1. Pode afirmar-se que a Conferência de Glasgow fica marcada pela insuficiência de objectivos e de decisões adoptadas face à dimensão dos problemas ambientais. À margem da sua realização ficou a discussão que importa fazer, sobre a urgência de uma mudança de políticas que não se esgota na dimensão ambiental, sendo indissociável de uma mudança que se estenda às esferas social, económica e inclua o reconhecimento do direito dos povos ao desenvolvimento.
Esta mudança exige uma consideração tão diversa de medidas como sejam: a adopção de uma abordagem normativa à redução de emissões, por oposição à abordagem de mercado; a valorização da produção e consumo locais, que encurte e racionalize as cadeias de produção e distribuição, reconhecendo a cada país e a cada povo o seu direito a produzir e à soberania em domínios essenciais, como o alimentar; a regulação justa do comércio internacional, que contrarie a desregulação e liberalização vigentes e reverta os seus significativos impactos ambientais, económicos e sociais; a promoção de políticas de mobilidade sustentáveis, que ponham em causa o paradigma do transporte individual e atribuam centralidade ao transporte público; a necessidade de recuperação do controlo público de sectores estratégicos, como o sector da água, o energético, como garantia de que os processos de transição energética e tecnológica são desamarrados dos interesses do grande capital e conduzidos sob os interesses das populações e de cada país; o desenvolvimento de políticas de combate à obsolescência programada; o investimento na investigação científica; a luta contra a guerra, o militarismo e a indústria do armamento, que são dos fenómenos mais poluentes a nível mundial.
2. Os objectivos de redução global de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), a partir de um somatório de “contribuições nacionalmente determinadas”, a fixar por cada país, estão longe de garantir as metas fixadas no Acordo de Paris e sucessivamente reafirmadas nas COP seguintes, incluindo agora na COP26.
O princípio de “responsabilidade comum, mas diferenciada” obrigaria alguns dos principais emissores, reconhecendo as suas responsabilidades históricas na elevação da concentração de GEE na atmosfera, a reduções que não estiveram dispostos a fazer.
Não se pode apagar a responsabilidade histórica dos países industrializados nas emissões. Na COP26 mais uma vez se manifestaram as profundas contradições que resultam do desenvolvimento desigual do capitalismo, com tentativas de condicionamento e responsabilização dos “países emergentes” e dos “países em desenvolvimento”, por parte dos “países industrializados”. Alguns dos países que mais contribuem e contribuíram para a acumulação de GEE na atmosfera e que são, ainda hoje, os principais emissores em termos per capita, querem pagar a mesma factura que os chamados países em desenvolvimento. A discussão ambiental não pode servir para os blocos imperialistas petrificarem as desigualdades entre países e entre classes.
3. Para os “países em desenvolvimento”, onde os impactos das alterações climáticas serão previsivelmente mais negativos e significativos, as soluções apontam para mais endividamento e dependência. Para as multinacionais e grupos económicos dos países ricos, subvenções. É este o sentido de aprofundamento de injustiça à escala mundial que se quer consolidar. Não se trata apenas da escassez dos recursos, que deviam ser canalizados por via da cooperação para o desenvolvimento, sem condicionalidades políticas e respeitadora da soberania e legítimas opções destes países. Trata-se também da utilização a dar a esses recursos. Em muitos casos, a “ajuda” destina-se a financiar “investimentos” com os quais os “doadores” obtêm créditos de emissões de CO2, e que estão desajustados das necessidades e realidade dos países. Veja-se o problema da pressão para o cultivo de extensas áreas de agro-combustíveis, que satisfaçam as necessidades energéticas “verdes” dos países industrializados – opção que ameaça a segurança e soberania alimentar dos países mais pobres, agrava a sua dependência e o flagelo da fome. A “transferência de tecnologia”, tema que voltou a marcar presença na COP26, dá cobertura a novas formas de dominação e subordinação, de recorte neocolonial. Exporta-se tecnologia, alargando mercados às multinacionais, aprofundando a acumulação capitalista e acentuando relações de dependência, aumentando a dívida e amputando crescentemente a soberania aos países em desenvolvimento, ignorando a necessidade de incorporação do conhecimento local nas estratégias de adaptação, dificultando assim a sua assimilação e apropriação pelas comunidades locais e não se potenciando a sua capacidade de resposta própria.
4. Os problemas ambientais não se resolverão com “oportunidades de negócio”, “financeirização da natureza” e “lavagem verde”.
A discussão em curso, presente na COP26, aponta para políticas de “redução do risco para o investimento do sector privado” à custa de recursos públicos e “assegurar o desenvolvimento dos mercados”, afirmando ainda que “o sector financeiro ajudará todas as empresas a realinhar os seus modelos de negócio no sentido de “zero emissões líquidas” (Net Zero). Pretende-se financiar “as iniciativas e inovações do sector privado” e transformar “os biliões dedicados ao investimento no clima através dos canais públicos em triliões de investimento total no clima.”
Traçando como linha de trabalho a implementação das infraestruturas de um mercado de carbono, designando a transição para os mecanismos Net Zero como oportunidade comercial da nossa época, vários governos, incluindo o português, têm vindo a apostar nos chamados instrumentos de mercado na área ambiental. As licenças de emissão de CO2 são apelidadas de «instrumento principal», passando por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados no plano da UE e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro nas mãos dos grupos que têm responsabilidades na degradação ambiental.
5. Os graves problemas ambientais que enfrentamos não se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos, à taxação dos comportamentos individuais, a mercados e consumo verdes. Alguns destes instrumentos já demonstraram mesmo ser contraproducentes – nos planos ambiental, social e económico.
Em Portugal, o PCP tem alertado que a chamada “fiscalidade verde”, conceito que sucessivos governos têm implementado, esconde sob o adjectivo “verde” uma inaceitável penalização das camadas laboriosas. O ónus da degradação ambiental passa, deste modo, do modo de produção capitalista e da sua intrínseca insustentabilidade para os indivíduos e para os seus comportamentos. A financeirização do ambiente está presente em vários documentos do Governo: «transformação da Instituição Financeira de Desenvolvimento SA num Banco Verde» e na criação de «produtos financeiros», nas palavras do Governo «atractivos a cidadãos para a aplicação das suas poupanças» e também as Obrigações Verdes (Green Bonds), e também nos documentos da COP26 encontramos elementos semelhantes, tentando afirmar soluções que apontam para uma espécie de “capitalismo popular verde”. A aposta na financeirização do ambiente, que expõe as políticas ambientais e a sociedade aos mecanismos que têm conduzido a bolhas especulativas e a crises financeiras de que têm resultado efeitos nefastos do ponto de vista económico, social e ambiental. E que demonstram que o capitalismo não é verde e, ao contrário do que insinuam, não é popular.
6. Para Portugal, o alinhamento com a abordagem e posicionamentos prevalecentes ao nível da UE comporta custos diversos, alguns deles já visíveis. Por um lado, em nome de uma “transição” – desenquadrada de quaisquer objectivos de desenvolvimento, progresso e justiça social – o País encerra unidades produtivas (que devia modernizar), perde capacidade transformadora, perde riqueza, perde emprego, aumenta a sua dependência, sem que se reduzam as necessidades de consumo e logo, em termos globais, as emissões de GEE. O encerramento de unidades industriais estratégicas, substituindo produção nacional por importações, com perda de milhares de postos de trabalho, acentuando a dependência, comprometendo a soberania, sem qualquer vantagem ambiental, antes pelo contrário, em que as preocupações ambientais, escondem uma estratégia de redução da capacidade produtiva da UE para manter taxas de lucro e favorecer estratégias monopolistas. O País tem também perdido e fragilizado os meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da Natureza. Por outro lado, o País vai marcando passo e atrasando medidas importantes em domínios cruciais, como o da adaptação aos efeitos das alterações climáticas sobre o território nacional. São exemplos, entre outros: o adequado ordenamento da floresta e a prevenção estrutural de incêndios; a conservação e melhoria da fertilidade do solo, controlo da erosão, medidas de retenção de água, orientações incompatíveis com o alargamento descontrolado dos modos de produção intensivo e superintensivo na agricultura; o aumento da eficiência do uso da água; o restauro e conservação de ecossistemas e a promoção da biodiversidade; a prevenção dos efeitos das ondas de calor; a prevenção de pragas, doenças e espécies invasoras; a proteção da orla costeira, a proteção contra inundações; a adaptação dos meios urbanos, nomeadamente com a integração de conceitos de adaptação nas políticas de urbanismo.
É necessária uma viragem na política ambiental. Uma política ambiental visando a preservação do equilíbrio da Natureza e dos seus sistemas ecológicos, que respeite o «princípio da precaução» face a novas ameaças e problemas, contribuindo para prevenir os efeitos das alterações climáticas e a adaptação aos que são inevitáveis, e que garanta a democratização do acesso e usufruto da Natureza, combatendo a mercantilização do ambiente e a sua instrumentalização ideológica.