Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"Governo quer limitar o direito de liberdade de propaganda"

Intervenção de João Oliveira no debate em torno da Proposta de Lei do Governo que Estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios, muros, e outras infraestruturas.
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(proposta de lei n.º 158/XII/2.ª)
Estabelece o regime aplicável aos grafitos, afixações, picotagem e outras formas de alteração, ainda que temporária, das caraterísticas originais de superfícies exteriores de edifícios, pavimentos, passeios, muros e outras infraestruturas
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Administração Interna,
Embora nada tenha que ver com o Sr. Ministro, quero registar um protesto da falta de vontade da maioria para alargar o tempo deste debate.
Sr. Ministro, quero colocar-lhe duas questões muito concretas sobre esta proposta de lei.
Em primeiro lugar, gostávamos de saber porque é que uma proposta supostamente sobre graffiti faz também referência a autocolantes, placards, cartazes e posters?
Em segundo lugar, Sr. Ministro, gostava que nos dissesse, e que fundamentasse com o texto da proposta de lei, se em alguma circunstância um movimento social, um movimento de utentes dos serviços públicos, um sindicato ou uma juventude partidária afixarem cartazes, pintarem um mural ou fizerem um graffiti contestando o Governo ou apelando à participação numa manifestação ou greve são ou não perseguidos e punidos por esta lei e com que justificação.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,
A proposta de lei que agora discutimos não é uma proposta sobre graffiti, é uma proposta que, a coberto dos graffiti, pretende introduzir agravadas limitações à liberdade de expressão e de propaganda, perseguindo quem contesta o Governo e as suas políticas.
Esta proposta persegue os graffiti, mas visa sobretudo perseguir a contestação política e social que o Governo vai enfrentando nas ruas.
Ao misturar graffiti com autocolantes, placards, posters e cartazes, o que o Governo pretende é criar um quadro de perseguição a todas as formas de exercício da liberdade de propaganda. Não se atrevendo para já a criminalizar a contestação política, o Governo fica-se — e não é pouco — pela perseguição policial e pela aplicação de coimas.
A proposta do Governo cria um quadro propositadamente incerto quanto ao seu âmbito de aplicação, introduzindo até. Sr. Ministro. um conceito jurídico tão sólido e claro como é o da conspurcação, mas, sobretudo, permitindo que aqueles presidentes de câmara que já hoje se comportam como autênticos tiranetes, limitando e impedindo o exercício da liberdade de propaganda, reforcem o seu comportamento antidemocrático, ainda por cima com o incentivo de ficarem com uma percentagem das coimas aplicadas.
Sr. Ministro, sabemos bem o que isso significa, porque ainda temos fresca na memória a imagem dos 11 jovens da JCP (Juventude Comunista Portuguesa), detidos na semana passada no Porto, como se de criminosos se tratassem, quando pintavam um mural de contestação ao Governo e de apelo à greve geral.
Essa é a verdadeira intenção desta proposta, isto é, perseguir e punir quem contesta o Governo e as suas políticas.
A exclusão do âmbito de aplicação da lei das situações cobertas pela lei relativa à publicidade e propaganda é apenas «para inglês ver». Aliás, se o Sr. Ministro continuar a ler a proposta de lei depois da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º vai perceber que assim é.
O que o Governo pretende com esta proposta é a possibilidade real de ter presidentes de câmara ou dirigentes de empresas e serviços públicos a limitar direitos constitucionais que os portugueses conquistaram com a liberdade em abril de 74. É esse património político que se impõe defender contra esta proposta do Governo.
Mas esta proposta é também a única proposta possível de um Governo com conceções mesquinhas e atrasadas relativamente à expressão livre da arte e da cultura, que apenas aceita e autoriza a arte e a cultura que não contestem os seus propósitos políticos e ideológicos.
Trata-se de um Governo que, incapaz de compreender o verdadeiro grafito como forma de expressão artística integrada num movimento cultural mais vasto e bem distinto de fenómenos de poluição visual, que obviamente não merecem o nosso apoio, opta por perseguir e punir a expressão artística em vez de criar condições para o seu livre exercício.
Incapaz de compreender e de conviver com expressões artísticas e culturais que não se enquadrem na sua política de gosto ou assumam a crítica social como elemento matricial, o Governo considera vandalismo aquilo que noutros países, como é o caso da Irlanda, Sr. Ministro, é objeto de valorização e classificação patrimonial.
Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a única mensagem que o Governo transmite com esta proposta é uma mensagem de intolerância, censura, autoritarismo e repressão.
É, afinal de contas, o único produto possível de um Governo de desastre nacional cujo programa político para Portugal é de subversão da Constituição, de ataque à democracia, de retrocesso social e cultural para um povo inteiro.
Por isso mesmo, o povo inteiro deve mobilizar-se para exigir novas eleições e construir uma política patriótica e de esquerda com um governo à altura de a executar.

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