Relatório de Orientação da Política Orçamental e Grandes Opções do Plano para 2009
Intervenção de Honório Novo na AR
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Nós já tínhamos percebido que as previsões económicas do Governo são uma espécie de prognósticos, e já não é a primeira vez que o senhor o afirma.
Porém, parece-me que quem não acredita muito nos prognósticos deste Governo é o próprio Ministro da Economia, que tem feito profecias de que a situação vai piorar. Espero que já tenha falado com o Sr. Ministro da Economia para acertarem agulhas!
De qualquer maneira, relativamente aos prognósticos de V. Ex.ª, eu não resisto a confrontá-lo com uma previsão inserida no vosso quadro macroeconómico, para além da do petróleo, que é a das taxas de juro Euribor. Sr. Ministro, acha sustentável manter a previsão de 4,3% para a taxa Euribor para este ano e de 3,8% para o ano, quando estamos a menos de uma semana da decisão do Banco Central Europeu (BCE) de aumentar novamente a taxa de referência de juro da zona euro?
Quero também falar-lhe sobre o que as GOP abordam acerca do novo plano de privatizações. O Governo aborda ao de leve este programa, mas afirma que, em 2009, quer ter receitas de 0,3% do PIB, o que significa, grosso modo, mais de 500 milhões de euros de receitas de privatizações.
Sobre esta matéria, quero colocar-lhe várias questões. Primeira, confirma esta estimativa? Segunda, é possível termos uma ideia de quais as empresas que os senhores estão a pretender privatizar em 2009, para além da ANA, porque esta perece-me evidente? Terceira, quais as implicações e consequências destas opções nas contas nacionais futuras, Sr. Ministro?
Nós olhamos para a execução orçamental de Maio deste ano e, em cinco meses, percebemos que o valor dos dividendos de empresas do Estado é de 450 milhões de euros, isto só até ao final de Maio deste ano.
Acha que, com esta opção privatizadora, o Governo está a utilizar uma opção economicamente racional? Acha que esta opção vai ter efeitos negativos, ou não, nas contas financeiras do Estado? E como é que vai pretender obstaculizar essas consequências negativas? Diga-nos como é que vai obter as receitas de que vai prescindir com as privatizações que se prepara para fazer.
(...)
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
Como vem sendo má prática deste Governo, as Grandes Opções e o Relatório de Orientação da Despesa voltaram a entrar fora dos prazos legais (proposta de lei nº 201/X ). Pior que o incumprimento de prazos é verificar quanto estes documentos não permitem responder aos problemas centrais que o desenvolvimento e o reforço da coesão social e territorial do País exigem.
Em Portugal a desigualdade na distribuição de rendimentos agrava-se desde o início dos anos oitenta. Alguns estudos recentes vieram mais uma vez confirmar o que todos sabemos mas que muito poucos reconhecem, sobretudo porque sabem quanto esta situação é consequência de políticas de que têm sido os únicos responsáveis ao longo de três longas décadas.
Ao contrário do exigível, as Grandes Opções passam à margem deste problema, esquecendo o papel central da dignificação e da elevação dos salários na contenção das desigualdades sociais, na eliminação de factores de exclusão social e no combate à pobreza - incluindo a pobreza escondida e envergonhada que cresce precisamente à sombra dos baixos salários.
Anos seguidos a perder poder de compra, a resistir à desvalorização constante dos salários enquanto, por outro lado, os rendimentos escandalosos dos gestores dos grandes grupos económicos não merecem mais que duas ou três lágrimas de crocodilo em alturas de pompa e circunstância.
Nem uma única palavra sobre esta questão nas GOPs, nem uma palavra sobre isto no Relatório de Orientação da Despesa.
Bem se percebe então porque é que o Governo, confrontado com uma inflação que já está quase nos 3% se opõe a qualquer aumento intercalar de salários e pensões, mesmo que tenha dito e prometido que os aumentos salariais em 2008 não podiam ser menores que a inflação!
Mas não é só a ausência de políticas justas de distribuição da riqueza que fere de morte a consciência deste Governo (se é que a tem)!
A precarização crescente do mercado de trabalho, os riscos agravados na caducidade da contratação colectiva, a chantagem das deslocalizações e da perda de investimentos, a pressão para baixar salários por causa do crescente desemprego, as tentativas de facilitar e liberalizar despedimentos, tudo isto são peças essenciais contra os direitos de quem trabalha e que agora nos aparecem rodeados de uma encenação negocial para fazer passar por bom um Código de Trabalho que é uma refinada peça de regressão social. A que não faltará certamente, um dia destes, "a liberdade" de negociar horários de trabalho até 65 horas semanais!
Não é com estas opções e políticas que algum dia haverá reforço de coesão social, a redução da pobreza ou a criação de mais igualdade de oportunidades tal como, retoricamente, o Governo repete, ano após ano, nas GOPs, e não só!
Um outro problema central que as GOPs não abordam, ou só abordam de forma parcelar e deficiente, tem a ver com a estratégia de crescimento e desenvolvimento para o País.
As GOPs não analisam as questões relativas à capacidade produtiva do País, à sua evolução, à necessidade imperiosa de a aumentar, reforçar e modernizar, demite-se de articular esta questão com o problema central da balança comercial cujo défice - este sim - constitui um problema estrutural primeiro do nosso País e cujas consequências, por exemplo nas contas nacionais a médio prazo, passam completamente à margem do Relatório de Orientação da Despesa!
E o que se lê sobre o caso particular das despesas de investimento público é quase surrealista, incluindo o que (não) se diz sobre a utilização dos financiamentos comunitários do QREN (2007-2013), seja ao serviço de uma visão de integração e de coesão territorial do País, seja ao serviço de estratégias de apoio e de reforço do vastíssimo tecido das micro e pequenas empresas nacionais.
Continuamos a defender um modelo de forte crescimento económico no qual tenha um papel catalizador o investimento público. Continuamos a entender que é por esta via que também se garante a convergência com a média comunitária e a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, que se substituem importações por produção própria e se sustenta o crescimento das exportações, que é assim que melhor se combate o défice na balança comercial, que é desta forma que se pode garantir coesão territorial, se assegura o reforço da coesão social e, finalmente, se podem equilibrar as contas públicas sem recorrer à destruição e ao encerramento de serviços públicos, - seja de escolas, seja na saúde ou de instalações judiciais - e sem cortes injustos e socialmente inaceitáveis na Segurança Social, nas reformas ou nos apoios sociais.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Em síntese: as questões relativas à justa distribuição da riqueza, do reforço da coesão social e territorial e do desenvolvimento sustentado do País não existem nas GOP'S e no Relatório de Orientação da Despesa. Todas elas são subordinadas à preocupação central de reforçar a consolidação orçamental. Isto é, tudo fica submetido à necessidade de cumprir as imposições do Pacto de Estabilidade mesmo que a crise financeira mundial faça sentir as suas consequências, mesmo que o disparar especulativo dos preços e a desaceleração do crescimento económico aconselhassem outras opções mais de acordo com os verdadeiros interesses de quem trabalha e com as necessidades de desenvolvimento do País.
Depois de meses a encenar discursos virtuais de pseudo confiança na robustez e na imunidade da economia nacional face à crise financeira mundial, o Governo lá acabou por dar a mão à palmatória e corrigir em baixa as suas previsões económicas.
Uma queda superior a 30% do crescimento do PIB e o reconhecimento da falência total do valor da inflação - foram os elementos mais visíveis da revisão do quadro macroeconómico que o Governo acabou por integrar nas GOPs e no Relatório de Orientação da Despesa.
Há quem diga que são previsões, apenas previsões. E que, como tal, são falíveis. Há até quem arrisque que a previsão de 1,5% para o PIB - agora estranhamente abaixo de todas as previsões internacionais - pode vir mesmo a ser ligeiramente superada e permitir mais um daqueles foguetórios típicos deste Governo, agora em vésperas de sucessivos actos eleitorais.
Só que, infelizmente os portugueses não comem défice nem se alimentam com o Pacto de Estabilidade.
Aos trabalhadores interessa pouco que o Governo diga - vá lá alguém saber porquê - que o preço médio do barril de petróleo vai este ano ser de 115 dólares e de 109 dólares em 2009 apesar de, até final de Junho, nem um só dia ter estado nem abaixo, nem igual aqueles valores tão irrealistas.
Aos trabalhadores, o que interessa é perceber que o Governo - apesar dos sacrifícios impostos desde 2005 sob o pretexto do défice - continua, unicamente, apostado em voltar a impor ainda mais sacrifícios.
Isto os trabalhadores e o País bem percebem! E sentem-no na carne, no dia-a-dia, nas dificuldades do trabalho, nas pensões de miséria, nos preços sempre a subir dos remédios ou no desemprego que alastra, sentem o significado real, o verdadeiro significado da "consolidação orçamental", qual a verdadeira dimensão das consequências das políticas do Governo do Eng. Sócrates!
Daí o isolamento crescente deste Governo. Também por causa desta consolidação orçamental.
Disse.