Caros camaradas, estimados amigos.
Desde a discussão da criação do Euro, passando pelo processo de adesão e até hoje, muitas foram as iniciativas promovidas pelo PCP, seja no plano nacional seja no plano do Parlamento Europeu, que se debruçaram sobre esta temática.
Passados 30 anos do Tratado de Maastricht e 20 anos da entrada em circulação da moeda única, estão reunidas as condições para se tirarem conclusões, independentes das conjunturas e dos governos, sobre o Euro e o seu impacto para os países, os trabalhadores e os povos. Sem o ruído da propaganda habitual e com o rigor e a seriedade que um tema desta importância exige.
Apesar de a ideia da moeda única anteceder bastante o Tratado de Maastricht, foi com ele que esse objectivo passou a figurar num Tratado da UE.
Importa recordar que este Tratado materializava em si um projeto do grande patronato europeu: um único e vasto mercado alicerçado em quatro liberdades fundamentais: liberdade de circulação de capital, bens, serviços e pessoas, para onde pudessem escoar a sua produção com baixos custos de transação, que lhes permitisse beneficiar da mão-de-obra barata dos Estados-membros com maiores fragilidades e que não obstaculizasse os fluxos de capital entre os países onde as suas multinacionais operavam. Um mercado onde se alargasse o campo de acumulação capitalista, com oportunidades de maiores lucros para o grande patronato, resultantes, também, da institucionalização do neoliberalismo, expressa, entre outros aspetos, nos processos de privatização e na deterioração dos direitos laborais e sociais que se desenrolaram em nome do “controlo da inflação” e da “saúde das contas públicas”. Um mercado apoiado numa moeda única que deixou os países à mercê dos mercados financeiros e das agências de notação financeira; uma moeda única que, retirando aos estados os instrumentos monetário e cambial, impôs o ónus do ajustamento económico sobre o investimento público, os trabalhadores e seus salários, as micro, pequenas e médias empresas, e sobre os direitos sociais.
Foi o Tratado de Maastricht que, no caminho para a moeda única, definiu os famosos critérios de convergência - puramente políticos e sem qualquer fundamento económico, há que dizê-lo! - e que foram responsáveis por uma mudança (institucionalizada) de paradigma do papel do Estado na economia e na sociedade dos Estados-membros, dando gás ao movimento neoliberal na Europa.
Em Portugal, os sucessivos governos, apoiando-se na justificação de que era necessário controlar o défice, a dívida pública e a inflação, aceleraram o processo de privatizações, impuseram o congelamento de salários, pensões e reformas, a degradação dos serviços públicos, o aumento de impostos sobre os trabalhadores e as micro, pequenas e médias empresas. Foi, dizem, “o preço a pagar pela convergência económica europeia”, pelo “pelotão da frente” e pela prometida prosperidade.
Em 2002, começaram a circular as notas e moedas do Euro. Os países perderam a sua moeda para ficarem com uma nova moeda feita à medida da capacidade produtiva e exportadora da Alemanha, e dos interesses e necessidades do capital financeiro e das multinacionais europeias.
O países perderam um banco central que servisse as suas necessidades, perderam a política monetária, financeira e cambial, a autonomia em relação aos mercados financeiros e às agências de notação financeira , perderam o controlo do sistema financeiro.
O Euro fragilizou dramaticamente o aparelho produtivo dos países mais débeis e periféricos. A moeda única expôs ainda mais essas economias ao fenómeno de globalização e de liberalização do comércio internacional que, paralela e velozmente, se desenrolava.
As economias mais débeis e periféricas da Zona Euro não cresceram; a economia estagnou; o seu aparelho produtivo definhou; o desemprego aumentou.
Ano após ano, saíam mais rendimentos e capital desses países. O endividamento público agravou-se e a dependência externa agudizou-se.
A União Económica e Monetária agravou os problemas estruturais da União Europeia. A estagnação económica, a contenção do investimento, a desindustrialização da periferia, a retração da procura, o endividamento público e privado, a instabilidade do sistema financeiro, a profunda e longa crise social.
Entretanto, sob o pretexto da chamada crise das dívidas soberanas, as regras do Euro tornavam-se omnipotentes e omnipresentes. O Tratado de Lisboa e o que se lhe seguiu - o Tratado Orçamental, o Semestre Europeu e a legislação relativa à Governação Económica - davam maior expressão a uma deriva federalista profundamente neoliberal e draconiana. As regras do défice e da dívida endureceram, tornaram-se ainda mais castradoras, sobrevindo??? a ameaça de sanções e a falta de resposta do Estado à dramática situação social que se ia criando. Sem moeda própria, a resposta às situações de crise foi o congelamento e os cortes nos salários, nas pensões e nas reformas, a deterioração das funções sociais do Estado, a precariedade, as privatizações, as Parcerias Público-Privadas e o adiamento de investimento público fulcral para o desenvolvimento do país.
O passado, como se viu durante o período da troika, e o presente, mostram-nos que a moeda única não protegeu nem protege os países da periferia da Zona Euro.
E o futuro não nos parece mais animador!
Nos cenários que a União Europeia e as suas instituições têm desenhado para o seu futuro, recrudescem os planos para uma união política e orçamental, com a expropriação aos Estados de mais soberania, do resto das suas margens de manobra, competências e ferramentas orçamentais, e a transferência de ainda mais poderes para as instâncias supranacionais ao serviço da acumulação monopolista europeia, num processo controlado pelas principais potências. Planos com uma maquilhagem mais ou menos social, mais ou menos ecológica, mais ou menos digital, mas que configuram um quadro de constrangimento absoluto a qualquer projeto de desenvolvimento soberano.
Estimados amigos e camaradas.
Vinte anos passados da entrada em circulação do Euro, a realidade desmente a propaganda e dá razão aos que, como o PCP, previram e preveniram para os impactos da adesão. Portugal perdeu décadas. Quantas mais perderemos?
O Euro não é uma inevitabilidade. Nem para Portugal, nem para nenhum outro país. 20 anos passados, este é o momento de recordar a propaganda e as promessas então feitas e de as confrontar com os impactos reais da adesão. Mas é sobretudo o momento de pensarmos o presente e o futuro.
Portugal precisa de libertar-se dos constrangimentos do Euro. Precisa de uma moeda, ajustada à sua realidade e também às suas potencialidades, que promova o investimento, a modernização do aparelho produtivo, a diversificação do comércio externo, a qualidade dos serviços públicos, a valorização do trabalho, o aumento dos salários e a melhoria das condições de vida da população. Que faculte margens de manobra, que a moeda única e as regras da “governação económica” nos retiram.
É este debate inadiável que hoje aqui propomos fazer. Um debate presente na reflexão conjunta que temos com forças progressistas e de esquerda na Europa, em especial no quadro do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica - a Esquerda no Parlamento Europeu.
É para aprofundar esta reflexão que se torna particularmente útil e valiosa a presença dos nossos ilustres convidados nacionais e internacionais. Aproveito para dar as boas-vindas aos representantes do Partido Comunista da Bohemia e Moravia, da Chéquia, do AKEL, do Chipre, do Partido Comunista Francês e do Independents4Change, da Irlanda.
E queremos daqui agradecer a todos e saudar de forma fraterna pela vossa presença neste seminário.
Que seja uma jornada produtiva para todos!