Permitam-me antes de mais que agradeça a vossa presença e o conjunto de valiosos contributos para o debate público que aqui temos estado a realizar sobre o preocupante problema da fuga de capitais que o país tem conhecido e sobre a nova dimensão que assume no contexto do Pacto de Agressão do FMI, União Europeia, PS, PSD e CDS.
Trata-se de uma iniciativa importante e muito oportuna, porque realizada num momento em que se estão a impor desmedidos sacrifícios ao nosso povo e se perspectiva levar mais longe o saque do país.
Importante também porque permitiu fazer uma avaliação das diversas componentes que concorrem para o agravamento que se perspectiva deste problema que nos fragiliza e delapida, e tornar evidente a imperiosa necessidade de arrepiar caminho em relação à direcção que o país leva e que conduzirá o país à ruína e ao declínio. Deste nosso país que há muito enfrenta o gravíssimo problema da contínua destruição dos seus principais sectores produtivos e que está no origem de todos os outros grandes problemas nacionais, o menor dos quais não será o da nossa crescente dependência externa, nomeadamente comercial e financeira, a par da alienação cada vez mais visível dos centros de decisão e das alavancas fundamentais da economia nacional..
A dependência do país está hoje bem patente na evolução do elevadíssimo défice externo e, em particular, da balança de mercadorias, no elevado endividamento externo que é mais privado que público, bem como no avolumar dos nossos défices crónicos (alimentar, energético, tecnológico, transportes).
Uma evolução que é o resultado de uma política que fez a deliberada opção de promover a financeirização da economia sob o domínio do capital financeiro e em detrimento da produção real, e cujos elementos essenciais são, entre outros, a liberalização e desregulação dos mercados de capitais e a privatização e liberalização das empresas e serviços públicos que tem entregue o comando da nossa economia ao grande capital nacional e cada vez mais ao capital estrangeiro.
Um feixe de agudos problemas nacionais que estão hoje em acelerada degradação com o aprofundamento da crise do capitalismo, bem patente na agudização da “crise do euro” e da “crise da dívida”, a aplicação do pacto de agressão e que se ampliam, pelos meios que se sonegam ao país, com a sistemática drenagem para o exterior de lucros, dividendos e juros, e escandalosas fugas ao fisco a que temos assistido, pela via dos off-shores, da antecipação de dividendos ou do planeamento fiscal por parte dos grandes grupos económicos e financeiros.
Operações sustentadas num quadro legal, construído à medidas dos interesses do grande capital financeiro, mas ilegítimo e inaceitável à luz dos interesses nacionais e da promoção do desenvolvimento do pais.
Fugas de capitais que têm nas políticas europeias de incremento do mercado de derivados, de livre curso aos off-shores, de ausência de controlo dos movimentos de capitais e das operações financeiras e de favorecimento fiscal às transacções financeiras, o caldo de cultura propício não apenas à concentração e centralização de capitais a favor dos mega bancos e dos grandes grupos monopolistas, mas à fraude e à evasão fiscal.
Todos os dias o povo português continua a ser bombardeado com as teses que visam justificar a concretização da maior ofensiva contra os seus direitos desde os tempos do fascismo. As teses de que “não há dinheiro”, de que o povo português andou a “viver acima das suas possibilidades”, de que há um “Estado gordo” que é preciso destruir. Tais teses, marteladas até à exaustão, ao mesmo tempo que querem abrir caminho para o agravamento da exploração de quem trabalha e para a apropriação de importantes recursos públicos pelo grande capital – é essa a missão de todos quantos estão vinculados ao pacto de agressão -, querem simultâneamente esconder as razões objectivas pelas quais chegamos à actual situação: a gritante injustiça na distribuição da riqueza nacional; as responsabilidades colossais que o o grande capital e, em particular, o capital financeiro têm no rumo de desastre que está em curso e o poder político que os serve.
É num quadro de um capitalismo em crise, decadente e coveiro do seu próprio destino que realizamos este debate. Quando no início da década de 90 do século passado se concretizou a possibilidade de circulação em grande escala dos capitais, estavam-se a semear os ventos da tempestade que estamos a colher hoje. Uma livre circulação de capitais feita à medida da máxima acumulação capitalista, da espiral especulativa e predadora, do crescimento do capital fictício cada vez mais afastado da economia real, do saque feito à distância de um clik num computador de uma qualquer praça financeira, de milhões e milhões das riquezas dos povos.
O nosso país, longe de ficar à margem desta dinâmica, é hoje uma das suas principais vítimas. Foi pela acção de sucessivos governos do PS, do PSD com ou sem o CDS, que se criaram as condições para o verdadeiro saque que está em curso. Privatizaram importantes empresas publicas que rapidamente foram parar às mãos do capital estrangeiro, criaram praças financeiras como a Bolsa de Valores de Lisboa, abriram o off-shore da Madeira por onde anualmente são retirados às receitas públicas mais de 1500 milhões de euros, assumiram tudo quanto a União Europeia (UE) quis impor, no que toca ao apoio ao capital financeiro, onde o a União Económica e Monetária e o Banco Central Europeu são dois dos principais vértices dessa estratégia.
Sob a tese da chamada competitividade fiscal, visando atrair e fixar o investimento, a banca é hoje tributada com taxas efectivas de IRC na casa dos 10%, as transacções bolsistas que dão milhões aos capitalistas estão isentas, o património de luxo é intocável. Uma dita competitividade que nunca chega, na medida em que há sempre um qualquer paraíso numa qualquer parte do mundo - e não é preciso ir muito longe, temos aqui à porta a Holanda, a Irlanda, o Luxemburgo, ou a Suiça – capaz de isentar o capital de impostos e apagar o rasto do seu percurso de origem muitas vezes criminosa.
Há quem por aí vá adiantando que a solução para este problema no seio da UE seria o de impor uma dita harmonização fiscal, expurgando cada um dos Estados do seu direito soberano de cobrarem impostos. É a velha solução federalista de quem oculta, ou não quer ver, que para lá do ataque à nossa soberania que tal ideia representa, esta UE não é separável dos interesses de classe que a comandam, pelo que, aquilo a que provavelmente assistiríamos seria a um nivelamento por baixo dos impostos cobrados ao grande capital.
No próximo mês serão retirados aos rendimentos dos trabalhadores e dos reformados cerca de mil milhões de euros resultantes do roubo ao 13º mês. O que o Governo diz é que tal medida se destina a corrigir um dito desvio colossal no défice das contas públicas. É uma opção. A mesma opção que levou PS, PSD e CDS a chumbarem sucessivamente as propostas do PCP visando uma mais justa tributação de impostos e que permitiriam corrigir o grave problema de sustentabilidade das finanças públicas que existe hoje no país. A mesma opção que é complacente com os 6,6 milhões de euros/dia que saíram desde o início do ano para off-shores. A mesma opção que levou a que, segundo as últimas estatísticas do FMI, entidades portuguesas tinham investido em off-shores no final de 2009, 16 123 milhões de euros, cerca de 10% do PIB. Valor este que sobe para 65 mil milhões de euros (40% do PIB) se incluirmos no universo dos off-shores esses outros paraísos fiscais que são a Holanda, o Luxemburgo, a Irlanda e a Suíça.
Portugal é hoje um país onde das 20 empresas que compõem o PSI-20, 19 têm a sua sede fiscal em paraísos fiscais. Isto é, empresas como a GALP, a PT e a EDP que têm actualmente uma presença do Estado, são elas próprias, com a conivência do governo, que desviam das receitas do Orçamento milhares de milhões de euros.
Todos têm presente o escândalo (para não usar outro termo) que foi o processo de venda da participação da PT na VIVO à Telefónica. A utilização de uma sociedade de fachada e com sede fiscal no estrangeiro, e a antecipação apressada da distribuição dos dividendos resultantes da mais-valia obtida na venda impediram a justa tributação da operação financeira que tanto encheu algumas bolsas, já de si muito cheias, bem conhecidas da nossa praça.
Perdeu-se receita fiscal, agravou-se o défice e a injustiça do sistema fiscal português. Este exemplo, como outros conhecidos como sucede com o registo de propriedades, embarcações e aviões em «sociedades» em offshore, apesar de cobertos pela lei ou pelos seus curiosos vazios é demonstrativo das consequências da transferência de capitais para o exterior, tanto no plano da receita fiscal e dos desequilíbrios orçamentais, como da justiça e equidade fiscal, conduzindo a uma ainda maior sobrecarga tributária sobre os trabalhadores, os seus rendimentos, o seu consumo e património.
O planeamento e evasão fiscal, protegidos pelas opções de política tributária que beneficia a fuga de capitais para o exterior, agravam o princípio da progressividade fiscal, consagrado na Constituição da República. Estes «esquemas» permitem aos elevados rendimentos, aos dividendos distribuídos e ao património mobiliário e imobiliário associado a grandes fortunas, isenções e descontos fiscais ou serem tributados em territórios com uma carga fiscal muito mais reduzida. Tais opções de classe empurram a resolução dos desequilíbrios orçamentais que originam para os mesmos de sempre: os trabalhadores, os pensionistas, os agricultores os micro, pequenos e médios empresários. É por isso que, no quadro de receitas fiscais, o peso do IRS e do IVA tem vindo a crescer de forma assustadora, comparativamente com o peso do IRC e de outros impostos sobre o capital.
Uma realidade onde a par da crescente destruição do aparelho produtivo nacional, se verifica um crescente domínio da economia portuguesa por empresas e interesses estrangeiros. Tanto no plano da chamada economia real, como no plano financeiro, todos os anos rendimentos gerados em Portugal são directamente transferidos para o exterior.
A forte presença de capital estrangeiro e transnacional no capital das maiores empresas nacionais, nomeadamente nas antigas empresas públicas que, pela opção privatizadora e antipatriota do PS, PSD e CDS, se tornaram em grandes grupos monopolistas, o papel da banca e do sector financeiro em geral «empurrando» poupanças privadas para fundos e outros produtos financeiros no exterior, as transferências de rendimentos para sociedades de fachada instalados em off-shores e outros paraísos fiscais, como é o caso de 19 das 20 empresas do PSI-20 são responsáveis pelo agravamento do endividamento líquido da economia portuguesa.
Só nos últimos 15 anos Portugal transferiu para o exterior mais de 51 mil milhões de euros de dividendos, juros e outros rendimentos, correspondendo a quase 30% do PIB de 2010. Neste mesmo período o endividamento líquido acumulado da economia portuguesa atingiu mais de 110% da riqueza produzida em 2010.
Da mesma forma temos o chamado investimento directo no estrangeiro, efectuado pelos grupos económicos nacionais que, beneficiando de duvidosos apoios públicos à dita internacionalização da economia portuguesa, procuram sempre sediar-se em territórios com tratamento fiscal mais favorável e conduzem a uma transferência de riqueza nacional para investimentos que, beneficiando os accionistas desses grupos, prejudicam o país. Exemplo dessa realidade são os volumosos investimentos realizados pela EDP, nos Estados Unidos da América e pelos principais grupos económicos nacionais na Holanda. Neste último caso, só nos primeiros sete meses de 2011 esses investimentos directos atingiram quase 6 mil milhões de euros e, entre 2000 e Julho do corrente ano, 41,3 mil milhões de euros. Um enorme volume de capitais que poderia e deveria ser prioritariamente reinvestido no nosso país e que, procurando maximizar os lucros dos seus accionistas privados subalterniza, quando não mesmo ignora ,o interesse nacional.
É toda esta realidade e a política que a suporta, submetida aos interesses do grande capital, que coloca cada vez mais em causa e ameaça a soberania do país e um projecto de desenvolvimento nacional.
Ameaças que assumem hoje uma nova dimensão, decorrentes do aprofundamento da integração capitalista da União Europeia com o pacote da Governação Económica que reforçam o papel de ingerência nas políticas económicas, orçamentais e fiscais em países como Portugal e a imposição das soluções que servem as grandes potências e o grande capital financeiro. Soluções que estão já bem patentes no actual programa de agressão das troikas nacional e estrangeira e cuja concretização acentuará ainda mais os traços negativos desta evolução, com o escoamento para o exterior dos recursos necessários ao desenvolvimento económico e social do país.
Este papel de aspirador de recursos e património do Pacto está bem patente no seu pacote de privatizações, que reforçará a participação do capital estrangeiro e o seu domínio e comando sobre a economia portuguesa e a canalização de mais recursos e meios para estrangeiro de acordo com os seus estritos interesses. Mas igualmente o que representa de reforço do círculo vicioso da dívida a que este pacto nos amarra com os seus a juros agiotas e que aumenta a chantagem sobre os valores e activos do país e a exigência da sua futura alienação.
Uma exigência que se acentuará à mediada que se aprofunde a instabilidade económica em resultado da imposição das políticas recessivas e destruidoras da capacidade produtiva do país. Mas também as políticas e medidas fiscais essencialmente penalizadoras do consumo e dos rendimentos de trabalho, mas liberais e benevolentes para os rendimentos de capital e para a sua circulação sem restrições.
Pelo que aqui fica e aqui veio bem podemos dizer que está quase tudo por fazer para impedir, ou no mínimo limitar, a fuga de capitais. A falta de vontade política de sucessivos governos permite a manutenção e o desenvolvimento de uma vasta rede que faz com que capitais, mais-valias realizadas e dividendos distribuídos continuem impunemente a fugir, com plena cobertura legal, às respectivas responsabilidades tributárias.
No plano da intervenção política e no quadro da legislação fiscal há muito que pode e deve ser feito e que tem sido, aliás, objecto da intervenção e de propostas da parte do PCP. Propostas e ideias que continuam a ter plena actualidade e que importa ter sempre presente quando se fala de um combate consequente à fuga de capitais e à evasão fiscal.
O PCP entende ser necessário terminar com os paraísos fiscais, fonte central da evasão de grande escala com cobertura legal e de diversos tipos de crime de branqueamento de capitais. Denunciamos a hipocrisia e a total passividade dos sucessivos governos do PS, e do PSD/CDS que, ao mesmo tempo que se demitem de tomar qualquer iniciativa ou de fazer qualquer tipo de pressão política na União Europeia para promover o encerramento dos off-shore, persistem em manter de portas abertas o paraíso fiscal da Madeira, onde muitas centenas de empresas, sem qualquer trabalhador, movimentam milhares de milhões de euros que não pagam um cêntimo de imposto e que objectivamente tem prejudicado a Madeira, por inflacionarem artificialmente o PIB regional e contribuírem para a diminuição dos fundos comunitários passíveis de serem aplicados em benefício dos madeirenses.
As holdings criadas pelos grandes grupos económicos (designadamente os do PSI 20) em paraísos fiscais e em alguns outros países europeus com tributação quase nula sobre mais-valias e dividendos, constituem um verdadeiro regabofe de evasão fiscal legal – mas totalmente ilegítima - à tributação existente em Portugal. Por isso, o PCP entende que os grupos económicos organizados em SGPS ou sob outras “fórmulas jurídicas” semelhantes não devem poder usar o expediente do domicílio fiscal para continuarem a beneficiar de regimes de quase isenção tributária, devendo passar a ser-lhes aplicado o regime fiscal do local onde tem lugar a respectiva direcção efectiva, isto é, o regime fiscal vigente em Portugal. E, aqui, o PCP continuará naturalmente a defender a tributação, em sede de IRC, das mais-valias geradas pela venda de participações sociais.
Quanto aos contratos de investimento estrangeiro em Portugal, o PCP entende que, sem prejuízo de outras exigências ao nível da qualidade do emprego e sua durabilidade ou da necessidade de acautelar níveis elevados de incorporação nacional de valor, importa igualmente assegurar níveis significativos de reinvestimento e de aplicação dos dividendos no nosso País, limitando assim a exportação da esmagadora maioria das mais-valias geradas pelo investimento directo estrangeiro.
Mas se temos medidas concretas a propor que permitiriam no imediato estancar o saque aos recursos nacionais, no PCP não temos dúvidas de que a concretização de tal objectivo passa pela rejeição do pacto de agressão que está em curso. Uma rejeição global da política que este pacto comporta, mas simultaneamente a recusa da concretização de cada uma das medidas. Impõe-se, como temos afirmado, a renegociação da dívida pública cujos juros alcançarão nos próximos anos mais de 30 mil milhões de euros. Impõe-se o fim do processo de privatizações que está em curso e a recuperação para as mãos do Estado de empresas e sectores estratégicos para a economia nacional. Impõe-se a recusa das políticas de agravamento da exploração de quem trabalha e de favorecimento ao grande capital, designadamente o apoio público previsto à banca de dezenas de milhões de euros. Impõe-se a aposta na produção nacional, visando a substituição de importações, a modernização do país, a valorização dos salários e dos direitos.
Impõe-se, no fundo, uma nova política, uma política patriótica e de esquerda, dirigida para o desenvolvimento do país, que rejeite com firmeza as pressões e ingerências externas, que faça frente à chantagem dos “mercados financeiros” e dê solução os problemas nacionais tendo como objectivos essenciais a melhoria das condições de vida dos portugueses e a defesa da soberania e independência nacionais.
A recusa verificada no passado, por parte do PS, PSD e CDS, das nossas propostas na Assembleia da República contra a fuga de capitais e a evasão fiscal não nos derrota nos propósitos de continuar a levar em frente este combate com novas soluções e novas propostas que terão sempre como inquestionável objectivo a defesa dos interesses nacionais.