Hoje em dia são impostas cada vez mais dificuldades aos trabalhadores no acesso ao trabalho com direitos.
Por força da proliferação dos vínculos precários, os trabalhadores são cada vez mais afastados da contratação colectiva, levando ao empobrecimento e à perda efectiva de direitos.
A falta de estabilidade no trabalho traduz-se em falta de estabilidade na vida, promove os baixos salários e os horários desregulados. Seja através de falsos contratos a prazo, falsos recibos verdes, subcontratação através de empresas de trabalho temporário e prestadoras de serviço ou de plataformas digitais. É com a precariedade que o patronato aprofunda a exploração, chantageia e tenta impedir a capacidade reivindicativa e de organização.
O recurso a plataformas informáticas na prestação de trabalho constitui, hoje, um dos novos instrumentos dessa exploração com gravosos impactos sociais à vista, atingindo já cerca de 80 mil trabalhadores.
Como todos sabemos, o capital é insaciável. Para ele o que ontem era bom, hoje já não chega.
Estará a tecnologia a ser utilizada para melhorar as condições de trabalho? Ou, pelo contrário, está a transformar os seres humanos em marionetes do processo tecnológico, cujas escolhas são moldadas por esse mesmo processo, beneficiando quem o impõe, a coberto de uma revolução tecnológica em curso.
Em Portugal existem hoje milhares de trabalhadores que trabalham todos os dias, de segunda a domingo, sem dias de descanso, sem seguro contra acidentes de trabalho, sem salário mínimo garantido, sem férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal. Refiro-me aos trabalhadores que trabalham para as empresas parceiras da Uber, da Glovo, entre outras, entregam refeições e outros produtos em nome daquelas recebendo valores miseráveis que não asseguram uma vida com dignidade, e onde se incluem muitos clandestinos que dormem em locais sem condições mínimas de habitabilidade, sem as mínimas condições de higiene.
Todos estes trabalhadores são exemplo vivo de que a tecnologia está a ser utilizada, não para humanizar e promover melhores condições de trabalho, mas para precarizar, desregular e desumanizar, as relações de trabalho.
Essas plataformas recusam assumir os trabalhadores alegando que a propriedade dos instrumentos de trabalho é pertença dos trabalhadores e não delas.
À primeira vista poder-se-á argumentar que, sendo os telemóveis e os veículos propriedade dos distribuidores (ou, no mínimo, alugados por estes), não há dependência da Plataforma.
Nada mais falso. Telemóveis, bicicletas, trotinetes e motas todos podemos ter uma ou mais em casa. Mas isso não faz de nós distribuidores de comida, ou motorista de viaturas de aluguer! O instrumento fundamental desta relação é a aplicação digital.
Sem ela é que não é de todo possível distribuir aqueles produtos. Ora essa plataforma não é algo oferecido pela natureza, ela foi desenvolvida e é propriedade de um grupo económico que, graças a ela, opera transacções, assegurando as entregas e remunerando os distribuidores pelas mesmas.
As tecnologias digitais são apresentadas como mediador entre o cliente final e aquele que presta o serviço.. E isto é-nos apresentado como algo de absolutamente revolucionário na medida em que o trabalho aparece como algo totalmente livre –cada um trabalha como quer, quanto quer e quando quer.
A relação de trabalho não é apresentada como uma relação de “exploração”, mas apenas como uma relação de “troca”. E tudo isto sem as amarras do período máximo de trabalho semanal, de um salário mínimo, do pagamento de horas extras… Ou seja, em detrimento do direito do trabalho e dos direitos dos trabalhadores.
A tecnologia é positiva, mas se for utilizada para humanizar o trabalho e para libertar e emancipar a humanidade.
Mas lembramos que os trabalhadores de Centros de Contacto já são, em muitos estudos, considerados trabalhadores de plataformas, pois, cada vez mais, fazem-no à distância.
Daí que seja fundamental, em primeiro lugar, enquadrar estes trabalhadores na legislação laboral existente, como trabalhadores por conta de outrém que são. Para além disso, será útil produção de legislação que enquadre, regule e limite este tipo de actividade económica, impedindo a autêntica lei da selva em que hoje se actua.
E é também necessário dar resposta a estas novas exigências no enquadramento e organização destes trabalhadores. A transformação das relações de trabalho não tem de implicar a sua desregulação.
A união europeia tenta travar o conjunto de acções, com o envolvimento crescente dos trabalhadores, que já estão em desenvolvimento em matéria de defesa dos direitos dos trabalhadores de plataformas informáticas.
Em diversos países as empresas de plataformas estão a ser obrigadas reconhecer a existência de contratos de trabalho.
Holanda, Itália, Suíça, Alemanha França, são alguns dos países nos quais os tribunais começaram a aplicar a lei laboral aos trabalhadores de plataformas.
Na Finlândia e na Bélgica, entidades oficiais, dão razão aos trabalhadores.
Em Espanha, na semana passada o Governo reconheceu os trabalhadores das plataformas como trabalhadores por conta de outrem.
A UE tenta travar este movimento, substituindo-se aos Estados na possibilidade de, no quadro da sua soberania e instituições democráticas, regularem esta matéria. O receio da UE é bem claro: é que as grandes corporações que detêm as plataformas tenham de cumprir as leis laborais existentes.
Este receio é tão evidente que as propostas de regulação expressas pela UE deixam de fora o trabalho não declarado e o falso trabalho independente, abrindo assim a porta para a criação de um novo conceito de trabalhador: ao serviço de uma entidade patronal, seguindo as suas regras e cumprindo as suas ordens, mas com muito menos do que um trabalhador normal.
O facto é que pela Europa fora já existem muitos exemplos de mobilização sindical em torno desta matéria. Em Palermo a Glovo foi obrigada a reintegrar como trabalhador um entregador que se tornou activista sindical da CGIL.
Na Dinamarca, Suécia Irlanda, Alemanha, já existem trabalhadores sindicalizados, tendo sido feitas greves nestes 4 países por melhores salários e condições de trabalho.
Em Portugal o STRUP deu já os primeiros passos, sendo agora tempo de se intensificar este movimento, mobilizando mais trabalhadores, sindicalizando, criando estruturas sindicais..
Esta é uma luta de todos os trabalhadores.
É o direito ao trabalho e o trabalho com direitos que estão em causa.