Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"O caso Tecnoforma é um problema político que precisa de todos os esclarecimentos"

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O Secretário-Geral do PCP confrontou hoje o Primeiro Ministro com os diversos elementos que continuam por explicar sobre a situação do caso Tecnoforma. Jerónimo de Sousa afirmou que este caso não é um problema fiscal, é um problema político que precisa de ser esclarecido até às últimas consequências.
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Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro sobre questões de relevância política, económica e social

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Saberá que o nosso combate político e a nossa exigência de demissão deste Governo não se sustentam numa questão fulanizada em meros ataques pessoais.
Nesse sentido, tendo em conta o processo que hoje tem atualidade, sobre os rendimentos do Sr. Primeiro-Ministro, na altura Deputado, queria começar por fazer o reparo de uma incorreção que aqui afirmou e que mereceu o aplauso da bancada do PSD. É que o Sr. Deputado Passos Coelho, na altura, não tinha direito a subvenção vitalícia — era preciso ter os oito anos em funções e 55 anos de idade, o que não era o caso.
Era assim, Sr. Primeiro-Ministro, não persista no erro. De resto, pode consultar a legislação aplicável nessa altura.
Faço, pois, esta correção.
Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que se exige de facto é uma clarificação em relação a este processo e não insista, Sr. Primeiro-Ministro, porque uma excluía a outra: ou recebia a subvenção vitalícia ou recebia o subsídio de reintegração.
Queria dizer-lhe o seguinte: na primeira legislatura, o Sr. Primeiro-Ministro, então Deputado, pediu regime de exclusividade e na segunda legislatura não.
No registo de interesses que nos foi disponibilizado, não refere ter sido membro do Conselho Português para a Cooperação. Conhecemos uma declaração onde a única coisa que está referida são os rendimentos de colaborações jornalísticas onde justifica a exclusividade. Disse aqui que poderia, repito, poderia ter recebido despesas de representação. Por que não as discriminou? Recebeu ou não recebeu? E, se as recebeu, por que não as discriminou como fez em relação às colaborações jornalísticas?
Creio, Sr. Primeiro-Ministro, que a sua afirmação que poderá ter recebido, juntando à questão do «não me lembro», não ajuda nada ao esclarecimento desta matéria e todos nós devemos estar interessados no esclarecimento do apuramento da verdade. Isto não é um problema fiscal, é um problema político que envolve o Primeiro-Ministro e que precisa de esclarecimento.
Precisamos saber se sim ou não, porque, mesmo as despesas de representação, como saberá, têm limites, têm limites! Nós não sabemos se recebeu ou não e, mesmo se recebeu, não sabemos se chegou ou não a esses limites. Este é o apuramento da verdade que está a ser feito e não se trata de vasculhar coisa nenhuma.
Em nome do seu bom nome e também da dignificação da própria política, este esclarecimento deve o Sr. Primeiro-Ministro responder: recebeu ou não dinheiro dessa entidade — que não está no registo de interesses — e quanto recebeu?
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Corrija o erro: leia do artigo 27.º, n.º 5, e o artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 26/95, que faz essa correção e essa alteração, demonstrando que o Sr. Primeiro-Ministro não tinha o direito de receber a subvenção vitalícia, designadamente por esse tal critério dos 55 anos. Vamos ver se o Sr. Ministro Poiares Maduro o ajuda nessa questão, porque de certeza foi ele que o enganou na leitura incorreta da lei em vigor.
Sr. Primeiro-Ministro, eu não duvido que a sua vida seja transparente e não estou a acusá-lo de ser um multimilionário. Por isso mesmo, porque não o é, não acredito que não se lembre e que nem possa precisar se foi capaz de estar a trabalhar três anos para uma instituição sem receber, de borla.
Recebeu despesas de representação? As despesas de representação têm limite!
Depois, na sua declaração de rendimentos, sublinha e salvaguarda a sua colaboração em relação a alguma comunicação social. Se recebeu despesas de representação dessa instituição, por que não o fez também? Isto não é um problema fiscal, é um problema de transparência que a Assembleia da República exige. Esta é a resposta que se exige, Sr. Primeiro-Ministro! Nesse sentido, queria dizer-lhe que se não clarifica isto, a dúvida permanece e eu acho que ninguém ganha com isso.
Sr. Primeiro-Ministro, voltando ao País real, nós dissemos, e continuamos a dizer, que o problema central deste Governo é a política que realiza, tendo em conta o estado desgraçado em que está a deixar o País. Após o início da presente Sessão Legislativa, verificamos a razão que tínhamos em relação a preocupações na área dos serviços públicos, na área da saúde, na área da educação, na área da justiça. Mas, mais uma vez, as bancadas da maioria disseram que não tínhamos razão, que ia ser tudo feito como deve ser.
Qual é a situação, hoje, na saúde, Sr. Primeiro-Ministro? É que já não é só o encerramento de serviços, é a incapacidade de os serviços responderem às necessidades das pessoas, tendo em conta os cortes que os senhores estão a realizar, tendo em conta o aumento das taxas moderadoras, tendo em conta que hoje as famílias já pagam acima da média da União Europeia os custos com a saúde.
Na justiça, o Governo insistiu em aplicar o mapa judiciário e acabou por parar a justiça, prejudicando os profissionais, mas, sobretudo, os cidadãos, que não conseguem exercer os seus direitos. Encerraram tribunais, instalaram os novos em contentores, os processos anteriores a 1 de setembro estão sem tramitação, há advogados, magistrados e funcionários sem acesso informático aos processos, porque os tribunais onde estavam deixaram de existir, mas também não têm acesso aos processos em papel, porque ninguém os consegue encontrar nas pilhas de papéis que estão depositadas um pouco por toda a parte.
Há advogados a enviarem documentos por fax para cinco juízes do mesmo tribunal, porque não sabem qual deles está com o processo nas mãos.
Há julgamentos e ações executivas feitas sem que o juiz ou os advogados tenham, sequer, o requerimento executivo, porque ninguém consegue ter acesso ao processo.
Sr. Primeiro-Ministro, também na educação foi o que foi: erros, irregularidades, ilegalidades. Há milhares de alunos que continuam sem aulas porque faltam professores. Faltam professores do ensino especial, faltam funcionários, faltam psicólogos e demais técnicos; encerraram mais 311 escolas; do 1.º ciclo, há inúmeras escolas que continuam a funcionar em condições precárias, o que é prejudicial ao ensino. É esta a realidade concreta de muitas escolas do País.
Sr. Primeiro-Ministro, a maior acusação que se pode fazer não é qualquer ataque pessoal ou vasculhar a sua vida. A condenação a que deve estar sujeito é à sua demissão, à demissão deste Governo pelo mal que está a fazer aos portugueses e ao País.

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