Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

"O Governo PSD/CDS não quer combater a pobreza, é uma máquina de fazer pobres."

Ver vídeo

''

Alteração do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, permitindo aos municípios a opção pela redução de taxa a aplicar em cada ano, tendo em conta o número de membros do agregado familiar
(projeto de lei n.º 455/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Vou ler-vos testemunhos reais de três famílias portuguesas.
O João e o Tiago viviam com a mãe, a Maria; agora vivem os três na casa de uma tia-avó, porque os 230 € do rendimento social de inserção com que sobrevivem não chegam para pagarem a renda.
A Maria é doente, com incapacidade superior a 65%, e os dois filhos têm também problemas de saúde. Mensalmente, a fatura na farmácia ultrapassa os 100 €. Aliás, muitos são os meses em que não têm dinheiro para os comprar. Na escola, as crianças abrangidas pelo escalão A não pagam o almoço, mas não têm acesso à totalidade dos manuais escolares. De passe de transporte público cada criança paga 19 € (no escalão A, repito).
A Mariana e a Joana vivem com a mãe; o pai, desempregado há dois anos, foi obrigado a emigrar. A mãe, professora de quadro de zona pedagógica, foi colocada a 134 km de casa, sendo obrigada a fazer 268 km por dia para não perder o emprego. Daqui resultam custos insuportáveis para esta família e a impossibilidade de os pais acompanharem e cuidarem das filhas. Esta mãe não tem dinheiro para pagar o infantário da filha de três anos e na rede pública não há vaga, pelo que está desesperada!
O António tem 49 anos e está desempregado desde fevereiro de 2012. Ontem, recebeu um e-mail da segurança social, onde foi informado de que, a partir de outubro, receberá 511 €, menos 32 € do que recebe agora. Este corte resulta da aplicação da taxa de 6% sobre o subsídio de desemprego e já sabe que será obrigado a devolver 50 € à segurança social.
O António é casado com a Rosa, doente oncológica, que recebe mensalmente 303 € de pensão. A filha, estudante do ensino superior, candidatou-se a bolsa de estudo e aguarda ainda, desesperadamente, a sua atribuição para começar a pagar propinas.
Este é o País real e estes são os reais problemas das famílias portuguesas. No nosso País, desde agosto de 2010 que as crianças que vivem em famílias com rendimentos mensais de referência acima de 628 € não têm direito ao abono de família.
Sim, é verdade! Esta foi uma medida do anterior Governo do Partido Socialista. Mas este Governo PSD/CDS mantém inalterável esta injustiça.
Dados do Governo confirmam que 48% dos beneficiários do rendimento social de inserção são crianças e jovens até aos 24 anos e o valor modal da prestação mensal é de 189 €.
Os dados relativos à pobreza infantil são chocantes: 54,5% das crianças vivem em famílias com rendimentos de referência de 628 € mensais; 22% das crianças a frequentar a escolaridade obrigatória viviam em famílias com rendimentos até 209 € mensais.
Mas para este Governo ainda não chega e, com o Orçamento do Estado para 2014, defende mais desemprego, mais cortes nos salários, mais cortes nas prestações sociais, mais pobreza.
Este Governo tem um projeto político de empobrecimento em massa para concentrar a riqueza nos grupos económicos e na banca. Para proteger e beneficiar o capital financeiro, este Governo põe a pão e água as famílias portuguesas. Para cumprir o pacto da troica e a sua política de classe, este Governo desrespeita todos os dias a Constituição.
Depois de despedir milhares de funcionários públicos, de manter o salário mínimo abaixo do limiar da pobreza, de cortar nos salários, nas pensões e nos apoios sociais, de aumentar brutalmente os impostos, de aumentar o custo de vida, de aumentar o horário de trabalho, de embaratecer e de facilitar os despedimentos, o PSD traz hoje à discussão um embuste.
É um embuste porque este Governo não quer combater a pobreza. Este Governo é uma máquina de fazer pobres e continua a fazer o seu caminho de ruína da vida de milhares de famílias.
Basta de indignidade! É a hora de lutar pelo cumprimento da Constituição e por um País de progresso e de justiça social para todas as famílias portuguesas!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP considera, e quer afirmá-lo com toda a franqueza, que estas propostas dão resposta apenas a uma parte das famílias.
Da análise que fazemos relativamente aos projetos do PSD, entendemos que representam, inclusivamente, uma desconsideração pelas famílias mais pobres. Aliás, podemos mesmo afirmar que o PSD e o CDS, tão afoitos na aplicação de uma condição de recursos para as famílias mais pobres, não querem aplicar uma condição de recursos para as famílias mais ricas.
Centrando-me num exemplo concreto, o imposto sobre veículos, o PSD consagra no seu projeto de lei uma proposta, mas não tem qualquer palavra a dizer aos milhares de famílias com filhos no escalão A — repito, no escalão A! —, que sobrevivem com rendimentos mensais abaixo dos 209 €, obrigando estas famílias a pagar de passe 19 €. Dei aqui o exemplo de uma família que sobrevive com 239 € e que os dois filhos pagam de passe, em Lisboa, 19 €. Isto é profundamente inaceitável!
Outro exemplo é o facto de o PSD trazer aqui uma proposta sobre o IMI, mas não resolver um problema inaceitável que existe na nossa sociedade, que é o do acesso à habitação. Existe hoje, designadamente por parte do Governo e do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, uma política de habitação que não dá resposta às necessidades primárias das famílias.
Mas, da análise que o PCP faz, importa também salientar que estas propostas em defesa das famílias são contraditórias com aquilo que se vai votar daqui a uma semana no Orçamento do Estado para 2014. É que, hoje, o PSD arroga-se defensor das famílias, mas de hoje a uma semana vai votar favoravelmente um aumento de impostos, designadamente de IRS, de 30%; vai votar um corte de 10% nas prestações sociais, como no abono de família; vai votar um corte na escola pública de 600 milhões no acesso à ação social escolar; vai cortar no Serviço Nacional de Saúde e até, continuando um caminho que tem vindo a fazer, desmantelar maternidades pelo País fora.
Não há, pois, dúvida nenhuma de que o problema da baixa de natalidade é um problema grave na sociedade portuguesa, tal como é em outros países europeus, mas sejamos sérios: a baixa de natalidade é inseparável de uma política económica e social que defende intransigentemente o desemprego, a precariedade, os baixos salários, os custos insuportáveis no acesso aos equipamentos de apoio à infância, à educação e à saúde.
Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas isto: é inaceitável que uma família que sobreviva abaixo do limiar de pobreza tenha de pagar numa IPSS, pelo serviço de creche, 40 € para que o seu filho a frequente. É inaceitável.
Portanto, o que nós entendemos é que quem não quer ver que o problema da baixa de natalidade tem a ver com políticas económicas e sociais de empobrecimento não quer resolver o problema da baixa de natalidade. De facto, é isso que o PSD nos traz hoje.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República