimensão dramática das suas consequências.

Foi essa luta que juntou aqueles que se sentiram atingidos nos seus direitos e ofendidos na sua dignidade, criando as condições para a derrota eleitoral infligida a PSD e CDS, com a perda da sua maioria absoluta.

Mal de nós se agora fechássemos a porta que a luta do povo abriu!

Nos últimos quatro anos, assistimos neste País a um enorme esforço nacional que todos temos o dever de reconhecer e valorizar: o esforço de milhões de portugueses que não regatearam forças para defender os seus direitos, enfrentando o Governo que os espezinhava; de trabalhadores e reformados, que lutaram para defender salários, pensões e outros direitos que lhes foram cortados; de desempregados, jovens e trabalhadores precários, que, querendo construir o futuro das suas vidas e dispondo apenas da sua força de trabalho, lutaram pelo emprego, por um contrato efetivo, por salários e horários dignos ou horas de descanso; de pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores, que lutaram para manter as suas atividades e o seu sustento; de intelectuais, artistas, investigadores, que lutaram pela valorização social e profissional das suas profissões; de populações, que lutaram para defender as suas escolas, os seus postos de saúde, as suas freguesias e tantos outros bens fundamentais para as suas comunidades.

Foram esses milhões de portugueses que derrotaram o Governo PSD/CDS, afirmando a unidade onde o Governo procurou semear a divisão, fazendo vencer a esperança onde o Governo usou a ameaça e quis impor o medo, derrotando com a ação e a luta as tentativas de impor o conformismo e a resignação.

Foram esses milhões de portugueses que construíram na luta e confirmaram no voto aquilo que pretendiam: derrotar o Governo PSD/CDS e afirmar a sua aspiração a uma política que dê resposta aos seus problemas concretos.

A derrota eleitoral de PSD/CDS, com o fim da sua maioria absoluta em resultado da perda de 700 000 votos e 25 deputados, foi a confirmação eleitoral de que, há muito, este era um Governo derrotado.
Há muito que o Governo PSD/CDS era um Governo sem legitimidade. Por violar compromissos eleitorais, por governar contra o povo e a Constituição, por não dispor de base política e social de apoio que lhe permitisse prosseguir a sua política de exploração e empobrecimento, há muito que era um Governo isolado e derrotado.

E há muito que apenas se mantinha no poder porque se agarrava a uma maioria parlamentar que não tinha correspondência política e social e porque contava com a conivência do Presidente da República.

Depois das eleições do passado dia 4 de outubro, PSD e CDS contam apenas com a conivência do Presidente da República. Mas como isso não é suficiente para manter um Governo contra a vontade do povo, teremos hoje mesmo de confirmar a derrota do seu Programa e impedir a sua entrada em funções, confirmando a vontade popular.

A forma como o Governo PSD/CDS se apresenta neste debate é, de resto, a melhor confirmação de que se trata de um Governo consciente da sua derrota e de que não pode continuar a governar.

Apresentaram um Programa que nem se atrevem a defender, tão evidente é a constatação de que se propõem, afinal, manter e agravar a mesma política que vinham fazendo, sem prejuízo de um arrazoado de contradições com a sua prática política que deixa a nu a sua falta de credibilidade.

Recusam-se a responder a qualquer problema concreto, procuram a todo o custo fazer a discussão desligada daquilo que deviam ser as suas preocupações centrais — a vida das pessoas e o destino do País — e fazem toda a discussão política num plano abstrato recorrendo aos únicos argumentos que utilizaram ao longo de quatro anos: a ameaça, a chantagem, o drama e o medo.

Não discutem o seu próprio Programa, querendo convencer-nos da sua bondade. Querem apenas, com este debate, fixar a narrativa que têm preparada para o futuro e que assenta em sete ideias falsas.
Primeira ideia falsa: a de que, nos últimos quatro anos, o Governo PSD/CDS resolveu os graves problemas estruturais do País.

Afirmam isto num País que deixam com um fardo de 220 mil milhões de euros de dívida pública; com um desemprego real a atingir mais de 1,1 milhões de trabalhadores; em que 80% dos novos contratos de trabalho são precários e 20% dos trabalhadores por conta de outrem auferem um salário inferior ao salário mínimo nacional; onde há 2,8 milhões de pessoas em risco de pobreza; um país de onde saíram 500 000 portugueses, na sua maioria jovens e dos mais qualificados, que se viram obrigados a emigrar.

Segunda ideia falsa: a de que agora é que vinha aí o tempo bom em que se iam colher os frutos do que foi feito para trás.

Os dados ontem revelados pelo INE relativos ao comércio externo de mercadorias até setembro apontam para uma redução do saldo global de 11% no período homólogo e, se excluirmos os combustíveis, o saldo agravou-se em 36%. O crescimento económico apontado para 1,7% resulta em 1% exclusivamente da redução do preço do petróleo. Ou seja, é o preço do petróleo que está a camuflar a real evolução económica.

Por outro lado, ninguém percebe que frutos se podem colher do elevado nível de endividamento público e externo do País, do controlo dos centros de decisão nacionais pelo capital estrangeiro em empresas e setores estratégicos, que frutos podem resultar do BANIF ou do BES que pesam como espadas sobre as nossas cabeças ou de uma execução orçamental em 2015 cada vez mais incerta.
O Ministro Mota Soares fazia ontem referência a instituições nacionais com 500 anos de história. Pois, pela primeira vez em 500 anos, o Estado não dispõe de um serviço público de correios porque o Governo PSD/CDS vendeu os CTT a uma empresa estrangeira.

De árvores destas não se colhem grandes frutos!

Terceira ideia falsa: a de que, apesar de ter governado durante quatro anos a esmagar direitos e a destruir o País, agora é que o Governo PSD/CDS estava disponível para ser sensível à pobreza e à miséria que espalhou aos sete ventos e a mudar de atitude relativamente à defesa do interesse nacional.

Com maioria absoluta, referiam-se ao envelhecimento da população como a «peste grisalha»; agora, que perderam essa maioria, falam do «inverno demográfico».

Depois de terem evitado até onde puderam a atribuição de um tratamento adequado aos doentes com hepatite C, de terem desvalorizado o sofrimento de doentes que se acumulavam em corredores e salas de espera de urgências hospitalares, de terem aprovado cortes definitivos nas pensões, que acabaram chumbados pelo Tribunal Constitucional, planeando logo a seguir outros cortes de 600 milhões na segurança social, querem agora que acreditemos que se encheram de sensibilidade social.

Insistem na venda da TAP mesmo que fiquem em gestão; envolveram o Estado como avalista de dívidas que venham a resultar do ruinoso processo de entrega dessa empresa; atribuíram uma subconcessão dos STCP por ajuste direto já depois das eleições; enxamearam a estrutura do Estado com boys nomeados em tempo recorde; contrataram para vender o Novo Banco um especialista em desmantelar e vender património público cujo lugar de ex-Secretário de Estado ainda nem tinha arrefecido e querem convencer-nos de que daqui em diante é que defenderiam ferreamente o interesse nacional.

O simples teste de tais proclamações teria um custo insuportável em vidas e retrocesso do País que não podemos aceitar.

Quarta ideia falsa: a de que ganharam as eleições porque se tratava de eleger um Primeiro-Ministro.
Tentam reduzir as eleições a uma falsa disputa para Primeiro-Ministro, para partido mais votado ou para o governo, mas o critério que escolheram para afirmar essa vitória tem dois problemas de fundo: primeiro, não existe esse tipo de eleição e, segundo, a vontade maioritariamente expressa pelo povo português não foi essa.

Aquilo que verdadeiramente se decidiu foi o número de Deputados que cada força política elegeu, as maiorias parlamentares que se podem formar na Assembleia da República e a base institucional que se criou para suportar uma determinada política e o Governo que pode entrar em funções.

Por muito que custe a PSD e CDS, o critério para a formação dos governos está na Constituição e resulta da composição da Assembleia da República, não está nos supostos pódios eleitorais das folhas de jornais aqui brandidas ontem pelo CDS.

Quinta ideia falsa: a de que só um Governo PSD/CDS é um governo legítimo e que qualquer outra solução governativa é ilegítima, sobretudo uma que não resulte de uma coligação pré-eleitoral.
Num quadro em que nem sequer dispõem de condições para entrar em funções, acusam de ilegítimas outras soluções governativas que possam reunir essas condições na sequência e no respeito da vontade expressa pelo povo português a partir da composição da Assembleia da República.

Depois de terem passado quatro anos a justificar que, apesar de isolado política e socialmente, o Governo PSD/CDS se devia manter no poder porque dispunha de uma maioria na Assembleia da República, agora que já não dispõem dessa maioria tentam arranjar um critério diferente para justificar um resultado idêntico.

A sexta ideia falsa é a de que, para que haja uma alternativa ao Governo PSD/CDS, alguém tem de prescindir do seu programa e da sua coerência política.

Neste aspeto, regista-se a influência do CDS — daí as suas gargalhadas! —, que não conseguiu ainda compreender que contribuir para a formação de uma determinada solução governativa não tem de implicar que se prescinda do Programa, da independência, dos objetivos políticos ou da coerência.
Nem todos os partidos sentem a pressão de passar de eurocéticos a euroconvictos, como o CDS fez em 2002 a troco de uns lugares no Governo de Durão Barroso.

E nem todos os partidos aceitam passar de partido dos contribuintes, dos pensionistas e da lavoura a partido carrasco das pensões, dos agricultores e dos contribuintes, como o CDS fez em 2011 para integrar o Governo de Passos Coelho.

Por fim, a sétima ideia falsa é a de que só há uma escolha: um Governo PàF ou o caos.

O tremendismo e o medo com que PSD e CDS procuram caraterizar as consequências de um Governo que não o seu corresponde à linguagem de ameaça e de chantagem com que se relacionaram com os portugueses nos últimos quatro anos.

De resto, nesse aspeto, há pelo menos uma escolha adequada no Governo. O hoje Ministro Costa Neves, há um ano Deputado do PSD, comparava uma proposta de renegociação da dívida ao fim da ligação da Internet com o exterior e ao fim do acesso ao YouTube. Talvez acabe considerado um moderado neste elenco governamental!…

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Membros do Governo
Sr.as e Srs. Deputados,

Como já se disse anteriormente, o Programa do Governo é uma proposta de continuidade e intensificação da política com que PSD e CDS agravaram a exploração e o empobrecimento, aprofundaram as injustiças e desigualdades e impuseram a degradação do regime democrático, misturada agora por conveniência com um arrazoado de contradições com a sua prática política e sem ponta de credibilidade.

O Programa do Governo confirma as muitas e fortes razões para que o Governo PSD/CDS não entre em funções, não apenas pelos prejuízos que tem causado, mas também pelos que pretendia continuar a causar aos trabalhadores, ao povo e ao País.

Rejeitar o Programa e derrotar o Governo PSD/CDS são os primeiros passos para concretizar a vontade do povo. Recuperar direitos retirados, alcançar avanços que correspondam às aspirações dos trabalhadores e do povo são objetivos para os quais as decisões desta Assembleia da República não são suficientes mas para cuja concretização podem dar um importante contributo.

A hora não é de pôr o povo à defesa, é de avançar para concretizar tais objetivos. É esta a responsabilidade que se impõe assumir e a qual o PCP assumirá.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados Miguel Santos e Francisco Mendes da Silva,

Agradeço as questões que me colocaram, não sem antes fazer um lamento e deixar uma nota de regozijo.

O lamento tem a ver com o facto de os Srs. Deputados, apesar da intervenção que fiz, insistirem em não discutir aspeto rigorosamente nenhum do Programa do Governo.

Não procuram contrariar nenhuma das ideias a propósito da situação do País, da vossa propaganda mentirosa, das vossas ilusões, do mal que fizeram aos portugueses durante quatro anos. Não tentam rebater nada disso!

A única coisa que aqui nos trazem é uma perspetiva desesperada de se manterem agarrados ao poder porque sim, sem justificação nenhuma.

Em nome da resolução dos problemas das vidas das pessoas, este é um lamento que tenho de deixar aqui, porque o debate do Programa do Governo devia ser em torno dos problemas que os portugueses têm nas suas vidas, dando-lhes resposta.

Deixo também uma nota de regozijo relativa aos pedidos de esclarecimento que me foram feitos. Julgo que devemos sentir-nos lisonjeados com a preocupação que o PSD e o CDS manifestaram com a manutenção da nossa natureza e identidade, sobretudo no contexto da campanha anticomunista e verdadeiramente cavernícola que tem sido desenvolvida contra o PCP.

Regozijo-me por haver preocupação, da parte do PSD e do CDS, em que mantenhamos a nossa natureza e a nossa identidade.

Sr.as e Srs. Deputados do PSD e do CDS, se calhar, essa é a única matéria em que vos posso tranquilizar. Podem estar descansados: o PCP não se vai colocar nunca numa posição de incoerência como aquelas que eu já vou vos descobrir.

A propósito do dia seguinte, da posição comum e dos compromissos, o Sr. Deputado Miguel Santos perguntou se o PCP dá o «jeitinho» e o Sr. Deputado Francisco Mendes da Silva formulou a sua questão com aspetos mais concretos.

Srs. Deputados, quero dizer-vos que, com o que se vai passar hoje e nas próximas semanas, talvez se possa criar uma outra perspetiva dos contributos dos partidos para a formação de soluções governativas que não passem por uma lógica de convidar companheiros para o percurso procurando liquidá-los ou procurando partir-lhes a espinha.

Srs. Deputados do PSD e do CDS, há uma diferença grande que foi visível na discussão feita nas últimas semanas entre o PS e o PCP: nem o PCP tentou convencer o Partido Socialista a abandonar as suas posições, nem o PS tentou convencer o PCP a desistir do seu Programa.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Já percebemos que isso causa um grande incómodo, porque os senhores habituaram-se a construir soluções governativas na base de coligações, partindo a espinha ao CDS, que, de alguma forma, tinha de justificar que aceitava ficar com a espinha partida e perder a coerência relativamente às posições que assumia.

Os Srs. Deputados quiseram fazer perguntas, mas não estão interessados na resposta. Fica apenas registado em ata e para quem nos está a ouvir.

O processo de discussão entre o PS e o PCP foi sério e empenhado na procura de respostas políticas para os problemas do País, para os problemas dos portugueses, para os problemas imediatos que se colocam aos trabalhadores e ao povo, assumindo que, em relação ao que havia convergência, essa convergência registava-se e, quando ela não existia, obviamente que não se registava, e nenhum tentou quebrar a espinha ao outro por causa disso.

Sabem, Sr.as e Srs. Deputados, ao contrário do que os senhores têm feito neste debate do Programa do Governo, discutiram-se naquelas reuniões, de forma muito aprofundada, soluções para os problemas concretos e imediatos dos trabalhadores e do povo, as quais, no tempo em que nós decidirmos e não no tempo em que os senhores querem para desviar o centro deste debate, vão ter oportunidade de conhecer.

ara terminar, dirijo-me em particular ao Sr. Deputado Miguel Santos, que decidiu citar uma afirmação do Deputado Jerónimo de Sousa, mas podia ter citado tantas outras em que disse, com muita clareza, os objetivos com os quais o PCP se apresentou ao combate eleitoral.

O primeiro objetivo era derrotar este Governo do PSD e do CDS e o segundo objetivo era criar condições para contribuir para uma política que desse, de facto, resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do País. Sr. Deputado Miguel Santos, estes objetivos não estão desligados entre si.
Nós sabemos que uma política que responda aos problemas dos trabalhadores e do povo pode depender de muita coisa, e depende de uma logo à cabeça: interromper o ciclo de governação do PSD e do CDS, derrotar e demitir este Governo de forma a criarem-se condições para que uma outra política possa ser concretizada. E esse primeiro objetivo foi alcançado.

Quanto ao segundo objetivo, estamos a trabalhar para ele, e foi com esse objetivo que fizemos esta discussão.

Obviamente, essa é uma matéria em que a disponibilidade de cada um é decisiva. E sabe porquê, Sr. Deputado Miguel Santos? O Sr. Deputado queria — e nós percebemos porquê — que no desafio que lançámos ao Partido Socialista colocássemos à cabeça as matérias de divergência e disséssemos «sem isto não há nada, sem isto não há possibilidade de responder a problema nenhum do País!» E a partir daí estavam registadas as divergências e os senhores mantinham-se no poder.

Mas nós fizemos o contrário. Olhando para a correlação de forças nesta Assembleia da República, percebendo que dela podia sair uma solução governativa diferente da do PSD e do CDS-PP e que estavam criadas condições para que se pudesse adotar uma política que responda aos problemas dos trabalhadores e do povo e do País e que seja, de facto, uma solução duradoira, percebendo isso, disponibilizámo-nos a dar o nosso contributo, e é isso que estamos a fazer para vossa irritação e para vosso incómodo.

Para terminar, Sr. Deputado Miguel Santos, um bocadinho mais de rigor nas afirmações que aqui faz. Olhe que a CDU não perdeu votos, aumentou votos em relação às eleições legislativas de 2011.

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