(projeto de lei n.º 236/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Este projeto de lei apresentado pelo Partido Socialista suscita uma discussão que tem sido não diria unânime mas largamente consensual em torno de necessidades que se vão registando ao longo do tempo em matéria de justiça desportiva e de decisão de contencioso desportivo.
A verdade é que há um quase unânime reconhecimento da insuficiência do atual modelo jurídico e, sobretudo, do ponto de vista da organização judiciária, em relação à resposta a estas necessidades e a estas deficiências relativamente à arquitetura da decisão em matéria de justiça e de contencioso administrativo.
O Partido Socialista propõe-nos, com este projeto de lei, a solução destes problemas através da constituição de um tribunal arbitral do desporto, recolhendo, aliás, muito do que é a experiência da intervenção do Tribunal Arbitral de Lausanne, e remetendo para a justiça arbitral o dirimir dos conflitos que resultam, em particular, do exercício de poderes públicos de regulamentação, organização e direção e disciplina das federações desportivas e outras entidades nelas integradas. Portanto, de decisões tomadas por entidades que exercem poderes públicos delegados pelo Estado.
A verdade é que há a identificação de inúmeras insuficiências e limitações do ponto de vista da intervenção da justiça administrativa e, em particular, a consideração de que é necessária uma intervenção especializada do ponto de vista desta justiça.
O PCP acompanha essa consideração, bem como acompanha a identificação da necessidade de intervenção de uma justiça especializada em matéria desportiva que possa intervir com mais eficácia e com as vantagens que decorrem da especialização em termos de organização judiciária.
Temos dúvidas, no entanto, em relação ao recurso à justiça arbitral. E estas dúvidas, Sr.as e Srs. Deputados, particularmente Sr. Deputado Laurentino Dias, não têm que ver especificamente com matéria da justiça desportiva. Têm que ver com o movimento de desjudicialização em diversas áreas da nossa vida social, que consideramos não estar a ser devidamente equacionado não só no que ele significa de repercussões sociais, mas também noutros campos, nomeadamente, por exemplo, no dos custos da justiça arbitral. Não estão devidamente equacionados os custos da remissão para a justiça arbitral das responsabilidades dos nossos tribunais, o que, em termos de custos, tem implicações muito significativas.
Também não estão, por exemplo, a ser equacionados devidamente os aspetos que têm de ver com a insindicabilidade de muito do funcionamento da justiça arbitral, quer em termos de processo de escolha de árbitros, quer outros, que, ainda assim, admitimos, neste projeto de lei do Partido Socialista, estão mais densificados do que noutras matérias.
Por exemplo, na discussão que fizemos sobre a dopagem ou até nas considerações que têm de ver com a Lei da Arbitragem Voluntária, verificamos que essas matérias estão reguladas de uma forma mais insuficiente do que neste projeto de lei do Partido Socialista, reconhecemo-lo. Em termos de processo, há definições neste projeto de lei que vão muito além de outras iniciativas que temos tido oportunidade de discutir.
No entanto, o problema de base mantém-se e tem que ver com a desjudicialização deste tipo de conflitos, deste tipo de decisões em relação às quais é necessária uma decisão e que, julgamos, ainda assim, devem ser considerados no plano da nossa organização judiciária, incluindo a possibilidade de uma especialização da justiça administrativa. Entendemos que haveria vantagens não só em termos económicos e financeiros, pelos custos mais reduzidos que implicaria, mas também e sobretudo por uma questão de certeza e segurança jurídicas, quer em termos processuais, quer em termos de aplicação da lei substantiva. Julgamos, pois, que haveria vantagem nesse aspeto.
Para concluir, deixamos apenas uma referência muito breve a duas questões que entendemos fundamentais: por um lado, a referência às questões de processo, havendo, ainda assim, alguma incompatibilização, nomeadamente, com a Lei da Arbitragem Voluntária, que, julgamos, devia ser procurada e que, a existir e a manter-se, pode ser um aspeto determinante para a criação de dificuldades; por outro lado, a consideração de uma questão constitucional relativamente à arbitragem necessária. Os moldes em que está prevista a arbitragem necessária neste projeto de lei do Partido Socialista podem não ser integralmente compatíveis com o comando constitucional do artigo 20.º, nomeadamente o direito à tutela jurisdicional efetiva.
Também em relação a este aspeto entendemos que deviam ser consideradas estas questões para que pudessem ser ultrapassadas.