Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre políticas sociais

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Em relação à matéria que trouxe a este debate e às novidades — algumas, nem tanto — que apresentou em termos de estágios, nós consideramos que tudo o que for para melhor é bom.
Gostaria, contudo, de lhe deixar esta primeira reflexão: o Sr. Primeiro-Ministro tem um conflito permanente entre aquilo que anuncia e aquilo que concretiza e eu creio que, nesse sentido, era importante que, depois, se concretizasse aquilo que sistematicamente é aqui anunciado e nunca concretizado.
Mas tenhamos o sentido da medida mesmo em relação àquilo que anunciou.
Qual é a realidade em que vivem as novas gerações? Jovens desempregados, mais de 100 000, cerca de 23% do desemprego; taxa dos licenciados, 8,2%, e entre 2009 e 2010, um aumento de 37%!
Acresce ainda a questão da precariedade, que, como sabe, abrange cerca de 1,2 milhões de trabalhadores, na sua maioria, jovens, que são os primeiros a ser despedidos.
Hoje, qualquer sobressalto, qualquer dificuldade, os primeiros a serem despedidos são os trabalhadores precários.
Assim, olhamos para estas medidas com o sentido exacto que elas têm, ou seja, são sempre medidas parcelares, mas, admitindo o seu carácter positivo, quero colocar uma pergunta concreta. Há sempre um problema para resolver: os trabalhadores apoiados com dinheiro, designadamente, da segurança social, em geral, são aproveitados pelas empresas enquanto estas puderem aproveitar e as empresas, sempre que podem, até para os substituírem e poderem ter mais benesses, acabam por despedir esses trabalhadores, que agora aqui são propostos para serem apoiados pela segurança social. Acha que as medidas que propõe vão
resolver este problema, que já se tem verificado, do aproveitamento de empresários, que, valendo-se desses apoios do Estado, acabam por despedir e fazer reingressar outros trabalhadores que lhes possam ser mais rentáveis?
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de ouvir a sua opinião sobre este problema.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Afirma, e bem, que a crise do capitalismo tem uma dimensão planetária, mas o grande problema é que, em Portugal, é pior, é mais grave.
Tendo em conta, hoje, o grau de destruição do nosso aparelho produtivo, da nossa produção nacional, com reflexos na questão de fundo, que é o desemprego, estamos pior, por isso, não faça comparações com o que não é comparável, Sr. Primeiro-Ministro!
Nesse sentido, gostaria também de fazer um reparo. Na sua intervenção, Sr. Primeiro-Ministro, leu rapidamente um parágrafo sobre a execução orçamental e a redução do défice, que é uma questão interessante e de fundo. Sr. Primeiro-Ministro, importava-se de dizer à custa de quê e de quem foi feita essa redução? Se não puder dizer, pois já dispõe de pouco tempo, eu avanço com a resposta: foi feita à custa dos salários, à custa do congelamento das pensões e das reformas, do aumento dos impostos, dos cortes de abonos de família e de apoios sociais. Foi aí que conseguiu essa redução.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de colocar-lhe um outro elemento, aliás, já aqui abordado, que demonstra — porque é importante que isto hoje fique claro — que o argumento, usado sistematicamente, de que os sacrifícios seriam para todos foi um embuste, porque a verdade é que o não foram; foram para aqueles que vivem dos rendimentos do seu trabalho, para quem vive da sua reforma e da sua pensão.
Vou dar um exemplo em relação aos impostos, chamando a sua atenção, Sr. Primeiro-Ministro, para este caso escandaloso da PT. A PT teve um lucro de 5672 milhões de euros por causa da Vivo, como sabe, aumentando os seus lucros 8,3 vezes, mas é espantoso como, em termos de impostos, vai pagar menos de metade do que pagou em 2009, ou seja, vai pagar apenas 78 milhões de euros, quando pagou 186 milhões de euros em 2009.
Sr. Primeiro-Ministro, este é um exemplo concreto de que andou a enganar os portugueses quando afirmava dessa tribuna, sistematicamente, que os portugueses tinham de compreender as dificuldades e que os sacrifícios seriam para todos. Não, Sr. Primeiro-Ministro, os lucros são transformados em bezerros de ouro intocáveis, enquanto aqueles que vivem dos rendimentos do seu trabalho, da sua reforma e da sua pensão estão a pagar com «língua de palmo» aquilo que o Governo decidiu, com o apoio do PSD.
Responda, Sr. Primeiro-Ministro, e, pelo menos, cale para sempre isso de os sacrifícios serem para todos!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Pode fazer o malabarismo que quiser, mas responda à questão concreta. O Governo cortou nas comparticipações na saúde 30 milhões de euros desde Janeiro; nas despesas com pessoal cortou 8,2%; no abono de família, 16,8%; no subsídio de desemprego, 6,6%; no rendimento social de inserção, 23,9%. Porém, quando chegamos à comparação com os lucros, essa sua dependência, esse seu silenciamento, essa sua forma de estar na política e a natureza dessa mesma política, que olha para os lucros fabulosos, escandalosos, autenticamente obscenos, tendo em conta as dificuldades que estão a exigir ao povo, o senhor silencia, não diz nada, por falta de coragem de
desafiar esse poder económico que, num tempo de crise, num tempo de dificuldades, não pára de ver crescer os seus dividendos, os seus lucros, o que é uma ofensa para quem vive apenas do seu trabalho, da sua pensão e da sua reforma.
Não venha com essa de que também atingiu hoje classes médias. É verdade que atingiu, mas deixou sempre intocável quem mais tem e quem mais pode e isso marca a natureza de uma política, uma política de direita deste Governo do PS.

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