A redução dos preços nos transportes públicos e o alargamento do passe social a todas as carreiras de todos operadores de toda a região, objetivo pelo qual o PCP se bateu durante mais de duas décadas, foi um avanço de um significado inegável para a vida concreta das populações, na sua mobilidade, na sua qualidade de vida, com tarifários mais justos e acessíveis, beneficiando as crianças e jovens, os reformados pensionistas e idosos.
Esta medida assume um alcance e uma dimensão histórica, não só para as condições de vida das populações, como nos ganhos concretos para o País em termos estruturais, ambientais, económicos, na gestão dos seus recursos, incluindo recursos financeiros – na promoção do transporte público e diminuição do uso do transporte individual, combatendo de forma eficaz problemas como as emissões de gases poluentes, a congestão urbana, a dependência energética – tornando evidente a oportunidade e os benefícios que poderiam ter resultado para o País caso esta medida tivesse avançado logo em 1997, quando o PCP a propôs. Ganha assim um valor e atualidade reforçados o objetivo para no futuro se avançar no sentido da gratuitidade do transporte público.
O PCP tem vindo a intervir e a lutar para criar condições concretas, desde logo no financiamento, aumentando a verba prevista para assegurar que a redução dos preços nos transportes se possa tornar realidade por todo o país. Foi esse o sentido da proposta do PCP, relativamente ao programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, que ao ser aprovada permitiu esse alargamento a todo o território.
Por um lado, procurámos garantir que nas áreas metropolitanas o passe social e o andante continuassem no futuro, com mais abrangência e preços mais baixos. Por outro lado, reforçar as verbas para assegurar que estas medidas pudessem chegar ao terreno em todas as Comunidades Intermunicipais. E finalmente, salvaguardar as medidas que permitam a justa distribuição de recursos entre as empresas de transportes – para impedir mais “rendas excessivas” para grupos económicos privados.
Agora, impõe-se tomar medidas para que estas opções sejam concretizadas e mantidas para o futuro. Temos em conta que os montantes de 2019 se destinavam a financiar apenas nove meses e que, mesmo assim, diversas CIM só aplicam o tarifário mais tarde e se verificou haver défice adicional para os tarifários adotados. Para que não haja a imposição de aumentos nos preços ao público no futuro próximo, tal significa a necessidade de acautelar os custos operacionais e de investimento, que continuam a ter que aumentar e ser compensados.
A Contribuição de Serviço Rodoviário, que garantiu em 2018 um volume de receitas de 689 milhões de euros, pode constituir um elemento concreto para a base de financiamento para o futuro. A presente proposta do PCP é de que um terço dessa verba seja aplicada ao PART (230 milhões de euros), continuando os restantes dois terços a ser transferidos para a IP.
Com o presente projeto-lei, o PCP propõe a redução da CSR, no valor correspondente ao que passa a ser realizado por via da Contribuição de Serviço Público de Transportes Públicos. Esta proposta preconiza assim que não haja quaisquer aumentos de carga fiscal, mantendo o montante total das taxas nos valores atuais – mas direcionando uma parte dos recursos para o transporte público com o financiamento do PART.
As necessidades de financiamento da IP exigem desde logo duas respostas imediatas: por um lado uma abordagem séria, rigorosa e com coragem política ao problema das PPP rodoviárias, que interrompa o ciclo vicioso de despesa pública num negócio ruinoso para o Estado e para o interesse público; e por outro lado uma política de financiamento que garanta a estabilidade, a previsibilidade, a perspetiva futura de investimento e desenvolvimento nas infraestruturas – sem ignorar a necessidade, que o PCP sublinha desde a primeira hora, de reverter a aberrante e desastrosa fusão EP/REFER.
No quadro atual do País, a prioridade não pode, portanto, ser os pagamentos diretos às PPP rodoviárias – mas sim a promoção do transporte público e a continuidade para o futuro de um regime tarifário mais favorável.
Não podemos ignorar que o acréscimo de procura e utilização dos transportes públicos, que era em si mesmo um objetivo desta medida da redução tarifária, vem gerar a necessidade de um reforço da oferta de transporte, com mais disponibilidade, qualidade, regularidade. Esse reforço da oferta obriga a um investimento sério, não só nas infraestruturas e frotas, mas desde logo na contratação dos trabalhadores necessários nas diversas áreas.
Não podemos ignorar também que persistem na aplicação do PART necessidades e problemas que exigem uma resposta concreta, em particular no que diz respeito às ligações entre regiões, com os tarifários nessas ligações a não refletir ainda adequadamente as reduções que desde o início defendemos, sem discriminações. Não só o Governo, enquanto autoridade de transportes com competência no sector ferroviário, não tomou as medidas necessárias para garantir o financiamento dessa redução tarifária, como por outro lado há uma “poupança” do Governo que se torna deficitária para o sistema de transportes, quando as verbas que eram aplicadas nos passes 4_18 e sub_23 deixaram de ser transferidas (e só na AML essa verba ascende a 17 milhões de euros por ano).
Não podemos ignorar ainda que, no atual processo da designada “descentralização”, o Estado se está a demitir de comparticipar os custos do transporte escolar (fica uma responsabilidade exclusiva dos municípios), isto quando o próprio PART coloca já por si a um crescente esforço financeiro dos municípios. A presente proposta do PCP visa assim permitir também uma resposta a este problema, ao salvaguardar que o aumento de verba a aplicar no OE não signifique um aumento automático e obrigatório de despesa na comparticipação dos municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas (tendo em conta a percentagem de comparticipação mínima obrigatória definida no PART).
A posição do PCP é profundamente contrária ao modelo que ficou consagrado no Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros. Este não é o modelo mais adequado para o regime de organização e financiamento que se impõe como justo e necessário, mesmo no quadro normativo que veio a dar origem ao atual PART. Aliás, o PCP não só rejeitou firmemente a proposta de lei do anterior governo PSD/CDS que deu origem a esse lamentável regime jurídico da lei 52/2015 de 9 de junho, como apresentou já nesta Legislatura uma iniciativa legislativa – o projeto de lei n.º 249/XIII – precisamente propondo alterações profundas a esse regime.
Entretanto, importa lembrar que, à luz da lei em vigor, é o Governo a Autoridade de Transportes para vários modos de transporte, o que só reforça a necessidade de que a Assembleia da República contribua para uma solução integrada destes problemas.
A presente proposta do PCP visa, assim, contribuir para um quadro legal que desde já permita assegurar que a redução tarifária, tal como foi alcançada nos termos do PART e deve ser garantida pelo Estado, não seja votada em cada ano em função dos debates orçamentais, antes seja estabelecida de uma forma plena e estável em força de Lei.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei.
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o regime de financiamento do Programa de Apoio à Redução Tarifária, com vista à manutenção futura da redução tarifária e do aumento de oferta nos transportes públicos.
Artigo 2.º
Financiamento
1- É criada pela presente lei a contribuição de serviço público de transportes públicos, adiante designada por CSPTP.
2 - A CSPTP resulta da diminuição da Contribuição para o Serviço Rodoviário, apurada nos termos da Lei n.º 55/2007 de 31 de agosto.
3 - A CSPTP constitui uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
4 - A receita da CSPTP é consignada ao financiamento do Programa de Apoio à Redução Tarifária, previsto no Artigo 234.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, adiante designado por PART.
5 - O acesso ao financiamento do PART nos transportes públicos está sujeito à comparticipação das autoridades de transporte, nos seguintes termos:
a) Em 2020, uma comparticipação mínima de 5 % da verba que lhes for transferida pelo Estado;
c) Em 2021 e anos seguintes, uma comparticipação mínima de 10 % da verba que lhes for transferida pelo Estado.
Artigo 3.º
Incidência e valor
1 - A CSPTP incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, e sobre o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos.
2 - O valor da contribuição de serviço público de transporte público é de (euro) 29/1000 l para a gasolina, de (euro) 37/1000 l para o gasóleo rodoviário e de (euro) 21/1000 l para GPL auto.
3 - A revisão ou atualização do valor da CSPTP faz-se por portaria conjunta, nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, e é precedida de parecer da AML, da AMP e da ANMP, não devendo concorrer para o aumento do preço dos combustíveis.
Artigo 4.º
Liquidação e cobrança
1 - A contribuição de serviço público de transporte público é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.
2 - Os encargos de liquidação e cobrança, incorridos pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, são compensados através da retenção de uma percentagem de 1% do produto da contribuição de serviço público de transporte público.
Artigo 5.º
Titularidade da receita
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o produto da CSPTP constitui receita própria do Fundo Ambiental, devendo ser distribuído pelo conjunto das Autoridades de Transporte para financiamento do PART.
Artigo 6.º
Alteração à Lei n.º 55/2007 de 31 de agosto
O número 2 do Artigo 4º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«2 - O valor da contribuição de serviço público de transporte público é de (euro) 58/1000 l para a gasolina, de (euro) 74/1000 l para o gasóleo rodoviário e de (euro) 42/1000 l para GPL auto.»
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a aprovação da Lei do Orçamento de Estado seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 1 de julho de 2019