Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Se me permite, uma observação prévia.
Ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro afirmar que a questão da estabilidade governativa, da estabilidade política justifica tudo. Quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que, mais do que a estabilidade governativa, o que importa é ver a instabilidade social, a instabilidade que o Sr. Primeiro-Ministro provoca na vida dos portugueses com a sua política, com o seu Governo. Isso para nós é que é o valor prevalecente.
Quanto a possíveis concorrências à esquerda, quero dizer-lhe também que o problema não está deste lado; o grande problema da concorrência é entre o Governo do PS, o PSD e a direita, que procuram ver quem é melhor na execução da política de direita!
Voltando ao tema da governação económica — até porque o Sr. Deputado Francisco Assis deu o mote e o Sr. Primeiro-Ministro respondeu com um «galão» acima —, ouvimos o Sr. Deputado Francisco Assis dizer que foi uma coisa muito boa. Mas o Sr. Primeiro-Ministro dizia mais: que se tratava de um acontecimento histórico.
Quem está a ouvir-nos pensa: «Isto deve ser uma coisa boa, uma coisa tão importante, um acontecimento histórico, uma governação económica.». Importa, Sr. Primeiro-Ministro, clarificar o que significa a governação económica, particularmente o chamado «pacto de competitividade» que o eixo franco-alemão apresentou. Não diga que não, Sr. Primeiro-Ministro, porque está aqui a cópia. Importa-se de explicar aos portugueses os conteúdos desse pacto de competitividade? Propõe-se ou não a desvalorização dos salários, desindexando o
nível da inflação? Propõe-se ou não que a idade da reforma passe para os 67 anos?
Propõe-se ou não, no seu conteúdo, em relação, por exemplo, a qualquer crise do sector bancário, que são os Estados os responsáveis pela nacionalização dos prejuízos?
Está ou não lá consagrado que a Constituição da República Portuguesa tem de admitir o limite do endividamento, consequentemente com perda de soberania? É isto que os portugueses querem saber.
O Sr. Primeiro-Ministro declara sempre que é um euro-optimista, que defende a Europa. Defenda a Europa que quiser, mas, enquanto for Primeiro-Ministro de Portugal, tem de responder do ponto de vista da defesa
dos interesses nacionais, da nossa soberania, dos interesses dos trabalhadores e do povo.

(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Com franqueza, dizer que não conhece os conteúdos da proposta oriunda da Alemanha e da França, designadamente os seis pontos concretos que descreveram, no mínimo, está distraído ou foi enganado, nesta reunião do Conselho da Europa.
Em relação à questão da estabilidade, insisto nesta ideia: nós, comunistas, ao contrário do que o senhor procura afirmar, lutámos muito e durante muitos anos pela estabilidade social, pela estabilidade dos direitos, pela estabilidade do emprego, pela estabilidade da própria
liberdade. Por isso, não nos venha dar lições daquilo que pretendemos para Portugal!
Coloco ainda uma outra questão, e para tal recorro a uma expressão que usou sistematicamente, que foi a de o tempo ser de crise, a de que os portugueses devem compreender as dificuldades e que devemos repartir os sacrifícios por todos. Se não é assim, é mais ao «lado», mas creio que corresponde à verdade.
Pensando nesta frase, deixe-me dizer o seguinte: acabaram de ser divulgados os resultados obtidos em 2010 dos quatro principais bancos nacionais privados e concluímos que estes quatro bancos tiveram 1431 milhões de euros de lucro.
Sei qual vai ser a resposta do Sr. Primeiro-Ministro, mas o que surpreende nestes resultados, agora divulgados, diz respeito aos impostos pagos por estes mesmos bancos.
Pois, se é verdade que os lucros continuam bem elevados, cerca de 4 milhões de euros por dia,
surpreendentemente os impostos pagos foram menos de 54% do que em 2009, o que equivalente a cerca de 138,4 milhões de euros.
Explique-me, Sr. Primeiro-Ministro, se a crise é para todos. Os sacrifícios deveriam ser repartidos por todos. Quando se tratou de cortar nos salários, de aumentar os impostos, de congelar as pensões e as reformas, tudo datado, ali na hora, os portugueses pagaram. Quando
se trata da banca, o que se verifica é que pagaram menos impostos, apesar de terem tido lucros fabulosos. É uma contradição insanável, Sr. Primeiro-Ministro!
Mas, já agora, a propósito, recordo-me do seu ar, num debate, quando disse: «Vamos taxar com imposto a banca», e isto está inscrito no próprio Orçamento do Estado. Lembra-se disto, não se lembra, Sr. Primeiro-Ministro? Então, quando é que o Governo regulamenta a taxa do imposto sobre a banca, inscrita no Orçamento do Estado? Qual é o motivo do impasse? Qual é o motivo que complica a regulamentação dessa norma? Por que razão é tão fácil regulamentar quando se trata de cortar nos direitos, nos salários, nas reformas e nas pensões e quando se trata de uma medida destas, cujo valor não sei se é 0,001, se é 0,005, o mesmo não acontece?
Peço-lhe que concretize, Sr. Primeiro-Ministro, porque isto demonstra que não falou verdade quando disse que os sacrifícios seriam para todos!

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