Resolução da Conferência Nacional do PCP sobre «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril»

Introdução

Para os comunistas, o processo de emancipação da mulher é inseparável da luta de classes e das transformações económicas, sociais, políticas e culturais, que a luta revolucionária introduz na sociedade.

Os fundadores do socialismo científico, ao descobrirem as leis objectivas do desenvolvimento da sociedade, esclareceram que as causas fundamentais da opressão da mulher na sociedade e na família assentam em condições objectivas (as condições sócio-económicas) e apontaram os caminhos a percorrer para a sua libertação.

Na época contemporânea, a entrada da mulher em massa na produção social alargou o universo da força de trabalho sujeito à exploração capitalista, modificando o carácter e o conteúdo dos objectivos da luta emancipadora das mulheres. Às formas ancestrais de dominação a que têm estado sujeitas as mulheres, juntou-se a exploração do capital sobre o trabalho.

Na época contemporânea a luta da mulher pela sua emancipação é inseparável da luta dos trabalhadores e dos povos pela sua libertação da exploração capitalista e da opressão imperialista.

As mulheres não constituem uma camada social homogénea. As mulheres (tal como os homens) pertencem a classes e camadas sociais diversas, em alguns casos mesmo antagónicas. A existência de situações e de objectivos comuns (conjunturais ou não) a sectores muito diversificados, não altera esta realidade.

As mulheres são vítimas de discriminação em geral, por razões de sexo, e de discriminações de classe de conteúdo bem preciso.

Para os comunistas a emancipação da mulher significa, por um lado, a emancipação da mulher trabalhadora da opressão e exploração capitalistas e, por outro, a emancipação das mulheres em geral das discriminações, desigualdades e injustiças a que estão sujeitas por razões de sexo.

A luta das mulheres trabalhadoras tornou-se a parte mais dinâmica, mais consciente e organizada do movimento geral das mulheres, aquele que enfrenta e atinge a base da própria exploração, o sistema capitalista. A luta das mulheres trabalhadoras contra a exploração capitalista, pela transformação social, pelo socialismo, é inseparável da luta de classes de todos os trabalhadores.

Para os comunistas é importante, mesmo essencial, aprofundar o conteúdo das reivindicações específicas das mulheres e a luta por objectivos concretos, contribuindo para a melhoria da sua situação imediata, a compreensão da situação de discriminação a que estão sujeitas e o alargamento da sua consciência política e social. Mas a sua luta não se pode reduzir aos problemas específicos. Isso levaria a que o vasto movimento de massas femininas se isolasse da luta geral contra todas as formas de opressão e exploração social.

A luta pela satisfação das reivindicações específicas terá tanto mais possibilidade de êxito quanto mais estreita for a sua integração na luta geral pela transformação da sociedade, pela democracia, pelo progresso social, pelo socialismo.

As mulheres não reclamam apenas a satisfação de reivindicações políticas gerais, reivindicam que se resolva no concreto o seu lugar no trabalho, na vida política, social, cultural e na família, em pé de igualdade com os homens.

O despertar de largas massas femininas para a luta social e política marca profundamente a realidade contemporânea. A consciência da situação discriminatória na sociedade leva cada vez maior número de mulheres à acção combativa, à formalização e sistematização das reivindicações essenciais. Esta consciência, apesar do carácter muito diversificado quanto à compreensão do estatuto social, às causas da opressão e dos caminhos que levam ao fim das discriminações, expressa-se em múltiplas acções comuns e em grande multiplicidade de formas de organização e movimentos.

O denominador comum da luta diversificada das mulheres e dos seus múltiplos movimentos é a sua aspiração à emancipação, a uma mudança para um estatuto social mais dignificante. Nesta base estabelece-se uma ampla unidade de acção de sectores sociais femininos muito variados, pela sua origem de classe. As conquistas democráticas alcançadas com o 25 de Abril – conquistas para as quais as mulheres deram uma contribuição de grande relevo, participando activa e corajosamente na luta reivindicativa, económica e social, na defesa das liberdades, pelo direito ao trabalho, pela Reforma Agrária, pelas nacionalizações, pelo controlo de gestão – abriram o caminho capaz de levar à liquidação das discriminações que atingem as mulheres.

Os ataques das forças reaccionárias ao 25 de Abril e às suas conquistas são igualmente ataques às conquistas das mulheres, conquistas cuja salvaguarda é indispensável para garantir o avanço para a verdadeira emancipação das mulheres.

O desenvolvimento da luta das mulheres, em particular da mulher trabalhadora, o seu grau de consciência, de organização e de combatividade, são inseparáveis do longo trabalho de esclarecimento e de organização realizado pelo PCP.

O PCP, afirmando-se como força política mais consequente e determinante na defesa das conquistas do 25 de Abril, afirma-se igualmente como a força mais consequente e coerente na defesa e concretização das aspirações emancipadoras das mulheres.

A Conferência do PCP sobre «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril», proporcionando um amplo debate sobre os problemas das mulheres, será também um importante contributo para o reforço da luta em defesa do Portugal de Abril.

I
A emancipação da Mulher, parte integrante da luta de libertação dos trabalhadores e dos povos

A emancipação da mulher está estreitamente ligada ao desenvolvimento social. É assim parte integrante da luta dos trabalhadores e dos povos pela transformação progressista da sociedade e acompanha as conquistas alcançadas com essa luta.

Para o marxismo-leninismo, o grau de emancipação da mulher, considerado «a medida natural do grau de emancipação geral», ligou-se sempre às transformações progressistas da sociedade.

As profundas transformações operadas no mundo, com as revoluções socialistas, a conquista da independência nacional por numerosos povos, o ruir do sistema colonial do imperialismo, o reforço do papel do movimento operário nos países capitalistas, o prodigioso desenvolvimento social e científico-técnico contemporâneos, as poderosas acções das massas populares e dos povos de todos os continentes pela liberdade, a democracia, a independência e a paz, colocaram a emancipação da mulher no campo da concretização prática.

Se a «questão feminina», como questão específica expressa em reivindicações emancipadoras, está ligada às transformações sócio-económicas operadas com a Revolução Industrial e à ascensão da burguesia como classe dominante, a emancipação concreta das mulheres está ligada ao movimento operário revolucionário, à luta libertadora dos povos, ao socialismo, que considera ser tarefa histórica libertar a mulher de todas as formas de exploração e de opressão.

O desenvolvimento do capitalismo, integrando massivamente as mulheres na produção material, concentrando-as em grandes unidades fabris, alargando o campo da exploração levou a alterações qualitativas na luta pela emancipação das mulheres. Com o aparecimento do movimento operário revolucionário, a luta pela emancipação da mulher e a liquidação da sociedade burguesa tornaram-se inseparáveis.

A vida confirmou plenamente esta realidade.

Cabe ao primeiro governo operário da História surgido com a Comuna de Paris, o mérito de ter tomado as primeiras medidas verdadeiramente a favor da emancipação da mulher.

Mas a Comuna teve vida curta. As esperanças abertas à classe operária e às mulheres foram afogadas em sangue pela contra-revolução burguesa.

É com o triunfo da grande Revolução Socialista de Outubro que, ao liquidar o regime explorador, a situação da mulher, sobretudo da trabalhadora, vai sofrer uma transformação radical. Muitas das aspirações e reivindicações emancipadoras das mulheres tomam pela primeira vez expressão na vida real, atingem uma repercussão mundial e transformam-se em novas bandeiras de luta das mulheres de todos os continentes.

O primeiro Estado socialista do mundo, logo nos primeiros tempos de existência, aboliu todas as leis que discriminavam a mulher no seio da família e da sociedade. Em 1919, decorridos apenas dois anos, Lénine chamava a atenção para que nesse curto espaço de tempo «o poder soviético, num dos países mais atrasados da Europa, fez mais pela libertação da mulher e para a sua igualdade com o sexo “forte” do que fizeram durante 130 anos todas as repúblicas progressistas, cultas e “democráticas” do mundo, somadas em conjunto.» Na URSS e noutros países socialistas, a garantia efectiva do direito ao trabalho, a igualdade nos salários e no acesso à formação profissional, levou à incorporação massiva da mulher na produção material.

As mulheres podem ascender a todos os ramos da produção e a todas as profissões, incluindo as mais especializadas e qualificadas em pé de igualdade com os homens.

A função social da maternidade é assegurada pela protecção da grávida no trabalho, pela assistência médica gratuita e pela larga rede de infraestruturas de apoio social.

O triunfo do socialismo em toda uma série de países, libertando as mulheres da opressão, elevando-as aos primeiros postos no trabalho, na ciência e na cultural, influi decididamente na luta emancipadora das mulheres à escala mundial, dando-lhes a certeza de que as mulheres, liquidado o regime explorador, podem alcançar uma vida verdadeiramente digna.

Mas não desaparecem de súbito os preconceitos sobre a mulher, nem a sua emancipação se verifica automaticamente com as novas relações de produção. O que a experiência prática de milhões de mulheres dos países socialistas comprova é que as desigualdades e problemas por resolver que subsistem no que toca à situação da mulher, contrariamente ao que se verifica nas formações económicas exploradoras, tem um carácter transitório, pois essas dificuldades e mesmo preconceitos e manifestações retrógradas, têm na sua maior parte uma raiz histórica, não residem na essência do sistema socioeconómico.

O ruir do sistema colonial do imperialismo, o desenvolvimento da luta de libertação nacional, a consolidação de revoluções democráticas nacionais em dezenas e dezenas de Estados, a nova realidade dos países progressistas despertaram para uma nova vida milhões de mulheres outrora submetidas pelo imperialismo à maior miséria e obscurantismo.

As mulheres de numerosos países de África, Ásia e América Latina, tendo desempenhado um papel importante na luta libertadora dos seus povos (inclusive na luta armada), incorporam-se massivamente na batalha pelo desenvolvimento económico e social, participam activamente nas tarefas de reconstrução nacional, na defesa da independência das suas pátrias, condição indispensável para garantir o progresso social, o fim das injustiças sociais, a verdadeira emancipação da mulher.

Apesar do tremendo atraso sócio-económico herdado da era colonial e da exploração neocolonialista, apesar do peso de tradições seculares arcaicas, o estatuto das mulheres destes países, por acção de governos revolucionários e patrióticos e a luta específica das mulheres, sofreu já alterações radicais.

Liquidou-se em vários países a poligamia e o casamento de menores contratado por familiares. Combate-se o analfabetismo e eleva-se o nível cultural das mulheres. Alarga-se a mão-de-obra feminina na produção industrial e nos serviços. Melhoram os serviços de saúde. Numerosas mulheres ascenderam aos mais altos cargos no aparelho de Estado, nas organizações políticas, sociais e culturais.

Os movimentos femininos de África, Ásia e América Latina, integrando-se no movimento internacional das mulheres, dão uma importante contribuição à escala mundial, à luta pela emancipação da mulher, à luta pela paz e pelo progresso social.

Com a derrota do nazi-fascismo, a instauração da democracia numa série de países, a constituição do campo socialista, o desmoronar do sistema colonial, o reforço das forças da paz e do progresso – as mulheres, inserindo a sua acção na luta dos povos pelo progresso social, alcançaram notáveis conquistas no plano dos direitos, no seio da família, na vida política e social.

Na actualidade, as organizações específicas de mulheres, em toda a sua diversidade, pela composição social e conteúdo programático, alcançaram um grande dinamismo e carácter de massas, à escala mundial.

A Federação Democrática Internacional da Mulher (FDIM) é integrada por 135 organizações femininas de 117 países.

É cada vez maior o número de mulheres que empunha a bandeira da luta emancipadora, pelo fim das injustiças sociais.

O 8 de Março, símbolo da luta revolucionária, transformou-se numa jornada mundial de acção das mulheres pelos seus direitos próprios e contra todas as formas de discriminação.

Entretanto, no mundo capitalista, apesar dos avanços da luta emancipadora, intensificam-se as restrições às liberdades democráticas e aumenta a exploração à medida que se acentua a crise do capitalismo.

Quanto mais se alargam as conquistas das mulheres, quanto mais se eleva a sua consciência, mais se agrava a contradição entre a política do grande capital e a aspiração de um número cada vez maior de mulheres a participar na vida económica e social e à igualdade de direitos com os homens.

A burguesia, não podendo ignorar que milhões de mulheres de todo o mundo exigem que se ponha fim às discriminações de que são vítimas, que se alarga a compreensão de que a emancipação da mulher passa pela liquidação do regime de exploração, desenvolve grandes esforços para desviar as correntes emancipadoras para objectivos laterais.

Que mais de 100 países capitalistas tenham proclamado (ainda que na maioria dos casos só formalmente) a igualdade de direitos entre os homens e as mulheres, que o grande forum mundial das nações – a ONU – tenha inscrito nos seus objectivos o fim das discriminações a que estão sujeitas as mulheres, mostra toda a dimensão alcançada pela luta emancipadora das mulheres e dos povos, luta cuja vitória já se perfila no horizonte com o avanço e a consolidação das forças do progresso social e da paz.

Há ainda muitos obstáculos a vencer, mas na nossa época abrem-se, perante as massas populares e os povos, perspectivas reais para o triunfo de uma nova sociedade que assegurará aos indivíduos (homens e mulheres) a igualdade de direitos e deveres, o seu desenvolvimento harmonioso, a afirmação de uma nova e mais elevada moral.

II .
O processo de emancipação das mulheres em Portugal

Como em todo o mundo, também em Portugal o processo de emancipação da mulher é inseparável da evolução da sociedade portuguesa – das transformações das estruturas sócio-económicas, da composição e das lutas de classe da sociedade e das super-estruturas políticas, jurídicas e ideológicas.

Examinando ao longo da história a situação da mulher, as formas da sua opressão e os seus direitos ressaltam três observações:

A primeira – o carácter complexo e irregular do processo de emancipação, correspondendo à complexidade e irregularidade do declínio da sociedade feudal e do desenvolvimento do capitalismo, às revoluções burguesas e populares, aos processos contra-revolucionários, com as consequentes transformações das estruturas sócio-económicas e das super-estruturas ideológicas e políticas.

A segunda – as profundas diferenças da situação e dos direitos das mulheres – nas relações da família, no direito de propriedade, no trabalho, na instrução e na vida social – segundo a classe a que pertencem.

A terceira – a subalternização que o direito e a ideologia atribuíram à mulher em geral e, dentro de cada grupo social, em particular.

Ao longo dos séculos, a mulher foi sempre discriminada e relegada para uma situação desigual e subalterna. Mas, a realidade concreta e o grau de discriminação foram substancialmente diferentes da mulher do servo da gleba, da mulher do homem-bom, da mulher do artesão, da mulher do mercador, da mulher fidalga.

As particularidades da História de Portugal introduziram elementos contraditórios na situação da mulher e no processo da sua emancipação.

Desmentindo o parecer de alguns historiadores, a mulher interveio sempre na produção não apenas numa economia de subsistência, mas numa economia de produção para o mercado.

No século XVI, e particularmente no século XVII, e princípios do século XVIII, certa expansão do trabalho domiciliário de mulheres por conta de mercadores e de grandes manufacturas na periferia dos centros urbanos e a introdução no país de milhares de mulheres escravas operaram necessariamente influências contraditórias na forma de considerar a mulher na sociedade. Assim, mãos femininas trabalharam as lonas das velas das naus. Em Lisboa mulheres escravas negras e mulheres brancas irmanavam-se na venda pela cidade, no carrego da água ao domicílio, na lavagem da roupados fregueses.

Esta situação integrava-se nas grandes alterações provocadas à escala do país, na sequência dos descobrimentos marítimos, pela emigração de algumas centenas de milhar de homens – quando Portugal contava com um escasso milhão e duzentos mil habitantes – e pelo desenvolvimento do comércio planetário.

Daqui resultou, por exemplo, que numerosas viúvas tenham assumido as responsabilidades da família, da administração dos bens e dos negócios, designadamente nas famílias da pequena e grande burguesia, enquanto outras se afundavam na mais profunda miséria.

Neste processo de desenvolvimento contraditório, assinalam-se também, na linha dos ideais humanistas, grandes afirmações culturais da mulher portuguesa.

Maior significado assumiu o elevado número de mulheres portuguesas condenadas pela Inquisição nos séculos XVI, XVII e XVIII. O número de presas e condenadas à morte situa-se quase ao nível do número dos homens. Tal facto traduz o papel fundamental da mulher na sociedade e a recusa dos padrões éticos obscurantistas do Concílio de Trento por parte de muitas mulheres.

O desenvolvimento do capitalismo e a revolução burguesa do século XIX introduziram factores novos e positivos (de carácter objectivo e subjectivo) na situação da mulher. As ideias liberais e os conceitos democráticos influenciam favoravelmente o seu estatuto.

Com o desenvolvimento industrial a mulher dá passos rápidos no mundo da produção, de modo que nos fins do século XIX as mulheres constituíam cerca de um terço da população proletária. Com a participação directa na produção industrial, a mulher ganha consciência dos seus direitos e intervém activamente na vida e na luta. Nos fins do século XIX assinalaram-se várias greves com ampla participação feminina.

Tudo isto contribui para tornar obsoleto o regime legal relativo ao estatuto feminino, evidenciando o seu carácter opressor e discriminatório. De facto, a mulher era tratada então como se estivesse afectada por uma qualquer incapacidade natural. Amarrada à perpetuidade do casamento – o divórcio não era permitido – a mulher era na hierarquia familiar o ser submisso que devia obediência ao seu marido: nomeadamente, estava privada da administração dos bens do casal e do exercício do poder paternal.

Instaurado o regime republicano em 1910, adoptaram-se importantes medidas progressistas a favor da mulher, medidas que encontraram consagração na Constituição de 1911, a primeira a ocupar-se especificamente dos direitos das mulheres.

De entre essas medidas destacam-se a obrigatoriedade do casamento civil, o direito ao divórcio independentemente da forma de casamento, a extinção de privilégios por nascimento, a obrigatoriedade de prestação de alimentos à mulher pobre de quem possuísse filhos ilegítimos, a proibição do trabalho nocturno às mulheres, a garantia do repouso às mães por ocasião do parto, o descanso semanal, o direito à greve e a reforma do ensino com acesso a todos os cursos, medida de alcance no combate ao analfabetismo que, no século XIX, atingia 90% das mulheres. O legislador da República também equipara, para efeitos penais, o adultério da mulher e do homem e alarga os direitos dos filhos fora do casamento.

Tratava-se de conquistas progressistas de grande alcance para a época.

Entretanto, em alguns casos, não passaram de direitos formais. As mulheres continuaram a ser discriminadas no plano político e social, inclusive sendo-lhes vedado o direito de voto, discriminações que se acentuaram com a crise económica, a instabilidade política e o levantar cabeça das forças mais reaccionárias.

Durante 48 anos de ditadura fascista instalam-se novas formas de opressão, discriminação e desigualdade da mulher, nos planos económico, social, jurídico, cívico e moral.

O 25 de Abril, a libertação do fascismo, a revolução democrática e as suas grandes conquistas comportaram em si mesmo profundas e positivas transformações na condição feminina.

Assim, as grandes transformações sociais e a luta de classes na qual a luta das mulheres adquire crescente importância, constituem o factor fundamental da evolução da situação da mulher e do processo da sua emancipação.

III.
O PCP na luta pela emancipação da Mulher

Desde a sua fundação em 1921, o PCP, pelos seus objectivos, pelo seu programa, pela sua acção, colocou-se na vanguarda das forças políticas portuguesas na luta pela emancipação da mulher.

Em toda a história do PCP a luta pelos direitos das mulheres foi uma componente inseparável da luta pela liberdade, a democracia, a independência nacional, a paz e o socialismo.

A emancipação completa da mulher, que constitui um processo histórico longo e complexo, só pode ser alcançada com a liquidação da sociedade dividida em classes antagónicas, com a construção de uma nova sociedade que ponha termo à exploração do homem pelo homem e a todas as formas de opressão, com a libertação da consciência do ser humano de preconceitos e influências milenárias que continuam a pesar em todas as super-estruturas (política, jurídica, cívica, moral).

Entretanto, o PCP nunca se limitou a apontar às mulheres a perspectiva da emancipação na futura sociedade libertada da exploração capitalista, antes sempre levou a cabo a luta em defesa dos interesses e direitos das mulheres, e em particular o esclarecimento, a organização e a mobilização das mulheres para as batalhas quotidianas e para a solução dos seus problemas imediatos e a médio prazo.

A promoção, organização e desenvolvimento da luta por objectivos concretos de natureza económica, social, política e cultural, a batalha ideológica contra concepções e preconceitos reaccionários e retrógrados, a integração da mulher no Partido e na sua luta revolucionária, o esforço para ultrapassar dificuldades e obstáculos de natureza objectiva e subjectiva, são constantes em toda a já longa história do PCP.

A acção política organizadora e mobilizadora do Partido, tanto no tempo do fascismo como depois do 25 de Abril, desempenhou importante papel na intervenção que as mulheres tiveram ao longo dos anos na luta da classe operária e das massas populares em defesa dos interesses gerais dos trabalhadores e do Povo português e dos seus interesses e direitos específicos.

Os documentos do Partido, as conclusões dos seus Congressos e das reuniões do Comité Central, a imprensa partidária, dão esclarecedores testemunhos das orientações e actividade do Partido neste domínio.

A cuidadosa atenção do PCP para os problemas das mulheres não é uma posição nova. É uma posição de princípio. É uma posição afirmada há longos anos.

Assim, como exemplo, há precisamente 40 anos, o IV Congresso do Partido (realizado clandestinamente em 1946) consagrou uma atenção especial à «problemática feminina», apontando a necessidade do desenvolvimento da acção política e de organização começando pela necessidade de um completo esclarecimento dentro do próprio Partido.

Verificando a valiosa intervenção das mulheres na luta popular antifascista mas verificando ao mesmo tempo o atraso dos resultados na organização das mulheres, o IV Congresso, ao mesmo tempo que dava o valor devido aos factores objectivos, atribuía a razão fundamental desse atraso à influência das concepções e preconceitos burgueses nas fileiras do Partido, à «concepção ainda dominante entre os nossos camaradas de que as mulheres são seres inferiores aos homens». «Temos de varrer de todos os nossos camaradas e organizações (sublinhou o Congresso) a ideia de que a mulher é menos capaz que o homem e de que a política não é para as mulheres». «É necessário que, na prática do seu trabalho, todos os comunistas demonstrem compreender os direitos da mulher e os seus deveres para com ela».

A batalha ideológica dentro e fora do Partido para a compreensão do direito da mulher à igualdade foi sempre um elemento constitutivo da luta do Partido não só em defesa dos interesses específicos da mulher, como pelo seus outros grandes objectivos programáticos.

O Programa do Partido, aprovado no VI Congresso em 1965, denunciando a situação da mulher, particularmente da mulher trabalhadora, assume a defesa das suas reivindicações económicas, sociais e políticas e aponta a perspectiva da solução dos seus problemas mais graves, nomeadamente: aplicação do princípio «salário igual para trabalho igual, proibição de trabalho pesado, promoção correspondente às suas habilitações profissionais, assistência à maternidade».

A par da luta constante em defesa dos interesses e direitos das mulheres, a luta do PCP ao longo de 48 anos contra a ditadura fascista, contra a exploração e a opressão, pelos justos direitos dos trabalhadores e das camadas populares, pela liberdade, a democracia e os outros grandes objectivos da revolução democrática e nacional constitui uma contribuição de inestimável valor para a luta de emancipação da mulher.

Depois do 25 de Abril, a intervenção de todo o Partido, com os trabalhadores e as massas populares, no processo revolucionário, o seu papel determinante nas conquistas e transformações democráticas fundamentais da Revolução de Abril e designadamente na mobilização das mulheres para a luta pelo reconhecimento dos seus justos direitos, confirmaram que o PCP é a única força política que luta consequentemente pela emancipação da mulher portuguesa.

A acção do PCP na luta pela emancipação da mulher tem-se desenvolvido e continua a desenvolver-se em cinco direcções fundamentais:

  • A luta revolucionária por transformações sociais que são a base e o factor dinamizador fundamental do avanço do processo de emancipação da mulher.
  • A luta de todo o Partido (na esfera política, social, cultural e ideológica) contra todas as formas de exploração, discriminação e opressão das mulheres.
  • A participação activa das mulheres nas fileiras do Partido em todas as frentes e formas de acção e a todo o nível de responsabilidade.
  • A organização e mobilização das mulheres pelo Partido para a luta em defesa dos seus interesses e direitos e por objectivos concretos e imediatos.
  • A participação determinante das mulheres comunistas na criação e desenvolvimento de organizações e movimentos unitários de mulheres.

Os resultados da acção do Partido nestas cinco direcções estão presentes nas vitórias alcançadas pela mulher portuguesa, nos direitos conquistados, na transformação das mentalidades e nos caminhos abertos para o indispensável prosseguimento da luta.

Fazendo-se a história das lutas da mulher portuguesa no último meio século, pode afirmar-se que o seu desenvolvimento é inseparável da acção determinante do PCP.

IV
A luta das mulheres em Portugal antes de Abril

Em todo o processo de transformação da sociedade e de evolução social e ao longo da História de Portugal, as mulheres tiveram sempre um papel activo nas lutas do nosso povo pela independência nacional e o progresso social. Mas a «questão feminina», como questão reivindicativa emancipadora de carácter específico, está intimamente ligada à afirmação da burguesia como classe dominante, à crise política e social do fim do século XIX, princípio do século XX.

As transformações que tiveram lugar neste período levaram a questionar a situação de inferioridade da mulher na sociedade e na família.

Nas condições de um grande atraso económico, as massas populares, e em particular as mulheres, eram as principais vítimas. Elas eram discriminadas no plano político, económico, social, jurídico e estavam mesmo excluídas do poder sobre os filhos e da administração legal dos seus bens. As mulheres trabalhadoras, sujeitas a prolongados horários de trabalho, recebendo baixíssimos salários, trabalhando em condições insalubres, eram submetidas a uma sobre-exploração.

Com o desenvolvimento da luta politica contra a monarquia e pela República, surgem várias organizações de mulheres que, embora dirigidas (e compostas) essencialmente por elementos da pequena burguesia, intelectuais [a «Liga Republicana de Mulheres» (1909), a «Associação de Propaganda Feminina» (1911), o «Grupo Feminista Português» e o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas« (1914) o qual realizou em 1924 e 1928, respectivamente, o 1.º e 2.º «Congressos Feministas»] desenvolvem uma actividade de certa importância para o despertar da consciência democrática de muitas mulheres e para a compreensão da problemática feminina pela sociedade.

Através de muitos e variados jornais, publicações, reuniões, congressos e manifestações, as «organizações feministas» desenvolvem intensa propaganda, avançam com importantes reivindicações de carácter democrático no plano político, cultural, económico e familiar, que transcendem os seus interesses de classe.

As organizações feministas da época, reivindicam para além do direito ao voto, o direito ao trabalho, a igualdade de salários, a lei do divórcio, apoio à maternidade, etc.

A República, em relação à qual as «organizações feministas» haviam depositado grandes esperanças, apesar das medidas progressistas tomadas a favor da mulher no plano social, político e legislativo, revelou-se incapaz de garantir a igualdade de direitos das mulheres em relação ao homem. Os ideais de liberdade e igualdade foram sacrificados aos ideais do lucro, à garantia da inviolabilidade da propriedade privada, à necessidade de conter as reivindicações das massas populares, muito particularmente dos trabalhadores.

Movendo-se no quadro da sociedade burguesa, cujos fundamentos, em geral, não contestavam, incapazes de compreender as causas sócio-económicas da opressão das mulheres, as organizações feministas entram num período de grande desorientação.

O II Congresso Feminista Português (Abril, 1928), realizado já sob a ofensiva do fascismo, apesar dos protestos e da insistência nas reivindicações não satisfeitas, constitui, nessa época, a última manifestação importante das feministas que, sem perspectivas para o desenvolvimento da sua luta, nas novas condições de ditadura fascista, acabam por desagregar-se.

Entretanto, a luta das mulheres pelos seus interesses não se circunscrevia às organizações feministas.

Apesar do atraso económico e social, a classe operária, embora débil numérica e ideologicamente, vai-se afirmando com o desenvolvimento do capitalismo.

À medida que cresce a força social da classe operária, a sua organização e consciência de classe e política, multiplicam-se as acções de resistência à exploração do capital.

Neste período, a classe operária e as suas organizações de classe não compreendem ainda os caminhos que levarão à emancipação da mulher, não colocam autonomamente essa reivindicação, mas a sua luta, afrontando directamente o capital, contra as duras condições de vida e de trabalho, por direitos e liberdades, inscreve-se objectivamente na luta emancipadora.

Entretanto, a imprensa operária da época relata já a exploração brutal de que as mulheres eram vítimas, referindo os seus salários de miséria e as desumanas condições de trabalho. A incorporação em número crescente da mulher na produção, nomeadamente na indústria, na qual a população activa feminina representa 29% em 1900, leva a que as mulheres tenham uma participação importante na vasta luta da classe operária, sobretudo na indústria de tabacos, lanifícios e conservas, indústrias nas quais constituíam a maioria da mão-de-obra. Em 1887, aquando do movimento grevista do Porto (dos manipuladores de tabaco), nas greves de 1899 visando obrigar ao cumprimento da legislação sobre trabalho de menores, as mulheres tiveram um papel destacado.

Em 1892 tem lugar em Lisboa uma greve de mulheres (costureiras), que lutam pela redução do horário de trabalho e melhores condições de trabalho, em 1903 (8 a 17 de Março) a greve das vendedoras ambulantes do Mercado Municipal de Coimbra contra o imposto de selo, e em 1908 a greve das corticeiras de vários pontos do país por aumentos salariais.

As mulheres trabalhadoras têm uma importante e combativa participação em todas as acções da classe operária ocorridas no período da República, nas greves de numerosas empresas e sectores, nas greves gerais de 1912 e 1918, nos protestos populares contra a vida cara, o aumento do preço do pão e a falta de géneros.

Com a adesão aos sindicatos e a criação de órgãos de informação próprios, a sua luta ganha uma base organizada e as reivindicações específicas uma certa autonomia. Elas lutam contra as arbitrariedades patronais e a super-exploração, contra a exploração da mão-de-obra infantil, pelo horário das oito horas. Elas são a parte mais organizada, combativa e unida das mulheres que travam combate contra a injustiça social.

A implantação do fascismo em Portugal leva à liquidação das liberdades, à repressão contra o movimento operário, as organizações democráticas e também à liquidação das principais transformações progressistas operadas na sociedade e na família.

É com a consolidação orgânica e ideológica do PCP (único partido que resistiu à repressão fascista) que a luta das massas populares e igualmente das mulheres volta a animar-se e ganha nova dimensão.

Nas difíceis condições impostas pela ditadura, as mulheres não só participam nas diferentes organizações antifascistas, como formam organizações próprias, ilegais, semi-legais e mesmo legais, as quais levam a cabo pequenas e grandes acções de esclarecimento e mobilização: são de destacar a «Associação Feminina Portuguesa para a Paz» (1935), a qual vem a ser encerrada pela PIDE em 1952, os núcleos femininos do «Movimento de Unidade Nacional Antifascista» (1943-49), do «Movimento de Unidade Democrática (1945-49) e do «Movimento Nacional Democrático» (1949-50). Inicia-se a nova fase do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, o qual se mantém em actividade até ao seu encerramento pela PIDE (1947). Em 1969 funda-se o MDM, o qual se mantém em actividade contínua até aos nossos dias, afirmando-se como o único grande movimento de mulheres de âmbito nacional.

A luta das mulheres, abarcando diferentes correntes de opinião, entrelaça-se estreitamente com a luta geral antifascista pelo pão, pela paz e pela democracia.

As mulheres estão presentes de forma marcante nas acções do nosso povo em defesa da paz, nas batalhas eleitorais para a Presidência da República (Norton de Matos, Rui Luís Gomes, Humberto Delgado) e para a Assembleia Nacional fascista, nos Congressos da Oposição Democrática, na luta contra a repressão fascista, na solidariedade aos presos políticos, nas marchas da fome durante a guerra (Alenquer, Coruche, Alcantarilha, Guimarães, Barreiro, Covilhã, Sacavém, Póvoa de Santa Iria, Alhandra, Loures, etc.), nas manifestações contra a vida cara e a guerra colonial (8 de Março de 1962 e 15 de Abril de 1972, ambas no Porto).

Milhares de raparigas participam activamente nas grandes acções da juventude e do movimento associativo estudantil.

As mulheres intelectuais tiveram um papel destacado na luta contra o obscurantismo fascista.

Os trabalhadores constituíram a parte mais combativa, organizada e consciente de toda a resistência ao fascismo. Nesta longa luta, papel de relevo cabe às mulheres. Elas participaram heroicamente nas greves e outras lutas reivindicativas, nas marchas da fome e outras demonstrações de rua, na resistência contra requisições de produtos agrícolas e na luta pelos géneros. Participaram activamente nas greves de 1943, nas de 8 e 9 de Maio de 1944, nas lutas dos corticeiros da margem sul do Tejo e do Algarve, nas lutas das empalhadeiras da Marinha Grande, nas greves têxteis da Senhora da Hora, Campo Alegre, Fábrica dos Ingleses, Varandas, CUF do Barreiro, em Alhandra, Seixal, Alhos Vedros e Covilhã e em muitas outras, nas lutas dos assalariados agrícolas das Lezírias do Tejo, nas greves do proletariado agrícola do sul (Maio de 1954, nas greves greves contra a burla eleitoral (1958), nas grandiosas manifestações do 1.º de Maio de 1962, e nas greves do proletariado agrícola do sul pela conquista da jornada de 8 horas nos campos (1962), nas greves de 1972 por melhores salários e contra a vida cara, Grundig (Braga), Simões e Cabos Ávila (Lisboa) e Corda da Serra (Covilhã).

Nas vésperas do 25 de Abril a luta popular e operária conheceu um impetuoso ascenso. Em empresas com grande número de efectivos de mão-de-obra feminina (Plessey, Standar/ITT, Grundig, Signetics, Gil) as mulheres recorrem à greve por melhores salários, por salário igual para trabalho igual, pelo fim da super-exploração das multinacionais.

As reivindicações específicas das mulheres, a luta pela sua emancipação, integram-se na luta geral do Povo Português pelo derrubamento do fascismo, a conquista das liberdades, passo indispensável para a criação das condições capazes de abrir os caminhos que levarão à verdadeira emancipação.

A luta das mulheres e suas organizações de características profundamente antifascistas e elevada politização, foram de inestimável importância na resistência ao fascismo, para a criação das condições que levaram à conquista das liberdades pelo nosso povo em 25 de Abril.

V
A Revolução de Abril e a emancipação da Mulher

Entre as grandes conquistas alcançadas pelo nosso povo com a Revolução do 25 de Abril encontram-se os direitos das mulheres.

O 25 de Abril abriu um processo de profunda transformação da vida das mulheres portuguesas. Algumas das principais aspirações e reivindicações pela satisfação das quais milhares e milhares de mulheres lutaram durante décadas, foram finalmente conquistadas. Essas transformações verificam-se ao nível dos direitos conquistados mas também da forma de estar na vida, na sociedade, na família.

As mulheres, e em particular as mulheres trabalhadoras, foram as principais vítimas da política de opressão, miséria e obscurantismo levada a cabo pela ditadura fascista. O fascismo privou-as de direitos elementares na própria família, submeteu-as a maior exploração e determinou como vocação específica e definitiva da mulher o lar e a família.

Sob o lema «Deus-Pátria-Família», o fascismo oprimiu a mulher, arrumou-a para o canto da casa, forçando-a a esgotar-se e circunscrever-se ao lar, impedindo-a de ter acesso à vida profissional e à participação cívica e social, para evidentemente perpetuar a subalternidade e a discriminação da mulher.

As relações conjugais e de filiação encontravam-se estruturadas na total subordinação da mulher ao marido. Este era o chefe da família, a ele cabia decidir em todos os actos da vida conjugal. A ele competia a escolha da residência do casal, o poder paternal, a administração de todos os bens do casal.

As mulheres, as mais exploradas entre os explorados, as mais oprimidas entre os oprimidos, tinham razão para saudar como saudaram o 25 de Abril.

Com a conquista da liberdade, as mulheres passaram a exercer massivamente os seus direitos cívicos, políticos e sindicais – o direito de voto, de reunião, de manifestação, de organização, de expressão do pensamento – dando uma enorme força e amplitude ao processo de democratização da vida nacional.

Muitos milhares de mulheres foram pela primeira vez a uma reunião, falaram de política, discutiram os seus problemas, reivindicaram melhores condições de vida. Participaram na gestão de empresas abandonadas pelo patronato reaccionário, integraram direcções sindicais, órgãos de poder local e central, comissões de moradores, de trabalhadores e outras estruturas populares de base.

As novas condições de liberdade e de paz puseram na ordem do dia a conquista do direito à igualdade, provocaram uma profunda convulsão social que fez questionar preconceitos e ideias retrógradas acerca da mulher e suscitou a exigência do fim das discriminações.

Por isso o processo revolucionário português teve em todos os domínios uma presença marcante da mulher. Elas vieram à rua, integrando as manifestações de alegria ou de luta. Estiveram na primeira linha de ocupação das terras da Reforma Agrária e na ocupação das fábricas, contra a sabotagem económica.

A destacada participação da mulher na acção revolucionária confere-lhe um novo papel na sociedade que se torna um factor concreto da sua emancipação e explica, em certa medida, a importância e profundidade da parte específica que lhe cabe nas conquistas do 25 de Abril.

A participação massiva das mulheres nas batalhas políticas e sociais, tornada possível com o 25 de Abril, deu novo conteúdo à luta pelo progresso no nosso país, contribuiu decisivamente para as transformações operadas e para liquidar em muitos aspectos um estatuto ultra-reaccionário imposto pelo fascismo à mulher, durante décadas, nomeadamente no plano do trabalho, do ensino, da família, da maternidade.

A luta das mulheres pela igualdade desenvolveu-se no sentido do reconhecimento da igualdade jurídica e da aplicação dos direitos legais alcançados. Mas também se desenvolveu por uma igualdade verdadeira nos domínios da família, do trabalho, da educação, bem como no sentido da mudança das mentalidades, dos estereótipos sociais, das imagens e dos papéis profundamente redutores que às mulheres têm sido atribuídos.

No plano do trabalho antes mesmo da aprovação da Constituição de 1976, que consagra o princípio da igualdade com a recusa frontal e expressa de quaisquer discriminações ou privilégios por razões de sexo, foi publicada legislação de grande alcance para as mulheres. Deixa de haver profissões vedadas às mulheres, abre-se o acesso à magistratura, à carreira diplomática e a cargos e carreira administrativa local. A mulher pode ser comerciante sem consentimento do marido.

A institucionalização do salário mínimo nacional e do salário mínimo para as trabalhadoras do serviço doméstico, do subsídio de desemprego, da criação da pensão social e da reforma mínima foram particularmente importantes para as mulheres.

A Constituição da República significa a dignificação, do ponto de vista legal, do estatuto da mulher em todas as áreas, não se ficando apenas pelo reconhecimento da igualdade jurídica e pela proibição de discriminações em função do sexo, mas consagrando outros importantes princípios, designadamente: o princípio da igualdade de oportunidades; o princípio de salário igual para trabalho igual; o princípio da protecção da maternidade pelo Estado, tendo em vista a garantia do direito à realização profissional da mulher.

A luta dos trabalhadores conseguiu que a legislação de 1979 obrigasse a fixar anualmente quotas de participação de mulheres nos cursos de formação profissional e atribuísse ao Estado a tarefa de promover, encorajar e coordenar acções de formação profissional para as mulheres e considerasse nulas e de nenhum efeito as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva que estabeleçam discriminações salariais ou distinções de categoria profissional por razão do sexo.

As mulheres trabalhadoras alcançam o direito à licença de maternidade durante 90 dias, com totalidade de salário.

No plano do ensino que antes do 25 de Abril, além de selectivo e elitista, era fortemente discriminatório para as mulheres, a situação sofreu alterações profundas. A movimentação imediata de alunos e professores reivindicando a democratização do ensino, conduziu necessariamente a uma progressiva eliminação de discriminações por razões de sexo.

Foi suprimida a separação entre escolas e liceus masculinos e femininos e todo o ensino foi declarado misto. O alargamento da escolaridade obrigatória, a introdução de novas disciplinas e de novos temas (como a educação sexual), a alteração dos programas e a adopção de novos manuais escolares, progressivamente depurados da condição da mulher «fada do lar» e receptivos ao princípio da igualdade, constituíram neste sector alterações importantíssimas.

As matérias especificamente femininas e exclusivamente dedicadas às raparigas foram suprimidas. Os cursos e actividades para-escolares de tipo feminino desapareceram no ensino secundário.

No plano da ciência, da cultura, da comunicação social e do desporto – bem como noutros campos de actividade – regista-se, com o 25 de Abril, uma participação crescente das mulheres. A sua intervenção criadora na literatura e em outros domínios artísticos e culturais ganha um relevo e um peso novos no conjunto da cultura portuguesa.

A participação feminina nas actividades desportivas conhece também um grande desenvolvimento, expressando-se mesmo no aparecimento de novos e destacados valores e em resultados significativos em importantes competições.

No domínio da família verificam-se profundas alterações legais no seguimento da Constituição da República de 1976 que obrigou à revisão de toda a legislação. Consagrou-se a igualdade legal da mulher e do homem no seio da família. A Constituição reconhece a família mesmo quando não baseada no casamento; a igualdade entre os filhos nascidos dentro e fora do casamento; a função social da maternidade e da paternidade, e o fim da hierarquia familiar. Estes foram alguns dos princípios constitucionais que marcaram um assinalável progresso legislativo com importantes reflexos em toda a vida familiar e em especial na mulher, na sua capacidade civil e política, na sua actividade, responsabilidade e independência.

Em 1978, com a entrada em vigor da revisão do Código Civil, estabelece-se um estatuto de igualdade no casamento, em relação ao sustento, à educação dos filhos e ao exercício do poder paternal. O casamento passou a ter por base a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, incumbindo a ambos a direcção da família. O Código Civil reconhece duas formas de contribuição para a economia familiar: a afectação de recursos e o trabalho directamente prestado na família – o trabalho doméstico – e consagra ainda a indiferenciação na repartição das funções na família. A casa de morada da família foi especialmente protegida, tanto na herança como no caso de separação entre os cônjuges.

Para colmatar insuficiências desta legislação, em 1983 foi aprovado na Assembleia da República um projecto de lei do PCP que impede qualquer dos cônjuges de desistir do arrendamento, sem o consentimento do outro.

De acordo com a concepção igualitária do casal, cada cônjuge administra os seus bens próprios e os bens comuns são administrados em conjunto.

O reconhecimento da família fora do casamento levou a que se garantisse um igual tratamento jurídico aos filhos nascidos dentro e fora do casamento e desse protecção legal, ainda que timidamente, às uniões de facto, favorecendo em primeiro lugar as mulheres, já que são elas as mais afectadas pelos preconceitos e discriminações existentes contra essas uniões.

Com a alteração da Concordata em 1975, o divórcio passou a ser de novo permitido em igualdade de condições para os casamentos civis e para os casamentos católicos. Deste modo foi dada solução a graves situações que atingiam milhares de homens e mulheres.

As ofensas corporais e a violentação sexual do marido em relação à mulher, e os maus tratos conjugais passaram a ser penalizados.

No plano social, verificam-se igualmente profundas mudanças.

Em 1980, Portugal ratifica a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, durante a Conferência da ONU para a década da Mulher.

Foi também aprovada legislação sobre publicidade, instituindo regras que visam contrariar a veiculação de uma imagem discriminatória da mulher que propaga a ideia da sua inferioridade ou subalternidade em relação ao homem e a reduz ao papel doméstico tradicional ou à condição de mero objecto de prazer.

Em 1982, o PCP, assumindo como sua uma das aspirações mais sentidas das mulheres, apresenta na Assembleia da República três projectos de lei que motivaram o mais vivo e participado debate nacional sobre questões que dizem respeito a direitos fundamentais da mulher: a protecção e defesa da maternidade, o direito ao planeamento familiar e à educação sexual e a legalização da interrupção voluntária da gravidez.

Estes projectos, que tinham por objectivo uma nova política em relação à maternidade, consagrando-a como um acto livre e consciente e visando acabar com o flagelo social do aborto clandestino, embora rejeitados pela acção conjunta do PS e dos partidos da direita, vieram a dar origem a três leis que, apesar das insuficiências, se tornaram muito importantes para a mulher e para a criança.

No que respeita à interrupção voluntária da gravidez, a lei aprovada – ainda insuficientemente conhecida –, apesar das suas limitações e das resistências ao seu cumprimento, constituiu um grande passo em frente na longa luta para dar resposta a um dos mais sentidos problemas das mulheres.

As condições de vida das populações, em particular das mulheres, melhoraram sensivelmente em grande parte por acção do Poder Local e em especial das autarquias de maioria APU, através da construção de infraestruturas e equipamentos (abastecimento domiciliário de água, recolha de lixo e tratamento de esgotos, lavadouros, equipamentos para a infância, em particular creches e infantários, etc.) e de actividades de cultura, desporto e ocupação de tempos livres.

O 25 de Abril, como se comprova, trouxe profundas transformações à vida das mulheres portuguesas. A situação da mulher na família e a sua inserção na sociedade sofreram, positivamente, o impacto das conquistas de largo alcance, quer no processo de consciencialização das mulheres, quer no campo dos seus direitos conquistados. Nada ficou como era antes.

Mas a experiência destes 12 anos demonstra que não basta que a lei estabeleça os direitos da mulher na sociedade, na família, no trabalho, para que de imediato passem a vigorar na vida, a ser realidade no dia-a-dia, nem sequer que se tornem conquistas duradouras.

Apesar de muitos factos positivos terem sido introduzidos na relação homem-mulher, o 25 de Abril e as leis progressistas não conseguiram romper todas as estruturas e concepções milenárias. A ideologia dominante, consagrando princípios retrógrados e caducos, defendidos e transmitidos de geração em geração, gera resistências e obstáculos à transformação e à mudança.

A política de direita dos sucessivos governos nos últimos 10 anos, e particularmente intensificada nos últimos governos, não aplicando e violando as leis democráticas, repondo práticas e critérios reaccionários em relação à mulher, têm vindo a inverter significativamente as conquistas revolucionárias no plano económico, social e político, fazendo regressar as mulheres à condição de reserva de mão-de-obra barata, degradando as condições económicas e sociais (de que as mulheres são as principais vítimas).

VI
O processo contra-revolucionário e os direitos da Mulher

A persistente ofensiva contra as conquistas do nosso povo, prosseguida ao longo dos últimos 10 anos pelas forças de direita, atingiu duramente as mulheres portuguesas, particularmente a mulher trabalhadora. As mulheres não só foram as primeiras vítimas do desemprego como são as que mais dificilmente conseguem trabalho. Na Reforma Agrária os números são elucidativos: no Alentejo e Ribatejo, em 40 000 trabalhadores agrícolas desempregados, 80% são mulheres, o que resulta directamente da ofensiva contra a Reforma Agrária, com a destruição de mais de duas centenas de UCP/Cooperativas.

A insegurança no trabalho leva as mulheres a sujeitarem-se a níveis tremendos de exploração: aumentos brutais dos ritmos de trabalho, renúncia ao salário mínimo nacional, à inscrição na segurança social e a outros direitos; penalização da maternidade; amplitude de esquemas característicos de economia paralela, com o trabalho à peça e o trabalho ao domicílio, em condições tão penosas que se aproximam das do início do século; chantagem política do patronato que ameaça de despedimento as trabalhadores sindicalizadas, activistas sindicais e políticas.

A tudo isto acrescenta-se a pressão e chantagem sexuais na vida profissional, exercidas pelo patronato e por chefias, as quais assumem graves proporções, designadamente num contexto social marcado pela degradação das condições de vida que atinge, com particular dureza, as mulheres.

Tudo isto nos permite concluir que as mulheres sofrem a crise de maneira específica, mais aguda. E sofrem-na não apenas porque são as primeiras a ser banidas do mercado de trabalho, mas também porque elas são igualmente vítimas das discriminações na remuneração, na formação e na promoção profissionais, no acesso a certos cargos, designadamente de chefia, da chaga social que é os salários em atraso, da degradação do Serviço Nacional de Saúde, do agravamento das condições de habitação e do ensino, das restrições da acção social escolar aos seus filhos.

Se nos anos que se seguiram ao 25 de Abril floresceram estruturas sociais de apoio à família como as creches, os jardins escolares, as CERCI, ou os lares para reformados e idosos, as mulheres sentiram muito particularmente a política de direita que restringiu a construção dessas estruturas, retirou os apoios vitais do Estado aos jardins-escolas populares e às outras estruturas populares de base, privatizou muitas delas, que passaram apenas a servir aqueles que têm meios para as pagar.

Acusação viva às consequências desta política é o alastrar da prostituição – com gravíssimas incidências em camadas juvenis – que não se restringe hoje a determinadas áreas urbanas mas alastra nas estradas de todo o País.

Quanto à política de ataque directo aos direitos das mulheres, da responsabilidade de sucessivos governos de direita, traduziu-se desde logo na sistemática omissão das medidas necessárias para assegurar o cumprimento das disposições constitucionais e legais que estabelecem a plena igualdade de direitos entre o homem e a mulher.

Contra a legislação de protecção da mulher trabalhadora, designadamente as que estabelecem o direito à igualdade de tratamento entre homens e mulheres no trabalho e no emprego, multiplicam-se impunemente violações de direitos por parte do patronato, da administração pública e do próprio Governo.

A lei de protecção da maternidade e da paternidade aprovada pela Assembleia da República não é cumprida pelo patronato, com a conivência do Governo.

A lei sobre interrupção voluntária da gravidez, mesmo limitada e restritiva, não é cumprida nos hospitais e maternidades públicas, tendo-se apenas traduzido num benefício para as mulheres que têm meios económicos para recorrer às clínicas privadas legais.

Simultaneamente, no quadro da sua ofensiva violadora de direitos legalmente consagrados, as forças reaccionárias chegaram mesmo a proclamar abertamente o objectivo de rever as garantias constitucionais e a legislação democrática relativas aos direitos da mulher na sociedade e na família.

Ao serviço desse objectivo, o projecto de revisão constitucional da «AD» e a proposta de «lei de bases da família» ilustraram exemplarmente as concepções retrógradas e reaccionárias do PSD e CDS.

Com a apresentação desses projectos, as forças de direita procuraram distorcer a nova noção constitucional da família, restabelecendo a censura legal da união de facto e da família não baseadas no casamento e concebendo em geral a família como ente supra-individual com interesses próprios susceptíveis de serem prosseguidos, mesmo à custa da infelicidade pessoal dos seus membros.

Propuseram a restauração da discriminação legal dos filhos nascidos fora do casamento.

Contra a garantia constitucional da igualdade na família e da partilha das responsabilidades educativas, procuraram impor legalmente a penalização da mulher em razão da maternidade e atribuir ao marido o direito ao monopólio das decisões familiares e à mulher o exclusivo de funções que, tendo carácter social e não biológico, podem e devem ser exercidas tanto pela mulher como pelo homem, com o apoio do Estado.

Preconizaram a supressão da responsabilidade do Estado na implantação do planeamento familiar e a criação de obstáculos constitucionais à legalização do aborto.

Tentaram criar mecanismos tendentes a desincentivar o trabalho da mulher fora de casa e promover o regresso forçado ao lar e ao trabalho doméstico.

Simultaneamente, procuraram criar, a partir das associações de família, uma estrutura corporativa, com vastos poderes de decisão e intervenção a nível central, regional e local e funções de transmissão de concepções retrógradas.

A luta travada contra tais propostas conduziu, porém, à sua inviabilidade, à inclusão no texto constitucional de normas que explicitamente proíbem a discriminação em função da maternidade e sublinham a igualdade essencial dos direitos e deveres dos pais e das mães. Ficou assim posto em evidência o isolamento político e social das posições dos partidos reaccionários bem como a rejeição no Portugal de Abril das concepções retrógradas sobre o papel da mulher na família e na vida política, económica e social.

A experiência portuguesa recente mostra com muita clareza tanto o rápido progresso da causa emancipadora da mulher nas condições de desenvolvimento revolucionário, como o retorno das discriminações, dos preconceitos e das concepções obscurantistas em relação à mulher quando a contra-revolução ganha terreno.

VII
A Mulher e o trabalho

Uma condição essencial para a plena emancipação da mulher é a sua independência económica, a sua realização profissional.

As mulheres portuguesas querem e têm direito a participar no processo produtivo. Em geral, as mulheres que já estiveram empregadas não desistem de procurar trabalho, como demonstra a manutenção de elevadas taxas de actividade feminina, apesar do elevado desemprego feminino (cerca de 60% dos desempregados).

O facto de a taxa de actividade feminina ter vindo a subir significativamente dos 25 aos 40 anos, atingindo mais de 70% no grupo etário 25-29 anos e mantendo-se superior a 50% até aos 45 anos, revela que a mulher, mesmo sendo mãe, continua a querer ter uma actividade profissional.

Esta alteração positiva da atitude da mulher perante o trabalho, mesmo quando mãe, deve-se às profundas transformações, realizadas depois do 25 de Abril, nomeadamente em direitos legais, bem como à criação de algumas estruturas sociais de apoio.

Foi longo o caminho percorrido desde o tempo em que o trabalho da mulher era encarado apenas como complemento do salário familiar masculino. Hoje, é cada vez maior o número de mulheres que reconhece ser o direito ao trabalho meio indispensável de assegurar a sua independência económica e a sua realização pessoal e profissional.

Apesar da política de direita que pretende novamente mandar a mulher para casa como via mais fácil de esconder o desemprego, a taxa de actividade feminina é de 38%, verificando-se ainda que, numa população activa de cerca de 4 500 000, são mulheres cerca de 1 900 000.

A análise da situação da mulher trabalhadora em Portugal revela, entretanto, que apesar da sua significativa importância na actividade económica, social e cultural, e apesar das profundas alterações operadas após o 25 de Abril, a mulher portuguesa é ainda fortemente discriminada no trabalho. A mulher trabalhadora é canalizada para os sectores de actividade e para as profissões pior remuneradas e menos interessantes e criativas, vê extremamente dificultado o acesso a escalões profissionais superiores e a cargos de chefia.

Os sectores e profissões em que predominam a mulheres são, em geral, os de mais baixa remuneração e pior qualificados. Sectores e profissões onde anteriormente predominavam os homens e que se «feminizaram» são desvalorizados e baixam as remunerações.

A evolução positiva realizada depois do 25 de Abril está a ser posta em causa. O salário médio das mulheres, que em 1973 correspondia a 52,3% do salário médio dos homens, subiu continuamente depois do 25 de Abril, tendo atingido 75,2% em 1979, começando depois a baixar, situando-se já abaixo dos 70%.

Mais de 50% das mulheres empregadas concentram-se actualmente no sector dos serviços (administração pública, educação, saúde, comércio, restaurantes e hotéis, serviços de limpeza, etc.). No que toca à indústria, as mulheres representam apenas 23% (mais de metade da mão-de-obra feminina concentra-se na indústria têxtil e vestuário), percentagem a reduzir-se com o encerramento de numerosas empresas. Na agricultura, onde as mulheres representam 49% da população activa agrícola, a maioria trabalhava em explorações familiares.

As mulheres raramente ascendem a postos de chefia. Apesar de representarem 52% das profissões científicas e liberais e mais de 46% do pessoal administrativo, apenas 10,8% são directores e quadros superiores administrativos. As mulheres não representam mais de 3% dos quadros superiores da administração pública.

A mulher trabalhadora sofre gravemente as consequências da crise económica resultante da política de recuperação capitalista.

Pelo tipo de empresas e sectores onde presta actividade, pelo lugar que aí ocupa, pelos contratos a que é sujeita, a mulher é a primeira a ser despedida. É também a mulher quem encontra maiores dificuldades em se empregar.

A ofensiva contra a Reforma Agrária, com a destruição de numerosas UCP/Cooperativas, levou ao desemprego milhares de mulheres no Alentejo e Ribatejo.

As mulheres são também quem mais duramente é atingido pelo trabalho a tempo parcial, como acontece nos sectores da indústria (têxtil, vestuário, material eléctrico, conservas, cortiça, carnes), na agricultura e nos serviços. Entretanto, o recurso a trabalho ocasional e ao domicílio, ou ao trabalho mais ou menos irregular (venda ambulante, limpeza, trabalho à tarefa, etc.), permitiu escamotear um maior desemprego das mulheres, embora com maior instabilidade de emprego, pior remuneração e mais difíceis condições de trabalho. Esta situação aumenta a insegurança no emprego e constitui um verdadeiro factor de discriminação dificultando a independência económica da mulher e, portanto, a sua emancipação.

As mulheres trabalhadoras estão sujeitas a cada vez maiores discriminações, nomeadamente nas fábricas, com o não cumprimento da legislação laboral geral e das leis específicas de protecção da maternidade. A ameaça constante de despedimento e a falta de emprego e os salários em atraso, obrigam a mulher a sujeitar-se a situações muitas vezes vexatórias da sua própria dignidade.

Além do trabalho ao domicílio (sem horário, destituído de quaisquer direitos e segurança social) a que cada vez mais mulheres são obrigadas a recorrer, também nas fábricas, nomeadamente em algumas têxteis e químicas, mulheres estão a ser confrontadas com o trabalho nocturno, embora este seja proibido na indústria, dado não apenas as consequências físicas e psíquicas, mas também as dificuldades sociais e familiares que a mulher continua a ter de enfrentar.

Em flagrante violação das normas constitucionais e das convenções da OIT, as mulheres trabalhadoras são igualmente discriminadas ao nível das regulamentações colectivas de trabalho.

Há contratos colectivos que designam certas categorias profissionais no masculino e no feminino, ficando mulheres impossibilitadas de, pela via da carreira, ascenderem a determinados postos; outros contratos estabelecem diferenças salariais para a mesma categoria, em função do sexo; outros ainda regulamentam os prémios sem terem em conta a função da maternidade, etc.

A política de direita iniciada em 1976 inverteu significativamente a tendência verificada nos dois primeiros anos da revolução para concretizar na vida a igualdade de direitos da mulher e do homem. A acção dos governos de direita procura reconstituir os fios da teia da dependência da mulher, designadamente com o objectivo de a fazer regressar, no mundo do trabalho, à condição de reserva de mão-de-obra barata.

Consequência dos salários em atraso, dos salários baixos, do desemprego, da precariedade do emprego, das más condições de trabalho e da permanente insegurança no emprego, tem aumentado o número de mulheres que são afastadas da actividade profissional.

Esta dura realidade de que a mulher trabalhadora está a ser vítima tem repercussões profundas em toda a vida das mulheres e é um sério entrave à sua emancipação.

Consciencializar os trabalhadores, mulheres e homens, sobre o conteúdo das discriminações, a sua natureza, a injustiça que contêm e sobre-exploração que acarretam do trabalho das mulheres, bem como da classe operária e dos trabalhadores no seu conjunto, é condição indispensável para o desenvolvimento da luta para pôr termo às discriminações.

A alteração da actual situação, o difícil caminho que há a percorrer para que da igualdade de direitos se passe à igualdade de oportunidades, exige, antes de mais, a alteração da política seguida pelos últimos governos; exige uma política de desenvolvimento económico virada para a satisfação das necessidades sociais e materiais do nosso povo, para a criação de empregos.

Mas simultaneamente é necessário exigir que seja garantido às mulheres empregadas o cumprimento da legislação de combate às discriminações no trabalho, quer no campo salarial, quer na formação profissional, quer na legislação que protege a maternidade e a paternidade, quer ainda na garantia de um trabalho permanente e do pagamento legal do salário, bem como da garantia contratual de que a trabalho igual corresponde efectivamente um salário igual.

É também fundamental que nos cursos de formação profissional seja garantida uma quota de participação proporcional da mulher e lhe sejam facultados os meios de frequentar cursos em todas as categorias profissionais como uma garantia de promoção profissional.

A criação de infraestruturas sociais de apoio à família, como creches, infantários, lares de terceira idade e ocupação dos tempos livres das crianças, bem como melhores prestações sociais, são reivindicações importantes na luta emancipadora da mulher e na luta por melhores condições de vida para todos os portugueses.

Por estes objectivos, com papel de relevo para o movimento sindical unitário, têm lutado as mulheres trabalhadoras.

Exemplo vivo é a luta heróica das mulheres da Reforma Agrária, são as lutas no sector operário, das mulheres têxteis e do vestuário, das conservas, da cortiça e material eléctrico e as lutas das mulheres agricultoras. Simultaneamente, também em sectores como a função pública, o ensino e a saúde, têm dado um valoroso contributo à luta geral do nosso povo e ao movimento feminino em particular.

VIII
A Mulher e a família

A emancipação da mulher não passa apenas pela conquista do direito à igualdade no trabalho, na sociedade, na acção política, na vida cívica e cultural. A emancipação da mulher passa também pela igualdade do homem e da mulher na família.

As velhas concepções caducas de desigualdade (um ser inferior – a mulher, e um ser superior – o homem) devem dar lugar a um relacionamento do homem e da mulher iguais em direitos, solidários na vida, e com uma relação assente não no poder de um sobre o outro, mas na afectividade e no amor recíprocos.

O acesso da mulher ao trabalho e à realização profissional e a sua independência económica constituem condição objectiva para a igualdade da mulher na família.

Por isso o direito ao trabalho é a reivindicação fundamental da mulher portuguesa. Sem acesso ao trabalho profissional, vivendo isolada em casa, esgotando-se no trabalho da casa, a mulher fica na situação de dependência económica (logo inferiorizada) e como regra isolada do contacto com o mundo laboral e social e seus problemas.

O acesso ao trabalho, sendo condição objectiva para a emancipação da mulher, não é, porém, condição suficiente. Com frequência, uma mulher trabalha 6, 8 e mais horas nas fábricas, nos campos ou nos serviços e depois sobre ela recaem exclusivamente todas as tarefas domésticas, o tratamento dos filhos e até o «tratamento» do homem, o que dificulta a participação regular na vida política e social.

Os caminhos tendentes à resolução deste problema fulcral são fundamentalmente três: – ampliar as estruturas sociais e serviços de apoio à família, como as creches, os infantários, as cantinas, lavandarias, lares de reformados, etc., libertando a mulher e a própria família de muitos dos mais pesados trabalhos domésticos que a sobrecarregam; – melhorar as condições de vida, particularmente das famílias trabalhadoras, por forma a que tenham acesso a electrodomésticos e às inovações que a ciência e a técnica trouxeram à vida doméstica; – mudar as mentalidades, alterando a tradicional divisão de funções na família, e proporcionando uma educação desde a infância assente na igualdade entre os sexos.

Esta questão tem um claro conteúdo de classe. É a mulher operária, a mulher camponesa, é a mulher trabalhadora quem mais sofre com a sobrecarga do trabalho doméstico, além do mais porque, ao contrário da mulher de outras camadas e classes sociais, não pode ter acesso a soluções alternativas.

A realidade da mulher doméstica (designadamente nas famílias de trabalhadores em que a mulher é totalmente absorvida pelo trabalho de casa) testemunha, muitas vezes, uma contribuição decisiva para a sobrevivência do agregado familiar, mas entretanto afasta e isola a mulher na vida social e condena-a a uma vida de rotina, insegurança e cansaço.

Reagindo contra tal situação, um número crescente de mulheres domésticas participam na vida política e cívica do país (nas colectividades, nos movimentos unitários de mulheres, nos partidos políticos, etc.).

O 25 de Abril, como todas as revoluções, provocou novas aspirações, abriu caminhos, buliu com mentalidades e hábitos entranhados há muito.

Uma nova atitude do homem e da mulher no que respeita à relação homem-mulher e à família, assente numa ligação verdadeira, na igualdade, na compreensão do papel da mulher na vida e na sociedade, desenvolvem-se duma forma muito sensível e profunda com o processo revolucionário e é hoje, sem dúvida, um outro traço importante e positivo da realidade portuguesa.

Acompanhando as profundas alterações sócio-económicas, surgiram, forçosamente, em largos sectores sociais, mudanças não menos profundas na instituição familiar.

A legislação do 25 de Abril cria condições jurídicas para que a afectividade e a igualdade de direitos entre a mulher e o homem (e não os bens e outros interesses materiais), constituam o suporte fundamental da família.

São alargados os fundamentos do divórcio, libertando as pessoas de situações familiares não desejadas e estabelecido o reconhecimento constitucional e legal da família fora do casamento – a união de facto – com raízes históricas profundas em Portugal. É consagrada a igualdade entre filhos nascidos dentro e fora do casamento. O instituto da adopção é positivamente modificado, sendo alargadas as possibilidades de adopção plena. A mulher adquire constitucionalmente um estatuto de igualdade em relação ao homem. O governo doméstico não é mais um dever exclusivo da mulher. A direcção da família pertence a ambos os cônjuges.

Apesar de todas estas alterações mantém-se no país a influência do modelo da família burguesa – assente nos interesses materiais, na autoridade do chefe de família, em torno do qual se subordinam todas as relações de família, e na indissolubilidade do matrimónio, que aparece como hipócrita cobertura dos mais imorais comportamentos extra-conjugais.

Mantêm-se em vastíssimos sectores sociais os critérios de classe e os interesses materiais como determinantes da constituição das famílias, quando a determinante, no entender dos comunistas, é o amor e o direito à felicidade pessoal.

A independência económica e a igualdade de direitos não esgota a problemática da mulher e da família. O conteúdo afectivo e sexual é uma componente essencial da alegria e da felicidade na relação homem-mulher.

A nossa luta pela igualdade de direitos, pela liberdade, pelo humanização visa acabar com todas as formas de exploração, mas também com a agressividade, a mesquinhez, a hipocrisia, a alienação decorrente da ideologia burguesa que transforma a mulher num objecto.

Analisando o conteúdo da relação homem-mulher, nas tendências da evolução social verifica-se como neste domínio fundamental da vida a mulher tem sido vítima da desigualdade. Pondo-se fim a uma relação de dependência total da mulher, pessoal, afectiva e sexual, pôr-se-à fim a uma relação de «poder» e de «posse» ou «propriedade» do homem sobre a mulher que tem como corolários a falta de consideração e de respeito, as agressões corporais e as violências sexuais estimuladas pela ideologia burguesa reaccionária através do cinema, da TV, da publicidade, da difusão de material pornográfico.

Tão grave e degradante para a mulher como a sujeição económica e a opressão e a violência físicas é a dependência psíquica que gera a submissão e o medo e impede muitas vezes a mulher de romper com situações doentias, violentas e perversas que se instalam em numerosas famílias.

A denúncia de situações de opressão, humilhação e violência de que as mulheres são vítimas, a desmistificação de conceitos alienantes e reaccionários, o combate à degradante concepção do «destino» da mulher como objecto de «uso» ou «propriedade» do homem fazem parte da luta pela transformação das mentalidades e pela conquista da efectiva igualdade de direitos.

Ao mesmo tempo são de combater variadas concepções que rejeitam a própria noção de família, condenam por princípio a criação de laços sólidos e duradouros na relação homem-mulher mesmo quando fundadas na vontade própria, na igualdade e no amor e transformam em valor social e atitude na vida a permanente instabilidade e promiscuidade sexuais.

Ter filhos não é só a lei básica da própria existência da humanidade como uma importante expressão da vida, susceptível de dar à mulher e ao homem extraordinária felicidade.

Hoje a maternidade e a paternidade são cada vez mais assumidas como uma decisão livre, consciente e responsável e não um acaso. O direito de ser desejada pelos pais transforma-se no primeiro direito da criança.

A educação sexual e a formação em planeamento familiar desde a adolescência devem constituir responsabilidade dos pais, da escola e dos serviços de saúde.

As condições sócio-económicas em que vive a imensa maioria dos casais impede-os muitas vezes de ter os filhos que desejam e conduzem a que o desenvolvimento das crianças se processe com graves carências.

O desemprego, a falta de habitação, o agravamento das condições de vida, a escassez de estruturas sociais de apoio à criança são alguns dos principais obstáculos a uma maternidade e paternidade livre e feliz.

A par da desprotecção social existente, a mulher e particularmente a mulher trabalhadora é objectivamente penalizada no seu trabalho, no salário e na obtenção de emprego, na promoção e carreiras profissionais e na participação social em consequência da maternidade. São imensas vezes acusadas de absentismo em razão da assistência indispensável a filhos menores e até submetidas pelo patronato a testes de gravidez para a sua admissão no trabalho.

Tratando-se de mãe solteira ou mãe só, tudo é mais doloroso e difícil ainda, apesar dos passos dados a seguir ao 25 de Abril.

O caminho para a resolução desta questão fundamental da condição feminina, não passa pela negação da maternidade, considerando-a factor impeditivo à emancipação da mulher, nem pela limitação da mulher ao lar e à família como se tal fosse o seu irrevogável destino, marginalizando-a de forma sistemática da vida social e produtiva.

A articulação entre maternidade e a plena participação da mulher só é possível se o Estado proteger a maternidade no que ela contém de biológico (gravidez, parto e amamentação) e simultaneamente proteger a maternidade e a paternidade no que elas contêm de social.

A melhoria das condições em que nascem as crianças (nos hospitais, nas maternidades), bem como a assistência à mulher na gravidez e à criança nos primeiros anos de vida têm constituído objectivos de luta do movimento popular e particularmente das mulheres e de suas organizações específicas. Mas de igual importância é a luta pela consagração legal dos direitos da mulher trabalhadora e pela incrementação radical de estruturas sociais de apoio à criança. As medidas e direitos de protecção da mulher trabalhadora não devem ser virados para a afastar da profissão e perpetuar a tradicional divisão de funções entre o homem e a mulher e as discriminações em razão do sexo, e por isso mesmo devem ser consagrados quer direitos e medidas de protecção da maternidade dirigindo-as exclusivamente à mãe quando se trata de gravidez, do parto e da amamentação, quer direitos e deveres a exercer tanto pelo pai como pela mãe quando se trate de garantir a prestação de cuidados a filhos menores que possam ser exercidos por ambos.

A luta pelos direitos da criança é componente inseparável da luta da mulher pela sua própria emancipação e pelo seu direito a ser mulher, mãe e trabalhadora, é também componente da luta popular.

IX
A Mulher na vida política e social

A crescente participação da mulher na vida política é uma realidade inegável.

A Revolução de Abril fez despertar para a actividade política milhares e milhares de mulheres. Elas lutaram pelos seus objectivos próprios e pelos objectivos comuns ao homem, em defesa do regime democrático. É assim que a participação da mulher nas grandes acções de massas se intensificou visivelmente. No Portugal de Abril, nenhuma grande batalha política teve lugar na qual as mulheres não tivessem tido um papel activo. As mulheres estiveram em massa nas greves, nas concentrações, nas manifestações, nas marchas da paz, revelando uma elevada combatividade e consciência política.

O papel crescente da mulher na vida política e social, constituindo 52% do eleitorado e mais de um terço da população activa, é objecto de uma grande atenção por parte de todas as forças políticas.

As forças reaccionárias, incapazes de conter as aspirações das mulheres a uma vida mais digna e a amplitude da sua luta, procuram, no plano político, económico, social e ideológico, refrear as reivindicações das mulheres, desviar a sua justa luta dos objectivos fundamentais, fomentando programas de rádio e TV alienantes, incentivando o retorno à vida doméstica, teorizando vantagens para as mulheres de formas de trabalho subalterno e precário (artesanato, prestação de serviços, ocupação a tempo parcial) e utilizando as mulheres como «marketing» político.

No entanto, é tão forte em Portugal a rejeição destas práticas que a direita, ela própria, é obrigada a mudar as suas imagens mais conservadoras. Nas últimas campanhas eleitorais, mesmo partidos que pela sua filosofia de classe fomentam a discriminação da mulher tiveram a preocupação de apresentar algumas mulheres em lugar de destaque.

Se esta atitude não representa uma mudança de fundo e é ditada fundamentalmente por razões eleitoralistas com vista a caçar os votos da mulher, traduz no entanto uma determinada realidade: hoje em Portugal não se pode ignorar a actividade e as reivindicações das mulheres, tendo-se tornado normal e ninguém estranha que uma mulher seja cabeça de lista para a Assembleia da República ou para uma Câmara Municipal, candidata à Presidência da República ou à Junta de Freguesia.

A participação da mulher na vida política tem porém de ser vista à luz não de umas quantas excepções que aparecem em lugar de destaque, mas da forma como a mulher está presente em toda a vida política nacional e dos entraves que se levantam a essa participação.

Na verdade, se verificamos uma grande presença feminina em todas as movimentações políticas, é reduzido o número de mulheres nos órgãos de poder ou em lugares dirigentes na vida política nacional.

É assim que a participação de mulheres na Assembleia da República é de 5,6% em 250 deputados, sendo cinco do PCP, um de «Os Verdes», um do PS, quatro do PSD e três do PRD.

O PCP foi sempre, desde a existência da Assembleia Constituinte e da Assembleia da República, o partido com a maior percentagem de deputadas, embora ainda não satisfatória.

Não existem mulheres no Conselho de Estado, nem no Tribunal Constitucional.

Curiosamente, nas eleições para a Assembleia da República verifica-se uma subida do número de mulheres que integram as listas de candidatos mas que não são eleitas, o que significa que nas listas elas são colocadas em lugares não elegíveis.

Nas autarquias a situação não é muito diferente. O PCP é igualmente o partido que tem um maior número de mulheres eleitas nos órgãos de poder local.

A nível geral, verifica-se que a percentagem de mulheres eleitas é superior nas Assembleias Municipais e Assembleias de Freguesia à percentagem nos órgãos executivos. Na Presidência de Câmaras verifica-se o insignificante número de cinco mulheres!

No movimento sindical, as mulheres dirigentes constituem 17,3% a nível dos sindicatos, 12,7% a nível das uniões distritais, 15,8% a nível das federações, e 21% a nível da CGTP-IN, o que, sendo ainda insuficiente, traduz já, nas condições concretas existentes, uma participação significativa das mulheres na direcção do movimento sindical. Entretanto, é uma evidência que a participação das mulheres se verifica sobretudo e em muito maior número na base do que nos órgãos de decisão e de poder.

Assim, a grande participação de muitos milhares de mulheres traduzida pela adesão à movimentação política e cívica no dia-a-dia da luta em defesa do regime democrático e das suas conquistas, não tem igual correspondência na participação mais estruturada quer no movimento popular de massas, quer nas organizações sindicais, de mulheres e outras.

A não correspondência entre um e outro nível de participação deve-se por um lado a razões sociais, e, por outro, a uma efectiva discriminação da mulher, que limitam, dificultam e impedem a participação regular de muitas mulheres na vida política e social.

Esta situação é extremamente agravada com a ofensiva reaccionária contra as conquistas democráticas de Abril, com o agravar da crise económica, o enorme desemprego, a degradação dos salários, a liquidação de conquistas de carácter social, a não implementação de infraestruturas de apoio social à mulher e à infância, a apologia dos valores tradicionais retrógrados quanto ao papel da mulher.

O PCP, ao preparar e organizar a Conferência sobre «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril», suscitando um amplo debate com vista à discussão dos problemas das mulheres, aponta às mulheres o caminho da luta como forma de defender os seus interesses.

É a luta pelo cumprimento da legislação progressista e em primeiro lugar da Constituição, a luta contra o desemprego e os baixos salários, pela criação de infraestruturas sociais de apoio à maternidade e à infância, contra as ideias retrógradas e pela transformação das mentalidades, por uma nova relação a nível familiar, por uma alternativa democrática.

É alargando a luta às mais variadas camadas femininas (operárias, empregadas, intelectuais, domésticas), é reforçando a unidade na acção e a organização que a causa da libertação e emancipação da mulher poderá progredir.

X
A emancipação das Mulheres e a mudança das mentalidades

A discriminação da mulher constitui em si mesma um obstáculo ao progresso social. Apesar do desempenho de um papel crescente no desenvolvimento material, social e cultural da sociedade, a mulher continua a ser a parte mais explorada e desprovida de direitos na sociedade.

A luta das mulheres por um novo estatuto social, contra as discriminações, ganha novo conteúdo e dimensão. As mulheres reivindicam a liberdade de construir a sua própria vida em pé de igualdade com os homens, uma igualdade assente no respeito da mulher como ser, com o seu direito à diferença.

As diferenças naturais e biológicas (designadamente a maternidade), bem como as diferenças de sensibilidade e afectividade não devem servir para justificar e consagrar discriminações e formas particulares de exploração e opressão, e em muitos casos de tratamento desumano.

As discriminações por razões de sexo, reais e em muitos casos aviltantes, têm um suporte material, radicam na sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, discriminações que, «consagradas» ideologicamente, encontram expressão na legislação, na religião, na moral dominante, na política, nos hábitos e costumes, no viver diário.

Durante séculos, produziram-se profundas transformações sócio-económicas, mas a mulher permaneceu numa posição subalterna.

O direito à igualdade é uma importante expressão de justiça social, é uma conquista para a sociedade e para a mulher, que lhe dá a possibilidade de desenvolver as suas capacidades, no respeito pela sua dignidade, pondo-se fim a toda uma propaganda que, visando reduzir a mulher a mero objecto de prazer sexual, instila desde os bancos da escola a ideia da mulher como ser subalterno, destinado essencialmente à procriação, ao tratamento dos filhos e ao arranjo da casa.

A luta pelo respeito da dignidade da mulher e contra as ideias e práticas que a ferem, inscreve-se no quadro da luta pelo progresso social, trava-se no plano prático e no plano ideológico.

As classes dominantes, através das ideias políticas, sociais, religiosas, contrapondo a natureza masculina à feminina, apresentando a primeira como «forte», produtora, criadora, vocacionada para o poder e a segunda como «fraca», reprodutora e passiva, fraca física e intelectualmente, vocacionada para o lar e a procriação, estimulam e legitimam as discriminações e fundamentam a sobre-exploração. Na cabeça dos homens (e também na das mulheres) acaba por ser inculcada a aceitação de tudo isto como natural, moral e eterno.

A participação massiva das mulheres nas tarefas da Revolução determinou e reflectiu grandes transformações de mentalidades. Mas, também neste plano o avanço da contra-revolução traduz-se em graves retrocessos.

A apologia da chamada família tradicional, relegando a mulher para as tarefas domésticas, dando a ilusão de valorizar a mulher como sujeito, na realidade submete-as aos estereótipos alienantes.

A proliferação da indústria pornográfica e da publicidade da imagem da mulher em termos altamente degradantes, incitam a comportamentos incorrectos e aviltantes para com a mulher.

São muitos os homens que aceitam mal a independência económica, a igualdade de facto, em particular das companheiras; que não aceitam uma repartição das tarefas domésticas capaz de aliviar a mulher de tarefas absorventes que asfixiam o desenvolvimento da sua personalidade e impedem a sua realização. Ainda que o mútuo apoio nas tarefas domésticas não possa substituir a necessidade do desenvolvimento de infraestruturas de apoio social, como condição fundamental para garantir aos membros da família (homem e mulher) o acesso à actividade criadora, é importante que haja uma efectiva partilha das responsabilidades do trabalho doméstico por todos os membros do agregado familiar. Cabe também ao homem e à mulher educar os filhos, sensibilizando-os para as tarefas domésticas, independentemente do sexo e de acordo com as suas idades.

As mulheres, além de discriminadas em geral (como ser), estão sujeitas a discriminações específicas de acordo com as classes a que pertencem. A defesa de um novo estatuto social para a mulher tornou-se uma reivindicação comum a largos sectores sociais, sectores que nesta luta vão compreendendo que a causa da sua opressão reside no próprio carácter explorador do sistema socioeconómico capitalista e que se torna necessário liquidar a sociedade que as oprime.

O combate aos preconceitos, às concepções arcaicas e reaccionárias subjacentes em muitas atitudes face às mulheres, a luta pela mudança das mentalidades e por um comportamento dignificante a respeito da mulher é de extraordinária importância na luta emancipadora, na luta pela democracia.

Mas ver o homem como o responsável pela escravização da mulher, elevando-o à categoria de «adversário social», absolutizar a necessidade da mudança das mentalidades como caminho emancipador, reduzindo as discriminações das mulheres ao campo do subjectivo (as mulheres são vítimas do «poder masculino», da «ideologia masculina»), não vendo que as causas da subalternização social da mulher radicam na sociedade de classes, é desviar a própria luta emancipadora das mulheres do seu terreno principal: a luta para pôr fim ao sistema socioeconómico explorador, que é uma luta comum ao homem e à mulher.

Os clássicos do marxismo demonstraram há mais de um século que o patriarcado, onde impera o domínio do homem sobre a mulher, é o produto do desenvolvimento histórico, e não uma prova de primazia natural do homem perante a mulher.

A questão da emancipação da mulher e da igualdade de direitos entre o homem e a mulher, é também uma questão moral que exige combate aos preconceitos, às atitudes injustas e degradantes nas relações entre os homens e as mulheres, que exige a emancipação do próprio homem, libertando-o da mentalidade de «senhor», da ideologia da posse, inculcada há séculos pelas classes dominantes acerca da mulher, mentalidade que degrada a personalidade do próprio homem.

Engels, ao ver «o desenvolvimento livre de cada um como condição livre do desenvolvimento de todos» definiu de forma magistral a essência da emancipação da mulher e da relação homem-mulher.

No próprio Partido, em muitos dos seus membros, subsistem preconceitos, atitudes incorrectas acerca do papel da mulher na sociedade. A luta emancipadora da mulher é uma questão que diz respeito a todo o Partido, devendo combater-se vigorosamente as manifestações incorrectas.

A experiência histórica demonstra e o 25 de Abril confirma, que é essencialmente com as transformações sócio-económicas, com a liquidação da sociedade exploradora que o estatuto das mulheres (e também a «ideologia dominante») se transforma.

Mas o processo não é automático. A revolução nas relações de produção só por si não elimina todos os conceitos negativos na consciência das pessoas. A nova realidade sócio-económica transforma-se mais rapidamente que a velha consciência social.

A luta pela transformação do mundo, para pôr fim ao regime explorador, luta comum aos homens e às mulheres, exige igualmente um combate permanente e decidido contra as ideias e práticas retrógradas, condição indispensável para o aparecimento do novo homem e da nova mulher e a estruturação das relações pessoais e sociais na base da fraternidade e do respeito mútuo.

XI
As Mulheres como força organizada

A luta geral, a democracia e o progresso social aprofundam-se tanto mais quanto mais forte e mais ampla é a luta emancipadora das mulheres.

Do mesmo modo, a luta emancipadora das mulheres terá tanto mais êxito quanto mais estreitamente se articula com a luta geral pelo progresso social, quanto mais sólidas e coerentes forem as suas bases orgânicas.

À diversidade social, grau de consciência e experiência de luta, corresponde igualmente uma grande diversidade de formas de organização, através das quais as mulheres expressam as suas reivindicações, dão forma à sua luta.

Nunca no Partido existiu uma organização das mulheres, uma vez que sempre se considerou que as militantes deveriam estar em todos os níveis e tarefas tal como os homens. Simultaneamente, nunca foi orientação do Partido isolar as mulheres comunistas das massas populares femininas. Desde sempre se considerou que as mulheres comunistas deveriam integrar com outras mulheres sem partido ou de outras correntes políticas ou ideológicas os movimentos e estruturas unitárias femininas.

As organizações femininas, em toda a sua génese, traduzem a evolução social. Com a incorporação em larga escala da mulher na produção material, aumenta a importância social e política da mulher trabalhadora, designadamente as ocupadas na indústria transformadora (mais de 300 mil), na sua maior parte concentradas em importantes unidades industriais.

As mulheres trabalhadoras, apoiando-se nas suas organizações de classe (sindicatos e comissões de trabalhadores), inserindo as suas reivindicações específicas na luta geral de todos os trabalhadores, constituem a parte mais organizada, consciente e combativa do importante movimento feminino da actualidade.

O movimento operário tornou-se condição material da libertação da mulher, mas a luta das mulheres não coincide inteiramente, nem se esgota, na luta geral da classe operária. As mulheres têm problemas próprios e, consequentemente, reivindicações específicas.

Foi Lénine, que também o havia dito acerca dos operários, quem afirmou que «a emancipação das mulheres trabalhadoras deve ser obra delas mesmo». Isto é, as mulheres devem intervir na resolução dos seus próprios problemas. As mulheres trabalhadoras estão sujeitas a uma dupla exploração. São vítimas da exploração capitalista como todos os seus irmãos de classe, mas são igualmente vítimas de uma exploração específica, como ser, só pelo facto de serem mulheres.

As mulheres trabalhadoras lutam por salário igual a trabalho igual, pela promoção profissional e o acesso a todos os ramos da economia, lutam contra a «feminização» de certos ramos profissionais, lutam por infraestruturas de apoio social, para que a maternidade tenha um carácter eminentemente social, lutam pela mudança de mentalidades, lutam pelos direitos políticos e sociais.

As mulheres trabalhadoras têm no movimento sindical a sua principal forma de organização. O peso social crescente da mulher trabalhadora, a emancipação da mulher sendo condição necessária para a emancipação de todos os trabalhadores, exigem do movimento sindical uma maior atenção para com os problemas das mulheres trabalhadoras.

O número de mulheres sindicalizadas está longe de corresponder ao seu peso na massa trabalhadora e à sua participação na luta de massas. O número de mulheres que ocupam cargos de direcção nas estruturas sindicais, embora significativo, continua insuficiente. É certo que o crescente desemprego, os ataques às liberdades e organizações sindicais, torna mais difícil a organização das mulheres, mas isso não anula a existência de insuficiências e subestimações neste campo.

O êxito da luta das mulheres trabalhadoras dependerá em grande medida do seu grau organizativo. O reforço da unidade da classe operária dependerá igualmente da participação das mulheres como força organizada. Com o objectivo de dinamizar a participação das mulheres na vida sindical, de estudar os seus problemas e reivindicações, passos importantes foram dados com a criação, quer a nível das diferentes estruturas de departamentos sindicais para o trabalho de mulheres, quer com a constituição das comissões de mulheres a nível das empresas. No entanto, apesar destes avanços, bem como do reconhecimento da importância da luta das mulheres, há graves insuficiências orgânicas que urge ultrapassar.

A criação de departamentos sindicais, nomeadamente nos sectores de elevada mão-de-obra feminina, ligando-se ao estudo dos problemas que mais afectam as mulheres trabalhadoras, e promovendo nesses sectores mais mulheres a delegadas sindicais e dando maior atenção à eleição de mulheres para as direcções sindicais, contribuirá para uma maior participação das mulheres na luta.

Apesar da longa experiência, dos resultados concretos, subsistem no Partido incompreensões acerca das necessidades de organizações específicas de mulheres.

No Relatório do Comité Central ao VIII Congresso do nosso Partido (Novembro de 1976), reflectindo o carácter esporádico destas dúvidas, voltou a abordar-se o problema e, apreciando a luta das mulheres, as formas de organização e a experiência acumulada, concluiu-se ser necessário «manter um movimento de mulheres organizado à escala nacional».

As dúvidas, as hesitações (e até as resistências) que esporadicamente surgem no Partido (entre homens e mulheres) acerca da necessidade de existir um movimento específico de mulheres, mostram ser necessário prosseguir e aprofundar a discussão deste problema, de modo a se poder dar continuidade ao despertar para a luta democrática de milhares e milhares de mulheres.

Em Portugal existe um movimento específico de mulheres, com largas tradições – o Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Nascido sob o fascismo (1969), o MDM é o único movimento específico de mulheres de carácter democrático, prestigiado e com implantação nacional, que desenvolve uma actividade regular, o movimento que melhor tem contribuído para o despertar das mulheres portuguesas para a defesa dos seus direitos, da democracia e da paz.

Intervindo como movimento de opinião (sensibilizando as mulheres para os seus problemas, denunciando as medidas discriminatórias a que estão sujeitas), intervindo como força organizada, mobilizando as mulheres para a resolução dos problemas concretos, o MDM numa base de aspiração emancipalista, tem vindo a aglutinar e a defender os interesses de mulheres de várias camadas e classes sociais.

O MDM, pelas suas características de movimento democrático, unitário e aglutinador de mulheres das mais variadas tendências políticas e religiosas que, independentemente das suas opções pessoais, se juntam e unem à volta de questões que lhes são comuns pelo facto de serem mulheres, é um movimento de amplas perspectivas de intervenção.

As mulheres comunistas que integram o Movimento devem pois lutar por acentuar o seu carácter unitário, estimular a cada momento os factores reais da mobilização e unidade das mulheres, reforçar uma intervenção dinâmica, defendendo a sua especificidade como movimento de mulheres.

A insistência na necessidade de um movimento de âmbito nacional com influência de massas não deve fazer perder de vista que as mulheres participam de forma crescente nas mais diversas esferas da vida política, económica e social e, consequentemente, alarga-se a diversidade das formas orgânicas a que se recorre para concretizar e dinamizar reivindicações e movimentos específicos das mulheres. É indispensável considerar outras expressões orgânicas, ir ao encontro de cada reivindicação e aproveitar e desenvolver a vontade de melhorar uma situação para criar uma comissão, um qualquer colectivo capaz de dinamizar e dirigir uma acção específica, pelos direitos das mulheres.

As comissões unitárias de mulheres são outro exemplo de diversificação de formas de intervenção que as mulheres têm encontrado no nosso país. A sua enorme flexibilidade orgânica, a sua base popular, a possibilidade de proporcionar uma compreensão muito directa das razões que as justificam, dá às CUM grande capacidade de intervenção.

As CUM surgem em 1976, nomeadamente na luta contra o aumento do custo de vida, da necessidade que grande número de mulheres sente de se unir e organizar para fazer frente ao aumento dos preços dos bens essenciais.

A esta valiosa experiência de Comissões Unitárias outras lhes sucedem por objectivos muito variados de que são exemplo a luta por lavadouros, creches, etc.. Apesar de terem tido na maioria dos casos uma vida limitada no tempo, elas são aglutinadoras de largos sectores da população feminina, não só pela objectividade das suas reivindicações, e que são a sua razão de existir, como também pelo carácter fluido do seu funcionamento. Não apresentam estruturas nem impõem qualquer tipo de opção e vinculação com outras organizações.

As CUM vieram também a aglutinar mulheres que, ainda não ganhas para uma luta integrada numa organização de mulheres, através da sua experiência nesta, têm mais facilmente uma perspectiva da importância da sua intervenção e da especificidade desta luta.

Os Encontros de Mulheres são outra forma de acção colectiva das mulheres, que o MDM e o movimento sindical, as Comissões Unitárias de Mulheres ou os Conselhos Regionais de Mulheres têm promovido em praticamente todas as regiões.

Os encontros em si, as experiências, os convívios, a descoberta que permitem a muitas mulheres que não sendo aderentes ou activistas de organizações ou frentes femininas, são uma importante fonte de criação de uma consciência colectiva feminina.

Apesar da enorme importância de todas estas formas de organização, para uma mais larga participação da mulher na luta democrática geral, para a própria consciencialização de que a sua luta as integra no processo geral de emancipação social, torna-se necessário dar continuidade à actividade dessas mulheres através da sua inserção em formas orgânicas estáveis.

Os movimentos específicos de mulheres, inseridos no movimento geral de massas pela paz e o progresso social, revelaram-se de capital importância para o despertar da consciência emancipadora de amplas massas femininas e para a compreensão de que a causa das discriminações reside na existência da própria sociedade exploradora.

XII
A Mulher no PCP

As mulheres desempenharam sempre importante papel na actividade do Partido ao longo de toda a sua história.

A história do PCP está cheia de exemplos magníficos de dedicação, coragem e heroísmo dados pelas mulheres comunistas.

Muitas militantes viveram longos anos nas duras condições de clandestinidade, desempenharam tarefas das mais responsáveis e arriscadas na direcção e organização, na redacção, impressão e distribuição da imprensa clandestina, no funcionamento das casas clandestinas do Partido. A sua participação no aparelho clandestino foi tão ampla e vital que durante anos foi editado um jornal das mulheres das casas do Partido: «A voz das camaradas».

Muitas mulheres comunistas – cujos exemplos não devem ser esquecidos – foram perseguidas, presas, torturadas e condenadas a passar longos anos nas prisões fascistas. Algumas pagaram com a vida a sua luta heróica. Catarina Eufémia tornou-se justamente um símbolo do heroísmo da mulher comunista na luta contra a ditadura fascista.

A vida e a luta clandestina do Partido durante 48 anos da ditadura fascista não teria sido possível sem a elevada consciência revolucionária e o empenhamento na luta de muitas centenas de militantes mulheres.

Na actividade legal e ilegal, na luta de massas, no apoio e solidariedade aos presos políticos, nas mais variadas tarefas e missões, as mulheres tal como os homens, fizeram a história do Partido.

Após o derrubamento da ditadura fascista, ao longo do processo revolucionário, também as mulheres comunistas escreveram algumas das páginas mais gloriosas da luta do Partido, da classe operária e do povo português.

Nas mais exaltantes acções revolucionárias – na conquista das liberdades, no controlo de gestão de empresas nacionalizadas e intervencionadas, na reforma agrária, na batalha da produção, na luta contra a reacção em defesa das conquistas de Abril, nas grandes acções de massas em todas as frentes de luta – as mulheres comunistas desempenharam papel de primeiro plano e, em muitos casos, determinante.

Papel igualmente importante tiveram as mulheres no desenvolvimento e reforço do Partido nas novas condições da actividade legal depois de 48 anos de clandestinidade.

Actualmente o Partido conta na sua actividade com a militância de muitos milhares de mulheres comunistas que, com os homens, dão o melhor de si para construir e dinamizar este grande colectivo que é o Partido Comunista Português.

O crescimento contínuo de efectivos femininos no Partido mostra que um número cada vez maior de mulheres, reconhecendo no PCP não só a grande força política de transformação da sociedade portuguesa, mas também o mais consequente defensor dos seus interesses de mulheres, compreendem que é nas fileiras do Partido o seu lugar de combate.

As mulheres representavam 15% dos efectivos do Partido em Maio de 1975, 20% em Dezembro de 1977, 21,1% em Junho de 1980, 21,6% em Dezembro de 1983 e mais de 22% em 1985.

Na altura do X Congresso, o Partido contava nas suas fileiras com 43 451 mulheres. Nenhum outro partido conta com um efectivo feminino militante de tamanha grandeza.

No que respeita às tarefas desempenhadas e ao nível de responsabilização, também a participação das mulheres se ampliou e reforçou significativamente após o 25 de Abril.

Nas células de empresa 17,7% são mulheres, nas Comissões de Freguesia 15,2%, nas Comissões Concelhias 13,1%, nas Comissões Distritais 19,7% e nas Direcções Regionais 16,1%.

No Comité Central eleito no X Congresso 13,3% dos seus membros são mulheres, o que com evidência constitui entretanto uma percentagem insatisfatória. Em 1983, o Comité Central elegeu para os seus organismos executivos, pela primeira vez, 3 mulheres, o que traduz a preocupação de fazer participar a mulher de todos os níveis do trabalho e direcção do Partido.

É ainda de salientar a evolução positiva que se tem verificado no número de delegados aos Congressos do Partido (cerca de 10% no VIII Congresso, 15,3% no IX Congresso, 19,3% no X Congresso). Entretanto todos estes números mostram que, apesar do esforço que se tem realizado e dos progressos verificados, a percentagem de mulheres nos organismos de direcção não corresponde à sua intervenção real em toda a vida partidária.

Há, é certo, sectores profissionais (Saúde, Função Pública, Professores) onde a mulher tem papel destacado na direcção, devido em grande parte ao elevado número de mulheres que neles trabalham, à sua situação económica e ao meio cultural em que se inserem. Estes casos não invalidam porém a insuficiente participação das mulheres nos organismos de direcção a todos os níveis.

Para tal situação não devem buscar-se explicações simplistas. Existem, por um lado, razões objectivas – económicas, familiares, culturais – que dificultam uma mais activa participação de mulheres na vida orgânica do Partido. Seria erro grave subestimar tais razões. Mas terá de reconhecer-se que subsistem ainda, por outro lado, dependendo de regiões e de camadas sociais, preconceitos e tradições arcaicas nas próprias fileiras do Partido, que impedem ou contrariam tal participação.

Para a acentuação dos progressos realizados impõe-se considerar, nas orientações a traçar e nas decisões e medidas a tomar, tanto as razões objectivas como as razões subjectivas.

Assim, nas exigências feitas às militantes do Partido, é necessário ter presente que, nas condições sociais existentes, para uma mulher comunista, a militância não é objectivamente feita em condições de igualdade com os homens, particularmente se é trabalhadora e mãe.

Não esquecendo tal particularidade, o recrutamento, o empenhamento militante e a promoção de mulheres devem constituir uma preocupação constante em todos os organismos do Partido, atribuindo tarefas correspondentes às suas qualidades, acompanhando aquelas que se vão destacando, não facilitando a substituição de quadros mulheres com tarefas de organização que, no imediato, possam ter dificuldades em responder às mesmas, procurando, sempre que possível, ajustar os horários das reuniões, de modo a permitir a sua participação, não reduzindo o seu contributo às tarefas que são extensão das tarefas domésticas e dando combate sistemático às concepções e atitudes incorrectas acerca do papel da mulher.

A vida tem mostrado que as mulheres comunistas estão em condições de dar uma contribuição ainda mais valiosa a todo o trabalho do Partido.

A Conferência constituirá um grande passo para que tal objectivo se venha a concretizar.

XIII
Objectivos e tarefas

O X Congresso do Partido realizado em Dezembro de 1983 traçou os grandes objectivos e linhas de acção do Partido na luta pela emancipação da mulher na situação existente.

Designadamente:

  • a) A eliminação das discriminações sociais, profissionais e salariais, a promoção do emprego e a formação e valorização profissionais.
  • b) A consagração legal de direitos da mulher trabalhadora no que respeita à maternidade e ao imprescindível apoio e acompanhamento dos filhos pelos pais.
  • c) A melhoria e alargamento da assistência materna, nomeadamente na gravidez, no parto e no período pós-parto, o fomento do parto hospitalar e a humanização dos respectivos serviços.
  • d) A criação de estruturas sociais de apoio à mulher e à família, nomeadamente creches, jardins de infância, cantinas, etc..
  • e) O incremento e gratuitidade do planeamento familiar e a legalização da interrupção voluntária da gravidez.
  • f) O combate ao uso da imagem discriminatória, estereotipada e ofensiva da dignidade da mulher nos meios de comunicação social, na publicidade ou nos livros escolares.
  • g) Medidas tendentes à protecção das mães solteiras e das mulheres sós, nomeadamente viúvas e idosas e reconhecimento da função social do trabalho doméstico.

Na aplicação das orientações traçadas pelo Partido conduziram-se importantes lutas e alcançaram-se significativas vitórias.

Contrapondo-se aos êxitos alcançados, a ofensiva dos governos da direita contra os direitos da mulher conquistados com a Revolução de Abril – ofensiva que se pode justamente chamar a contra-revolução na esfera feminina – conduziu a sérias limitações e retrocessos dos direitos da mulher.

Tal como em relação às grandes conquistas democráticas do povo português assim também em relação aos direitos das mulheres é necessário e urgente pôr fim à política contra-revolucionária, alcançar uma alternativa democrática e retomar o caminho emancipador da Revolução de Abril.

A Conferência comprova o justo trabalho realizado e o papel de vanguarda e insubstituível do PCP na luta emancipadora da mulher.

Comprova também a persistência de tendências negativas e de debilidades no plano ideológico, da organização, e da acção que é imperioso contrariar e superar.

Considerando a evolução da situação económica e social, política e cultural nos últimos anos e as modificações reais verificadas no referente à situação da mulher, a Conferência, prosseguindo a aplicação da orientação definida no X Congresso, define as tarefas fundamentais do Partido no momento actual, designadamente: – no plano da acção política e da actividade de massas; – no plano das organizações e movimentos unitários; – no plano ideológico, e no plano da organização, quadros e Direcção do Partido.

  1. No plano de acção política e da actividade de massas (incluindo na Assembleia da República, nas Autarquias, etc.) impõe-se desenvolver a acção, não só em torno dos problemas económicos, sociais e políticos comuns a homens e mulheres, mas igualmente em torno dos problemas e aspirações específicas das mulheres.
  2. No plano dos movimentos e formas de organização unitária de mulheres, impõe-se apoiar mais activamente os movimentos e organizações de mulheres, lutar dentro das organizações sindicais e outras organizações de massas para dinamizar a acção em defesa dos direitos das mulheres, promover uma maior intervenção das mulheres na vida política e social, impulsionar iniciativas de solidariedade internacionalista e desenvolver uma actividade permanente em defesa da paz.
  3. No plano da organização, de direcção e de quadros do Partido, impõe-se insistir no recrutamento de mulheres para o Partido como uma das linhas prioritárias de recrutamento, realizar um decidido esforço para a preparação de quadros femininos, atribuindo às mulheres tarefas políticas e de organização correspondentes às suas possibilidades reais, tornar mais audaciosas as promoções de mulheres quando revelarem as qualidades necessárias aos organismos de direcção em todos os escalões.
  4. No plano ideológico a batalha do Partido trava-se em duas frentes: na acção política e ideológica na sociedade portuguesa e dentro do próprio Partido.

Na acção política e ideológica (intervenção política, imprensa, iniciativas diversas) impõe-se inserir sistematicamente a «problemática feminina», defendendo uma orientação correcta acerca do papel da mulher na sociedade, apoiando a sua luta emancipadora e combatendo concepções e atitudes incorrectas e retrógradas, denunciando a intensificação da ofensiva ideológica de que as mulheres são alvo por parte das forças reaccionárias.

Dentro do Partido são de assegurar a defesa e aplicação de orientações traçadas, de combater tendências negativas que se manifestem.

A Conferência sublinha a necessidade de assegurar na vida interna do Partido os direitos da mulher, designadamente o direito à igualdade, combatendo a aceitação, como ideias e práticas de vida próprias de comunistas, de concepções, preconceitos e procedimentos discriminatórios em relação à mulher e próprios da sociedade capitalista e da burguesia.

A Conferência sublinha a necessidade de valorizar insistentemente a actividade específica da mulher e das correspondentes actividades unitárias, combatendo concepções que contrapõem a actividade do Partido às actividades unitárias e por isso as consideram desnecessárias, dispensáveis ou quando muito destinadas apenas às mulheres domésticas.

A Conferência sublinha a necessidade de assegurar a igualdade da promoção das mulheres a todas as funções e responsabilidades no próprio Partido combatendo as concepções segundo as quais a desigualdade de direitos de homem e mulher é uma situação natural e imanente.

A Conferência traça como orientações a intensificação da acção do Partido em todas estas direcções.

Ao mesmo tempo a Conferência sublinha que é essencial a compreensão (e a batalha por essa compreensão) de que o êxito na luta pelo reconhecimento efectivo e a concretização dos direitos das mulheres e pela sua emancipação são inseparáveis do êxito da luta política pela transformação democrática da sociedade.

A Conferência revela que, nos últimos 10 anos, a política contra-revolucionária de sucessivos governos de direita atingiu duramente os direitos e as conquistas alcançadas pelas mulheres com a Revolução de Abril.

Tal como em relação às outras conquistas da revolução democrática também em relação com os direitos das mulheres urge pôr fim à política de direita.

Na situação actual a defesa dos direitos das mulheres é inseparável da defesa das liberdades e direitos dos cidadãos, das nacionalizações, da reforma agrária, do poder local democrático, da proporcionalidade no sistema eleitoral.

A defesa dos direitos das mulheres e novos progressos na luta emancipadora são inseparáveis da luta por uma viragem na política nacional que retome o caminho de Abril.

Assim a defesa dos direitos das mulheres e novos progressos na luta emancipadora, não podem separar-se, no momento actual, da luta pela demissão do governo reaccionário do PSD de Cavaco Silva e a formação de um governo democrático, com uma política democrática que inscreva, entre os seus pontos programáticos, a garantia efectiva dos direitos da mulher portuguesa.

A Conferência do PCP sobre «A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril» constituirá um importante contributo à causa da emancipação da mulher, ultrapassando em muito as fileiras do Partido.

Nenhum outro partido revelou capacidade e a coragem para discutir com frontalidade e verdade os problemas das mulheres, mesmo aqueles problemas que subsistem no próprio colectivo partidário.

A Conferência constitui importante contribuição para a tomada de consciência por todo o Partido dos problemas existentes, da sua importância, da necessidade de lhes dar atenção e de promover a acção correspondente, segundo as directrizes aprovadas na Conferência.

Para os homens e mulheres dos mais variados sectores sociais, a Conferência será um importante contributo para o mais profundo conhecimento e mais correcta compreensão dos problemas das mulheres, dos seus justos direitos e da necessidade de promover, organizar e intensificar a luta com objectivos concretos.

Particularmente as mulheres, jovens e adultas, de diferentes tendências políticas, poderão encontrar na Conferência e nos documentos nela aprovados a fonte de novos conhecimentos e valiosos instrumentos para a sua acção.

Desta Conferência, do que nela foi dito, analisado e criticado, dos caminhos nela apontados para corrigir deficiências, erros e incompreensões nasce uma certeza: a luta pela concretização na vida dos justos direitos das mulheres, não só vai prosseguir, mas intensificar-se.

Na longa, dura, difícil estrada que é a da luta pela emancipação das mulheres, sabem já muitas e ficará a saber um maior número, após a realização desta Conferência, que a defender os seus direitos, a solidarizar-se com elas, a apoiá-las na sua caminhada tem estado sempre, está e estará o Partido Comunista Português.

Os comunistas vão tomar nas suas mãos os resultados desta Conferência e levá-los ao conhecimento das mais amplas massas femininas. Mais e mais mulheres verão no PCP o Partido da sua emancipação. Mais e mais mulheres, jovens e adultas, virão ao PCP como forma de fortalecer a luta pela sua emancipação. Mais e mais mulheres dentro e fora do PCP tomarão nas suas mãos, discutirão e enriquecerão com a sua experiência os resultados desta Conferência. E assim farão dela a sua Conferência, um novo avanço no caminho da sua libertação.

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