As Forças Armadas Portuguesas tiveram um papel decisivo na Revolução Democrática. Cansados de uma guerra colonial injusta e condenada à derrota e influenciados por um impetuoso movimento popular de combate à ditadura fascista, os jovens oficiais das Forças Armadas foram os protagonistas do golpe militar que derrubou o poder político fascista e que funcionou como detonador de um processo revolucionário em que o povo português conquistou direitos de alcance histórico e lançou as bases para a construção de um regime democrático, nos planos político, económico, social e cultural.
A Constituição democrática de 1976, incumbiu as Forças Armadas Portuguesas de garantir a independência nacional, a unidade de Estado e a integridade do território, no quadro de uma política de relações internacionais guiada pelos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos externos de outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade.
Ao longo do processo contra-revolucionário iniciado em 1976, sucessivos Governos ao serviço do grande capital, envolvendo o Partido Socialista e os partidos da direita, têm conduzido políticas de recuperação do domínio de Portugal por parte do grande capital nacional e transnacional, de submissão ao processo de integração capitalista da União Europeia, de subserviência perante o imperialismo norte-americano e a NATO, e que têm conduzido a uma profunda descaracterização do regime democrático, com graves ameaças aos direitos e liberdades dos cidadãos.
Esse processo tem sido acompanhado por sucessivas transformações das Forças Armadas Portuguesas, da sua natureza, das suas missões e do seu papel na sociedade portuguesa. As Forças Armadas deixaram de ser entendidas pelos Governos como um instrumento do Povo Português para a defesa do seu território, da sua integridade e da sua independência, para se tornarem em mero instrumento de política externa ao serviço dos desígnios militaristas da NATO e dos objetivos de militarização da União Europeia.
Nos anos noventa, com o fim do Serviço Militar Obrigatório e a total profissionalização das Forças Armadas, a Defesa militar de Portugal deixou de ser considerada como um direito e um dever de todos os cidadãos portugueses, e as Forças Armadas passaram a assumir a incumbência de satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.
Assim, nos últimos anos, as Forças Armadas Portuguesas têm sido subordinadas a um Conceito Estratégico de Defesa Nacional que privilegia a integração nas estruturas da NATO e a participação nas missões de agressão e ocupação militares orquestradas e comandadas pelos Estados Unidos, que apoia incondicionalmente a linha de militarização da União Europeia como pilar europeu da NATO, e que adere e procura levar à prática a doutrina norte-americana da “segurança nacional”, que visa envolver as Forças Armadas em missões de segurança interna, com todos os perigos daí decorrentes para as liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Todas as opções políticas em torno das Forças Armadas têm sido determinadas por esses objetivos.
Entretanto, por força do Pacto de Agressão assumido com a troika (FMI/CE/BCE), as Forças Armadas têm sido privadas dos recursos mínimos para assegurar o seu funcionamento adequado e os seus efetivos têm visto o seu estatuto sistematicamente degradado e os seus direitos constantemente desrespeitados.
Assim, as Forças Armadas Portuguesas deixaram de estar presentes em grande parte do território nacional, mas participam na guerra do Afeganistão. O direito à saúde dos militares e dos seus familiares tem vindo a ser posto em causa, com o corte de apoios sociais, a liquidação de instituições e o encerramento de serviços, mas há um contingente português a participar na ocupação do Kosovo. Os militares portugueses são prejudicados nos seus vencimentos e os antigos combatentes são prejudicados nas suas pensões de reforma, mas não faltam militares portugueses em missões na Bósnia, no Líbano, ou no Iraque. A Marinha Portuguesa não tem navios para patrulhar a nossa extensa costa, mas tem fragatas para participar nas missões da NATO. Faltam em Portugal meios aéreos de combate aos incêndios florestais, mas há duas frotas de caças F-16. Faltam em Portugal lanchas de fiscalização costeira e navios de combate à poluição, mas foram adquiridos submarinos à Alemanha, num processo onde avultam as suspeitas de corrupção.
A alteração do estatuto constitucional das Forças Armadas Portuguesas, o contraste entre a sua incapacitação para o cumprimento das missões de interesse nacional e o seu envolvimento em missões da NATO e da UE, a degradação da situação profissional dos militares e a repressão do associativismo militar e dos seus dirigentes, visando abafar uma situação de enorme descontentamento que alastra no interior das fileiras, são aspetos muito preocupantes de degradação do regime democrático português. Mas transmitem-nos também a convicção de que os cidadãos militares continuarão ao lado do povo português em defesa das liberdades e da democracia.
Intervenção de António Filipe, Membro do CC do PCP e Deputado do PCP à Assembleia da República, Seminário "A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia"
Forças Armadas e Soberania
Seminário
Seminário «A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia»
28 Setembro 2012