Estimados amigos, caros camaradas,
Este é um seminário sobre transportes públicos.
A diversidade de intervenções a que iremos assistir assegurar-nos-á, assim o esperamos, um olhar amplo sobre a problemática da mobilidade das populações, com um enfoque particular (embora não exclusivo) nas cidades e nas áreas metropolitanas.
Traremos aqui visões oriundas de diferentes países - Bélgica, Chéquia, França e Portugal. No caso de Portugal, além de um olhar sobre a realidade das duas áreas metropolitanas - de Lisboa e do Porto, - contaremos com a perspectiva dos trabalhadores e dos utentes dos transportes públicos.
Os transportes públicos assumem uma importância central e decisiva na definição de políticas de mobilidade sustentáveis, capazes de concretizar o direito das populações à mobilidade, assegurar o transporte de pessoas e de mercadorias, promover o desenvolvimento e a coesão económica, social e territorial, no contexto de uma acentuada melhoria ambiental, que pressuponha uma vincada redução da emissão de gases de efeito de estufa e de outros poluentes com efeitos nocivos na saúde humana e nos ecossistemas.
Será esta centralidade do transporte público devidamente acolhida nas políticas e nas orientações vigentes para o sector dos transportes e da mobilidade, seja ao nível nacional, seja ao nível da União Europeia?
É, no mínimo, duvidoso que assim seja.
Ao nível a União Europeia, a mobilidade entrecruza-se de forma evidente com prioridades que vêm sendo incessantemente proclamadas, como é o caso das ditas transições verde e digital.
Relativamente à primeira, no mínimo, dará que pensar o facto do tão badalado “Pacto Ecológico Europeu” não mencionar uma única vez a expressão “transportes públicos”.
A mobilidade continua a ser tratada predominantemente, ou mesmo exclusivamente (como sucede neste documento), na perspectiva do transporte individual. O que, por si só, denuncia a verdadeira intenção do dito Pacto: o negócio, acima de tudo, nem que seja pintado de verde. Negócio alimentado com vultuosos recursos públicos, para financiar processos de reconversão tecnológica em curso na indústria.
No que toca à dita transição digital, os desenvolvimentos científicos e tecnológicos em curso, neste como noutros domínios, associam-se a processos de crescente colonização de mercados nacionais por multinacionais. Às multinacionais das plataformas digitais, por exemplo, são entregues parcelas crescentes de domínio sobre os sistemas de transportes públicos. Com todas as consequências daí decorrentes, nos planos laboral, social e económico.
Importa ter presente que estas tendências e dinâmicas, de que certamente aqui se falará, se inscrevem num pano de fundo, mais geral, que é o das políticas de sempre da União Europeia para o sector dos transportes.
Políticas que apontaram à mercantilização dos transportes públicos, com a imposição de sucessivos pacotes legislativos que, nos vários modos de transporte, forçaram a liberalização, com a segmentação ou mesmo destruição de grandes empresas públicas, que asseguravam o serviço público de transportes, e a entrega ao capital privado desse serviço, assim feito negócio.
Política que, apontando à criação de um espaço único de transportes, com uma política única associada, desiderato indissociável da concretização do mercado único, criaram o quadro apropriado para favorecer a concentração monopolista à escala europeia - processo em curso, embora inacabado.
A desvalorização do transporte público, a sua progressiva degradação e encarecimento, são consequências desta mesma política.
É este caminho que é urgente reverter.
Apostando no transporte público. Melhorando a sua qualidade e abrangência. Valorizando a intermodalidade. Reduzindo consideravelmente o seu preço, apontando tendencialmente para a sua gratuitidade.
Reduzir a utilização do transporte individual - mais do que isso, pôr em causa o paradigma do transporte individual, apostando no transporte colectivo, no serviço público de transportes - é um imperativo social, ambiental e económico.
Em termos médios, um automóvel europeu típico está estacionado 92% do tempo. Do tempo que está em movimento, 12,5% é passado em filas de trânsito, 20% é passado à procura de estacionamento. Apenas cerca de 62% do tempo que está movimento (ou seja apenas 5% do tempo total) é utilizado nas deslocações propriamente ditas. Em cinco lugares disponíveis, em termos médios, apenas um e meio são ocupados. 86% do combustível do automóvel perde-se, sem que sirva para accionar qualquer movimento do carro, sendo que se gasta muito mais no accionar do movimento do veículo propriamente dito do que dos seus passageiros.
É este cenário insustentável que alguns querem a todo o custo fazer perdurar. É para isso que apontam as estratégias da União Europeia. Um cenário que não se altera de forma substantiva modificando o sistema de propulsão dos veículos, nomeadamente com recurso ao carro eléctrico.
Os impactos desta realidade são visíveis a vários níveis. As cidade e áreas metropolitanas são expressão concentrada de tais impactos.
Nesta iniciativa iremos procurar percorrer alguns dos caminhos da ruptura que se impõe.