Camaradas:
Chega ao fim a nossa Conferência sobre «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril».
Existem apreciações diferentes sobre muitas das teses discutidas e aprovadas. Mas, pela larguíssima participação, pelo empenhamento nos debates, pelo interesse suscitado em vastos sectores da opinião pública, pela busca colectiva da exactidão da análise e do rigor das formulações e da justeza dos objectivos e tarefas, creio que podemos todos sem dificuldades coincidir desde já numa opinião comum: esta Conferência era necessária – valeu a pena realizar a Conferência.
Creio também que não é difícil coincidirmos desde já numa outra opinião comum: esta Conferência ficará assinalada como um marco na luta do Partido e da mulher portuguesa pela sua emancipação.
1. Um marco no caminho da emancipação da mulher
Muitos camaradas sublinharam que a temática abordada é complexa, que em numerosos aspectos há um fosso entre as aspirações e a realidade, que se trata de problemas sérios que pela primeira vez se discutem amplamente no Partido, e que, por tudo isso, a iniciativa foi ousada e corajosa: é um facto que nenhum outro partido seria capaz de realizar uma tal Conferência.
Temática sem dúvida complexa. Porque a situação objectiva da mulher e a sua mentalidade, assim como as concepções e a prática dos homens, são extremamente diversificadas segundo a classe social, a actividade profissional, a intervenção na vida social e política, a situação familiar, as tradições regionais ou sectoriais prevalecentes.
Tanto o largo debate realizado no Partido, como os debates realizados nas secções da Conferência, constituíram uma comprovação dessa diversidade de situações, de problemas e de mentalidades.
Como era inevitável e esperado, expressaram-se ideias diversas sobre as diversas matérias. Com sentidos contraditórios, foram feitas críticas ou manifestadas reservas a muitos aspectos da análise, dos conceitos e das orientações. De uma forma talvez simplista podemos classificá-las em dois grandes grupos: o daqueles que entendem que o Partido está a ir longe de mais no que respeita à emancipação da mulher e o daqueles que entendem que o Partido não vai tão longe como deveria ir.
Com qualquer destas duas tónicas foram aprontadas deficiências que nos impõem a obrigação e a tarefa de prosseguir e aprofundar o estudo e de alcançar conclusões mais rigorosas.
Entretanto, o que caracterizou no fundamental o debate realizado não foram as diferenças de opinião expressas, mas a opinião geral do acerto e oportunidade da realização da Conferência, e da correcção das teses fundamentais apresentadas e das linhas de orientação propostas.
A aprovação final do documento-base assim o indica.
Creio, camaradas, que ao participarmos nesta grande, entusiástica e magnífica Conferência, todos nos sentimos certos de que ela representa um importantíssimo passo na luta do Partido pela emancipação da mulher e na luta das mulheres pela sua própria emancipação.
Antes da convocação da Conferência debateu-se qual deveria ser a sua natureza: uma Conferência do Partido? Uma Conferência das mulheres comunistas? Uma Conferência unitária de mulheres, por iniciativa do PCP?
Decidiu-se que fosse uma Conferência do Partido, uma Conferência em que o Partido, e portanto todos os membros do Partido, mulheres e homens, assumem as suas responsabilidades na luta por uma causa que todos consideramos justa: a causa da emancipação da mulher.
O que significa o facto de ser uma Conferência do PCP?
Significa que, respondendo aos problemas, às necessidades, às aspirações, aos objectivos das mulheres portuguesas e em primeiro lugar das mulheres trabalhadoras, que são as mais exploradas e oprimidas, o Partido não se limita a fazer um apelo para que lutem em defesa dos seus interesses e direitos –, o Partido confirma uma vez mais ser ele próprio uma força de combate na defesa desses interesses e direitos.
Significa que o Partido, todo o Partido, todos os seus membros, estão empenhados na luta em defesa dos direitos das mulheres, na luta pela igualdade e a emancipação da mulher portuguesa.
Um traço da Conferência que importa sublinhar é que a Conferência não pretende pôr um ponto final relativamente à problemática abordada, mas antes (na continuação de um processo anterior) ser um novo e importante ponto de partida para a acção futura.
Por isso, camaradas, nesta intervenção final que me cabe fazer, não pode ser meu propósito repetir as teses contidas no documento sujeito ao debate no Partido e que (com numerosas emendas) acaba de ser aprovado na Conferência.
Impossível seria também, obviamente, dar um balanço tanto dos debates preparatórios da Conferência realizados em todo o Partido, como dos debates realizados nas Secções, a alguns dos quais assisti e de que acabo de receber uma breve informação complementar.
Quero aqui confirmar que do trabalho das Secções foram registados os debates, serão despistados, reduzidos a escrito e constituirão um material de grande valor para o prosseguimento da análise dos problemas após a realização da Conferência.
Permitam-me pois, camaradas, que me limite neste momento a dar uma primeira apreciação da realização da Conferência, a referir alguns dos principais aspectos da sua mensagem, a anotar algumas das mais importantes opiniões críticas expressas no debate realizado no Partido e nas Secções da Conferência, e a pôr em relevo algumas das conclusões referentes à actividade futura do nosso Partido.
Certamente, depois do que vou dizer, alguns camaradas gostariam de expor ainda a sua opinião, diferente ou divergente em tal ou tal ponto. Porque se trata do encerramento da Conferência, não o poderão fazer aqui hoje. Mas poderão fazê-lo ulteriormente sem que entretanto isso nos envolva em debates intermináveis que paralisem a nossa acção. Porque, sem em nada prejudicar as análises ulteriores, o essencial é avançar com a nossa actividade e a nossa luta pela emancipação da mulher tendo em conta o trabalho realizado pela Conferência.
2. A força motora determinante
O documento sujeito ao debate e aprovado na sua redacção final, contém duas teses centrais.
Uma: que a emancipação da mulher é parte integrante da luta de libertação dos trabalhadores e dos povos.
Outra: que a evolução social e designadamente a liquidação da exploração do homem pelo homem é a força motora determinante do processo emancipador.
São teses que toda a História comprova.
Além do mais porque, só quem fecha os olhos às realidades mais profundas das transformações sociais e políticas pode negar que, nas mais variadas circunstâncias, a participação das mulheres na luta revolucionária comporta, por si mesma, a modificação da sua situação social e dos seus direitos.
Nas mais variadas situações e nas mais diversas etapas da luta dos povos, combatendo ao lado do homem pela liberdade, a democracia, a independência nacional e o socialismo, a mulher, mesmo que não explicite as suas reivindicações especificamente femininas, elimina numerosas discriminações e alcança modificações radicais no seu estatuto.
Modificações de facto e modificações formalizadas no direito.
Ao contrário de numerosas revoluções burguesas em que foram reconhecidos formalmente direitos que nunca foram concretizados na prática, com a participação na luta revolucionária a mulher alcança de facto numerosos direitos antes que estes sejam formalmente reconhecidos pelo poder revolucionário posteriormente instaurado.
Todas as revoluções de carácter verdadeiramente popular (democráticas, de libertação nacional ou socialistas) trouxeram para a mulher, embora em graus diferentes, passos agigantados no caminho da sua emancipação. Não apenas relativamente aos direitos políticos, mas na esfera do trabalho, da profissão, da vida social, da família e das mentalidades.
O documento aprovado cita justamente o que representou a Revolução de Outubro para o processo de emancipação da mulher, não apenas no primeiro Estado socialista, mas na evolução social mundial.
No debate realizado houve camaradas que referiram certos aspectos da realidade da URSS e de países socialistas (por exemplo, o número limitado de mulheres em certos cargos de responsabilidade superior do Partido e do Estado) como índices de atraso no que respeita à igualdade e à emancipação. Concordamos que o sejam. Mas tais atrasos não podem levar a apagar os passos agigantados do processo emancipador nos mais variados domínios.
Como exemplo: quem negará que o facto de que na URSS, país em que 83% das mulheres eram analfabetas, hoje são 59% dos especialistas com instrução superior e secundária especializada, cerca de 50% dos engenheiros trabalhando na indústria e de todos os especialistas na agricultura, cerca de 30% dos juízes, três em cada 4 médicos, e um número de deputadas ao Soviete Supremo superior ao número de todas as deputadas de todos os países capitalistas somados em conjunto, – quem negará que estes números são valiosos índices da igualdade de direitos da mulher?
Sem dúvida que a própria experiência histórica se tem encarregado de demonstrar toda a complexidade, irregularidade e morosidade do processo de emancipação se tivermos em conta não apenas uma vanguarda política e social, mas a generalidade das mulheres.
Mas o factor determinante não pode ser negado nem desmentido.
Entretanto, quando se insiste que a luta das mulheres é parte integrante da luta geral dos trabalhadores e dos povos, e a evolução social progressista o factor determinante, não se pretende (ao contrário do que pensam alguns camaradas) retirar à luta específica das mulheres a sua real importância e o papel que desempenha no processo emancipador.
Não se colocam tais factores num mesmo plano. Mas é justo dizer, que se a luta geral dos trabalhadores e dos povos é um factor de emancipação e promove a luta das mulheres pelos seus direitos e interesses específicos, é igualmente certo que esta última é valioso elemento da luta geral dos trabalhadores e dos povos.
3. A mulher, a revolução e o processo contra-revolucionário
Após 48 anos de ditadura fascista, a Revolução de Abril representou para a mulher portuguesa modificações profundas, não apenas em direitos fundamentais que foram reconhecidos mas na situação de facto.
A Constituição, lei fundamental do País, reconheceu o princípio da igualdade jurídica e da igualdade de oportunidades e interditou quaisquer discriminações ou privilégios por razões de sexo.
Como foi largamente documentado na Conferência, com o 25 de Abril a mulher portuguesa conquistou importantes direitos, de que aqui lembramos apenas alguns.
No que respeita ao trabalho, foi instituído o princípio do salário igual a trabalho igual. Foi estabelecido o salário mínimo nacional. Foram concedidos subsídios de desemprego, pensões sociais e reformas mínimas. Deixou de haver profissões vedadas às mulheres que ascenderam à magistratura e à carreira diplomática. Foi estabelecido o direito à protecção da maternidade. Intervindo activamente no processo revolucionário, a mulher participou no controlo operário, na gestão democrática das empresas, das escolas e dos hospitais.
Na vida política e social a mulher passou a exercer as liberdades democráticas conquistadas, o direito de expressar o seu pensamento, o direito de voto, os direitos sindicais, o direito de pertencer a partidos políticos. É eleita para o Parlamento e para os órgãos do Poder Local. Participou nas lutas de massas em todas as frentes do processo de democratização da vida nacional.
No ensino, foi suprimida a separação entre escolas e liceus masculinos e femininos. Alargou-se a escolaridade obrigatória, introduziram-se novas disciplinas, nomeadamente a educação sexual.
Na família, alargaram-se os fundamentos do divórcio. Foi feito o reconhecimento legal da família fora do casamento. Pôs-se fim à desumana distinção de filhos «legítimos» e «ilegítimos» com a consagração da igualdade dos filhos nascidos dentro e fora do casamento. Alargou-se o instituto da adopção. Atribuiu-se a ambos os cônjuges a direcção da família.
Nas mentalidades a Revolução provocou, em vastos sectores sociais, profundas alterações dos conceitos, inculcou o respeito pelos direitos da mulher, criou novas formas de compreender a vida e de estar na vida.
Que o 25 de Abril representou para a mulher importantes e positivas transformações ninguém contesta. Mas foi contestado por alguns camaradas que o processo contra-revolucionário dos últimos 10 anos tenha atingido seriamente os direitos das mulheres, que tenha entravado e em alguns aspectos interrompido e invertido a evolução favorável à sua emancipação.
Segundo tais camaradas tal tese constitui uma afirmação artificial, sem qualquer fundamento objectivo. Seria invenção afirmar a existência de uma «contra-revolução» no domínio da situação e dos direitos das mulheres.
É certo, camaradas, que o Governo de direita não desencadeou uma ofensiva declaradamente dirigida contra as mulheres e os seus direitos. Nem isso foi afirmado no documento posto à discussão.
É também certo que, no decurso do processo contra-revolucionário, a luta das forças democráticas conseguiu vitórias importantes no que respeita aos direitos das mulheres, como é o caso de conquistas no plano legislativo, conforme salientaram alguns camaradas.
É porém indiscutível que as principais ofensivas lançadas contra as conquistas democráticas da Revolução de Abril têm como consequência o agravamento da situação das mulheres e a limitação de muitos dos seus direitos alcançados com a Revolução.
A ofensiva contra os trabalhadores (despedimentos, desemprego, salários em atraso, precariedade dos postos de trabalho, tectos salariais, liquidação de benefícios sociais) atinge duramente a mulher trabalhadora.
Os golpes desferidos na Reforma Agrária, nas nacionalizações, no controlo de gestão, na democracia política, constituem em si mesmo duros golpes nos direitos das mulheres.
O roubo de mais de meio milhão de hectares de terra aos trabalhadores e a liquidação de 200 UCP/Cooperativas afastaram do trabalho produtivo, das responsabilidades e da participação quotidiana em decisões de colectivos de trabalhadores e reconduziram à vida doméstica dezenas de milhar de mulheres.
A recuperação capitalista, com a ofensiva contra as nacionalizações e empresas sob controlo operário, levou ao encerramento de numerosas empresas, ao desemprego de milhares de mulheres, ao afastamento da gestão de mulheres que nela deram extraordinárias provas de iniciativa e capacidade.
Não é um artifício propagandístico ou produto de esquematismo na análise da situação a tese apresentada pelo Comité Central à Conferência, segundo a qual assim como com a Revolução de Abril se verificaram importantes transformações positivas na situação e nos direitos das mulheres, na forma de estar na vida e nas mentalidades, assim com o processo contra-revolucionário se tem desenvolvido e continua a desenvolver-se uma política que atinge gravemente essa situação e esses direitos, inculca nas mentalidades ideias conservadoras e retrógradas, coloca novos e graves entraves no processo de emancipação da mulher.
E, sendo assim, tratando-se como se trata nesta Conferência, da emancipação da mulher no Portugal de Abril, a reclamação da demissão do Governo PSD/Cavaco Silva, da sua substituição por um governo democrático que retome o caminho de Abril, não constitui a introdução forçada nesta Conferência de um objectivo político que nada tem a ver com ela, mas sim de um objectivo político que interessa não só no imediato, mas, profunda e vitalmente, os direitos das mulheres e o processo da sua emancipação.
Porque, a continuar o Governo actual, a serem destruídas as grandes conquistas democráticas do povo português, a restaurar-se o poder dos monopólios (associados ao imperialismo) e dos latifundiários, a manterem-se no poder as forças reaccionárias e conservadoras, a mulher seria inevitavelmente confrontada com o acentuar das discriminações, das desigualdades, das injustiças sociais, das formas específicas de exploração e opressão, das humilhações e vexames na sociedade e na família, erigidas em normas legais, princípios éticos e tradições sagrados.
Se, para defendermos os direitos dos trabalhadores, é adequada a reclamação «governo para a rua»; se, para defendermos a Reforma Agrária e impedirmos a sua destruição, é adequada a reclamação «governo para a rua»; se, para defendermos as nacionalizações, é adequada a reclamação «governo para a rua»; se, para defendermos o regime democrático e a independência nacional, é adequada a reclamação «governo para a rua»; - também, para defendermos os direitos das mulheres e assegurarmos que seja retomado o caminho emancipador a que a Revolução de Abril deu histórico impulso, é igualmente adequada a reclamação «governo para a rua».
4. Duas condições básicas: independência económica e direitos políticos e sociais
Abordando o curso da luta pela emancipação da mulher, a Conferência deu particular relevo a duas condições básicas, ou, se se quiser, a dois passos de importância vital e histórica no processo de emancipação: a independência económica e a conquista e o exercício de liberdades e direitos que garantam à mulher a intervenção na vida política e social.
Envolvendo o tema numerosos problemas, permitam-me que, em breves palavras, aborde apenas alguns dos mais referidos no debate realizado.
Foi do reconhecimento geral que, enquanto a mulher não alcançar com o próprio trabalho a independência económica e couber ao homem o sustento do agregado familiar, manter-se-ão concepções e práticas em que a mulher estará condenada a ser «objecto de uso» ou «propriedade do homem», extremamente limitada se não impossibilitada de tomar qualquer decisão que a liberte de uma situação que a oprime.
A falta de independência económica condiciona a vida da mulher em todos os seus aspectos. Limita ou impede as suas opções. Economicamente dependente, a mulher insere-se por esse facto num estatuto de desigualdade e de submissão.
A independência económica da mulher constitui assim uma condição e um passo essencial para a igualdade de direitos da mulher.
Não têm razão alguns camaradas que puseram em dúvida a afirmação de que a mulher, por ser mulher, é sobre-explorada, afirmando que o problema da mulher trabalhadora é apenas o problema comum ao do homem trabalhador.
Sem dúvida que a exploração é comum e os os problemas fundamentais são comuns. Mas é um traço típico da exploração capitalista que a mulher trabalhadora e mais particularmente a mulher jovem e a mulher idosa sofre discriminações que tornam ainda mais grave a exploração de que é vítima.
As mulheres são as primeiras a serem despedidas e preteridas, sofrem discriminações no montante dos salários mesmo quando com trabalho igual, na formação profissional, na promoção profissional, no acesso a cargos mais responsáveis, nomeadamente de chefia.
O direito ao trabalho não é apenas o acesso a um emprego mas o salário bastante, a possibilidade de formação, promoção e realização profissional.
Outra condição básica e importante passo no caminho da emancipação destacado no debate por muitos camaradas é a conquista e o exercício de liberdades e direitos políticos.
Podendo intervir livremente na acção política, tendo o direito de voto, podendo ser eleita para os órgãos do Poder, a mulher não só ultrapassa discriminações e desigualdades nessa área fundamental da vida dos povos e dos Estados, como adquire novos e importantes instrumentos para a luta pelos seus justos interesses e direitos, incluindo a luta contra todas as formas de exploração e opressão.
Não basta porém que esses direitos sejam reconhecidos formalmente para que a igualdade na área política seja estabelecida e assegurada.
Muitos camaradas chamam a atenção para a discriminação de facto mesmo quando há o reconhecimento formal dos direitos.
É uma conquista real a formalização do direito das mulheres participarem nos órgãos de decisão, mas maior conquista é a efectivação desse direito.
E quanto aos órgãos de decisão, a nossa posição não é determinada pela ideia (que alguns camaradas defendem) de que nos órgãos de decisão é necessária uma «óptica feminina» em contraposição à «óptica masculina» existente. Nem pela ideia (também defendida por alguns camaradas) de que o que caracteriza o poder político não é tanto a classe que o exerce como o sexo dos seus detentores.
E eu pergunto, camaradas: porventura, a existência de deputadas dos partidos reaccionários cujo programa e cuja orientação (defendida pelos seus membros, incluindo as mulheres) é manter e agravar a servidão feminina, ou o facto de o actual Ministro da Saúde ser uma mulher cuja política reaccionária atinge duramente interesses e direitos das mulheres, porventura estes factos poderão ser vitoriados pelas forças progressistas, incluindo os movimentos de mulheres, por uma suposta «óptica feminina» que supostamente levam à Assembleia da República e ao Governo, ou pelo facto de enfraquecerem um suposto «poder masculino»?
A nosso ver seria incorrecto tal conceito.
A óptica que caracteriza as decisões dos órgãos do poder e os órgãos de decisão em geral não é uma óptica masculina ou feminina, mas uma óptica de classe. Também a natureza do poder político não é sexista, mas de classe.
Se defendermos que às mulheres sejam dadas as possibilidades de um real acesso a todas as funções na vida profissional, na vida social, na vida política, na vida cultural e no Estado, não é pois para combater a «óptica masculina» ou o «poder masculino», mas para que se ponha fim à discriminação e para que as mulheres possam em toda a parte defender os direitos da mulher, possam dar, como estão em condições de dar, todas as suas capacidades no exercício dessas funções, possam exercer as mesmas competências na direcção de todas as actividades e na direcção do Estado.
A experiência histórica mostrou e mostra cada dia que são inteiramente capazes de assumir tais responsabilidades.
5. A mulher e a família
De todos os problemas abordados, foi sem dúvida o problema da família aquele que suscitou mais vivos e por vezes apaixonados debates, mais profundas controvérsias e mais observações críticas às concepções expressas no Documento-base.
Resulta do próprio debate a extrema complexidade dos problemas em termos ideológicos, em termos sociais, em termos políticos, e até em termos morais relativos ao comportamento. E, como substrato de toda a gama de aspectos e ângulos de visão, a busca do amor, da alegria e da felicidade.
A experiência que nos trouxe o debate e a Conferência indica-nos a necessidade de aprofundarmos ulteriormente (pelas formas e iniciativas apropriadas) o estudo de toda a temática abordada.
Não seria pois possível, nem adequado, pretender nesta intervenção final ir além de algumas referências a ideias e posições assumidas no debate e no documento aprovado pela Conferência.
Permiti, camaradas, que, da extraordinária multiplicidade e variedade de ideias avançadas no debate, eu aqui aborde apenas quatro aspectos.
O primeiro aspecto respeita a observações de ordem geral que muitos camaradas fizeram.
Que o documento apresentado para debate no Partido não dá uma definição rigorosa nem do que a família actualmente é, nem daquilo que o Partido entende que deve ser. E, ainda mais, que a definição, não explícita, mas resultante do Documento-base, é restrita porque focaliza apenas a relação homem-mulher.
Na verdade, como muitos camaradas sublinharam, a família comporta em Portugal no momento presente composições muito diversas: no quadro do casamento ou fora dele; casal sem filhos; casal com filhos; casal com filhos de anteriores situações; casal com outros familiares; mulher só ou homem só com filhos ou com outros familiares; etc., etc. Na sociedade actual, a família oferece diversas configurações estreitamente relacionadas com a classe social, o meio social, as tradições, a ideologia dominante nas várias regiões e a crescente diversificação das situações individuais.
Admitindo embora muitas composições e configurações (cada qual com os seus problemas próprios e problemas diferenciados no que respeita à situação da mulher) há uma realidade predominante: a maioria esmagadora das famílias tem como base ou ponto de partida se se quiser, um casal e os filhos respectivos. Celebram-se em Portugal anualmente cerca de 70 000 casamentos além das «uniões de facto» e registam-se cerca de 130 000 nascimentos anuais, dos quais 20 000 fora do casamento.
Trata-se de uma realidade social que temos obrigatoriamente de tomar em conta nas nossas análises.
Quero aqui expressar a ideia de que não são de perfilhar certas teorias segundo as quais a família é uma velharia sem sentido na época contemporânea, que os laços da família (incluindo entre pais e filhos) são inevitavelmente, sobretudo para a mulher, indesejáveis laços de dependência e de limitação da liberdade, e que por isso é necessário bani-los da sociedade.
A família, tal como predomina na sociedade portuguesa actual, está sem dúvida eivada de limitações e até de aberrações. A moral burguesa sobre a família não só falseia a situação real como enferma de cínica hipocrisia.
Entretanto não consideramos como objectivo destruir a família, mas construir uma sociedade em que a família não seja constituída na base de interesses materiais e de preconceitos e convenções burguesas, não seja o palco de conflitos mesquinhos, de incompatibilidades insolúveis, de servidão, vexames e humilhações para a mulher, mas uma realidade constituída na base da decisão livre, do amor, do afecto e da solidariedade recíprocas.
O segundo aspecto respeita a observações feitas relativamente ao direito à igualdade, aos obstáculos à igualdade efectiva e às condições para que a igualdade se concretize.
O nosso Partido tem defendido que a igualdade do homem e da mulher na família constitui um importante aspecto de emancipação da mulher.
Já atrás referimos o reconhecimento da igualdade de direito na família pela legislação saída da Revolução de Abril. Foi importante. Mas o reconhecimento legal da igualdade está muito longe de significar a igualdade de facto.
A igualdade do homem e mulher na família pressupõe: a independência económica da mulher; o amor, o afecto e a solidariedade na vida como determinantes fundamentais da vida comum; a libertação da mulher do exclusivo encargo duro, fatigante e rotineiro das tarefas domésticas (cozinha, limpeza, tratamento das crianças e até do homem) mesmo quando, tal como o homem, tem um trabalho profissional fora de casa.
A independência económica (salvo em camadas burguesas e em casos particulares) só pode ser assegurada em termos sociais através da garantia do direito ao trabalho profissional.
Amor, afecto e solidariedade só podem ser assegurados quando não intervêm na decisão de vida em comum interesses materiais, conveniências, preconceitos e critérios de classe, decisões externas à vontade dos próprios.
A libertação do encargo das tarefas domésticas como trabalho exclusivo só pode ser assegurada pela multiplicação de creches, infantários, lavandarias, cantinas e produção de alimentos pré-cozinhados, pelo melhoramento das condições de vida que permitam o acesso a essas estruturas assim como aos electrodomésticos e outros produtos de técnica moderna e também pelo bom entendimento dos casais de forma a haver compreensão de que o homem deve partilhar com a mulher das tarefas domésticas de harmonia com a organização da vida.
São problemas que não se resolvem por decreto nem por decisões de carácter administrativo. Estareis certamente de acordo que, por exemplo, o Partido não pode determinar (como pretendiam alguns camaradas) que todos os homens comunistas dividam obrigatoriamente a meio com as suas companheiras as tarefas domésticas.
Sem dúvida, há progressos em todas estas áreas. Mas estamos longe de uma situação social, de uma política democrática e de uma mentalidade predominante (tanto dos homens como das mulheres) que permita seja superada em todas estas áreas a injusta desigualdade.
A luta política e ideológica, a batalha pela mudança das mentalidades e por uma moral nova e superior, são importantes meios para modificar a situação. As transformações económicas, sociais e políticas aparecem como indispensáveis para o estabelecimento da igualdade efectiva não em termos individuais e pessoais (tais casos existem e são cada vez mais numerosos) mas em termos sociais.
Devemos ter plena noção de que a luta pela igualdade da mulher e do homem na família é uma luta difícil, cheia de contradições, e certamente demorada.
Mas, fazendo avançar o processo, o nosso Partido continua a luta pela remoção dos obstáculos que se opõem, nesta esfera como nas outras, à conquista pela mulher dos seus justos direitos.
O terceiro aspecto respeita a observações sobre a relação homem-mulher.
A passagem do Documento-base que suscitou mais observações é aquela em que é feita uma crítica simultânea tanto às situações de opressão, humilhação e violência de que as mulheres são vítimas na família, como às concepções segundo as quais é atribuído um valor social, e se erige em ideal inserido em concepções de «reorganização da família» e de revisão do seu conceito, a permanente instabilidade e promiscuidade sexuais. Não a instabilidade em si, naturalmente, não a instabilidade em casos individuais, mas a instabilidade erigida em opção e em regra a generalizar.
O texto proposto não era suficientemente esclarecedor. Foram propostas e aceites emendas. Mas não é de esperar que os críticos se considerem satisfeitos.
Cabe dizer que as observações não tiveram todas o mesmo sentido. Houve camaradas que propuseram o corte da primeira parte. Outros que propuseram o corte da segunda. E outros propuseram muito simplesmente o corte das duas.
A decisão foi manter as duas. Emendadas sim, mas ficaram.
Nós perguntamos, camaradas: poderá o Partido deixar de travar combate contra concepções que consideram «destino» da mulher ser objecto de uso, como que propriedade do homem, incapacitada de reagir e pôr termo a situações de submissão e humilhação? E, sempre respeitando as decisões e opções individuais de cada um poderá o Partido deixar de travar combate contra a recusa anarquizante de ver na família uma realidade social, contra a elevação à categoria de atitude revolucionária a dissolução e mesmo a amoralidade sexuais? Poderá o Partido (como propunham alguns camaradas) pronunciar-se contra a criação de laços sólidos, duradoiros, na relação homem-mulher, fundados na vontade própria, na igualdade e no amor, laços que nada têm a ver com a noção burguesa do casamento pois são precisamente o inverso?
Isto não significa nem pode significar que o Partido partilhe, mesmo que pelo silêncio, ideias ultrapassadas como a do casamento indissolúvel, ou da obrigação para a mulher ou para o homem de suportar situações que não deseja apenas pela pressão do meio social. Isto não significa, nem pode significar tão-pouco (e esclarecemos para evitar equívocos que se geraram no debate) que não reconheçamos pleno direito à união não legalmente formalizada, ao divórcio, à separação, à busca e à escolha de um novo destino na própria vida pessoal de cada um e cada uma.
Ao definirmos estes conceitos não é uma posição moralista ou moralizante que o Partido assume, não é uma posição crítica em relação aos comportamentos, mas o exame de um problema social com profundas repercussões em toda a vida social dos nossos dias.
É problema que certamente continuará em discussão. Mas, creio que estamos de acordo que, por agora, a posição definida pela Conferência constitui uma referência útil e a nosso ver necessária, da posição do Partido.
O quarto aspecto respeita a observações relativas ao problema das crianças face ao problema da família.
Apenas uma ligeira e muito incompleta anotação.
Somos contrários à ideia de que a educação, desenvolvimento e formação física, intelectual, moral e afectiva da criança deva ser uma questão essencialmente do Estado.
O Estado deve dar todos os apoios necessários para que essa tarefa seja realizada com êxito. Mas nela cabe ao pai e à mãe uma parte essencial.
Somos contrários a programas e soluções que desresponsabilizem os pais do desenvolvimento, formação e felicidade dos filhos.
Por isso não dissociamos a luta pela emancipação da mulher, e também pela emancipação do homem, da luta pelo futuro e a felicidade das crianças.
Difícil é acreditar que possa amar as crianças quem não ame os próprios filhos.
O amor pelas crianças, a luta para lhes assegurar tudo quanto necessitam no presente e para lhes assegurar o futuro, é parte inalienável do programa e da luta dos comunistas.
6. Sobre a mudança das mentalidades
A transformação da vida económica, social e política provoca transformações nas mentalidades. Mas (como a História mostra) a transformação das mentalidades não acompanha necessariamente a transformação das estruturas económicas, sociais e políticas.
Na desigualdade da mulher e na sua situação discriminatória pesam as super-estruturas ideológicas, tanto as de formação recente como as herdades do passado. Pesam preconceitos e tradições milenárias que influem na consciência social e individual. Pesa a religião que espelha uma sociedade passada e credita como valor místico instituições desaparecidas ou em vias de desaparecer.
Estamos por isso de acordo com os camaradas que, no debate antes da Conferência e nas Secções da Conferência, deram grande relevo à importância da mudança das mentalidades no processo de emancipação da mulher. De acordo também com os camaradas que sublinham a importância das transformações culturais para a mudança das mentalidades.
Não há revolução que consiga (ou pretenda sequer conseguir) apagar na nova sociedade as marcas influentes e por vezes dominantes do passado histórico. O abandono de concepções e preconceitos ancestrais e a mudança das mentalidades acompanhando as transformações sociais é um processo extremamente complexo, contraditório e certamente demorado.
Mesmo nas sociedades mais avançadas, na organização da vida social e familiar, no património artístico, na literatura, na poesia, no canto, na pintura, na escultura, na moral dominante, na religião, nos costumes, nos hábitos, na profundidade das tradições nacionais e populares, proliferam marcas de desigualdade, de discriminação e de formas de opressão e submissão da mulher, apresentadas não só como realidades inerentes à natureza humana (e por isso intemporais e imutáveis), mas também como motivos de exaltação, de beleza, de veneração, de valor espiritual e moral.
Na vida de todos os dias na sociedade actual o elogio da desigualdade encobre a degradante situação real com todo um denso véu de justificações e elogios tranquilizadores da consciência social e das consciências individuais.
Por isso se pode dizer que de todos os factores de desigualdade e discriminação da mulher que sobrevivem às transformações progressistas das estruturas económicas, políticas e sociais, o mais renitente à transformação são as mentalidades formadas e cristalizadas em traços essenciais através de milénios de História e presentes na vida contemporânea nos mais variados aspectos da vida.
Mentalidade social. Portanto, mentalidade dos homens e mentalidade das mulheres.
O próprio debate realizado no Partido confirmou relativamente à situação das mulheres as profundas diferenças de classe para classe e de região para região. Profundas diferenças de situação económica, do grau de dependência, da mentalidade dominante.
Creio, camaradas, que não é um juízo depreciativo, mas o apontar de uma realidade, dizer que uma parte considerável das mulheres portuguesas não ganhou ainda consciência do peso das discriminações a que está sujeita, do valor das suas capacidades próprias, dos seus verdadeiros direitos. Uma parte considerável das mulheres portuguesas aceita a sua própria situação de submissão como natural e insusceptível de contestação e de mudança.
Isto é: muitas mulheres têm uma mentalidade contrária à sua própria emancipação. Este atraso na tomada de consciência (como sublinharam alguns camaradas) é largamente utilizado pelas forças reaccionárias para negarem às mulheres a satisfação dos seus justos direitos.
A nossa tarefa é despertar essa consciência, despertar com a consciência a vontade de lutar e dar à luta a direcção correcta. E aqui cabe dizer que, embora na sociedade capitalista o homem possa ser um instrumento de opressão da mulher, o inimigo a apontar não é o homem, mas o capitalismo.
Uma camarada, na sua intervenção, falou em «ideologia masculina» como ideologia dominante na sociedade portuguesa actual e como traço da mentalidade dominante nos nossos dias.
Esta expressão equívoca pode ser interpretada em dois sentidos.
Se por ela se pretende caracterizar o traço e a raiz essencial da ideologia dominante, então tem de considerar-se incorrecta pois a ideologia dominante é a da classe dominante, no concreto da burguesia.
Se pela expressão se quer afirmar que, na actualidade, predominam os conceitos que consideram uma realidade imanente a desigualdade e inferioridade da mulher, as discriminações, a submissão efectiva ao homem, então temos que concordar em que tal mentalidade ainda perdura e que o PCP se propõe combatê-la e a combaterá.
No domínio da ideologia. E na prática da sua acção.
A nossa Conferência insere-se na luta contra as formas de exploração e opressão da mulher. A Conferência aponta o homem comunista não como o inimigo da mulher, não como o opressor da mulher, mas como o companheiro de combate da mulher pela sua emancipação. A Conferência não aborda o caso individual. Indica um combate social e colectivo.
Em vez de generalizar, numa acusação global, as tendências opressoras do homem sobre a mulher, a nossa Conferência estimula a acção do homem, ao lado da mulher, na luta pela sua emancipação.
A luta não será fácil.
As resistências ao reconhecimento efectivo da igualdade de direitos da mulher não parte apenas das forças reaccionárias. Tais resistências estão enraizadas nas tradições, nos costumes, nos hábitos, na forma de viver e na organização da vida de sectores maioritários da população.
Qual a atitude de um partido revolucionário que se propõe transformar a vida social eliminando todas as formas de exploração, de opressão, de discriminação e de injustiça?
A atitude não pode ser outra que seja apontar o caminho justo da emancipação da mulher, em que se inserem as medidas, as formas e os métodos capazes de vencer os obstáculos à emancipação.
E isto significa também que a luta pela mudança das mentalidades, tarefa não apenas das mulheres mas de todos os comunistas, de todo o nosso Partido, não pode esperar pelas transformações sociais por que lutamos, antes é uma luta constante e obrigatória nos dias em que vivemos.
Estamos a travá-la e iremos intensificar essa nossa luta.
7. Apelo às mulheres: tomai o destino nas próprias mãos
Como a Conferência testemunha, o nosso Partido está profundamente empenhado na defesa dos direitos das mulheres e na luta pela sua emancipação.
A acção das mulheres é porém um elemento fundamental do processo.
Nós dizemos às mulheres e em primeiro lugar às mulheres trabalhadoras que têm no PCP um defensor firme e permanente dos seus interesses, direitos, aspirações e objectivos.
Mas, ao mesmo tempo, lançamos um apelo à mulher, apelo que vemos inscrito nesta sala: «Mulher! Toma nas próprias mãos a conquista dos teus direitos!». Isto é: organiza-te, participa activamente nos sindicatos e outras organizações unitárias, avança as tuas reclamações e objectivos, luta por eles, mobiliza as massas femininas para a luta.
A Conferência deu particular relevo à situação, aos problemas, à luta e às formas de organização das mulheres trabalhadoras.
O documento aprovado valoriza devidamente a luta das mulheres trabalhadoras, apoiando as suas organizações de classe e inserindo as suas reivindicações específicas na luta geral de todos os trabalhadores.
No debate realizado não surgiram ideias controversas que exijam particular referência em relação ao papel e às formas de organização e de luta das mulheres trabalhadoras.
Mas surgiram ideias controversas e por vezes polémicas, em relação aos movimentos femininos.
Sim ou não há interesses, problemas e reivindicações das mulheres que transcendem os limites das classes sociais e os seus antagonismos?
O nosso Partido, salientando interesses de classe como os interesses fundamentais presentes na luta política e social sempre admitiu a existência de interesses, problemas e reivindicações de mulheres, comuns a mulheres de várias classes e camadas sociais.
Tiveram razão no debate os camaradas que insistiram em defender que, além dos problemas das mulheres trabalhadoras e dos problemas das mulheres de tal ou tal classe social, há problemas e interesses comuns às mulheres independentemente da sua origem social, problemas e interesses que podem ser factor de unidade e mobilização das mulheres de classes diferentes.
Daqui se deduz a possibilidade e a necessidade de movimentos femininos nos quais (dados os objectivos) podem e devem participar mulheres de variadas classes sociais.
Diversas camaradas salientaram no debate o papel decisivo do Partido e em particular das mulheres comunistas na criação, organização, acção e desenvolvimento desses movimentos em Portugal.
Ninguém discordará de que, se as mulheres comunistas foram as impulsionadoras desses movimentos, em termos partidários, foi o Partido o impulsionador.
Nenhuma mulher comunista, organizadora e animadora dos movimentos femininos em Portugal, pretende que a sua acção não é também a acção do seu Partido.
Uma observação ainda. O Partido desempenha um papel dinamizador dos movimentos unitários através dos seus militantes mas não pretende de forma alguma comandá-los. O Partido defende consequentemente o carácter unitário e a democracia interna das organizações e movimentos unitários, designadamente dos movimentos femininos.
Além de ligeiras referências de carácter histórico, o documento aprovado na Conferência faz justas referências aos mais importantes movimentos de mulheres na actualidade, designadamente ao MDM – importante movimento de âmbito nacional, democrático, unitário e aglutinador que o documento aprovado na Conferência afirma ter «amplas perspectivas de intervenção», e que as organizações e militantes do Partido devem apoiar.
Referência também às Comissões Unitárias de Mulheres (CUM) como exemplo de diversificação de formas de intervenção que é também tarefa dos membros do Partido dinamizar.
Compreende-se que camaradas nossas que militam em movimentos femininos unitários expressem a sua discordância e a sua crítica relativamente à subestimação e a posições depreciativas que algumas organizações e camaradas assumem em relação aos movimentos femininos.
Compreende-se mesmo que militantes nossas nos movimentos femininos, vivendo intensamente a luta pelos direitos das mulheres, se intitulem a si próprias «feministas», embora esta palavra mantenha vulgarmente um sentido equívoco, porque muito ligada historicamente (e ainda na actualidade) a movimentos orientados fundamentalmente contra a opressão pelo homem e não contra o sistema social e político responsável pela opressão da mulher.
A ideologia anti-masculina como eixo da luta de emancipação das mulheres não só desvia a luta das direcções fundamentais, com o constitui, na realidade portuguesa de hoje, um fenómeno serôdio embora invocando a sua modernidade.
A nossa actividade como comunistas – homens e mulheres – não visa agudizar e aprofundar um conflito homem-mulher, mulher-homem, mas unir homens e mulheres na luta contra todas as formas de exploração e opressão, designadamente a exploração e opressão a que está sujeita a mulher.
Sem dúvida que em certas iniciativas feministas há tendências que consideramos negativas. Parece-nos entretanto necessário considerar com maior abertura as possibilidades de diálogo, cooperação e acção comum entre as várias organizações e movimentos femininos.
Há que procurar destacar aquilo que é apontado de justo relativamente à situação da mulher, os problemas reais que analisam, as insatisfações, aspirações e protestos que traduzem.
E não só no que respeita à problemática especificamente feminina. Como camaradas chamam a atenção, é possível uma convergência na luta por objectivos sociais e políticos e designadamente, no momento actual, na luta pela paz.
Ao mesmo tempo que é necessário travar a batalha no terreno ideológico, polemizando quando necessário polemizar, cabe ser feito um sério esforço para alargar o campo unitário e (relativamente a problemas e a áreas em que os objectivos se aproximam) fazer convergir esforços na luta comum com objectivos comuns.
8 . O PCP – na vanguarda
A Conferência confirma que na luta em defesa dos direitos da mulher e pela emancipação da mulher, o nosso Partido, entre todas as forças políticas, ocupa indiscutivelmente a vanguarda.
A Conferência surge no seguimento das posições e da luta coerente do PCP desde a sua fundação em 1921.
Ao longo da sua já longa história o PCP não se limitou a apontar o reconhecimento da igualdade de direitos e a emancipação da mulher entre os objectivos da revolução democrática e da futura sociedade socialista. Ao longo da sua história, tanto antes como depois do 25 de Abril, o PCP sempre conduziu no concreto, no imediato, a luta em defesa dos interesses e direitos das mulheres e desenvolveu um trabalho regular para a organização e mobilização das mulheres para a luta.
A acção do Partido para a derrota e liquidação da ditadura fascista para transformações democráticas profundas na sociedade portuguesa e para a instauração de um regime democrático constituiu também uma contribuição de alto valor para o avanço do processo emancipador.
No meio século de terror fascista, nas duras condições de clandestinidade em que o Partido actuou, as mulheres comunistas educadas pelo Partido, mostraram o seu alto valor revolucionário no trabalho de organização, na acção política, nas tarefas técnicas mais duras e perigosas como tipografias, aparelhos e casas clandestinas. Centenas de mulheres comunistas foram perseguidas, presas e torturadas. Muitas destacadas camaradas, algumas das quais se encontram aqui hoje connosco, foram julgadas e condenadas a largos anos de prisão. Libertadas, muitas voltaram logo à luta clandestina. Catarina Eufémia é mais que um símbolo. A sua morte ficou sendo o testemunho do que foi a luta heróica das mulheres comunistas.
Em nenhum outro partido as mulheres deram tamanhas provas de consciência política, de combatividade, dedicação e heroísmo.
O PCP tem justificados motivos de orgulho de contar nas suas fileiras com tão honrosas representantes da mulher portuguesa.
Na Revolução de Abril, no processo de conquista e instauração do regime democrático, também as mulheres comunistas estiveram sempre nas primeiras linhas de luta.
E tal como é justo referir hoje aqui o exemplo das camaradas que lutaram nas condições de clandestinidade e de terror fascista, é igualmente justo referir também aqui hoje a acção das muitas e muitas camaradas que depois do 25 de Abril de 1974, na luta pela instauração das liberdades e da democracia, pelos direitos dos trabalhadores, pela democratização do ensino e da cultura, na gestão e defesa de empresas abandonadas pelos patrões reaccionários, na ocupação de terras e na formação das UCP/Cooperativas da Reforma Agrária, na luta pelos direitos da mulher, nas greves, manifestações e concentrações, na oposição às actuações brutais das forças repressivas contra os trabalhadores – também deram provas tantas vezes heróicas das convicções profundas, da dedicação e do espírito revolucionário da mulher comunista.
Não se trata de uma apreciação triunfalista. Trata-se de factos históricos que nada e ninguém podem alterar.
Significa isso que tenhamos razão para estarmos auto-satisfeitos pela acção do nosso Partido na luta pela emancipação da mulher?
Não, camaradas. A Conferência foi explícita a esse respeito. Reconhecemos atrasos e insuficiências e reconhecendo-os preparamo-nos para superá-los.
Assim nem sempre tem sido dada a atenção necessária aos problemas das mulheres e à luta pelos seus interesses específicos. Manifestam-se com frequência apreciações estreitas e sectárias em relação às organizações e movimentos unitários. No nosso próprio Partido, em muitas organizações e camaradas estamos longe de ajudar devidamente os quadros femininos com vistas à sua preparação e à sua promoção. E, certamente em parte por razões sociais objectivas que não se podem ignorar, mas também em parte por preconceitos e limitações ideológicas, manifestam-se em muitos camaradas, homens e mulheres, atitudes, opiniões e sentimentos influenciados tanto pela ideologia e pelas práticas reaccionárias da burguesia como pela ideologia radicalista da pequena burguesia – atitudes, opiniões e sentimentos que constituem um real obstáculo à tomada de consciência dos problemas reais e essenciais que a mulher defronta, à luta em defesa dos seus direitos, ao processo de emancipação, à participação mais geral, mais activa e mais militante das mulheres na luta social e política e no próprio Partido.
A realização desta Conferência significa que o Partido se vai empenhar em ultrapassar tais deficiências e dificuldades.
A Conferência é uma contribuição para que as mulheres portuguesas se possam certificar de que o PCP, defrontando campanhas, mentiras, calúnias, injúrias, é, de todos os partidos, o seu melhor defensor.
Quantas campanhas reaccionárias se não desenvolveram contra o nosso Partido por motivo das suas propostas de lei sobre a protecção à maternidade, o planeamento familiar, a educação sexual e a interrupção voluntária da gravidez?
A reacção conseguiu que só parte das propostas do PCP fosse aprovada. Conseguiu assim, por exemplo, que a lei relativa à interrupção voluntária da gravidez ficasse sendo extremamente limitativa.
Mas, incapaz de impedir a sua aprovação apesar de extremamente limitativa, nem assim possibilita que seja cumprida.
Que querem de facto esses senhores? Que continuem a praticar-se em Portugal 100 a 200 mil abortos clandestinos anuais, com todas as suas implicações e riscos para a vida, a saúde e o estado psíquico das mulheres? E que eles, muitos desses que procuram que o aborto seja totalmente proibido, enviem as suas senhoras a praticá-lo pelos médicos ou enfermeiros amigos, ou a pretexto do turismo, o façam numa viajata ao estrangeiro?
Há quem diga que o PCP não devia levantar a questão porque provoca contra ele furibundas campanhas. Nós bem o sabemos. Mas sabemos também que os interesses da mulher, da família, da sociedade, exigem que se ponha cobro a esse flagelo que é o aborto clandestino.
Os reaccionários bem poderão desenvolver campanhas contra tais e outros projectos do PCP. Mas as mulheres portuguesas, que sofrem directamente as consequências das leis reaccionárias vigentes e das pressões sociais e hipocritamente moralizantes das forças reaccionárias, cada vez compreenderão melhor o PCP e cada vez apoiarão mais as nossas propostas e a nossa luta. Essa compreensão e esse apoio são suficientes e mais que suficientes para nos compensar das campanhas de mentiras, calúnias e injúrias que as forças reaccionárias bolsam contra o nosso Partido.
O PCP é um partido caldeado e forjado na luta. É um partido experimentado e provado. Nada nos afasta do justo caminho da luta em defesa dos direitos das mulheres, da luta pela igualdade da mulher, da luta pela emancipação da mulher portuguesa, parte constitutiva da luta emancipadora dos trabalhadores e do povo de Portugal.
9. Algumas direcções de trabalho
A Conferência não se limitou a analisar a situação da mulher, os mais importantes problemas que a mulher defronta, o significado e o processo da sua emancipação.
A análise feita não teve apenas objectivos teóricos e ideológicos. Teve um objectivo eminentemente prático: constituir um instrumento útil ao desenvolvimento da luta do Partido e da luta das mulheres em defesa dos seus justos direitos.
O debate não termina com a Conferência. Mas terminando com a Conferência um ciclo do debate, o que interessa fundamentalmente, após a Conferência e como resultado da Conferência, é transformar em acção, transformar em luta, as conclusões fundamentais.
O que é indicado no documento aprovado não esgota as tarefas que temos por diante. Mas para já é imperioso que actuemos nas quatro direcções fundamentais apontadas.
A primeira, a acção política e a actividade das massas do Partido.
Lutando em defesa das conquistas do nosso povo e do regime democrático, lutando para que, com a demissão do Governo actual e a formação de um governo democrático, Portugal retome o caminho de Abril, o nosso Partido dará uma das mais importantes contribuições que no momento actual está ao seu alcance para que se retome também o caminho da emancipação de mulher a que a revolução dos cravos deu poderoso impulso. No quadro desta luta, o PCP desenvolverá a acção (na movimentação de massas, na Assembleia da República, nas Autarquias, etc.) para que sejam asseguradas não só as justas reclamações comuns a mulheres e homens, mas também as justas reclamações específicas das mulheres.
A segunda direcção do nosso trabalho é o apoio, não em termos de rotina, mas mais efectivo e mais dinâmico, às diversas formas de organização e acção unitária das mulheres, designadamente as estruturas sindicais, os movimentos femininos e as mais variadas iniciativas de carácter social e cultural.
Creio poder afirmar, camaradas, que o Partido saiu da Conferência firmemente decidido a cumprir esta tarefa para que avance a luta em defesa dos direitos das mulheres e se promova uma maior participação da mulher na vida política, social e cultural.
Conforme foi sublinhado no debate e na Conferência, na dinamização de movimentos e lutas das mulheres podem ter papel de particular relevo os movimentos, movimentações e acções em defesa da paz, assim como iniciativas de solidariedade para com os povos sujeitos à opressão reaccionária e à agressão imperialista.
A terceira direcção respeita à batalha ideológica, que tem como uma das suas expressões a luta pela mudança das mentalidades no que se refere à problemática feminina.
E ficou claro, camaradas, que esta batalha ideológica se tem de travar em duas frentes. Tem de se travar pela acção do Partido na vida política, social e cultural do nosso país. E tem de se travar dentro do próprio Partido, combatendo incompreensões e tendências negativas de que o debate possibilitou numerosos afloramentos.
A quarta direcção do nosso trabalho é o reforço em todos os aspectos da intervenção da mulher na vida e na acção partidária.
E isso significa recrutar mais mulheres para o Partido para que novas militantes venham juntar-se às mais de 40 000 que já militam nas nossas fileiras e que daqui saudamos. Significa ter em conta os condicionalismos e as condições concretas da vida em que se insere a actividade política das camaradas. Significa realizar um trabalho sistemático de preparação, formação e promoção de quadros femininos, conferindo às camaradas tarefas de maior responsabilidade, conformes não apenas com as suas possibilidades e capacidades actuais, mas tendo também em conta as suas perspectivas.
A realização da Conferência por si mesma, significa um importante passo em todas as direcções apontadas. Mas mais que um passo por si mesma, ela abre caminho ao trabalho futuro.
Ao findar iniciativas do Partido, é usual dizermos: agora ao trabalho!
Creio, camaradas, que ao findar a nossa Conferência sobre a emancipação da mulher no Portugal de Abril, podemos dizer, como é usual: agora ao trabalho!
Com a alegria, com o entusiasmo, com a confiança que a realização da Conferência a todos inspira.
Ao trabalho na acção constante, diária, empenhada de todo o Partido na defesa dos interesses, direitos e aspirações da mulher portuguesa.
Ao trabalho para a organização e mobilização das mulheres.
Ao trabalho para o aprofundamento do conhecimento das situações e dos problemas e para um desenvolvimento criativo das ideias e das soluções.
Ao trabalho para que no nosso próprio Partido a mulher tenha uma participação ainda mais dinâmica, um papel cada vez mais destacado e responsável em todos os aspectos da actividade.
Ao trabalho para que Portugal retome o caminho de Abril e o processo de emancipação da mulher conheça novos avanços.
Pela extraordinária participação e afluência, pela riqueza, profundidade e mesmo paixão nos debates, pelas infindas situações novas relevadas, pelo determinado empenhamento de todos, homens e mulheres, nos trabalhos, pelo sentido crítico e autocrítico das análises e opiniões, pela unidade no esforço de encontrar soluções e na vontade de luta para alcançá-las, por este ambiente exaltante e único que todos estamos aqui vivendo, creio, camaradas, que podemos concluir sem dificuldade que, tal como noutras áreas da sua acção o PCP passou à ofensiva, o PCP fará avançar com determinação e confiança a luta pela emancipação da mulher.
As mulheres portuguesas podem estar certas, absolutamente certas, de que o PCP está inteiramente ao seu lado na luta pelos seus justos direitos, na luta pela sua emancipação.
Viva «A emancipação da mulher no Portugal de Abril»!
Viva a mulher portuguesa!
Viva o Partido Comunista Português!