Em primeiro lugar gostaria de começar por dizer que tenho alguma dificuldade, apesar de ser espanhol, em falar castelhano/espanhol, porque venho da Galiza e a minha língua mãe é irmã da portuguesa, mas não só também o coração o sinto como irmão. Assim, se em algum momento me fugir a língua para o galego, peço desculpas ao serviço de tradução.
Represento a Esquerda Unida-Federal, a Esquerda Unida-Galiza e antes de mais quero agradecer o convite do Grupo da Esquerda Unitária Europeia e dizer que é um prazer estar em Portugal, pelas razões que antes expliquei mas também porque hoje, quando vinha no carro, veio-me à memória o contexto da assinatura do Tratado de Lisboa e lembrei-me das declarações de Jerónimo de Sousa quando ele falava acerca da Troika. Nessa altura, em Espanha, essa palavra ainda não era utilizada, nem sequer se ouvia muito. Em Espanha a crise ainda não se tinha declarado mas certamente já se começava a notar em Portugal e Jerónimo de Sousa falava desse triunvirato que ia governar na Europa, formado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Instituições não democráticas que segundo a sua avaliação, iriam reger os destinos da Europa e dos seus povos.
Não demorámos em descobrir que isso era mais que uma realidade e a palavra Troika começou também a ser utilizada com frequência. Em Espanha, nos meios de comunicação social não há um único dia em que não haja uma noticia a referir-se ás novas políticas de ajuste e a executar em Espanha e em todos os países da Europa, e sempre referindo que essas políticas de ajuste, essas políticas de recorte, são mandatadas pela Troika.
O mandato da Troika é emanado de Bruxelas e como resposta, como consequência de uma crise que se apresenta sempre como uma espécie de malefício, como uma das sete pragas do Egipto, quando na realidade - hoje em dia já todos o sabem- a crise não é a causa das políticas de ajuste,mas sim as politicas é que são as causadoras da crise. E é nesta ambivalência, nesta espécie de jogo confuso em que tentam envolver-nos a todos para que o assimilemos como algo inevitável. Pois bem, a crise económica nos seus aspectos mais dramáticos, e que todos sentimos, é impossível de analisar, de atacar, de corrigir, senão tivermos em conta quais são as suas causas e quais os diferentes motivos que nos conduziram a ela, e o papel que cada um dos agentes políticos na Europa tem desempenhado em cada momento.
Eu acho que há que fazer uma crítica muito particular ao papel que temos desempenhado, o que se tem feito desde a chamada esquerda maioritária, desde a social democracia europeia inclusive também desde os movimentos sindicais, ou no âmbito do que está enquadrado na Conferência Europeia de Sindicatos no seu papel, no papel que se tem vindo a desenvolver nos últimos 30 anos desde o apoio ao que foi o tratado de Maastricht.
O Tratado de Maastricht foi já toda uma declaração de intenções dessas políticas de cortes que hoje todos estamos a sofrer. Concretamente, e faço sempre questão de destacar, o artigo 104º do Tratado de Maastricht que estabelece explicitamente a proibição de que os bancos centrais europeus e os bancos centrais de cada país possam transferir liquidez para os Estados. Isso na prática, tem como resultado obrigar a que todos os países tenham de ir à banca privada para poder financiar-se e isso é uma autêntica burla, pois está a levar a que os países da Europa sobretudo do Sul da Europa tenham de pedir empréstimos com juros entre 5% até 17% como sucedeu por exemplo recentemente na Grécia para poderem financiar os seus serviços sociais, o seu sistema de saúde os seus hospitais, ou as suas escolas. Isto em si é uma burla. Não é uma crise. Porque neste processo, não só nos estão a roubar a carteira, como nos estão a roubar as palavras e as ideias. É uma burla porque, na prática, os bancos recebem empréstimos do Banco Central Europeu, a 1%, 2% para emprestá-los depois aos países com juros 5,10,17%. Trata-se de um negócio redondo que está a encher os bolsos da banca,fundamentalmente a alemã e a holandesa. Portanto não se fale de crise, fale-se antes de burla com letras maiúsculas. Pois bem depois desse Tratado de Lisboa, desse Tratado de Maastrich,vieram outros: o de Nice, o de Amesterdão em definitivo todos os tratados, inclusive os que mencionava, a única coisa que fizeram foi sujeitar de uma forma absolutamente radical a Europa Social à Europa dos Mercadosl. Uma Europa social que com defeitos, com carências, se estava a tentar construir com muitíssimo trabalho e também com carências desde a II Guerra Mundial .Um processo que após a II Guerra Mundial se entendia como uma obrigação dos Estados e que se interrompeu, com dizia já desde essa época.
E esse processo de demolição do Estado social que estava a nascer porque insisto, não era perfeito foi perfeitamente planificado não foi casual. Foi minuciosamente planificado e baseado em algo que eu acho que na tradição marxista se percebe perfeitamente, estando vocacionado em criar um processo de exclusão de mão de obra exclusão de trabalhadores do mercado laboral, para assim garantir a precariedade. A única forma para os grandes sectores empresariais de poupar custos laborais, como todos sabeis, baseia-se em ir aumentando de forma progressiva a exclusão laboral e a bolsa do desemprego. Desemprego que actualmente alcança níveis insuportáveis em toda a Europa. Um desemprego one, por exemplo, no caso de Espanha, o desemprego juvenil supera os 50%.Isto é absolutamente inaceitável para qualquer Estado e com cifras globais que superam amplamente os 20% em qualquer comunidade, portanto a média ronda os 25%.
Chegamos assim a uma fase aguda que é esta em que estamos agora que é uma fase que podemos definir de acumulação por despossessão, ou melhor dizendo, e sem pretender ser catastrófico a fase crítica de passar do fascismo financeiro que é a situação em que nos encontramos ao fascismo fáctico, ou com o diria Lenine neste caso chegando ao fascismo como fase superior do capitalismo que é na fase que neste momento corremos o risco de entrar se não se tomarem medidas. E um exemplo muito específico e que ilustra perfeitamente o carácter ideológico e económico da dupla faceta em torno da chamada crise que eu gostava de chamar Burla é o caso das políticas educativas na Europa.
A politica educativa seguida na Europa exemplifica muito bem quais eram as intenções, já desde meados dos anos 80,daquelas que eram as elites europeias nesta matéria: as grandes multinacionais, as transnacionais que são as que entraram em cheio na União Europeia para nos governar a todos, estou a referir-me ao Plano Bolonha e à Estratégia Europeia 2015 e tudo o que apareceu quanto ás reformas educativas e em muitos casos encabeçando o que foram depois as reformas económicas. Costumamos dizer que se está a mercantilizar a educação que se está a privatizar mas isso sendo certo não é mais do que o reflexo de uma realidade que se traduz em que educação e economia sempre andaram de mãos dadas.
Já no século XIX com os processos de industrialização as elites económicas os patronos deram-se conta de que precisavam de elevar a qualificação dos seus trabalhadores e por isso potenciaram o ensino primário porque era uma forma de tornar o trabalhador mais rentável não era com intuitos educativos. No século XX com o avanço das novas tecnologias e o surgimento de novos empregos e as tecnologias industriais, as administrações públicas, os empregos comerciais, etc. potenciou-se já neste caso o ensino secundário e foi aumentando a percentagem inclusive de filhos da classe trabalhadora que chegava ao ensino secundário. Após a II Guerra Mundial, com um período de estabilidade em curso e de crescimento tecnológico já imparável no sector industrial, siderúrgico, químico, petroquímico a indústria do automóvel etc o que precisava o patrão já neste caso era de mão de obra mais qualificada neste caso com formação universitária. Chegamos aquilo que se chama o período da massificação na educação e que significou a chegada à Universidade - a partir dos anos 50 e 60 - de cada vez mais filhos de trabalhadores o que permitiu que, nos anos 80 a Europa alcançasse cifras a rondar os 25% de formados universitários (média europeia), e cerca de 80% com o secundário, daí a denominada fase de massificação. Mas essa fase já a partir dos anos 80 a crise veio a agudizá-la o que provocou é que, com essa massificação, as políticas europeias, no momento em que os dirigentes das empresas detectaram que o seu rendimento não evoluía, porque ao fim e ao cabo a crise que padecemos é uma crise clássica de sobre exploração tiveram que mudar o modelo. Os primeiros sintomas foram claramente reflectidos num relatório que elaborou a ERT a mesa redonda de industriais europeus, onde se encontram os principais patrões das empresas a nível europeu:Siemens, Fiat, Nestlé todas as grandes transnacionais europeias reúnem-se na chamada ERT que é um lobby que tem muitissima influência na União Europeia não é por acaso que a sua sede central se encontra mesmo em frente à sede da União Europeia. Elaboraram um relatório a que chamaram Educação e Competência donde só pelo vocabulário podemos ver o sentido e onde estabeleciam que a universidade e a educação se adaptasse ás exigências do mercado em confrontos a uma filosofia da Europa social, em que a educação é uma ferramenta para mudar a sociedade para melhorar a sociedade e portanto não é para actuar tuteladamente conforme as exigências do mercado, mas sim em contacto com o mercado e não ao serviço do mercado.
A mesa redonda - dos Industriais Europeus dizia que só se podia ter um sistema educativo de qualidade se se estava ao serviço dos mercados. Bem a UE no ano 95 publicou um livro que se chamava o Livro Branco, sobre a educação e aí foram recolhidas todas as reivindicações da mesa redonda. Quais as consequências neste momento? Bem,encerramento de universidades, privatização de universidades, subida das propinas dos estudantes e ,portanto, o número de formados pelo ensino superior vai-se reduzindo e cada vez haverá mais dificuldades em que os filhos dos operários possam aceder a uma formação universitária. Entramos em definitivo na fase de precariedade já queo que exige agora o mercado não são trabalhadores qualificados e, cinicamente, considera-se que é um mau investimento gastar recursos públicos em formar universitários se depois vão trabalhar em trabalhos pouco qualificados. Para além disso precarizar a classe trabalhadora também passa por que não tenha acesso a uma formação superior. Que nos resta a nós para contrapor a este poder? Na definição mais clássica um poder só se pode contrariar com um contrapoder. E o contrapoder passa pela criação de uma frente, frente ampla de esquerda, de esquerda não reformista, mas transformadora, transformadora real que não traia os anseios do povo nesse sentido e que tenha uma dupla actuação, actuação na rua em contacto com o povo e também nas instituições. Portanto eu só posso nesse sentido incentivar todo o povo português a participar na manifestação na mobilização que está prevista para o dia 27. Nós, desde Espanha com o coração estaremos também presentes e a apoiar-vos. É tudo. Muito Obrigado.