Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Banqueiros querem prosseguir saque aos recursos nacionais

Banqueiros querem prosseguir saque aos recursos nacionais

Declaração política criticando as opções políticas que conduziram à presente situação do País, um possível pedido de ajuda externa e a posição dos principais bancos portugueses, tendo referido um conjunto de propostas apresentadas no sentido de resolver a questão do financiamento da dívida pública

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Nos últimos dias, o País tem sido bombardeado com declarações das mais diversas origens a propor, a justificar ou até a exigir a entrada do FMI, de forma directa ou através do Fundo Europeu. E aí estão todos os iluminados comentadores, opinantes e economistas do pensamento único a confirmar que tem de ser assim e que não há outra saída.
Claro que nenhum deles fala das consequências para o País e para os portugueses de uma tal decisão.
Ninguém fala da imposição de medidas não só absurdamente anti-sociais como altamente destrutivas da economia nacional e da indispensável criação de emprego.
Dizem até, eufemísticamente, que se trata da «ajuda» do FMI ou do Fundo, quando de ajuda estes
mecanismos nada têm. São antes a imposição de uma situação de dependência económica crescente, que os grandes grupos económicos agradecem, de definhamento da nossa produção, de amputação da nossa soberania. E nem sequer resolve o problema dos juros, como a situação da Grécia e da Irlanda bem demonstram.
Mas cada vez mais portugueses vão percebendo que não pode haver um só caminho, que essa
propaganda ideológica foi o que nos trouxe até aqui, com governos do PS, do PSD e do CDS a deixarem o País cada vez pior e o povo cada vez mais penalizado.
É por isso que reafirmamos que o nosso País precisa de outro governo e precisa de outra política.
Sobre a questão do financiamento, está demonstrado que há outros caminhos e que, havendo vontade política e defesa dos interesses nacionais, a entrada do FMI nada tem de inevitável. Para além da óbvia necessidade de defender na União Europeia uma intervenção decidida no sentido de pôr fim à especulação sobre as dívidas soberanas, existem outras medidas que neste momento se
impõem.
O PCP apresentou ontem um conjunto de propostas para a questão do financiamento da dívida.
Em primeiro lugar, a renegociação imediata da dívida pública portuguesa, que inclua a reavaliação dos prazos, das taxas de juro e também dos montantes a pagar.
Trata-se de um processo que aconteceu noutros momentos da história do nosso e de outros países.
Se o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças passam a vida a dizer que a defesa do financiamento de Portugal é essencial também para a zona euro, então que o nosso País faça valer esse peso e essa influência para esta indispensável renegociação.
Só assim poderemos libertar recursos para apostar no crescimento económico e na criação do desemprego, em vez de os esgotar no pagamento do serviço da dívida.
Em segundo lugar, é preciso intervir de forma concertada junto de outros países que enfrentam problemas similares de dívida — coisa que até agora o nosso Governo não fez — para que exista uma acção convergente que ponha fim à espiral da especulação e exija a revisão do estatuto e dos objectivos do Banco Central Europeu.
Em terceiro lugar, é necessário aprofundar a diversificação das fontes de financiamento, designadamente apostando de forma decisiva na poupança nacional e em relações bilaterais com outros países — e isto quer no plano do financiamento, quer no plano das relações comerciais, hoje profundamente dependentes de alguns países da União Europeia. E mesmo em relação às questões de financiamento de curto prazo é necessário usar todos os meios e recursos nacionais, em vez de alinhar por intervenções externas que não deixariam de trazer pesadas contrapartidas económicas e sociais.
Como é evidente, não há solução para o problema da dívida pública sem a inversão da política económica. Não há solução para a crise financeira do Estado sem o aumento da produção nacional, de forma a criar mais riqueza e mais emprego e reduzir a dependência do País.
Não é com uma política recessiva que se resolve a crise económica, a crise social e a crise financeira — dizem-no até economistas de vários quadrantes, como Paul Krugman, em artigo recente, curiosamente, bastante ignorado pelos economistas do discurso oficial no nosso País. A política da recessão só vai agravar o problema económico, o problema social e o problema do financiamento do nosso País.
Uma palavra ainda para o comportamento nestes últimos dias dos principais banqueiros nacionais.
Com a pesporrência de quem está habituado a mandar nos governantes e a determinar as suas principais opções, decidiram agora que tem de ser pedida ajuda de emergência à União Europeia ou ao FMI, porque, segundo um dos tubarões da banca entrevistados à vez esta semana num
canal de televisão, «os bancos já não se podem sacrificar mais»!
A banca portuguesa, que recebeu milhares de milhões do erário público em financiamento e em avales, que paga taxas baixíssimas de impostos, mesmo com altíssimos lucros, que enche os cofres com as parcerias público-privadas, que são um esbulho a todos os portugueses, que beneficiou das medidas do Governo de ataque aos certificados de aforro, encaixando milhares de milhões nos seus produtos de poupança, que empresta dinheiro ao Estado a 5% ou a 6%, financiando-se a 1% junto do Banco Central Europeu, a banca portuguesa, coitadinha, não pode fazer mais sacrifícios.
Os maiores bancos portugueses decidiram mesmo não emprestar mais dinheiro ao Estado, não ir aos leilões de dívida. Trata-se de uma clara e descarada cartelização, que pelos vistos foi combinada — pasmese! — numa reunião com o Banco de Portugal, precisamente o regulador do sector financeiro. É o descaramento total!
Claro que já todos exigem, banqueiros e outros, que o próximo governo tenha uma maioria parlamentar reforçada. Claro que já todos indicam a PS, PSD e CDS o caminho que têm que seguir. O chamado «governo de salvação nacional», que mais não seria do que um governo de salvação do grande capital e da política de direita que o tem servido ao longo das últimas décadas enquanto o País empobrece.
Nós queremos, o povo português quer, andar para a frente e não quer continuar a andar para trás. E com as mesmas políticas de sempre, continuaremos a andar para trás. Com os mesmos governantes PS, PSD e CDS, não vamos lá, como não fomos estes anos todos.
É por isso que este é o momento de exigir e de construir uma mudança política necessária e indispensável e essa exigência está aí também nas próximas eleições. E é por esta mudança de política, de rumo para o País que o PCP vai continuar lutar.

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