Resolução Politica do XV Congresso

I. SITUAÇÃO INTERNACIONAL

Num mundo em que as relações económicas e sociais e as suas contradições ganharam novas formas e novas dimensões, a situação internacional caracteriza-se por um quadro de grande instabilidade e incerteza, marcado pela mudança da correlação de forças resultante do desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial e pela ofensiva do imperialismo (liderada pelos Estados Unidos) para restabelecer o seu domínio planetário e impor uma «nova ordem mundial».

O trabalho humano, os avanços científicos e tecnológicos e as grandes conquistas sociais alcançadas no decorrer do século XX (em medida decisiva pelo impulso da luta pelo progresso social e das realizações do socialismo) permitiram um desenvolvimento económico sem precedentes e o acesso de amplas massas a padrões de vida anteriormente desconhecidos. Mas o desenvolvimento do capitalismo neste findar de século está a conduzir a manifestas regressões de carácter social, democrático e cultural que confrontam a humanidade com o perigo de graves retrocessos civilizacionais.Um tal rumo não é porém inevitável.

A resistência e luta dos trabalhadores e dos povos, que se acentua no contexto de uma intensa luta de classes, assumindo formas e reivindicações muito diversificadas, constitui o elemento fundamental para romper caminho à necessária reestruturação progressista da sociedade humana.

A alternativa necessária é a superação revolucionária do capitalismo e, nesse sentido, a intervenção organizada dos comunistas, com os trabalhadores e as massas, mantém o seu papel insubstituível. O socialismo, renovado e enriquecido no seu projecto e soluções pelos ensinamentos extraídos da vastíssima experiência hoje disponível, coloca-se, com reforçada actualidade, como exigência e horizonte da nossa época.

1. Capitalismo na actualidade

A identificação dos traços e características actuais do sistema mundial do capitalismo reveste-se da maior importância para a definição das tarefas que hoje se colocam aos comunistas e a outras forças revolucionárias e progressistas.

Ainda há poucos anos, os ideólogos do imperialismo proclamavam, com a pretensa «morte do comunismo», o triunfo definitivo e universal do capitalismo. É certo que, com o desaparecimento da URSS e do socialismo no Leste da Europa, se abriram novos espaços à expansão do capitalismo. Mas esse facto não resolveu, nem podia resolver, as contradições que o minam. Hoje, não obstante os imensos recursos de que dispõe e a capacidade de recuperação que tem revelado, é patente o agravamento das contradições intrínsecas ao sistema capitalista que evidenciam os seus limites históricos.

A evolução e transformações económicas do capitalismo desde há cerca de duas décadas apresenta alguns traços e características que importa relevar.

A aplicação crescente das novas tecnologias resultantes dos avanços da ciência e da técnica têm permitido, o desenvolvimento das forças produtivas, embora de forma irregular, não generalizada e com consequências contraditórias. Todavia, cada vez mais avulta que as enormes potencialidades abertas com a revolução cientifico-técnica para desenvolver as forças produtivas estão a ser distorcidas e travadas pela lógica das relações de produção capitalista e a sua busca do máximo lucro. A principal força produtiva, os trabalhadores, vem sendo em largas camadas desvalorizada, marginalizada e mesmo destruída. E em vez da possível e necessária aceleração do crescimento do produto, as taxas de crescimento, particularmente nas áreas do capitalismo desenvolvido, mas não só, estagnam ou reduzem-se. Ao mesmo tempo aprofunda-se ainda mais a polarização entre a riqueza e a miséria, tanto à escala mundial como dentro de cada país capitalista. E a Natureza continua a sofrer gravíssimos atentados, fazendo perigar essa condição essencial da vida e do futuro da Humanidade.

A aplicação capitalista das novas tecnologias, permitindo uma imensa acumulação de capital, tem todavia como contrapartida, particularmente nas últimas duas décadas, um aumento em flecha da parte do capital constante relativamente ao capital variável, fonte da criação da mais-valia. Daí decorre o agravamento da tendência para a baixa da taxa de lucro na actividade produtiva e fenómenos de sobre-acumulação de capital. Na busca de mais elevadas taxas de lucro, o capital desloca-se, particularmente nas indústrias de mais baixa tecnologia, para as zonas e países onde a força de trabalho é mais barata e mais desprovida de direitos sociais.

As exigências da investigação, do desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias requerem enormes volumes de recursos, o que, com a acrescida concorrência, tem estimulado ainda mais a concentração e centralização do capital, traduzida em especial por uma vaga crescente de aquisições, fusões e megafusões de empresas. Destruindo rivais, absorvendo ou tornando dependentes outras empresas, reestruturando grandes espaços económicos e sociais, criam-se gigantescos grupos que agem a nível mundial. Ramos inteiros da economia do planeta são dominados por reduzidos grupos de grandes empresas, oligopólios que comandam, partilham e disputam entre si os mercados. Escassas centenas das maiores empresas transnacionais (ETN) lutam para subordinar aos seus interesses o poder e as políticas dos Estados, das estruturas supranacionais regionais em que se integram e das instituições internacionais (FMI, BM, OMC, OCDE e outras).

A crescente internacionalização dos processos produtivos e de toda a actividade económica é causa e consequência da colossal dimensão dessas ETN, das suas exigências de rentabilizar o enorme volume de capital que concentram e de aproveitar, segundo as suas próprias necessidades e interesses, as possibilidades abertas pelas novas tecnologias. O investimento estrangeiro, nas suas várias modalidades, mais que o incremento das trocas comerciais por ele induzido, é o motor essencial da mundialização crescente da vida económica. Essa mundialização adquire uma dimensão global na esfera financeira, com a actual circulação praticamente sem entraves do capital transnacional, especialmente do especulativo, processo facilitado pelos desenvolvimentos da informática e das telecomunicações. A crescente mundialização e mobilidade do capital exige e provoca uma crescente precarização dos estatutos laborais, tanto nos países capitalistas desenvolvidos como nos países dependentes.

As alianças de vário tipo entre grandes ETN não anulam a concorrência entre si, antes são também expressão e instrumento duma brutal guerra económica pelo domínio dos recursos naturais, das tecnologias e dos mercados. Os processos de integração regional, com características e graus diferentes, são comandados pelas respectivas ETN nos três pólos imperialistas mundiais (Tríade): América do Norte, Europa Ocidental, Ásia Oriental, onde assumem papel decisivo, respectivamente, os EUA, a Alemanha e o Japão. Além da concorrência dentro de cada espaço de integração, desenvolve-se intensa concorrência entre os vários pólos daquela Tríade. O papel dominante dos EUA à escala mundial continua em diminuição no plano económico, o que leva a principal potência imperialista a socorrer-se cada vez mais do seu poderio extra-económico (diplomático, militar, ideológico, etc.) para tentar manter e impor a sua hegemonia. A luta por «zonas de influência» entre as várias potências imperialistas acentua-se, assim como a luta pela tomada de posições no interior dos países imperialistas rivais.

O chamado Terceiro Mundo, na sua heterogeneidade, continua globalmente com um nível de desenvolvimento das suas forças produtivas muito inferior ao das zonas do chamado capitalismo desenvolvido e a este subordinado pela teia de relações neocolonialistas. Com excepção de algumas zonas e países, aprofunda-se intoleravelmente o fosso entre o Norte e o Sul. Verifica-se todavia uma crescente diferenciação. Há países e zonas com um rápido crescimento económico, nomeadamente os chamados «novos países industrializados», que se encontram praticamente integrados, embora ainda numa situação de dependência, no modo de produção capitalista, e onde se verificam igualmente incipientes processos de integração regional. Há extensas e populosas zonas e países onde o processo de ampliação do modo de produção capitalista continua a coexistir com fortes situações pré ou para-capitalistas. Outros países e mesmo continentes quase inteiros, como a África subsaariana, são crescentemente marginalizados do desenvolvimento económico e social. A imposição de planos de «ajustamento estrutural», a sobre-exploração da mão-de-obra, o sistema de trocas desiguais, a continuada e agravada sucção da dívida externa, a rapina dos recursos naturais, continuam a ser um fardo insuportável imposto a estes povos pelas potências imperialistas e as suas ETN, com trágicas consequências sociais.

O carácter predador e poluidor da Natureza do actual desenvolvimento económico, assim como consequências por ele induzidas, atenta gravemente contra os equilíbrios ambientais, os recursos naturais, o Homem e toda a biosfera. Um tal tipo de desenvolvimento é ecologicamente insustentável. A feroz competitividade instalada pelo capitalismo, na busca do máximo lucro, não favorece a utilização das potencialidades da ciência e tecnologia e impede a opção por sistemas de produção e consumo de bens e serviços respeitadores do ambiente, dificulta a intervenção em situações de grave risco (lixos nucleares e tóxicos) e não afasta a possibilidade de catástrofes ecológicas. Outra lógica de organização social e outro tipo de desenvolvimento são hoje urgentes para a preservação da Natureza e o presente e o futuro da Humanidade.

Dada a dificuldade de obtenção de uma taxa de lucro satisfatória no sector produtivo, enormes somas de dinheiro são deslocadas para a esfera improdutiva, aplicadas particularmente em actividades rentistas e especulativas, bolsistas, cambiais, imobiliárias e tráficos ilícitos de vária ordem, como o da droga e do armamento. Esta «financeirização» crescente do capital, sendo um dos traços mais relevantes do capitalismo contemporâneo, exerce por sua vez uma punção contínua sobre a mais-valia criada na esfera produtiva. A colossal massa de dinheiro retido e movimentado nas actividades especulativas não só impede o desenvolvimento necessário e possível da esfera produtiva, mas submete-a aos seus próprios interesses de rentabilidade parasitária. Pelo seu volume desmedido, pela tendência a empolar-se cada vez mais, pelo risco aleatório do seu movimento, esse capital fictício financeiro-especulativo faz pairar sobre a economia dos países e do mundo a instabilidade monetária e o perigo de colapsos bolsistas devastadores.

A vaga de privatizações de grandes empresas e serviços públicos, que varre praticamente todos os países capitalistas, desenvolvidos ou dependentes, é determinada pela busca pelo grande capital financeiro de novas fontes de obtenção de mais-valia, apossando-se privadamente, com a ajuda do poder do Estado e quase sempre por um custo ínfimo relativamente ao seu valor real, de uma enorme massa de riqueza acumulada pela sociedade ao longo de gerações e que escapava relativamente à lógica da rentabilidade capitalista. A função social das empresas e dos serviços públicos, de regulação económica e satisfação das necessidades básicas das populações, fica assim posta em causa.

Acentuou-se ainda mais, tanto no plano nacional como no supranacional, a intervenção estatal ao serviço do grande capital. Encapotando-se sob a falaciosa divisa de «Menos Estado», a onda de privatizações, os cortes nos sectores públicos de interesse social, a imposição das políticas ditas de «flexibilização» da legislação laboral, «liberalização» das trocas, «desregulamentação» da esfera financeira, representam efectivamente o uso do poder do Estado para beneficiar os grandes grupos monopolistas em detrimento das mais largas massas das populações.

Políticas fiscais profundamente injustas reduzem os impostos pagos pelo grande capital e os mais ricos e sobrecarregam os trabalhadores e os mais pobres. Tanto as receitas como as despesas do Estado são colocadas ao serviço de políticas que facilitem a maior acumulação por parte do grande capital, que aliás pratica uma maciça evasão e fraude fiscal com a complacência dos Estados, incluindo pelo uso intensivo dos chamados paraísos fiscais. Múltiplas isenções, reduções e perdões fiscais e outros avultados subsídios, directos e indirectos, tal como a assunção pelo Estado de enormes dívidas de empresas falidas, nomeadamente no domínio financeiro, efectuam uma transferência maciça de recursos para o grande capital, reduzindo assim também a capacidade do Estado para assegurar as suas funções sociais e de regulação económica.

O enorme endividamento público a que tais políticas e práticas conduziram tornou-se hoje uma questão crucial para o são desenvolvimento da vida económica e a satisfação das necessidades sociais, colocando os Estados, incluindo os EUA, o maior devedor mundial, como reféns dos seus credores, os grandes potentados financeiros nacionais e internacionais.

O empolamento da esfera de serviços que, excluindo importantes sectores ligados ou imprescindíveis à produção, cada vez menos servem o desenvolvimento da esfera produtiva e interesses sociais relevantes, tornou-se um encargo excessivo para o capital, que também nela utiliza novas tecnologias economizadoras de mão-de-obra. A esfera de serviços tende por isso a não mais poder funcionar como válvula de escape suficiente para absorver os trabalhadores «excedentários» da esfera produtiva.

Acentua-se a contradição entre as possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento científico e técnico e as regressões sociais em curso. A aplicação capitalista das novas tecnologias para aumentar a produtividade e maximizar os lucros tem agravado as condições de vida das massas trabalhadoras. Por um lado, tem feito crescer imparavelmente desde há 20 anos o desemprego, tornado massivo e crónico, verdadeiramente estrutural nos países capitalistas desenvolvidos; por outro lado, tem precarizado cada vez mais o emprego, agravado as condições de trabalho, aumentado a taxa de exploração. Generaliza-se o esforço para forçar a diminuição dos custos do trabalho, directos e indirectos, como forma de rentabilizar o capital. Essa diminuição, para além de resultados relativamente reduzidos dado o peso crescente dos custos não laborais, tem todavia limites objectivos e subjectivos e contraria a premente necessidade de ampliar a procura.

A expansão do modo de produção capitalista nos países ex-socialistas e nos países do chamado Terceiro Mundo faz aumentar a massa dos assalariados sujeitos ao capital. Mas essa expansão tem dimensão reduzida e limites objectivos, não conseguindo anular os graves problemas com que se defronta o capitalismo nos países mais desenvolvidos, dado o peso decisivo destes na economia mundial.

O desemprego adquiriu no mundo capitalista desenvolvido uma dimensão só comparável à da Grande Depressão dos anos trinta. Qualitativamente, ele é porém hoje muito mais grave, porque no quadro do capitalismo actual não está no horizonte nenhum crescimento significativo do investimento gerador de emprego. Actualmente, a aplicação capitalista das novas tecnologias destina-se fundamentalmente a eliminar empregos e aumentar a exploração, opondo-se à diminuição do tempo de trabalho com manutenção ou aumento da sua remuneração.

O desemprego e o subemprego, crescentes e massivos, tal como a baixa relativa e absoluta dos rendimentos de camadas cada vez mais amplas da população e a brutal concentração da riqueza numa escassa oligarquia do capital financeiro, são factores determinantes da ampliação da pauperização e da marginalização social. Estas assumem taxas crescentes inclusivamente nos países capitalistas mais desenvolvidos e atingem, em níveis incapazes de garantir a subsistência humana, mais de um quinto da população do planeta nos países do chamado Terceiro Mundo.

Estes factores, apesar do alargamento do espaço de funcionamento das relações de produção capitalistas, determinam uma relativa contracção do mercado para a realização da mais-valia. Após a longa retoma do crescimento económico nas três primeiras décadas do pós-guerra, em que as crises cíclicas de sobreprodução puderam ser muito atenuadas pela regulação estatal, nos últimos 20 anos verificam-se maiores e novas dificuldades na regulação, com três graves crises em 1974/1976, 1980/1982 e 1990/1993. Nesta última, a fase de depressão foi mais longa e a recuperação mais débil, acumulando-se sinais precursores de nova crise cíclica.

As políticas neoliberais generalizadas nos últimos 20 anos não correspondem a exigências inelutáveis do desenvolvimento económico e social. São sim as políticas do grande capital, especialmente do financeiro, que correspondem aos seus interesses próprios e às dificuldades com que se depara na sua actual fase. Conduzem, não ao progresso social, mas a retrocessos civilizacionais. A orientação antilaboral e antipopular das políticas neoliberais, a regressão social, a degradação da democracia, a deriva cultural obscurantista, o agravamento da militarização, das ingerências e agressividade imperialistas, que decorrem da tentativa de impor uma «nova ordem» do imperialismo neste final do século XX, são incapazes de dar solução aos grandes e graves problemas que a Humanidade enfrenta, agravam as contradições do capitalismo contemporâneo e suscitam o recrudescer da luta dos trabalhadores e dos povos, imprescindível para abrir caminho a uma alternativa progressista.

A evolução económica do capitalismo actual, as oligarquias financeiras e os governos que impõem as suas políticas neoliberais são os responsáveis pela regressão social que nas últimas décadas, apesar da melhoria de vários índices, caracteriza a vida de grande parte da Humanidade, gerando um contraste cada vez mais desumano entre a prosperidade, a opulência, o consumismo esbanjador de uma minoria de privilegiados, que para si mesmos instalam o paraíso na terra, e a degradada situação de centenas de milhões de seres humanos, para quem a terra se tornou um inferno.

Desde logo e decisivamente, aprofundando a polarização entre ricos e pobres.Nos últimos 30 anos, o quinto da população do planeta que vive nos mais pobres dos países viu a sua parte do rendimento mundial diminuir de 2,3% para 1,4%, enquanto que o quinto que vive nos mais ricos países aumentou a sua parte de 70% para 85%. O fosso, que era de 1/30, passou para 1/61. Os 358 multimilionários mais ricos do mundo possuem hoje uma fortuna que iguala os rendimentos anuais de 45% da população do mundo, cerca de 2300 milhões de pessoas.

É por isso que no mundo dito «em desenvolvimento» mais de 1300 milhões de seres humanos vivem na pobreza, 800 milhões passam fome, 500 milhões sofrem de subalimentação crónica, um terço das crianças lutam por sobreviver à carência alimentar, e a mortalidade infantil é aí ainda 6 vezes maior do que nos países industrializados.

Não é só entre o «Norte» rico e o «Sul» pobre que tais disparidades e chagas se manifestam. Elas verificam-se também dentro de alguns dos maiores países do «Sul», como o Brasil entre outros, onde cliques privilegiadas comparticipam na exploração desenfreada dos seus povos. E verificam-se nos países capitalistas mais desenvolvidos: nos países ricos da OCDE, mais de 100 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza. Na União Europeia há hoje cerca de 55 milhões de pobres. Na Grã-Bretanha, entre 1979 e 1993, o rendimento real dos pobres caiu quase 20%, enquanto os mais ricos ganharam mais 61%, triplicando o número de mendigos desde o começo da era Thatcher. Nos EUA, o 1% dos mais ricos aumentou o seu património de 1975 para 1990, com as governações de Reagan e Bush, de 20% para 36% da riqueza nacional total.

São os trabalhadores que pelo seu trabalho socialmente produtivo criam riquezas. E é sobre eles que recai directamente a exploração capitalista, insaciável na apropriação privada da nova riqueza criada.

Novas formas de exploração conjugam-se com o recurso às velhas formas: com o regresso em força do trabalho infantil, o alastrar do trabalho ao domicílio, à peça e sazonal, a aceleração dos ritmos de trabalho, o alargamento dos horários laborais, o recurso, em manchas vergonhosas, ao próprio trabalho escravo.

Trabalho e emprego, indissociáveis do direito a uma vida humana e criativa, são intoleravelmente precarizados, assim precarizando a própria existência dos trabalhadores e suas famílias: trabalho sem direitos, empregos sem vínculos laborais, a tempo parcial ou desmedidamente prolongado, com «flexibilidade» e «polivalência» ao sabor das conveniências do capital, com desprezo pelas normas de segurança no trabalho, e com o desmantelamento progressivo dos sistemas de segurança social que ameaça o seu presente e compromete o seu futuro. Proliferam o trabalho clandestino, os empregos desqualificados, as ocupações serviçais.

O desemprego e o subemprego, massivos e crónicos, atingem segundo a OIT mais de 820 milhões de trabalhadores (120 milhões de desempregados totais registados, 700 milhões de trabalhadores a ganharem tão pouco que nem conseguem garantir níveis vitais mínimos). Na União Europeia, os desempregados totais já rondam os 20 milhões. Nos países da OCDE, o desemprego oficialmente registado sobe imparavelmente, de cerca de 10 milhões em 1970, para mais de 35 milhões em 1995.

Os direitos laborais são alvo de constantes atentados e restrições. O direito à greve é coarctado ou mesmo impedido. A organização e a actividade sindicais são perseguidas e dirigentes e activistas sindicais alvo de discriminação, repressão, e até de assassinatos.Uma prolongada e violenta ofensiva contra os trabalhadores e os seus mais elementares direitos, a compressão do nível salarial real da maioria dos trabalhadores, a desvalorização do trabalho — são uma vertente essencial da política anti-social do neoliberalismo dominante nas últimas décadas.

Direitos sociais fundamentais — à saúde, à habitação, à educação, a uma reforma justa na velhice — são golpeados e sujeitos, com a destruição dos sistemas e serviços públicos, à ganância do lucro privado. Deterioram-se as condições de vida das mulheres, o futuro das crianças é comprometido, jovens, idosos, camponeses, massas de marginalizados, são abandonados à sua sorte.

As condições sanitárias e os serviços de saúde deterioram-se em muitos países, com dramáticas consequências. Mais de 1000 milhões de seres humanos não têm acesso aos cuidados básicos de saúde e à educação, não têm sequer água potável para beber. Cada ano mais de 17 milhões de pessoas, na maioria crianças, morrem de doenças infecciosas e parasitárias, hoje facilmente curáveis — enquanto a indústria farmacêutica, uma das mais rentáveis e poderosas, arrecada lucros fabulosos.

Enquanto a desertificação flagela 200 milhões de pessoas, prossegue a desflorestação nomeadamente para que avance a grande propriedade capitalista nos campos. A migração rural para as cidades cria anarquicamente gigantescas megacidades desprovidas de condições mínimas de vida, crescendo como venenosos cogumelos os bairros da lata, as favelas, os subúrbios clandestinos, verdadeiros ghettos para onde são amontoados os marginalizados do sistema. A falta de habitação minimamente condigna penaliza mais de 1000 milhões de pessoas no mundo — enquanto a especulação imobiliária prospera como um cancro.

As mulheres, que pela sua luta têm conquistado importantes progressos sociais, continuam a sofrer vexames sexistas e a ser massivamente discriminadas em todos os domínios. São elas que suportam um peso desproporcionado das lides domésticas. A prostituição continua a alastrar e o seu tráfico é objecto de imensos lucros para poderosas mafias.

As crianças, particularmente das famílias mais carenciadas, são as mais vulneráveis e indefesas vítimas da pobreza, da fome, da doença, da violência, da nefanda exploração laboral e sexual.

Mais de 500 milhões de deficientes no mundo lutam para sobreviver, contra os obstáculos que se levantam à sua recuperação e à realização das suas capacidades.

O narcotráfico, um dos maiores negócios mundiais, continua a aumentar e a vitimar centenas de milhões de seres humanos, gangrenando a sua saúde física e psíquica. Os gastos com o consumo de drogas ultrapassam os rendimentos (PIB) combinados de 80 países ditos «em desenvolvimento».

As despesas militares igualam o rendimento de quase metade da população do mundo.

A criminalidade, que entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80 cresceu no mundo a uma taxa de 5% ao ano, instala-se nas mais altas esferas e corrompe todo o corpo social, espalhando a insegurança e o medo nas populações.

A situação de regressão social que hoje flagela grande parte da Humanidade é um trágico libelo acusatório da bárbara lógica que preside ao funcionamento do sistema capitalista contemporâneo.

A regressão democrática, com a degradação da democracia política e os ataques a liberdades fundamentais, constitui uma inquietante expressão da ofensiva exploradora do grande capital.

O sistema capitalista desde muito cedo mostrou a sua incapacidade para responder às aspirações da esmagadora maioria dos cidadãos, desde logo por se fundar na exploração de classe.

Graças à luta dos trabalhadores e dos povos e à influência dos ideais e das realizações do socialismo foi possível, particularmente após a derrota do nazi-fascismo, alcançar importantes avanços no plano social e político, traduzidos num importante património de direitos humanos. Na actualidade, com o desaparecimento do socialismo como sistema mundial, o enfraquecimento das forças progressistas e o desenvolvimento do poder dos monopólios, as forças do capital sentem-se de mãos mais livres para desenvolver e acentuar uma poderosa ofensiva que visa limitar a participação dos povos e dos cidadãos na vida política.

Nos países capitalistas mais desenvolvidos, o aprofundamento da fusão do poder económico do capital financeiro com o poder político acentua o carácter antidemocrático do capitalismo monopolista de Estado. As limitações ao carácter representativo dos organismos eleitos (violações da proporcionalidade, barreiras percentuais, falsificação dos recenseamentos, altos níveis de abstenção, etc.), as políticas antipopulares, a corrupção e a mediatização da vida política (que substitui o debate de ideias pelo espectáculo) afastam os cidadãos da intervenção cívica, transformando-os em espectadores. Enormes taxas de não inscrição nos cadernos de recenseamento e de abstenção eleitoral, como nos EUA, demonstram este afastamento dos cidadãos da vida política. O «multipartidarismo» reduz-se a um sistema partidário que perpetua no poder, em alternância, partidos apenas formalmente diferentes, já que realizam no essencial as mesmas políticas. São artifícios destinados a dificultar a eleição de comunistas e outras forças progressistas e a facilitar a eleição dos que servem ou não se opõem aos intentos do grande capital. Esta tendência é agravada com a degradação dos padrões culturais e a diminuição da capacidade de crítica das populações, a militarização dos Estados com intervenções limitativas das liberdades, a manipulação do quotidiano e das consultas populares. À reacção popular às políticas de direita, as classes dominantes respondem com a centralização do Estado e acentuam o seu carácter autoritário, intervindo no desrespeito da vontade democraticamente expressa quando esta não coincide com os seus interesses vitais. Decisões para o futuro de cada país são transferidas para instâncias supranacionais, não eleitas, que escapam ao controlo popular.

À medida que regride a democracia baseada na participação e no voto populares vão-se consolidando poderes de facto como o de igrejas e seitas religiosas, de maçonarias, de fundações e instituições de financiamento oculto, e de outros grupos de pressão. Também as mafias organizadas, os cartéis de droga, com o peso que hoje têm sobre a economia e a sua ligação às instituições financeiras, constituem já em alguns casos verdadeiros governos paralelos, muitos deles secretos mas reais, em estreita articulação com forças armadas e militarizadas e com os governos, constituídos a partir de eleições mas cada vez mais serventuários e virtuais.

No mundo capitalista, o apelo aos direitos humanos por parte dos seus dirigentes revela-se, cada vez mais, um exercício de hipócrita demagogia, a começar pelos Estados Unidos, onde se registam graves violações de direitos humanos fundamentais.

O sistema capitalista não dá resposta aos problemas sociais, mas acentua a componente coercivo-repressiva do Estado, reforçam-se aparelhos policiais estatais e privados, realizam-se agressões imperialistas, intensifica-se a repressão política às forças progressistas e aos sindicatos, impõem-se mais condicionalismos à liberdade de circulação de pessoas e ao direito de asilo, pratica-se o uso abusivo de meios informáticos, sistemas de escuta e vigilância electrónica, e bases de dados para devassa da vida privada e o controlo do legítimo exercício da cidadania, nomeadamente a participação em organizações sociais e políticas por parte dos serviços secretos.

A crise económica, os processos de expansão das grandes potências e das multinacionais associados à integração económica, as imposições dos preços de matérias-primas e de «ajustamentos estruturais» das economias, o peso das dívidas e a supranacionalidade, têm estado na origem de reacções de afirmação nacional progressistas mas também de visões retrógradas do mundo como é o caso do nacionalismo reaccionário, do racismo e do fundamentalismo que atinge todas as grandes religiões. Alimentado pela política de opressão e exploração imperialista, facilitado pela falência das políticas neoliberais conduzidas pelas burguesias saídas dos processos de libertação nacional e instrumentalizado contra as forças progressistas, em vários países o fundamentalismo islâmico tem aberto o caminho a «guerras santas» e à instauração de estados teocráticos que espezinham as liberdades e direitos humanos fundamentais.

As políticas neoliberais, agravando intoleravelmente a situação social, têm aberto o caminho à ascensão de forças fascistas, racistas, xenófobas. As classes dominantes, ao mesmo tempo que silenciam a actividade da oposição de esquerda, favorecem a visibilidade política dessas forças, apostando nelas como beneficiárias do inevitável descontentamento popular e como instrumento de contenção das forças progressistas.

Apoiadas frequentemente por grandes potências que exploram sentimentos negativos para alargarem a sua influência, essas forças estão na origem de violências, de um crescente número de crimes contra trabalhadores estrangeiros e de «purificações» étnicas em algumas regiões.

A manifesta regressão cultural a que hoje assistimos constitui um dos traços particularmente negativos do desenvolvimento do capitalismo na actualidade.

Os dogmas do neoliberalismo, da «globalização» e da «economia de mercado», absolutizam fragmentos da realidade objectiva, num processo de manipulação e falseamento obscurantistas, constituindo um suporte ideológico, uma expressão actual e um instrumento, no plano cultural, da dominação socioeconómica do capitalismo e da expansão transnacional do poder monopolista.

Os mercados são transfigurados em entidades impessoais que, qual «mão invisível», assegurariam automaticamente o equilíbrio da vida económica e social.

Propagandeiam-se as pretensas virtudes estimulantes das desigualdades sociais e da concentração e centralização do capital e da riqueza. Promove-se a idolatria da competição, fomenta-se a agressividade e o egoísmo. Erige-se a competitividade como factor essencial do desenvolvimento económico e social. Promove-se a mercantilização de todos os valores e formas da actividade humana. Proclama-se a exploração capitalista como fazendo parte da ordem natural das coisas. As classes sociais e a luta de classes, o seu papel na evolução da sociedade, são negados e escamoteados.

Apresentando-se como defensores da supremacia do indivíduo sobre a sociedade, os ideólogos do capitalismo procuram destruir os progressos alcançados, designadamente com a luta pelo socialismo, no sentido de criar formas superiores de sociabilização e cooperação humanas.

O Estado e as suas funções, no plano nacional e internacional, são outro alvo dessa ofensiva. Proclama-se a «falência do Estado Providência» e propagandeia-se o «Estado mínimo» com o objectivo central de amputá-lo das funções sociais que as conquistas democráticas do último século lhe atribuíram. Mas são reforçadas as suas funções repressivas, para fazer frente à agudização dos conflitos provocados pela polarização social, bem como a sua intervenção no plano económico, ao serviço do grande capital.

Simultaneamente, a esfera da vida política é reduzida, com o argumento de que as decisões sobre as grandes questões estão relacionadas apenas com opções de natureza técnica. Daí derivaria um suposto natural consenso político geral que, a par do esvaziamento da política da sua dimensão de representação dos diferentes interesses sociais, favorece a possibilidade de rotação dos executantes de uma mesma orientação dominante, restringe o leque de escolhas possíveis e incrementa, a partir dos próprios órgãos de poder, a perda de referências éticas e potencia fenómenos de corrupção.

Ao mesmo tempo, as teorias da supranacionalidade pretendem apresentar como ultrapassadas e esgotadas a realidade das nações e as funções da soberania nacional. A pretexto da adaptação ao processo da «mundialização» advogam a sua transferência para estruturas supranacionais, dando cobertura à liquidação dos aparelhos produtivos nacionais. Neste processo, o apagamento e esmagamento das culturas e identidades nacionais têm também o seu papel, designadamente através da colonização cultural e da subordinação às leis do mercado mundial que lhes são impostas.

Outra frente da ofensiva obscurantista do grande capital consiste na reescrita falsificadora da História mais recente.

Com isso pretende-se desvirtuar os mais importantes acontecimentos deste século.

Apagar o papel que nele tiveram a partir da revolução russa de 1917 as revoluções socialistas e o empreendimento da construção de uma nova sociedade libertada da exploração capitalista. Ignorar o papel da luta dos trabalhadores e dos povos pela sua emancipação social e nacional, pelo socialismo, pela democracia e pelo alargamento do conceito de direitos humanos, desvalorizar as lutas contra o colonialismo, o fascismo e o imperialismo. Varrer da memória dos povos os factos, acontecimentos, experiências, lições e vitórias que confirmam a viabilidade e as perspectivas da sua luta por uma sociedade melhor, mais justa, liberta da exploração capitalista.

A elaboração e propaganda de um «pensamento único», como fecho de abóbada de conceitos vagos e vazios, como os de «aldeia global», «fim da história» e «fim das ideologias», pretende impor com carácter universal e absoluto os catecismos e fórmulas neoliberais numa tentativa para excluir, desqualificar e negar as alternativas de desenvolvimento social, apresentando-as como ameaças subversivas ou utopias irracionais e sem validade.

No assalto geral à democracia, aos direitos humanos e ao desenvolvimento social e cultural, cabe um papel essencial aos principais meios de comunicação social de massas, cuja propriedade está cada vez mais concentrada nas mãos do grande capital, tanto no âmbito nacional como internacional.

Utilizando de forma perversa as tecnologias e meios mais sofisticados, estabelece-se um férreo silenciamento ou falseamento de tudo o que põe em causa as estruturas políticas e económicas do capitalismo, procura-se condicionar comportamentos sociais e manipular valores, negando à cultura a sua função social e de instrumento do progresso e impondo uma subcultura alienada e alienante, que fomenta a passividade, desenraíza o indivíduo da sua condição social e actua como factor de obscurantismo sobre as mensalidades.

Ao mesmo tempo assiste-se à sistemática difusão de linhas de propaganda que espalham a confusão, a angústia e o medo, promove-se a banalização da violência, alimentam-se superstições e difundem-se visões catastrofistas sobre o futuro da humanidade, criando e generalizando estados de espírito que são caldo de cultura para o alastramento dos integrismos, dos racismos, da xenofobia e das forças de cariz fascista, e para a redução das liberdades democráticas.

O desenvolvimento do militarismo e a intensificação das ingerências e agressões do imperialismo correspondem ao propósito de consolidar, reforçar e alargar a todo o mundo o domínio do sistema capitalista e, particularmente, das maiores potências imperialistas.

O militarismo, o desenvolvimento do complexo militar industrial, as alianças e blocos militares agressivos, a corrida aos armamentos, as intervenções e guerras de agressão, foram durante décadas justificadas com a «ameaça soviética». Mas o desaparecimento da URSS, a dissolução do Tratado de Varsóvia, o chamado «fim da guerra-fria» não conduziram a um mundo mais pacífico e seguro. A instabilidade da situação internacional, a persistência e eclosão de novos focos de tensão, as ingerências e agressões militares, a continuação da corrida aos armamentos com a produção de armas cada vez mais sofisticadas, aí estão para o demonstrar. Com o brutal desequilíbrio de correlação de forças operado no plano internacional, a agressividade e as tendências militaristas inerentes ao imperialismo manifestam-se de forma mais aberta e perigosa.

Neste sentido são de salientar:

— A arrogante pretensão e as iniciativas dos EUA para assumir o papel de polícia do mundo;

— o reforço da NATO, hegemonizada pelos EUA, com a reformulação de estratégias e doutrinas e o alargamento da sua esfera de influência política, área de intervenção militar e os esforços para agregar novos membros;

— a militarização da União Europeia, num processo não isento de contradições com a sua transformação num bloco político-militar, em que a UEO, articulada ou mesmo integrada nas estruturas da UE, se transformaria simultaneamente em «braço armado» da UE e no «pilar europeu» da NATO;

— a criação na Europa de sistemas de forças de carácter multinacional pela integração de unidades militares de diversos países, incluindo Portugal, como a Euroforce, a Euromarforce e a Força Anfíbia;

— as profundas transformações nas Forças Armadas, nomeadamente com a criação de exércitos profissionais de carácter ofensivo e a abolição do Serviço Militar Obrigatório;

— a militarização da Alemanha e do Japão e a eliminação dos obstáculos constitucionais à intervenção de forças militares destes países fora do seu território;

— o processo de reintegração das forças armadas da França na estrutura militar da NATO e a acentuação do carácter intervencionista deste país (nomeadamente em África), assim como o processo de assunção da Espanha como membro pleno da NATO;

— o pôr em causa do tradicional estatuto de neutralidade e não alinhamento de vários países, nomeadamente da Europa (Áustria, Suécia, Finlândia), pressionados a inserir-se na dinâmica da política de blocos;

— a recusa dos EUA e outras potências capitalistas de liquidar as armas nucleares a par da corrida ao seu aperfeiçoamento, da persistência na teoria da «dissuasão nuclear» e da pretensão de se assegurar do seu monopólio.

O militarismo confirma-se assim como uma tendência e uma característica intrínseca do imperialismo que encerra enormes perigos para a paz, a independência e soberania dos povos e para o próprio futuro da Humanidade. Ele significa também a dilapidação de colossais recursos materiais e humanos que poderiam e deveriam ser consagrados à promoção do nível de vida dos povos e a programas de cooperação para o desenvolvimento, esse sim, factor decisivo da segurança internacional.

Na sua política agressiva os EUA e outras potências imperialistas utilizam como pretexto o que designam por «novas ameaças», usam como capa o combate ao «terrorismo», ao tráfico de droga e a outras formas de crime organizado (em que aliás participam também); invocam cinicamente a salvaguarda dos «direitos humanos», o pretenso «direito de ingerência humanitária», a «imposição da paz».

Na realidade procuram assenhorear-se de posições económicas e estratégicas, abater resistências à sua política imperial, cortar o passo a processos nacional-libertadores, progressistas e revolucionários, impor regimes subservientes, enfraquecer a soberania de Estados, abrir caminho à desenfreada exploração das transnacionais.

Neste caminho exacerbam conflitos étnicos, religiosos e fronteiriços fomentando guerras de extermínio, alimentam as forças mais reaccionárias e obscurantistas, apoiam ditaduras repressivas e sanguinárias, massacram populações civis e provocam massivos êxodos de populações, tornam reféns pela fome povos inteiros, praticam em numerosos casos uma autêntica política de terrorismo de estado.

A invasão pelos EUA da Somália e a sua intervenção no Haiti, a intervenção francesa no Ruanda e noutros países africanos, a ingerência imperialista nos Balcãs, com intervenção directa da NATO e a imposição da «pax americana» de Dayton, o bloqueio norte-americano a Cuba, os crimes de Israel na Palestina e no Líbano, o genocídio do povo curdo, a ocupação de Timor-Leste pela Indonésia e do Sahara-Ocidental por Marrocos, o morticínio no Afeganistão, o bloqueio ao povo iraquiano e os bombardeamentos dos EUA no Iraque, as provocações à Líbia, o drama do povo de Angola, as pressões e ameaças militares sobre a RPD da Coreia, o perigoso reacender das ambições de Taiwan — são exemplos flagrantes da política agressiva do imperialismo e seus instrumentos e aliados no plano regional. Continuam sem solução perigosas situações como na Irlanda do Norte e em Chipre.

A multiplicação dos focos de tensão e de guerra assim como o alastramento de situações de catástrofe económica, social, demográfica e ecológica são, no essencial, consequência do sistema de exploração e opressão capitalista.

É uma situação insustentável que conduzirá inevitavelmente a grandes explosões de descontentamento e protesto popular cujo carácter, anti-imperialista e democrático, ou reaccionário e mesmo fascizante, dependerá da capacidade dos comunistas e outras forças patrióticas e progressistas para encabeçar a luta.

Perante uma tal perspectiva, o imperialismo actua basicamente em duas direcções. Por um lado, acentuando a perseguição das forças progressistas e revolucionárias e procurando que sejam os sectores mais reaccionários e obscurantistas a capitalizar o descontentamento popular. Por outro lado, desenvolvendo instrumentos internacionais e supranacionais de concertação e intervenção — económicos, políticos, ideológicos, militares — visando assegurar o domínio planetário incontestado do grande capital e impor ao mundo uma «nova ordem» totalitária contra os trabalhadores e contra os povos.

Os mecanismos da «nova ordem» imperialista estão a ser criados a nível dos Estados, dos espaços de integração e no plano mundial.

Através de uma densa rede de relações politico-diplomáticas, em que pontifica o G-7, as grandes potências procuram concertar as respectivas posições sobre as grandes questões da situação internacional e definir uma estratégia planetária comum. A associação formal e subalterna da Rússia insere-se na tentativa de enquadrar qualquer evolução e neutralizar a sua resistência.

A OCDE, o FMI e o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio traçam as grandes orientações da política económica, financeira e comercial que convêm às grandes potências e às multinacionais, definem as linhas de ataque às conquistas sociais e aos direitos dos trabalhadores, zelam pelo seu cumprimento.

A NATO, principal aliança militar do imperialismo, intervém como um braço armado da «nova ordem». Em lugar de caminhar para a desactivação da sua estrutura militar e dissolução, reestrutura-se, reforça-se, alarga a sua área de influência com a associação de novos países, amplia a sua área de intervenção militar. Define novos «inimigos» e «ameaças» e dota-se de novos conceitos estratégicos de carácter abertamente ofensivo.

Cria dispositivos militares, forças operacionais, armamento sofisticado com o objectivo de intervir onde os EUA e seus aliados considerem os seus interesses ameaçados, nomeadamente nos conflitos de «baixa intensidade» e na repressão de revoltas populares e revoluções.

A expansão da NATO para o Leste da Europa e Mediterrâneo, assim como a activação da UEO, concebida como «pilar europeu» da NATO, e a criação das Forças Combinadas Conjuntas, significam um enorme reforço do papel desta aliança militar agressiva. Os bombardeamentos e a intervenção militar na Bósnia conduzidos pelos EUA representam um precedente gravíssimo.

Simultaneamente, as perspectivas abertas pela Acta Final de Helsínquia e a criação da Organização de Segurança e Cooperação Europeia foram bloqueadas ou distorcidas no seu original objectivo de respeito pela soberania dos Estados, de cooperação mutuamente vantajosa e de segurança colectiva no continente.

A ONU, em vez de se orientar no sentido de promover a solução pacífica dos conflitos, o desarmamento, o desenvolvimento e a cooperação internacional, tende a tornar-se num instrumento da política hegemónica dos EUA e seus aliados.

O FMI-BM, a OMC, a NATO, uma ONU instrumentalizada pelos EUA e outras grandes potências imperialistas, constituem os grandes pilares da «nova ordem» cuja estruturação abarca entretanto muitos outros aspectos como: a revisão de princípios consagrados do direito internacional; o recurso a «Tribunais» especiais, orientados por critérios políticos; o aperfeiçoamento dos Serviços Secretos e a sua estreita cooperação e a criação de serviços de informação supranacionais; o controlo das tecnologias da informação e o domínio da comunicação social, utilizada massivamente como instrumento de desinformação e manipulação das massas; a criação de sofisticados instrumentos de neutralização, recuperação e integração no sistema de organizações e movimentos sociais; a criação de organizações ditas «humanitárias» destinadas a almofadar as devastadoras consequências das políticas neoliberais e das agressões imperialistas.

A necessária cooperação internacional entre povos e Estados soberanos e iguais em direitos está a ser aceleradamente substituída por orientações e decisões supranacionais impostas pelas grandes potências imperialistas através da formação de um complexo sistema de organizações e instituições, cada vez mais articulado e centralizado. Sendo um processo em evolução constitui já em muitos aspectos uma realidade. A sua consolidação criaria um obstáculo qualitativamente novo, em termos de poder, ao processo de libertação dos trabalhadores e dos povos.

O reforço das estruturas (formais e informais, públicas e privadas) internacionais e supranacionais do imperialismo visa concertar uma estratégia planetária comum nos planos económico, político, militar, e ideológico, e é impulsionado pelo processo de mundialização do capital e a necessidade de regulação monopolista transnacional.

É um processo que põe em evidência a solidariedade de classe do grande capital mas que não anula nem domestica as contradições no campo imperialista. Pelo contrário, as rivalidades, conflitos e contradições entre as grandes potências e os grandes pólos do imperialismo não se atenuaram e mostram mesmo tendência para se avolumar e exacerbar.

Para isso concorrem: o desenvolvimento desigual do capitalismo, com as brutais pressões dos EUA para impor a sua hegemonia no plano mundial e assegurar a todo o custo a supremacia no próprio campo imperialista; a formação de grandes espaços de integração económica e livre comércio com a agudização da luta por matérias-primas (nomeadamente petróleo), mercados, esferas de influência, posições de importância geo-estratégica; uma nova partilha imperialista do mundo no quadro do que os próprios designam de «preenchimento do vazio estratégico» criado pelo desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial.

É assim que em relação à Europa de Leste, aos Balcãs, ao Médio Oriente, à Ásia, à África e à própria América Latina, são múltiplas as áreas de conflitualidade relevante entre grandes potências, envolvendo com frequência, por «procuração» ou não, outros países com aspirações a potências regionais.

A pretensão dos EUA de impor a sua hegemonia planetária choca crescentemente com o expansionismo da «grande Alemanha» (particularmente em direcção ao Leste da Europa e aos Balcãs), da França (nomeadamente em África), do Japão (especialmente na Ásia). A influência no Médio Oriente e região do Mediterrâneo está a ser palco de séria disputa, nomeadamente entre os EUA e as grandes potências da União Europeia.

A guerra económica entre os três grandes pólos do imperialismo — EUA, União Europeia/Alemanha e Japão — marcada por arrogantes imposições unilaterais dos EUA, tende a agudizar-se. Não pode ser subestimado o perigo de que a guerra económica, agudizando confrontos políticos, possa resvalar, por vias diversas, para a disputa militar.

Como afirmámos no nosso XIV Congresso, com o desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial, o mundo ficou mais perigosamente exposto à dinâmica das contradições inter-imperialistas e aos impulsos expansionistas da natureza exploradora, opressora e agressiva do imperialismo.

O processo de subversão de princípios e normas básicas das relações entre povos e Estados soberanos e de reestruturação reaccionária do sistema de relações internacionais não está consolidado nem concluído. A instauração da «nova ordem» imperialista confronta-se com a resistência e a luta dos povos e com as rivalidades no próprio campo imperialista.

Apesar da poderosa ofensiva dos ideólogos e propagandistas do «pensamento único» e de ilusões acerca de um «governo» mundial e outras formas de regulação supranacional «global», assiste-se a uma crescente tomada de consciência quanto às nefastas consequências das políticas ditadas pelas organizações dominadas e instrumentalizadas pelo imperialismo, em particular pelos EUA. Não obstante as debilidades que ainda se verificam, as acções de denúncia e protesto perante a política exploradora, opressora e agressiva do imperialismo têm-se multiplicado, ganho crescente expressão de massas e dimensão internacional.

À «nova ordem» imperialista os comunistas e outras forças democráticas e progressistas contrapõem a luta por uma nova ordem económica e política internacional assente na cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos e orientada pelos valores da paz, da democracia, do progresso social e da amizade entre os povos. Uma nova ordem empenhada na abolição das armas nucleares e no desarmamento geral; no combate ao racismo e à xenofobia, ao populismo neofascista, ao nacionalismo agressivo e ao fanatismo religioso; na ajuda efectiva aos países subdesenvolvidos, na eliminação do desemprego, da miséria, da fome, da doença, da toxicodependência, do analfabetismo e outros flagelos da humanidade; na difusão da cultura e de uma informação objectiva; na preservação dos recursos naturais e defesa do ambiente. Uma nova ordem que respeite e assegure o direito de cada povo à livre escolha do seu próprio caminho.

As forças que se opõem ou são susceptíveis de opor-se às orientações e aos mecanismos da «nova ordem» imperialista são muito amplas e diversificadas. É na sua luta que assenta a possibilidade de transformações progressistas e revolucionárias que, alterando a actual correlação de forças desfavorável, possibilitem a instauração de uma nova ordem de paz, cooperação e amizade entre os povos.

2. Resistência e luta dos trabalhadores e dos povos

A ofensiva económica, política, ideológica e militar do imperialismo, facilitada e articulada com as derrotas do socialismo e o enfraquecimento global das forças progressistas, traduziu-se em grandes recuos no processo de emancipação social e nacional.

Tal ofensiva não é, porém, uma fatalidade com que os trabalhadores e os povos tenham de conformar-se. Pelo contrário. Ela desenvolve-se no contexto inevitável de uma intensa luta de classes que, assumindo formas e reivindicações imediatas muito diversificadas, converge objectivamente numa crescente e generalizada rejeição e condenação da «nova ordem» imperialista (e com ela a exigência de profundas transformações de natureza anti-imperialista e anticapitalista) e do que ela significa de brutal agravamento da exploração, das injustiças e desigualdades sociais, de opressão nacional, de agressões, conflitos e guerras.

Nos países capitalistas desenvolvidos a ofensiva neoliberal contra as conquistas sociais e democráticas alcançadas por décadas de duras lutas está a defrontar-se com a resistência crescente dos trabalhadores e tem dado lugar a grandes lutas populares, particularmente na Europa, mas também nos EUA e no Japão, país onde merecem especial realce, a par de importantes lutas sociais, grandes acções de massas contra o militarismo nipónico, pelo desarmamento nuclear e pelo encerramento das bases militares norte-americanas.

No primeiro plano encontram-se as lutas em defesa do emprego e contra a precarização das relações laborais, por melhores salários, contra o desmantelamento dos serviços públicos, os ataques à segurança social, as privatizações. Apesar do grande capital contar com a colaboração aberta de burocracias sindicais reformistas e da generalidade das direcções dos partidos socialistas e sociais-democratas, têm tido lugar importantes lutas, incluindo greves gerais e jornadas de acção com grandes manifestações de massas. Entre elas avultam pelo seu particular significado político greves e manifestações de fins de 1994 na Itália, o poderoso movimento de Novembro-Dezembro de 1995 em França, as grandes manifestações na Alemanha contra o «plano de austeridade» de Kohl em 1996. Mas são também de realçar centenas e centenas de greves, manifestações e protestos dos trabalhadores da indústria (nomeadamente contra os despedimentos, pelo aumento de salários, pela redução do horário de trabalho, contra as privatizações), dos sectores de serviços (função pública, profissionais de saúde, professores, etc.), de agricultores (nomeadamente na Grécia contra as gravosas consequências da PAC), de pequenos e médios comerciantes e industriais.

Objectivamente, para lá das reivindicações imediatas, tais movimentações constituem uma inequívoca condenação das políticas neoliberais antipopulares inerentes ao Tratado de Maastricht e dão uma nova dimensão à crescente oposição em todos os países da Comunidade Europeia ao actual processo de «construção europeia». Esta realidade, já bem visível nos expressivos resultados dos referendos realizados na Dinamarca, na França e na Noruega em 1993 e 1994, está a atingir uma nova dimensão com o claro ascenso em numerosos países da luta dos trabalhadores e das populações em geral contra as nefastas consequências sociais dos programas de austeridade ditados pela marcha forçada para a moeda única.

São também de assinalar outras importantes movimentações populares muito diversificadas que exprimem profundos sentimentos democráticos: dos jovens em protesto contra o sistema de ensino e pelo emprego; pelos direitos das mulheres; em defesa da escola pública; contra o racismo, a xenofobia e as limitações ao direito de asilo; contra as armas e as experiências nucleares, a agressão imperialista nos Balcãs, em defesa do ambiente e muitas outras. Pelo seu carácter generalizado e importante significado político é particularmente de realçar o extraordinário movimento de indignação e protesto popular que abalou a Bélgica.

É certo que a resistência e a luta popular, se têm imposto importantes recuos ao poder e ao grande capital, não estão ainda à altura da gravidade da ofensiva, nomeadamente por falta de uma clara alternativa política credível para as massas. Trata-se porém de uma realidade que, escamoteada e silenciada pelos media, se impõe valorizar, até porque a luta das massas populares é factor determinante para vir a alcançar uma viragem política de progresso.

O processo contra-revolucionário da restauração do capitalismo nos países da ex-URSS e no Leste da Europa, provocando desde logo uma enorme queda de produção e degradação do aparelho produtivo, tem significado uma brutal deterioração das condições de vida da maioria dos seus povos, com explosão da miséria, do desemprego, da criminalidade, de violentos conflitos étnicos, de guerras entre nações anteriormente componentes de Estados socialistas multinacionais e outros flagelos.

Uma voraz classe capitalista em acelerada formação, integrada e apoiada por uma ampla camada de burocratas venais e variadas mafias, com representação nos mais altos escalões do Estado, alia-se ao imperialismo para desmantelar estruturas económicas, conquistas e direitos sociais, valores morais, memória histórica, tudo quanto de positivo foi criado por gerações sucessivas no socialismo, apesar das gravíssimas perversões que se verificaram.

Esse tem sido o objectivo estratégico fundamental das grandes potências imperialistas, com destaque para a Alemanha e os EUA, directamente e através das suas estruturas económicas, políticas e militares, do FMI à NATO, passando pela União Europeia. Empenhados desde já no saque às enormes riquezas acumuladas ao longo de décadas, as potências imperialistas procuram, por um lado, conquistar novos espaços para a exploração capitalista (mão-de-obra altamente qualificada e barata, recursos naturais, mercados), e por outro enquadrar e assegurar a irreversibilidade dos processos em curso. A brutal ingerência nos assuntos internos desses países é acompanhada pelo mais cínico atropelo e subversão dos apregoados valores da «democracia» e dos «direitos humanos», como é particularmente patente nos países da ex-URSS ou na antiga Jugoslávia.

Todavia, os trabalhadores e os povos da ex-URSS e do Leste da Europa, apesar dos acontecimentos traumáticos e do massacre ideológico a que têm estado submetidos, rebelam-se em numerosas lutas contra as consequências desastrosas da restauração capitalista, buscam salvar conquistas do socialismo e, com formas e êxitos diversos consoante os países, salvaguardar a sua independência e determinar o seu próprio destino. Vários países lutam corajosamente, no adverso condicionalismo externo prevalecente, para preservar a sua soberania e assegurar o desenvolvimento de acordo com a vontade própria dos seus povos. Forças e partidos comunistas refizeram-se e alcançaram uma influência assinalável em vários países. Os resultados eleitorais na Rússia, apesar das condições particularmente adversas, demonstraram que os comunistas constituem uma grande força que, em aliança com outras forças democráticas e patrióticas, tem um peso real na vida política desse imenso país.

É no chamado Terceiro Mundo que se concentra a esmagadora maioria da população do nosso planeta. É porém nessa vasta área do globo que se concentra a maior pobreza.

Muitas centenas de milhões de pessoas vivem em condições infra-humanas. Nos últimos dez anos aumentou o fosso que separa os países capitalistas desenvolvidos dos países subdesenvolvidos. A ofensiva do imperialismo em direcção ao Terceiro Mundo configura em muitos casos uma tentativa de autêntica recolonização de povos e países que, através de duras lutas, haviam conquistado a independência, construído Estados soberanos e, muitos deles, empreendido vias de desenvolvimento progressista.

Contra os países que, independentemente do seu regime político, recusam submeter-se, foi desencadeada uma política de ameaças, boicotes, embargos e pressões económicas de grandes proporções.

A luta dos povos do Terceiro Mundo pela sua emancipação nacional, duramente afectada pela crise e derrotas do socialismo, sofreu um sério retrocesso. O Movimento dos Países Não Alinhados, assim como a Organização de Unidade Africana, a Liga Árabe e outras organizações de carácter objectivamente anti-imperialista enfraqueceram-se e, embora haja indícios de recuperação, o seu futuro apresenta-se incerto.

Conjugando a imposição dum «multipartidarismo» artificial e falseado com pressões e ingerências do mais variado tipo, incluindo o militar, derrubaram-se regimes progressistas, impuseram-se novas ditaduras e governos submissos aos ditames dos desastrosos planos de ajustamento estrutural do FMI e do Banco Mundial, agravou-se a sangria da dívida externa, abateram-se as barreiras à «livre circulação» de capitais e à acção rapace das multinacionais, acelerou-se a destruição tanto do sector empresarial do Estado como das estruturas económicas pré-capitalistas de subsistência, impedindo que se assentem as bases de um desenvolvimento independente. Provocaram-se sangrentos conflitos étnicos e tribais e colossais deslocações das populações. A situação social, cultural e sanitária de muitos dos povos do Terceiro Mundo conheceu um dramático retrocesso, constituindo um dos mais desumanos crimes do capitalismo nos tempos modernos.

Entretanto, os povos da África, Ásia e América Latina prosseguem a luta pelos seus interesses vitais, contra as imposições do imperialismo e do capital transnacional, pela liberdade e a democracia, pela independência nacional.

A derrota do regime do apartheid e a vitória do ANC na África do Sul; progressos verificados na influência política e eleitoral por comunistas e outras forças de esquerda na Índia e outros países; a persistência, como na África Austral, de países dirigidos pelas forças políticas que conquistaram a independência e lutam contra imposições externas; a resistência de Estados soberanos às imposições do imperialismo; o prosseguimento da luta de libertação nacional dos povos palestiniano, sahouri, maubere (Timor-Leste), curdo e outros; movimentos de resistência armada como na Guatemala, na Colômbia, no Sudão; as lutas pelos direitos dos povos indígenas na América Latina, como em Chiapas no México; as lutas contra o latifúndio, como o Movimento dos Sem Terra no Brasil; grandes acções populares de massas pela democracia e pelo respeito dos direitos humanos contra ditaduras e contra governos corruptos em países como o Brasil, a Venezuela, a Birmânia, o Bangladesh, a Coreia do Sul, a Turquia, a Indonésia; greves e manifestações contra as políticas neoliberais, a acção das multinacionais, as privatizações e o próprio GATT/OMC, como na Índia, Uruguai, México, Argentina e outros países; — tudo isto mostra que os trabalhadores e os povos não se conformam e que são inevitáveis grandes explosões de descontentamento e de luta popular.

A par de tantas outras, a continuada e corajosa resistência do povo de Timor-Leste ao ocupante indonésio e a sua luta pela autodeterminação e independência — que impõe a Portugal e aos portugueses um particular dever de solidariedade — confirma que nem o mais poderoso opressor é capaz de anular a aspiração de um povo à sua libertação.

São manifestas as pretensões do imperialismo para canalizar num sentido reaccionário o descontentamento e o desespero das massas — nomeadamente com o seu estímulo ao fundamentalismo religioso de cariz fascista — e o seu propósito de abafar com a força militar acções que ponham em perigo o seu domínio, de que as «Forças de Reacção Rápida» são instrumento. Tudo dependerá porém da capacidade das forças progressistas e nacional-libertadoras para conquistar o apoio das massas e organizá-las em torno de alternativas de desenvolvimento democrático e progressista.

Os países que definem como orientação e objectivo construir uma sociedade socialista — China, Vietname, Cuba, Coreia do Norte, Laos — constituem uma realidade com importante significado no desenvolvimento da situação internacional.

Com especificidades concretas nacionais, experiências e soluções muito diferenciadas, representam um importante factor de resistência e contenção aos propósitos de domínio planetário do capitalismo.

Importantes progressos no plano do desenvolvimento económico e na promoção das condições de vida das massas são de realçar em relação à China e ao Vietname, países muito populosos onde se concentra quase um quarto da população mundial e que partem de um nível de desenvolvimento extraordinariamente baixo.

Em relação a Cuba, brutalmente golpeada pelo imperialismo norte-americano e forçada a reorganizar completamente as suas relações económicas externas, a continuação de conquistas sociais fundamentais e da orientação socialista do regime constitui um feito heróico, só possível na base da identificação profunda dos comunistas cubanos com o seu povo, da elevada consciência patriótica e revolucionária do povo cubano e do amplo movimento internacional de solidariedade, que tem de continuar, nomeadamente contra o bloqueio e a lei Helms-Burton.

O PCP tem a sua própria concepção de socialismo e o seu próprio projecto para a edificação em Portugal de uma sociedade socialista que se diferenciam e distanciam em vários aspectos importantes de concepções, soluções, práticas e experiências em curso.

E tem sérias preocupações pela existência de factores negativos, nomeadamente tendo em conta as experiências de outros empreendimentos de construção do socialismo. Isso não impede porém o PCP de valorizar a existência dos países que definem como objectivo a construção de sociedades socialistas, de acompanhar com grande atenção as suas experiências e ser solidário com a sua luta para salvaguardar o direito à livre escolha do seu próprio caminho.

Os condicionalismos de ordem externa, determinados pela hegemonia das relações económicas internacionais pelo grande capital, são muito grandes. O imperialismo e a reacção internacional não escondem a sua esperança e o seu propósito de — explorando problemas, erros, dificuldades e contradições e através de ingerências, boicotes e ameaças de agressão — alcançar o afastamento dos comunistas do poder e (ou) a degenerescência capitalista (dita «evolução pacífica») dos complexos processos em curso. É do interesse dos povos respectivos e de todos os povos que lutam pela sua libertação que tais intentos fracassem.

Para a consideração das perspectivas de evolução da situação internacional é particularmente importante considerar as grandes forças sociais atingidas pela política do grande capital e do imperialismo. Sob o impacto da crescente mundialização das relações de produção capitalistas, da revolução científica e técnica, das profundas transformações dos sistemas de produção e de troca, verificam-se grandes mutações sociais e demográficas com forte impacto na estrutura, composição e arrumação das forças de classe nas sociedades. É uma época de instabilidade em que centenas e centenas de milhões de seres humanos economicamente desapossados e afastados do processo produtivo, socialmente desenraizados e marginalizados, deslocados pela fome e pela guerra, procuram desesperadamente um novo lugar no sistema de relações sociais. É uma situação que dificulta extraordinariamente o progresso da consciência política e a luta organizada, favorecendo por outro lado o desenvolvimento de forças reaccionárias, obscurantistas e de cariz fascista.

Entretanto, uma das tendências objectivas da situação internacional na actualidade consiste na redução da base social de apoio do próprio sistema de exploração e opressão capitalista.

A classe operária e o trabalho assalariado (que continuam a aumentar em valor absoluto e peso relativo no mundo, constituindo a principal força social mesmo em países subdesenvolvidos); as massas camponesas (ainda predominantes em vastas regiões do Terceiro Mundo e muitas vezes privadas de terra); as forças da intelectualidade e da cultura (limitadas na sua criatividade); os pequenos e médios comerciantes e industriais (esmagados pelo poder dos monopólios); a juventude (que vê o seu horizonte fechado por um sistema de ensino classista, pelo desemprego e a miséria); as mulheres (as primeiras vítimas das injustiças e desigualdades do sistema) — são as principais classes e camadas sociais directamente atingidas nos seus interesses e aspirações pela política do grande capital e do imperialismo.

Tal é a base social em que assenta a possibilidade e a necessidade de forjar uma ampla frente anti-imperialista, de que são também parte integrante os países que definem como objectivo a construção de uma sociedade socialista, os movimentos de libertação nacional, os Estados que defendem a sua soberania contra imposições externas.

Da capacidade dos comunistas e outras forças democráticas, patrióticas e progressistas para dar expressão política organizada ao enorme potencial de luta libertadora realmente existente dependerão decisivamente as perspectivas de evolução da situação mundial.

A brutal ofensiva em curso do imperialismo tornou-se possível pelas derrotas do socialismo, pelo enfraquecimento geral e pela dispersão dos partidos comunistas e demais forças progressistas e revolucionárias, pelo avanço de concepções políticas reformistas e o enfraquecimento do sindicalismo de classe, por uma nova guinada à direita da social-democracia. Mas seria errado não valorizar a existência e a acção de um vasto conjunto de organizações e movimentos unitários como: sindicatos; organizações de classe dos pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais; movimentos de jovens; movimentos de defesa dos direitos das mulheres; organizações e movimentos ambientalistas; movimentos pela paz e de solidariedade; movimentos anti-racistas; organizações agrupando intelectuais, cientistas, artistas; movimentos específicos de defesa de direitos cívicos ou de promoção dos interesses das populações; numerosas «organizações não governamentais» (ONG).

Trata-se de uma realidade que, na sua grande diversidade, traduz uma crescente vontade de intervenção e participação democrática e representa um real obstáculo à concretização da política do grande capital. É porém necessário preservar o carácter democrático e unitário de tais organizações e movimentos sem o que estiolarão na sua dinâmica de massas, comprometerão o seu conteúdo popular, se tornarão politicamente inofensivos e poderão mesmo ver-se integrados na lógica de funcionamento do sistema, como instrumentos de contenção de luta e de colaboração de classes. Num tal objectivo continua particularmente empenhada a social-democracia. A degenerescência burocrática e colaboracionista de numerosas direcções sindicais constitui o exemplo mais negativo de uma tal evolução.

No plano político intervém em todos os continentes um amplo leque de forças democráticas, de esquerda, progressistas, revolucionárias e de libertação nacional.

A situação é muito diversa nos diferentes países. Se nuns casos se verifica a existência de forças com grande implantação de massas e com perspectiva de protagonizar no plano político alternativas vinculadas com os interesses dos trabalhadores, tal situação não se apresenta de momento em muitos outros. A experiência mostra porém que no desenvolvimento da própria luta, sejam quais forem as dificuldades, se forjam e fortalecem as forças necessárias à solução dos problemas colocados pelo desenvolvimento social.

De referir, particularmente na Europa, o significativo conjunto de partidos e forças de esquerda que, não se definindo como comunistas, também se não reconhecem na social-democracia. Trata-se de partidos e forças diversificadas na sua origem, no seu programa e na sua implantação social, com contornos fluídos e em processo de definição da própria identidade, oscilando entre o reformismo e a aliança com a social-democracia e relações de cooperação com os partidos comunistas. São conhecidas as tentativas para criar uma «nova esquerda», uma espécie de terceira força «nem comunista nem social-democrata» mas de facto marcada por preconceitos em relação aos comunistas. A prática está porém a mostrar que é necessário e possível, com base no respeito mútuo, na identificação de objectivos comuns e pondo de lado pretensões hegemónicas, o desenvolvimento da cooperação dos comunistas e outras forças de esquerda na luta contra as desastrosas consequências do neoliberalismo, em defesa da democracia, contra o militarismo e, em particular, contra o Tratado de Maastricht e por uma outra Europa de paz, progresso e cooperação. É o que se verifica com a cooperação no quadro do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu. O comício «Contra o desemprego, por uma Europa dos povos, do emprego e do progresso social», realizado em 11 de Maio em Paris, representa um novo passo positivo.

O PCP continuará a esforçar-se por concretizar reais possibilidades de cooperação bilateral e multilateral, não apenas no plano europeu mas mundial. É esse o sentido da sua empenhada participação no processo do Fórum de S. Paulo que envolve um largo leque de partidos e organizações progressistas da América Latina.

A evolução da social-democracia, com a adopção das teses centrais do neoliberalismo, a identificação com a direita em numerosos países e a realização, quando no poder, das políticas do grande capital conduziu ao descrédito e à crise de muitos partidos socialistas e sociais-democratas, particularmente na Europa. No quadro de uma «bipolarização» e do «sistema de alternância» direita/social-democracia, partidos sociais-democratas incorporam-se directamente no sistema de domínio político do grande capital. As consequências de uma tal evolução são contraditórias. Por um lado abre possibilidades ao alargamento da influência dos comunistas junto da base social eleitoral operária e popular daqueles partidos, crescentemente desiludida com a capitulação política e ideológica dos dirigentes sociais-democratas. Por outro lado pode conduzir — e de momento está a conduzir — ao reforço das forças da direita e mesmo da extrema-direita populista e fascizante.

Globalmente, a social-democracia, a Internacional Socialista, o «partido socialista europeu», apesar de persistirem no seu seio sectores e correntes de esquerda, aparecem hoje como um instrumento da ofensiva do grande capital e do imperialismo. Isso não significa porém que, em condições concretas existentes em tal ou tal país, não seja de adoptar uma orientação no sentido da acção comum de comunistas, socialistas e sociais-democratas para fazer frente e derrotar as forças da direita, particularmente as mais reaccionárias e agressivas. Deve naturalmente prosseguir a cooperação com as forças progressistas filiadas na Internacional Socialista.

Atingido por uma das mais graves crises da sua história, o movimento comunista e revolucionário continua a atravessar grandes dificuldades. Mas a anunciada «morte do comunismo» e o «declínio irreversível» dos partidos comunistas não se confirmam. Em todos os continentes há comunistas que, com esse ou com outro nome, continuam a lutar pelos ideais do socialismo e do comunismo.

Há países onde os comunistas continuam no poder. Em muitos outros, mesmo quando enfraquecidos, os partidos comunistas são grandes forças nacionais que desempenham um papel fundamental na luta dos trabalhadores e das massas populares e contam com significativa presença nas instituições, incluindo a nível de governo. Noutros países, partidos comunistas com influência limitada não desistem da luta para a ampliar.

Noutros ainda, enfrentando corajosamente a repressão e mesmo a clandestinidade, prosseguem a luta com determinação. Verificam-se casos particularmente significativos de reconstrução de partidos comunistas lá onde haviam sido destruídos (como na Rússia) ou se verificara a sua degenerescência social-democratizante (como na Itália).

Sem dúvida que subsistem grandes problemas e dificuldades. É muito forte e sofisticada a pressão tendente ao isolamento e à divisão dos comunistas. Em numerosos casos, prossegue uma intensa luta política e ideológica em torno da história do movimento comunista, da natureza de classe do partido, do seu programa, do seu objectivo de construção de uma sociedade socialista, da sua política de relações internacionais. Mas são já visíveis sinais de recuperação e mesmo o reforço de vários partidos comunistas e cresce a consciência da necessidade da sua cooperação internacionalista.

A política de relações internacionais do PCP está permanentemente orientada para o fortalecimento dos laços de solidariedade internacionalista dos comunistas, das forças democráticas e progressistas, dos trabalhadores e dos povos.

No quadro de um amplo leque de relações bilaterais e multilaterais com outras forças democráticas e de esquerda, o PCP coloca no primeiro plano o seu relacionamento com os outros partidos comunistas e revolucionários, no plano europeu e mundial. Para o PCP a cooperação dos partidos comunistas e revolucionários não só não se contrapõe como constitui factor indispensável da mais larga cooperação das forças democráticas, progressistas, nacional libertadoras, que se opõem à ofensiva do grande capital e à «nova ordem» imperialista.

É certo que a evolução mundial determina na actualidade uma amplitude maior do internacionalismo. Alarga-se a todas as forças em luta contra a exploração e a opressão.

Alarga-se não apenas à classe operária e aos trabalhadores mas às forças sociais e políticas em luta pela liberdade, a democracia, o progresso social, a independência nacional e o socialismo. Os comunistas não podem fechar-se nem pretender estabelecer fronteiras rígidas no seu relacionamento. Mas o internacionalismo mantém como mais profunda e sólida raiz a sua natureza de classe e a sua decorrente característica anticapitalista.

Desde a sua fundação por Marx e Engels, o movimento comunista e operário passou por diferentes fases. Teve períodos de avanço impetuoso, de estagnação e de retrocesso, obteve grandes vitórias da sua unidade e conheceu dramáticos conflitos, divisões e derrotas, dotou-se de estruturas e formas de relacionamento muito diversificadas, consoante as situações objectivas e subjectivas.

Na actualidade, a par da dispersão, fragmentação e da persistência de tendências para a diluição das relações entre partidos comunistas no quadro de alianças democráticas mais amplas, desenvolvem-se em vários partidos complexos processos de definição da própria identidade que tornam ainda mais difícil que no passado precisar as componentes, delimitar as fronteiras e pôr em prática formas estáveis de relacionamento multilateral e internacional, necessariamente flexíveis, do movimento comunista e revolucionário.

O PCP continuará a agir no sentido da recuperação, renovação e reforço do movimento comunista e revolucionário internacional, com a convicção de que o fortalecimento dos laços de amizade, cooperação e solidariedade dos comunistas e todos os revolucionários é uma necessidade determinada pela identidade fundamental de interesses e objectivos emancipadores da classe operária e de todos os trabalhadores.

No respeito pela independência e autonomia respectivas, a troca de informações e experiências, o exame colectivo dos problemas, a acção comum ou convergente, a solidariedade recíproca, são da maior importância para a luta de cada um e de todos.

Os processos de internacionalização, a mundialização do capital, o reforço dos mecanismos de poder supranacionais, a estreita cooperação das forças da burguesia monopolista, tornam particularmente necessária e urgente a cooperação dos comunistas e outros revolucionários.

3. A alternativa

Sob o pretenso triunfo definitivo do capitalismo emergem realidades e contradições que evidenciam os seus limites históricos e a sua incapacidade de dar resposta às aspirações do ser humano e aos grandes problemas do mundo contemporâneo. As próprias exigências do desenvolvimento social e da salvaguarda das conquistas civilizacionais adquiridas como fruto do trabalho e da luta de gerações, colocam na ordem do dia a exigência de profundas transformações de natureza antimonopolista, anticapitalista e anti-imperialista.

Abrem-se novos espaços e possibilidades para a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos e para a intervenção dos comunistas e das outras forças progressistas e revolucionárias, com a sua imprescindível acção, para desenvolver e fazer convergir vastas forças sociais e políticas por uma alternativa de progresso.

Os dramáticos problemas que percorrem o mundo contemporâneo — com o agravamento da exploração, o aprofundamento das injustiças e desigualdades económicas, sociais e regionais, genocídios, povos dizimados pela fome, intervenções militares e guerras, e o espectro de autênticas regressões civilizacionais e de catástrofes ecológicas planetárias — constituem uma acusação ao capitalismo e à sua natureza opressora e desumana.

Há muito já que o capitalismo se transformou num obstáculo ao progresso da Humanidade. Há muito já que a agudização das suas contradições e a luta libertadora da classe operária, dos trabalhadores e dos povos abriu a possibilidade da sua superação revolucionária.

É certo que à escala mundial o capitalismo manteve no século XX um poder hegemónico no terreno económico e ideológico, e mostrou imprevistas capacidades de desenvolvimento, adaptação e recuperação. E que na URSS e no Leste da Europa a construção de uma nova sociedade em bases socialistas, apesar dos grandes progressos alcançados, veio a sofrer dramática derrota, evidenciando a extraordinária dificuldade e complexidade do empreendimento e o fracasso de um «modelo» que, em numerosos aspectos, se afastou de características fundamentais sempre proclamadas de uma sociedade socialista.

Mas o capitalismo não modificou a sua essência exploradora, opressora e agressiva; não anulou as suas contradições internas que se agudizaram ainda mais; não eliminou nem impede que se renovem e reforcem as forças sociais que se opõem à natureza do capitalismo e o combatem; não neutralizou a ânsia fortemente enraizada de liberdade, democracia e justiça social; não paralisou a resistência e a luta popular.

Não se ignora que no quadro do capitalismo, com a inteligência e a criatividade humana e a luta dos povos, foram possíveis grandes conquistas democráticas e avanços de civilização, que abriram novas perspectivas à humanidade.

Acontecimentos da história do século XX — particularmente o nazi-fascismo, duas guerras mundiais destruidoras e, hoje, a ofensiva neoliberal — mostraram que tais conquistas e avanços estão permanentemente ameaçados pela manutenção do poder económico e político do grande capital. A sua defesa, consolidação e aprofundamento só é possível no caminho de profundas transformações democráticas antimonopolistas, numa perspectiva de rotura com o sistema de exploração capitalista. No quadro da insubstituível intervenção consciente e organizada das massas populares, a propriedade social dos principais meios de produção e a instauração de um efectivo poder popular continuam a ser elementos básicos do programa revolucionário dos comunistas.

As imensas possibilidades de promoção do bem-estar material e espiritual do ser humano abertas pelas extraordinárias conquistas da ciência e da técnica contrastam violentamente com o agravamento generalizado das suas condições de vida e de trabalho e o atirar de centenas de milhões de seres humanos para a mais negra miséria.

Mais do que qualquer outra, esta contradição maior do mundo contemporâneo evidencia o carácter irracional, predador e desumano do capitalismo. O sistema capitalista tornou-se, não apenas obstáculo ao progresso social, mas numa ameaça para a Humanidade. Urge superá-lo e reorganizar a sociedade sobre bases novas que tenham as necessidades e aspirações do homem e o seu trabalho criador como elementos integrantes e finalidade. Socialismo ou capitalismo, tal é a grande alternativa da nossa época.

O processo de superação revolucionária do capitalismo no plano mundial começou com a revolução russa de Outubro de 1917, com outras revoluções vitoriosas e com o primeiro empreendimento de construção de uma nova sociedade. Foi ele que marcou com um passo histórico de progresso libertador o século XX e se irá prolongar pelo século XXI.

Um tal processo revelou-se mais complexo, acidentado e demorado do que o previsto. É impossível antecipar as formas e os ritmos do seu desenvolvimento. Mas a experiência histórica demonstrou que é nas massas populares, na sua organização e na força da sua luta emancipadora que assenta a real possibilidade de um mundo finalmente liberto da exploração de classe, da opressão social e nacional, do flagelo da guerra e do desastre ecológico.

O caminho da revolução é o caminho das massas e da sua mobilização para a luta.

Desde logo no plano de cada país, pelos seus interesses vitais, pela defesa e aprofundamento da democracia, por políticas de desenvolvimento económico e de progresso social, pela construção de alianças que isolem as forças mais reaccionárias e agressivas, defendam a soberania nacional, combatam a « nova ordem» imperialista.

Cada país vive a sua realidade própria, defronta contradições e problemas próprios, tem as suas próprias potencialidades de desenvolvimento progressista. Não há nem pode haver «modelos» universalmente aplicáveis ou «plataformas» universalmente válidas.

Entretanto, os processos de internacionalização, de cooperação e integração, de divisão internacional do trabalho, conduziram a uma mais estreita interdependência dos povos.

A dialéctica dos factores nacionais e internacionais ganhou maior importância. Os condicionalismos externos pesam cada vez mais na ordem interna dos Estados. Na sua luta, os trabalhadores confrontam-se com o poder nacional e, simultaneamente, de modo crescente, com poderes económicos e políticos supranacionais.

Tal realidade não torna «caduca» a importância do espaço nacional como terreno incontornável da luta de classes, não fecha a possibilidade de alcançar conquistas democráticas e transformações revolucionárias a nível dos diferentes países. A defesa da soberania nacional, conjugada com a luta por relações de cooperação internacional livres das imposições das grandes potências, ganha mesmo maior importância.

Simultaneamente, a cooperação e a solidariedade internacionalista, a acção comum ou convergente dos comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos, tornam-se imprescindíveis para a luta de todos e de cada um, para o avanço do processo libertador no plano mundial.

A generalizada ofensiva do grande capital e as tentativas de impor ao mundo uma «nova ordem» de cariz totalitário exigem dos comunistas e de todas as forças progressistas grandes esforços para fazer confluir numa ampla frente anti-imperialista a luta dos trabalhadores e dos povos.

Tendo em conta a diversidade da situação política, económica e social, e portanto a diversidade das tarefas que se colocam a cada povo na luta contra o imperialismo, no momento actual assumem particular importância:

— A luta contra os monopólios e o capital financeiro: contra a liberalização da circulação de capitais, contra a especulação, pela canalização de recursos para o investimento produtivo, contra as privatizações e contra as imposições por via dos países mais poderosos do domínio e exploração de países menos desenvolvidos;

— a luta contra a exploração, a miséria e o subdesenvolvimento, pelo emprego, pela valorização do trabalho e dos salários, pelos direitos laborais e sociais, pela redução do horário de trabalho sem perda de salário e de regalias, em defesa e promoção dos serviços públicos;

— a luta pela democracia política, social, económica e cultural, contra todas as manifestações de forças fascistas, racistas, xenófobas e obscurantistas, e a defesa da soberania e independência nacional contra os ataques das transnacionais e do imperialismo e suas instâncias económicas e políticas;

— a luta pela paz, contra o militarismo, contra as intervenções agressivas do imperialismo, pela dissolução dos blocos político-militares, pela interdição das armas nucleares e outras armas de destruição massiva e sua total eliminação, pela defesa da ONU como organização vocacionada para a promoção da cooperação pacífica entre os povos;

— a solidariedade internacionalista, particularmente com os povos que lutam pela liberdade e autodeterminação ou são vítimas da agressão externa;

— a luta pela salvaguarda da Natureza e por um desenvolvimento ecologicamente sustentável, contra a poluição ambiental e a desertificação, pela preservação dos recursos naturais e dos equilíbrios ecológicos, pelo desenvolvimento ordenado dos centros urbanos.

Particular relevo assume a luta ideológica. Desde logo contra a ideologia do «pensamento único» que, apregoando o «fim das ideologias» e o «fim da história», é expressão dos interesses servidos pelas políticas neoliberais, endeusando o capital e o mercado; fomentando o individualismo e a competição exacerbada; apelando para o irracionalismo, o obscurantismo, o fanatismo religioso e étnico; induzindo sentimentos de fatalismo, de impotência e de descrença na luta pela transformação progressista e revolucionária da sociedade.

Depois no próprio campo democrático e progressista, em que concepções idealistas e reformistas ganharam novo alento com, nomeadamente: o escamoteamento e mesmo negação do lugar central que ocupam na evolução das sociedades as classes e a sua luta, a propriedade dos grandes meios de produção, o Estado, a revolução social; uma «democracia» concebida como independente da evolução histórica e da estrutura de classes da sociedade, com limitações e discriminações económicas, sociais e políticas que objectivamente permitem a manutenção no poder às forças do capital; um «humanismo» que isola e desenraíza o indivíduo da sua condição de classe e inserção social; uma «solidariedade» concebida em termos caritativos para atenuar o impacto do aprofundamento das injustiças e desigualdades; uma estratégia evolucionista e possibilista que tende a identificar conquistas democráticas e sociais possíveis sob o capitalismo com a própria noção de superação do capitalismo (o que implica rotura revolucionária). Tais concepções, que assumem formas e expressões muito diferenciadas, surgindo no quadro da procura de respostas para os problemas da transformação social, representam entretanto — na linha do chamado «reformismo forte» que precedeu a degenerescência do PCI — o reavivar de concepções reformistas que determinaram a rotura histórica no movimento operário entre comunistas e sociais-democratas.

De forma explícita ou implícita, constitui constante objectivo da ofensiva ideológica do capitalismo apresentar como uma concepção do mundo ultrapassada, morta em termos históricos, o marxismo-leninismo, que entretanto não só esclareceu e inspirou o caminho da luta e das conquistas dos trabalhadores e dos povos do mundo ao longo do século XX como, enriquecido pela experiência disponível e por respostas criativas às novas situações e fenómenos, continua constituindo um guia para a acção e um valor e elemento central na batalha ideológica.

O PCP, atento às novas realidades de um mundo em acelerado processo de mudança e levando em conta as lições da experiência, positivas e negativas, próprias e alheias, concebe a sua renovação como uma exigência permanente, intrínseca do papel de vanguarda que assume na luta libertadora da classe operária e dos trabalhadores de Portugal.

O que implica preservar e desenvolver crítica e criadoramente como matriz teórica da sua identidade comunista o materialismo dialéctico e histórico, fundamentos da economia política e da teoria do socialismo científico. Essa conquista maior do pensamento, em que avultam as históricas contribuições de Marx, Engels e Lénine, é de capital importância para a análise e compreensão do mundo contemporâneo e das vias da sua transformação. A actualidade de Marx — que mesmo sectores democráticos não marxistas reconhecem (procurando frequentemente dissimular a essência revolucionária do marxismo e opor Marx a Lénine), é, de facto, a actualidade e modernidade do marxismo-leninismo, por natureza antidogmático, criativo e revolucionário.

É com esta forte convicção e com confiança na força libertadora da luta da classe operária, de todos os trabalhadores e dos povos e da sua solidariedade internacionalista que os comunistas portugueses prosseguem em Portugal a luta pelos valores e ideais do socialismo e do comunismo.

Dos 75 anos da sua existência e da história do movimento operário e comunista deste século que agora termina, o PCP extrai a confirmação de que é justo e é realizável aquilo que tem constituído e constitui um objectivo essencial da sua luta: a construção em Portugal de uma sociedade mais livre, mais justa, mais fraterna e mais humana, uma sociedade socialista; a construção de um mundo finalmente livre de exploração, da alienação e da opressão imperialista, de paz, amizade e cooperação entre todos os povos.

II. A SITUAÇÃO NACIONAL

1. Enquadramento comunitário e soberania nacional

A situação nacional desenvolve-se num quadro global internacional difícil, complexo e perigoso, cuja caracterização, nas suas múltiplas vertentes, foi feita no Capítulo I.

Neste contexto global, o PCP assume a soberania como valor fundamental da Nação.

Não como refúgio para qualquer (impossível) isolacionismo mas, pelo contrário, como condição essencial ao reforço da capacidade de decisão estratégica residente no nosso País e à afirmação dos interesses de Portugal e dos portugueses num contexto de profundas mudanças e acrescidas interdependências à escala internacional. E como base para a indispensável defesa e valorização dos recursos do País, que mobilize o dinamismo social e democrático da sociedade portuguesa e potencie a capacidade cultural e a adaptabilidade do nosso povo às mudanças.

O XIV Congresso do PCP fez uma fundamentada análise da evolução do processo de integração europeia e da situação criada pela aprovação do Tratado de Maastricht, cuja validade se mantém e a vida veio a comprovar.

No decurso destes quatro anos, o PCP sempre agiu consequentemente de acordo com a análise feita da natureza da actual fase da chamada «construção europeia» e das consequências essencialmente prejudiciais para os interesses dos trabalhadores, do Povo e da Nação portuguesa, defendendo uma outra construção europeia, uma verdadeira Europa de cooperação e paz, entre povos e nações iguais, com vantagens mútuas para todos e a salvaguarda da soberania e independência nacionais.

Os sucessivos governos do PSD, e agora o do PS, têm-se preocupado apenas em mostrar-se «bons alunos», em proclamar o objectivo de apanharem o «pelotão da frente», agora baptizado «primeira linha da Europa», e em fazerem crer que a participação de Portugal se traduz apenas em receber mais fundos comunitários, escamoteando os pesados custos que advêm para o nosso País nos domínios da soberania nacional, económica, social e cultural.

Em vez de, numa base de firmeza e de fidelidade aos interesses nacionais, enfrentarem os problemas reais existentes e as debilidades da economia portuguesa para dar resposta a um quadro de competição alargada, que tem trazido grandes problemas ao nosso tecido produtivo, nomeadamente à agricultura, às pescas e a importantes sectores industriais, os sucessivos governos (primeiro os do PSD, agora o do PS) optaram por uma política de abdicação e subserviência às orientações e determinações dos poderes dominantes na União Europeia, ao mesmo tempo que abriram as portas e alimentaram as práticas de favoritismo de clientelas, de falta de transparência, de corrupção e dilapidação de fundos comunitários.

Na actualidade, o PS, como anteriormente o PSD, têm preferido dar prioridade à moeda única e à passagem à terceira fase da União Económica e Monetária, embora sabendo que daí decorre uma especial penalização para um país como Portugal. A liquidação de importantes sectores do aparelho produtivo nacional, a privatização de empresas públicas rentáveis, o aumento do desemprego, o corte das despesas públicas (e em particular das despesas sociais) e o abrandamento do crescimento económico e a manutenção dos graves problemas estruturais da nossa economia são as principais consequências desta orientação.

O PS, para além de ter alinhado no apoio ao Tratado de Maastricht, prossegue as orientações fundamentais do PSD em matéria de integração comunitária, sendo difícil encontrar neste domínio de importância estratégica para o nosso País diferenças relevantes entre os dois partidos.

O CDS/PP, para além de um discurso populista de aparente oposição ao Tratado da União Europeia, sempre apoiou, e continua a apoiar, as orientações fundamentais na integração europeia, defendendo aspectos essenciais da União Económica e Monetária, em especial o favorecimento de grandes interesses económicos, incluindo estrangeiros, e a política de desregulamentação social.

O PCP, que foi a única grande força política que alertou para as consequências e perigos da integração europeia, rejeita e combate a evolução num sentido federalista da União Europeia nos planos económico, político, diplomático e militar, que ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política tenderá a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses Portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos Estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais.

Por isso, e na sequência das posições que tem assumido quanto às orientações da integração europeia, e designadamente desde a aprovação do Tratado de Maastricht, o PCP considera que Portugal deve lutar na União Europeia em defesa da igualdade soberana dos Estados e de uma política de cooperação que proporcione vantagens a todos os povos e países, visando essencialmente a concretização efectiva de princípios tais como a «igualização no progresso das condições de vida e de trabalho», a «coesão económica e social» e o desenvolvimento harmonioso das diversas regiões e sectores da economia. Considera igualmente que o estatuto de cada país deve ser ajustado à vontade do seu povo e à sua real situação, admitindo cláusulas de excepção para os Estados que de tal tenham necessidade. O PCP opõe-se à concepção de União Europeia como um novo bloco político militar, dirigido por uma espécie de directório de grandes potências que ditam as regras aos outros países. O PCP opõe-se à substituição das decisões por unanimidade pelas decisões por votos maioritário em áreas particularmente sensíveis para a soberania e os interesses dos Estados, tais como a política externa, a política de defesa, a justiça, as polícias e os assuntos internos.

Acerca do futuro da União Europeia, não é admissível que questões fundamentais para a vida dos povos sejam decididas à revelia da sua intervenção e participação, como resultado do actual texto do Tratado de Maastricht.

A revisão do Tratado da União Europeia e as Conferências Intergovernamentais de 1996 colocam um conjunto de questões fundamentais.

Este processo deve ser aberto e participado pelos parlamentos nacionais e, à semelhança do que defendeu a propósito do Tratado de Maastricht, o PCP preconiza que o povo português seja chamado a pronunciar-se em referendo nacional sobre a revisão do Tratado, abrangendo igualmente objectivos que constam do Tratado da União Europeia, como a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária.

Por outro lado, o objectivo essencial da revisão do Tratado da União Europeia deverá ser a mudança de rumo no processo de integração, para romper com as orientações de Maastricht, para a eliminação das disposições mais gravosas para os trabalhadores e os povos e mais limitativas da independência nacional. Nesse sentido, o PCP continua a defender como principais orientações para o processo de revisão do Tratado de Maastricht:

— A reconsideração da União Económica e Monetária e das políticas comuns e orientações económicas que lhe estão associadas, e a ruptura com as orientações monetaristas e neoliberais;

— a defesa de uma Comunidade de Estados soberanos e iguais em direitos, como base inegociável do processo de integração, com o consequente combate às orientações federalistas e de supranacionalidade ao nível das questões institucionais e de outras vertentes da União Europeia;

— a luta pelo objectivo da coesão económica e social, e a manutenção do sistema institucional único, que abranja todas as esferas da vida comunitária com a recusa de uma Europa assente num directório de grandes potências;

— a defesa do princípio da igualdade de direitos dos Estados, bem como o princípio de que cada Estado tem o direito de participar nas políticas que considere vantajosas e negociar a exclusão ou derrogações da aplicabilidade das políticas, regulamentos e directivas que entenda prejudicarem interesses considerados importantes;

— a defesa de uma Europa de paz e cooperação, de liberdade e tolerância, o que significa a oposição a toda e qualquer passagem dos chamados 2º e 3º pilares da UE — Política Externa e de Segurança Comum (PESC)/União Europeia Ocidental (UEO) e cooperação no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos/Schengen — a políticas comunitárias comuns, com a correspondente transformação da Comunidade em potência político-militar e em «fortaleza» inacessível a cidadãos de outros países;

— a abordagem do alargamento da União Europeia, tendo como pressuposto o respeito integral pela soberania dos países candidatos e os compromissos assumidos para com os países comunitários de economias mais frágeis;

— a inegociabilidade do uso da língua portuguesa como língua oficial e de trabalho em todas as instâncias, da presença de todos os Estados-membros em todos os órgãos e instâncias e da rotatividade das presidências.

2. Evolução económica

No período que decorreu desde o XIV Congresso acentuou-se a política de direita, prosseguida primeiro pelo Governo do PSD e, mais recentemente, pelo actual Governo do PS, de reconstituição, restauração e institucionalização do capitalismo monopolista de Estado como sistema socioeconómico e sua associação ao capital estrangeiro.Este processo, em desenvolvimento desde 1976, encontra-se em fase avançada, embora não concluído, e caminha a par de transformações profundas do regime político, do agravamento da exploração dos trabalhadores e de atentados contra os seus direitos e liberdades, de limitações da soberania e independência nacionais.

Apoiados e incentivados através da concessão de benesses e privilégios e de fraudulentos processos de privatização talhados à sua medida, formaram-se e consolidaram-se novos grupos económicos, ressurgiram velhos e poderosos grupos dos tempos do fascismo (Champalimaud, Mello, Espírito Santo, entre outros) que não só reforçaram o seu poder económico como recuperaram poder político, e reconstituiu-se a propriedade de extensão latifundiária no Sul do País com a destruição da Reforma Agrária.

A acentuação da política económica de centralização e concentração capitalista e do primado da esfera financeira esteve associada à ausência de uma estratégia de desenvolvimento económico e social adequada às realidades e necessidades da economia portuguesa.

O reforço do poder do grande capital sobre a economia portuguesa tem tido como principais instrumentos um poder político submetido aos seus interesses, o nefasto processo de privatizações, com o desmantelamento do sector público da economia e a entrega de sectores-chave ao grande capital (nacional e estrangeiro), a distribuição privilegiada dos fundos estruturais (comunitários e nacionais), uma política fiscal de benefício descarado das grandes empresas e das actividades financeiras e especulativas, a crescente desregulamentação da economia, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a degradação dos seus direitos.

O primado da esfera financeira e a ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento tornaram-se um corolário lógico da completa submissão da política económica portuguesa ao objectivo da participação de Portugal na moeda única europeia em 1999.

Como consequência destas orientações básicas, persistiu o agravamento dos desequilíbrios estruturais da economia nacional, acelerou-se a desindustrialização e a desertificação agrícola do País, acentuaram-se as assimetrias regionais, a periferização, a dependência e as vulnerabilidades da economia portuguesa.

Do ponto de vista das medidas macro-económicas adoptadas, a política desenvolvida centrou-se no controlo da inflação através de uma política deflacionista e, em particular, de uma política cambial de sobrevalorização do escudo, penalizando directamente as nossas exportações e favorecendo as importações, isto é, penalizando directamente a produção nacional.

A sustentação desta política cambial exigiu o prosseguimento de uma política monetária restritiva, cuja principal consequência tem sido a permanência de elevadas taxas de juro reais e, com elas, o excessivo custo real de financiamento das empresas, ao mesmo tempo que se deprimia o consumo privado, penalizando-se, também por essa via, as empresas e os trabalhadores portugueses.

As elevadas taxas de juro privilegiaram os investimentos financeiros em detrimento dos interesses produtivos. Os capitais estrangeiros, atraídos pelas altas remunerações assim asseguradas, orientaram-se na sua grande maioria, tal como os capitais nacionais, para aplicações na esfera improdutiva e para operações de carácter financeiro e especulativo, conduzindo a uma forte descapitalização e deterioração do tecido produtivo português.

Aquelas medidas macro-económicas foram acompanhadas de medidas liberalizadoras que abandonaram o sector produtivo aos ditames exclusivos de um mercado dominado pelas grandes empresas nacionais e transnacionais, e de medidas fiscais que beneficiaram as aplicações financeiras e especulativas e penalizaram, relativamente, os investimentos produtivos.

A isto há que somar a falta de preparação da industria e da agricultura portuguesas para se confrontarem com o desarmamento alfandegário e outras exigências decorrentes da nossa participação na União Europeia, na medida em que não foram desenvolvidas políticas que ajudassem a nossa indústria, a nossa agricultura e as nossas pescas a atingir níveis de produtividade e de competitividade comparáveis aos dos restantes países comunitários.

Aqui reside um dos factos mais graves que nos conduziu à situação actual: Portugal não contou com políticas activas de desenvolvimento industrial, agrícola e das pescas, o que nos levou, através de duras «reconversões» e «reestruturações», decididas de forma conjuntural e à custa do agravamento da exploração dos trabalhadores e do aumento do desemprego, a contar hoje com menos empresas directamente produtivas e sectores mais pequenos, mas nem umas nem outros mais competitivos.

Mais. Esta política agravou o processo de desindustrialização do País, com a sistemática quebra do investimento real das empresas portuguesas (há já cinco anos consecutivos). Só a existência de um sector empresarial público — que manteve níveis de investimento significativos — impediu ainda uma maior degradação do sistema produtivo nacional, já que são as empresas privadas que registam fortes quebras reais do investimento (há seis anos consecutivos), com especial incidência na indústria transformadora e nas empresas de pequena e média dimensão.

Pelas mesmas razões a produção industrial tem vivido entre o decréscimo e a estagnação a níveis cada vez mais baixos (realidade que a entrada em funcionamento da Auto-Europa não consegue escamotear).

Paralelamente, e como uma das causas desta evolução negativa, a generalidade dos grupos económicos portugueses prossegue uma estratégia de desvio de enormes recursos dos sectores produtivos em que se inserem para aplicações especulativas no investimento imobiliário ou financeiro.

Porque as Pequenas e Médias Empresas apresentam, na sua maioria, a par de um escasso nível tecnológico, uma estrutura financeira fortemente debilitada, com níveis de endividamento muito elevados, e revelam naturalmente a sua menor capacidade de resposta perante conjunturas recessivas e a sua dificuldade para competir num mercado cada vez mais internacionalizado e dominado pelas grandes empresas nacionais e multinacionais.

Por isso, os efeitos da política de direita sobre a estrutura produtiva nacional fizeram-se sentir de forma dramática sobre as Pequenas e Médias Empresas, dominantes a nível de produção e de emprego no nosso País.

Por outro lado, a política económica de direita tem tido como um dos seus principais pilares o acelerado processo de privatizações que, constituindo um dos maiores e mais escandalosos esbulhos do património público empresarial, tem vindo a lesar gravemente os interesses económicos do País e dos trabalhadores dessas empresas e, retirando ao Estado alavancas fundamentais para promover o desenvolvimento económico, tornando mais dependente e periférica a economia nacional.

Contrariamente ao que afirmavam e teimam em afirmar os defensores das privatizações (PS, PSD e CDS-PP), os «novos e dinâmicos grupos económicos nacionais» que se constituíram à custa das privatizações não se mostram «promotores de um maior e melhor crescimento económico», antes, e de acordo com a lógica capitalista da rentabilidade, diminuíram o emprego e aumentaram os despedimentos, as rescisões forçadas e os ataques aos direitos dos trabalhadores, acentuaram as assimetrias regionais e os desequilíbrios económicos face ao exterior.

Só uma minoria constituída por grupos económicos nacionais, grupos capitalistas estrangeiros e alguns especuladores bolsistas beneficiaram, e têm a beneficiar, com o processo de privatizações.

Agravou-se a injustiça fiscal, cuja carga incide fundamentalmente sobre os rendimentos do trabalho quer directamente através do IRS — quer indirectamente por via dos impostos sobre o consumo (IVA, ...) —, ao mesmo tempo que são objecto de ilegítimos benefícios fiscais os rendimentos de capital e as operações e aplicações financeiras e especulativas.

A política económica de direita tem conduzido e tem sido acompanhada pela degradação da situação social, constituindo o persistente e crescente aumento do desemprego uma das mais graves consequências sociais da política económica de direita.

Não são a alegada «rigidez do mercado de trabalho», nem as novas tecnologias por si só, nem o nível dos salários e dos encargos sociais, a causa do desemprego massivo e crescente no nosso País.

O factor chave, as causas essenciais do crescente desemprego encontram-se na política de destruição do aparelho produtivo, nas orientações monetaristas da política macro-económica, na afectação prioritária dos recursos financeiros às actividades especulativas e parasitárias, nas privatizações, na competitividade económica assente na intensificação da exploração dos trabalhadores e na desregulamentação do mercado do trabalho.

Em suma, a análise da evolução das realidades nacionais nestes últimos anos põe em evidência que as políticas de direita — antes com os governos do PSD, agora com o Governo do PS — são incapazes de lançar as bases estáveis e duradouras de um processo de desenvolvimento económico e social. Pelo contrário, agravam os problemas de fundo da economia e da estrutura produtiva portuguesas, aumentam o atraso relativo do País e acentuam as injustiças e desigualdades sociais.

Estes são os resultados de uma política económica de direita que, por um lado, visa a concentração da riqueza nas mãos de uma minoria e, por outro lado, se orienta pela prioridade absoluta aos aspectos nominais e financeiros da vida económica, em detrimento da «economia real», do investimento e da produção material.

Os Governos defensores e executores desta política de direita — primeiro o PSD e agora o PS — fundamentam-na, basicamente, em dois argumentos: 1) a necessidade absoluta do cumprimento das orientações neoliberais e monetaristas e dos critérios de convergência nominal da União Económica e Monetária; 2) o primado do «mercado» na regulação das economias.

Em relação ao primeiro argumento, é falso que Portugal esteja obrigado a cumprir aquelas orientações e critérios e a seguir uma política monetarista, ou que o seu incumprimento implique que Portugal seja excluído da União Europeia.

Mas, mais importante que tudo, a evolução económica e social do nosso País nos últimos anos mostra que aquelas orientações e aqueles constrangimentos são contrários e se opõem ao desenvolvimento económico e social.

Os objectivos de prioridade absoluta à convergência nominal (inflação, paridade cambial, défice orçamental, dívida pública e taxas de juro) esquecem o lado real da economia, o que é profundamente gravoso para um País como Portugal que apresenta uma estrutura industrial e agrícola em fase de desenvolvimento relativamente atrasada e níveis de produtividade substancialmente abaixo da média da União Europeia.

Como tem vindo a ser demonstrado pela prática da nossa economia, não é possível conciliar os critérios monetaristas para a moeda única com as exigências estratégicas de modernização das empresas e sectores de actividade, de melhoria das condições de competitividade e de uma especialização produtiva mais valorizada.

Na realidade objectiva de Portugal, a perda de instrumentos essenciais para a condução da política económica nacional (designadamente as políticas cambial, monetária e mesmo orçamental) implicará que os diferenciais de produtividade com os restantes países comunitários venham a ser suportados essencial ou exclusivamente pela redução relativa dos salários dos trabalhadores portugueses (que são já os mais baixos da UE) e pelo aumento permanente do desemprego.

Inversamente ao que foi propagandeado anteriormente pelos governos do PSD e actualmente pelo Governo do PS, os constrangimentos e sacrifícios impostos pela prioridade atribuída à convergência não são transitórios, não terminam com a criação da e a integração na moeda única.

Os efeitos mais nefastos desta política far-se-ão sentir permanentemente depois da moeda única, com a frágil e relativamente atrasada estrutura produtiva portuguesa, amarrada a uma moeda única, sobrevalorizada em relação à nossa economia, a ter de competir nos mercados nacional e internacionais fundamentalmente com as produções de países do chamado Terceiro Mundo.

A sujeição às políticas únicas monetária e cambial impede hoje, e impedirá no futuro, que a economia portuguesa cresça a um ritmo substancialmente mais rápido que o da média comunitária, e que os salários dos trabalhadores portugueses aumentem em termos reais mais que os dos restantes países. O que significa e significará que a convergência real (níveis de desenvolvimento das estruturas económicas e sociais, de rendimentos e de segurança social) de Portugal com a média dos países da UE deixará de ter qualquer viabilidade, mesmo a médio ou longo prazos.

A exigência de redução do défice orçamental e da sua manutenção a longo prazo ao mesmo nível do de uma Alemanha, por exemplo, exige uma forte contenção das despesas públicas nacionais, designadamente das despesas sociais e de investimento. O que, identicamente, significa e significará o abandono definitivo de qualquer perspectiva séria de convergência real.

A adopção, em permanência, de uma política monetária restritiva, como é a que decorre da União Monetária e da moeda única, tem e terá como principal resultado a continuação da destruição do aparelho produtivo e o aumento permanente do desemprego.

Em relação ao segundo argumento, a defesa e endeusamento do mercado como mecanismo de regulação automática da economia, por oposição à intervenção do Estado neste domínio e com este objectivo, é a defesa da velha — e há muito ultrapassada pela vida — concepção liberal que, pretendendo apresentar o Estado como pura instância política separada da economia e da sociedade, mais não visa, de facto, que ocultando a efectiva e multifacetada intervenção do Estado capitalista na economia e nas relações sociais em favor dos detentores dos meios de produção, da classe capitalista.

Uma concepção que deliberadamente ignora a compreensão da natureza de classe do Estado, escamoteando que a alegada não intervenção do Estado na economia é apenas uma das formas de o Estado capitalista garantir as condições gerais indispensáveis ao funcionamento do modo de produção capitalista e à manutenção das estruturas sociais que o viabilizam. Que voluntariamente omite que, actualmente, as relações económicas — quer ao nível nacional quer no âmbito internacional — se apresentam cada vez mais como relações de poder, e que o mercado não é um puro mecanismo natural de afectação eficiente e neutra de recursos escassos e de regulação automática da economia. Que pretende esquecer que na vida real actual a «mão invisível» do mercado foi substituída pela mão visível das grandes empresas, dos conglomerados transnacionais e do Estado ao seu serviço.

A verdade é que o mercado é um produto da História que, desde que adquiriu um papel dominante, tem correspondido concretamente a determinadas circunstâncias económicas, sociais, políticas e ideológicas. Desde há séculos, com o capitalismo, que o mercado serve mais os interesses de uns que os de todos, regula e mantém determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses dos detentores dos meios de produção que podem viver sem trabalhar sobre os interesses dos trabalhadores que têm de trabalhar para sobreviver.

A tese do mercado todo-poderoso e intocável é, ainda, um pretexto que visa perpetuar as estruturas de poder na sociedade que geram e mantêm as diferenças de rendimentos entre os grupos sociais, que pretende «justificar moralmente» a diferença de natureza dos rendimentos dos trabalhadores (o salário) e dos rendimentos dos capitalistas (o lucro) e a existência do «desemprego natural» que, não tendo qualquer fundamento teórico (apenas servindo os objectivos capitalistas de aumento da exploração dos trabalhadores), tem por objectivo impor a ideia de que, por um lado, o desemprego é inevitável e, de que, por outro lado, o emprego é um «privilégio» para os trabalhadores, cuja manutenção deve obrigar os trabalhadores empregados a aceitar a estagnação ou redução salarial, a precarização das condições de emprego e a eliminação de direitos sociais.

A situação real da economia portuguesa é suficientemente preocupante e grave para não admitir sofismas e manobras de diversão. Pelo contrário, exige que seja encarada frontalmente e com toda a seriedade.

O essencial é uma alteração profunda da política económica, colocando o emprego com direitos como o objectivo fundamental da prioridade primeira que é o desenvolvimento e modernização do aparelho produtivo nacional, reconhecendo que a criação sustentada de novos postos de trabalho (em quantidade e com qualidade) só é possível com políticas de crescimento económico acelerado (que exigem a redução substancial das taxas de juro reais e uma paridade cambial adequada às realidades e às necessidades da economia portuguesa), e assumindo que o desemprego é em si mesmo um travão ao crescimento e ao investimento e que elevadas taxas de crescimento económico sustentado exigem um elevado ritmo de criação de emprego e o aumento permanente do poder de compra dos trabalhadores.

Uma nova e radicalmente diferente política de desenvolvimento económico e social, em que o crescimento económico não seja um fim em si mesmo mas um elemento essencial para a criação de emprego, para o aumento da riqueza a distribuir de forma mais justa, para a melhoria, progressiva mas permanente, das condições e nível de vida dos portugueses. Em que o objectivo do crescimento económico não seja o da produção pela produção, mas sim o de dar resposta e satisfação às necessidades urgentes e crescentes da sociedade portuguesa, de garantir mais formação e qualificação profissionais aos trabalhadores, de atribuir à investigação científica um importante papel no desenvolvimento, de alargar os direitos e as possibilidades de intervenção dos trabalhadores nos processos produtivos e nas estratégias de desenvolvimento das empresas e do País.

Esta nova e necessária estratégia de desenvolvimento económico, sem recusar os contributos úteis que possam advir do investimento directo estrangeiro, deverá assentar fundamentalmente nas vontades e capacidades nacionais (públicas e privadas), que permitam determinar e dominar internamente o processo de modernização da nossa economia e de internacionalização activa das empresas portuguesas e controlar o ritmo de crescimento económico.

Com esta nova política de desenvolvimento, é necessário e é possível produzir mais em Portugal através do aproveitamento racional e eficiente dos recursos endógenos, nomeadamente criando fileiras industriais e agro-alimentares de produção, favorecendo a cooperação entre regiões e apoiando as pequenas e médias empresas e os agricultores, no quadro de uma economia mista que integre um forte sector público empresarial, empresas privadas, empresas do sector social-cooperativo e empresas e explorações familiares, com as suas dinâmicas próprias e complementares respeitadas e apoiadas pelo Estado.

Em particular, o futuro da nossa indústria passa necessariamente por uma política industrial activa, coerente com as medidas macro-económicas que se adoptem, que hão-de servir tanto para superar as carências estruturais como os problemas conjunturais, ainda que no quadro concorrencial do mercado único europeu.

A política industrial deverá prosseguir dois objectivos essenciais: por um lado, obter uma base industrial mais sólida, o que significará alcançar um crescimento económico sustentado que, por sua vez, permitirá que nos aproximemos do resto dos países da UE quanto ao grau de industrialização, e que contribuirá para a criação de emprego; por outro lado, modernizar o nosso aparelho produtivo, de forma a melhorar a produtividade, a qualidade e o nível tecnológico, o que redundará numa maior competitividade das nossas empresas nos mercados interno e externos. Neste quadro impõe-se articular a política de inovação industrial e de desenvolvimento de novos sectores e ramos com a defesa e modernização dos sectores industriais onde temos experiência, conhecimentos adquiridos e mercados assegurados ou potenciais.

É imprescindível conseguir um elevado nível de investimento que capitalize a indústria portuguesa em «extinção». E nesta perspectiva é essencial defender a existência de um sector público industrial estratégico como elemento de consolidação do tecido produtivo.

Apesar dos vultuosos meios financeiros transferidos para o sector agrícola desde 1986, o balanço mostra-nos que a agricultura portuguesa está mergulhada numa profunda crise, que os rendimentos dos agricultores caíram brutalmente, que o desemprego nos campos aumentou, e que, em consequência disto, são hoje ainda mais preocupantes o nível de dependência agro-alimentar do País, o acelerado processo de despovoamento dos campos e a ausência de perspectivas futuras. Crise da responsabilidade da política de direita e da Política Agrícola Comum (PAC).

A política agrícola do actual Governo PS — que tem apresentado como características estruturais a prossecução, no essencial, das políticas anteriores — o agravamento das políticas comunitárias e a aceleração do processo de abolição de fronteiras põem cada vez mais em perigo a sobrevivência futura da agricultura e do mundo rural.

Impõe-se uma nova política que assegure a viabilidade da agricultura portuguesa e a defesa da produção nacional, a revitalização do mundo rural e a garantia de futuro para os agricultores.

Tal política deverá ter como grandes eixos estruturantes o reconhecimento do direito de todos os agricultores a produzir e a ser remunerados pela sua actividade produtiva e a unificação das funções de produção agro-pecuária e florestal e das outras valências do mundo rural — eixos estruturantes que deverão assentar na revisão das regras da Política Agrícola Comum e na renegociação dos acordos do GATT; numa política de renovação e sustentação do tecido agrícola nacional; no fomento do cooperativismo agrícola e na reconversão da estrutura fundiária, designadamente com o emparcelamento, no respeito pela vontade dos pequenos agricultores na zona do minifúndio, e com a realização de uma reforma agrária nos campos de latifúndio.

Hoje como ontem, a estrutura latifundista surge como o mais pesado factor de bloqueamento do desenvolvimento da região e do progresso social das populações do Alentejo. Uma reforma agrária, com características e com critérios inseridos na realidade actual do país e da região, é a resposta necessária à degradação económica e social do Alentejo, gerada pela contra-reforma agrária e agudizada pela PAC.

Nas pescas impõe-se uma política de valorização deste importante segmento da economia e de desenvolvimento da produção nacional de pescado, quer para satisfazer em mais larga escala as necessidades internas quer para aumentar o volume e o valor acrescentado das exportações, defendendo, nomeadamente perante a Política Comum de Pescas, as características e especificidades das pescas nacionais, promovendo o apoio à renovação da frota e acabando com a actual política de abates, defendendo as posições de pescas em águas exteriores à Comunidade de forma a viabilizar a frota longínqua, promovendo a modernização e adequação dos portos piscatórios e apoiando uma política de investigação virada para a preservação dos recursos e a potenciação da actividade produtiva.

No âmbito de uma estratégia nacional de desenvolvimento impõe-se, igualmente, a definição e concretização de políticas activas para outros importantes sectores de actividade, nomeadamente os do turismo, comunicações e telecomunicações, comércio interno e sector financeiro.

Para a concretização desta nova política, o Estado não pode nem deve renunciar ao seu poder de intervenção na direcção e regulação do sistema económico, utilizando para isso os instrumentos ao seu dispor, incluindo aí a sua actividade empresarial, o sector empresarial do Estado.

O papel económico real do mercado como lugar de circulação das mercadorias e dos capitais não pode ser confundido com um papel de regulador exclusivo da actividade económica.

A intervenção do Estado na regulação da actividade económica, sem pôr em causa a complementaridade concorrencial entre sectores e empresas, é indispensável para que sejam tidos em conta os objectivos sociais do desenvolvimento a bem do interesse nacional, para alcançar com eficiência os fins de interesse público da responsabilidade do Estado. Para permitir a efectiva prossecução de políticas que prossigam opções estratégicas nacionais. Para impedir os abusos de poder do mercado e conciliar a concorrência e a solidariedade e a inovação empresarial e a modernização da economia e da sociedade. Para garantir o pleno aproveitamento das capacidades nacionais e para fazer a harmonização possível das actuações dos sectores público e privado à luz dos crescentes desafios externos e de um objectivo claro de progresso social e de desenvolvimento económico.

A competitividade de que carece a generalidade da economia portuguesa não passa pela redução dos salários dos trabalhadores portugueses nem pela degradação das condições laborais (se assim fosse seríamos hoje os mais competitivos da União Europeia), mas sim, e nomeadamente, pela definição de uma estratégia nacional de desenvolvimento, pelo acréscimo da chamada «produtividade do capital», pela organização eficiente da produção, pela modernização dos processos produtivos, pelo aumento do nível educativo e de formação profissional, por taxas de juro e preços dos elementos produtivos concorrenciais, pela aplicação eficaz dos fundos estruturais, por uma política cambial realista e de apoio à actividade produtiva.

Aliás, a maior ameaça à competitividade da economia portuguesa é, precisamente, a sua sujeição a uma «moeda única» sobrevalorizada em relação à realidade da economia portuguesa e às outras moedas internacionais.

Só um crescimento económico mais forte permitirá resolver, ou pelo menos atenuar fortemente, os problemas do desemprego.

E para permitir esse crescimento económico mais forte e sustentado impõe-se, como necessidade absoluta, uma ruptura efectiva com as orientações monetaristas da União Europeia e, por maioria de razão, com os critérios de «convergência nominal» do Tratado de Maastricht e a assunção da opção de que Portugal deve dar prioridade ao desenvolvimento e, por isso, não se amarrar à terceira fase da União Económica e Monetária nem acatar a moeda única.

Economias estruturalmente diferentes e com diferenciados níveis de desenvolvimento exigem políticas monetárias, cambiais e orçamentais adequadas a cada caso e não políticas únicas (que, necessariamente, terão de ser definidas de acordo com os interesses das economias mais desenvolvidas e determinantes).

Trata-se, afinal, de substituir o objectivo da «convergência nominal» pelo objectivo da «convergência real», com a adopção de normas diferenciadas (e não alinhadas pela economia mais forte) que possam traduzir uma evolução positiva dos padrões económicos e sociais (nível de emprego, distribuição do rendimento, desenvolvimento regional, condições de vida e de trabalho...).

Em suma, impõe-se uma nova política que assuma o emprego e o progresso social como o grande objectivo e condição essencial do desenvolvimento económico, e a defesa do sistema produtivo português e o aumento sustentado da produção como uma primeira prioridade. Em que o sector empresarial público e os grandes serviços públicos sejam colocados ao serviço do desenvolvimento, dos trabalhadores, dos portugueses. Em que se busque o crescimento harmonioso com a correcção dos desequilíbrios regionais e a defesa do ambiente. Em que os condicionantes da integração comunitária e dos processos de crescente mundialização das economias sejam abordados, não como imperativo a cumprir ou dogmas a aceitar, mas como uma frente de intervenção e de luta na defesa dos interesses nacionais e da cooperação e solidariedade entre os povos.

Uma nova política, uma política de esquerda, que assuma frontal e permanentemente que a causa da justiça social não é apenas justa como desempenha uma verdadeira função económica.

3. Evolução social

Nos últimos quatro anos assistiu-se a uma acentuada degradação da situação social, caracterizada quer pela agudeza das suas diversas expressões quer pela crescente amplitude dos seus efeitos na sociedade portuguesa.

A desvalorização do trabalho — como direito social fundamental, condição básica da integração na sociedade e da realização humana — é cada vez mais profunda. E a concretização dos restantes direitos sociais consagrados na Constituição tem vindo a ser, também, progressivamente posta em causa.

O desemprego não pára de aumentar, tendo o número de desempregados ultrapassado já o meio milhão. Constituem aspectos particularmente inquietantes nesta situação:

— A aceleração brutal da taxa de desemprego nos últimos meses, ao invés das promessas do PS e do Governo, que se comprometeram formalmente com a sua redução;

— o crescimento da proporção de desempregados de longa duração, o que exprime o carácter não conjuntural do problema;

— o agravamento do desemprego de mulheres, constituindo mais de metade dos desempregados e dos desempregados de longa duração;

— e o nível muito elevado do desemprego que atinge os jovens, muitos dos quais se vêem, além disso, confrontados com a dificuldade de encontrar emprego adequado à formação que adquiriram.

A precarização do trabalho e o subemprego assumem uma expressão cada vez mais generalizada, com todo o seu cortejo de incertezas e de condições objectivas mais desfavoráveis para a defesa dos interesses dos trabalhadores.

Além do desemprego, do subemprego e do trabalho precário, outros factores contribuem de forma também decisiva para a degradação da situação social. São de sublinhar:

— a violação e o desrespeito dos direitos dos trabalhadores;

— o agravamento da exploração e as profundas e crescentes desigualdades na distribuição do rendimento nacional (com destaque para o nível muito baixo da parte do trabalho no rendimento nacional e para o valor reduzido das prestações sociais);

— o alastramento das manchas de pobreza e dos fenómenos de marginalidade e de exclusão social;

— os agudos problemas da habitação e dos transportes;

— e as discriminações de natureza classista que continuam a afectar o carácter efectivamente universal da concretização dos direitos sociais de que o Estado está incumbido — e de cujas obrigações procura descartar-se — nomeadamente relativos à segurança social, à saúde e ao ensino.

No que respeita à distribuição da riqueza são expressivos os factos, reconhecidos num estudo oficial, de que 1% da população portuguesa concentra 16,8% do total da riqueza e de que um quarto do total da população monopoliza 72% da riqueza. E de que se vem verificando nos últimos anos um crescimento significativo das desigualdades.

É muito preocupante a extensão e o agravamento dos fenómenos da exclusão social e da pobreza, em toda a multiplicidade das suas dimensões, desde o nível muito baixo de rendimentos, ao desemprego e à precariedade de trabalho, à falta de condições de habitação, de saúde e de inserção nos próprios processos educativos. A dimensão quantitativa do problema é conhecida: com um terço da população a viver numa situação de pobreza, ou seja, com um rendimento inferior a 50% do rendimento médio nacional per capita, Portugal é o País da União Europeia onde a pobreza atinge actualmente uma expressão mais significativa. Quanto ao alastramento das manchas de pobreza e dos fenómenos de marginalidade, importa salientar que à pobreza tradicional, em que sobrevive um vasto sector de idosos e de deficientes, desempregados há longa data ou jovens à procura de primeiro emprego, famílias monoparentais, minorias étnicas, sectores de assalariados e do campesinato com um nível muito baixo de rendimentos, se vêm crescentemente somando os efeitos sociais do que vem sendo designado por «nova pobreza» provocada pelas alterações estruturais muito profundas que se verificam no mercado do trabalho, e que atingem uma parte cada vez mais significativa da população, que ou não consegue acesso a um rendimento regular certo ou é atingida por alterações da regularidade, da certeza e/ou do nível de rendimento.

Na evolução social da sociedade portuguesa reflectem-se também fenómenos e tendências de natureza muito diversa e transformações que têm vindo a processar-se em várias esferas da vida nacional. São de salientar, nomeadamente:

— As transformações nas actividades produtivas, com acentuada queda da população agrícola, o desaparecimento ou redução de pólos industriais, e o desenvolvimento da área dos serviços;

— a quebra demográfica e a desertificação de muitas zonas rurais, associada à crescente urbanização do País provocada pelos movimentos migratórios do campo para as vilas e para as cidades, com particular destaque para os fluxos que se orientam para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto;

— os problemas complexos, decorrentes do crescente fluxo imigratório para Portugal, especialmente dos PALOP, e o desenvolvimento de inaceitáveis expressões de racismo e xenofobia;

— os novos fluxos emigratórios, de curta duração, com origem nas zonas rurais mas também de centros urbanos;

— e o abaixamento muito acelerado da taxa de natalidade (provocando a sensível redução do peso do grupo etário dos menores de 15 anos) e o envelhecimento da população.

A política neoliberal de crescente desresponsabilização do Estado em relação às funções sociais que constitucionalmente lhe incumbe assegurar, associada à progressiva mercantilização e submissão a critérios lucrativistas de áreas como a saúde, a educação e a segurança social, que tem caracterizado a acção dos sucessivos governos de direita e que agora o Governo do PS prossegue, em aspectos fundamentais, constitui uma causa fundamental da degradação da situação social que se regista na sociedade portuguesa.

O combate a essa política constitui, por isso, uma questão central para quantos se empenham em travar e inverter o deteriorado panorama social da sociedade portuguesa.

E configura, à esquerda, e com um destacado papel dos comunistas, uma clara prioridade para a intervenção e a acção política e de massas, seja num sentido da defesa de direitos e dos sistemas sociais que os suportam (serviço nacional de saúde, escola pública, sistema público de segurança social) seja da sua concretização num nível mais elevado e do seu aperfeiçoamento, que são indispensáveis para o desenvolvimento integrado, económico, social e cultural do País.

No que respeita à Segurança Social, sem dúvida uma das questões sociais que toca mais profundamente o conjunto dos trabalhadores portugueses, a diferença maior que separa o sistema existente no nosso País dos que existem nos países mais desenvolvidos tem a ver com o nível de protecção social, que é muitíssimo baixo entre nós. É o caso, nomeadamente, das precárias condições de vida em que vive a esmagadora maioria dos reformados e pensionistas, muitos deles a viverem abaixo dos limites de pobreza. No que respeita às próprias pensões do regime geral (contributivo), abrangendo no final de 1995 um milhão e seiscentos e cinquenta mil pensionistas (mais de 2/3 do total), 66,5% das pensões de velhice e 72,5% das pensões de invalidez eram inferiores a 30 contos por mês, sendo também que mais de 88% dos pensionistas dessas modalidades auferiram valores inferiores a 50 contos por mês.

A política de direita — com destaque para a década do cavaquismo — não foi apenas responsável pela manutenção das prestações num nível muito baixo, com todas as suas consequências negativas, incluindo as relativas à menor confiança inspirada pela Segurança Social. Ela conduziu, também, à acumulação de gravíssimos problemas e desregulações no sistema, que o fragilizaram e o tornaram mais vulnerável ao ataque neoliberal. Referem-se, em particular, as debilidades financeiras resultantes do continuado incumprimento governamental da Lei de Bases da Segurança Social, que atribui ao Estado a responsabilidade pelo financiamento do regime não contributivo (ou fracamente contributivo) e da acção social, da extrema permissividade perante uma evasão contributiva de grandes proporções e da acumulação de um vultuoso montante de dívidas por parte do patronato.

Apesar de ser este o quadro, o PCP não acompanha a visão catastrófica sobre a situação do sistema e critica os interesses privatizadores que a promovem.

As insuficiências notórias que o sistema público da Segurança Social apresenta no nosso País, e as dificuldades acumuladas durante muitos anos (resultantes da sua má gestão e da utilização dos seus recursos por sucessivos governos ao serviço de interesses estranhos à protecção social dos beneficiários), não põem em causa o direito social fundamental que ele concretiza, não desvalorizam as suas inegáveis realizações e muito menos o imenso património social que foi erguido com o trabalho e com o sacrifício de várias gerações de trabalhadores portugueses. Essas inegáveis realizações e esse imenso património social ilustram mesmo as potencialidades existentes no sistema público de Segurança Social, desde que seja levada a cabo uma política de orientação democrática, para passar a ser dada uma melhor e garantida resposta às necessidades de protecção social constitucionalmente estabelecidas.

O «modelo» neoliberal de privatização da segurança social, que com variantes de grau, modalidade e prazo de concretização, aparece a ser defendido no nosso País pelos representantes do grande capital financeiro (bancos, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de pensões) e, no plano político, pelos responsáveis do PSD, do PP e do Governo do PS, não tem nada de positivo a oferecer aos beneficiários da Segurança Social; bem pelo contrário, não dispõe de qualquer vantagem comparativa na abordagem dos problemas (velhos e novos) com que o sistema está confrontado, representando, por isso, uma grave ameaça.

Às «reformas» da segurança social redutoras de direitos e com objectivos privatizadores contrapõe o PCP a realização de uma política de sentido inteiramente oposto, que defenda, reforce e aperfeiçoe o direito à segurança social e o sistema público que o suporta e garante.

O PCP propõe como orientações estratégicas da reforma democrática da Segurança Social: a garantia dos direitos adquiridos e em formação a todos e individualmente a cada um dos beneficiários do sistema de Segurança Social, de forma a reforçar a confiança e a impedir a imposição de regimes mais desfavoráveis; a melhoria das prestações sociais e a elevação dos seus valores, em especial das prestações que se encontram num nível mais degradado; a concretização da universalização, de modo a cumprir o direito de todos os cidadãos à segurança social, independentemente da sua situação profissional; a autonomia institucional, a descentralização democrática e o reforço da participação social no sistema; e o reforço e a adequação do financiamento da segurança social, com a elevação dos recursos e a clarificação do que deve ser financiado pelas contribuições dos beneficiários e o que deve ser financiado pelos impostos pagos por todos os portugueses, por forma a garantir os compromissos assumidos e a permitir uma resposta de nível mais elevado aos riscos sociais.

Na área da Educação, verifica-se o prolongamento de uma crise cujas expressões mais agudas são o insucesso educativo e o abandono escolar. A «reforma educativa» promovida pelo PSD, que o actual Governo do PS tem vindo a prosseguir, veio tornar essa crise ainda mais complexa.

Esta situação é indissociável de uma política, a que o PS tem dado continuidade nos últimos meses, de desresponsabilização do Estado em relação à educação e ao ensino e de mercantilização dos saberes, e que se traduz nomeadamente na não concretização do sistema público de educação pré-escolar, na selectividade da frequência da escola pública, ao nível do secundário e do superior (em que avulta a manutenção do sistema de numerus clausus no acesso ao ensino público), em privilégios escandalosos ao ensino privado, no desrespeito pela progressiva gratuitidade do ensino público e na sobrecarga dos estudantes e suas famílias com os custos do ensino e na transferência de responsabilidades para as autarquias sem lhes serem atribuídos os correspondentes meios.

Daí decorre um conjunto de problemas de natureza estrutural tais como meios financeiros insuficientes e muito mal aproveitados; política de gestão de pessoal marcada pelo economicismo, por um estatuto docente socialmente desvalorizado, e uma formação de professores inicial e contínua insuficiente e desvirtuada em relação às suas finalidades essenciais; por carências de pessoal auxiliar; carências sérias no plano das estruturas físicas, pela sobrelotação e degradação de escolas em muitas regiões.

Esta situação é agravada pela deficiente articulação entre as várias estruturas, sectores e segmentos do sistema educativo, problema que assume expressões particularmente agudas na transição entre diferentes níveis e ciclos de ensino, quer no plano dos currículos e programas quer no da avaliação dos alunos, quer no da concepção de escola.

Outra questão, não menos importante e grave, é a excessiva e sufocante governamentalização de todo o sistema educativo com a tendência para o comando burocrático — administrativo e até repressivo de toda a vida escolar, a partir do Ministério da Educação, aparelho central e suas extensões regionais. Tal governamentalização constitui um fortíssimo elemento de bloqueio do conjunto do sistema educativo e da intervenção dinâmica que professores, estudantes, associações de pais e encarregados de educação e a comunidade nele deveriam assumir.

A reflexão sobre a educação, numa estratégia de verdadeiro desenvolvimento humano, e sobre as forças motoras do urgente processo de transformação e de modernização do sistema educativo faz avultar o papel das próprias escolas (e dos seus profissionais) e o papel decisivo de uma dinâmica centrada no sistema educativo e auto-regulada de forma democrática, no seu interior e em ligação com a sociedade. Dinâmica essa que à fracassada «reforma educativa» do PSD contraponha uma reforma educativa de orientação democrática, com um objectivo fundamental: um ensino de qualidade para todos os portugueses.

O PCP propõe como linhas de orientação geral: a Educação, como factor estratégico para o desenvolvimento; a escola pública de qualidade como opção fundamental; a democratização do acesso à educação e ao ensino de que a gratuitidade do ensino público constitui um dos factores básicos; o sucesso educativo e escolar dos jovens, o sucesso do sistema; uma escola com mais autonomia e com mais participação; e um sistema não governamentalizado, dotado de autonomia democrática, descentralizado e com financiamento suficiente e regular.

A ciência e tecnologia constitui uma área em que o atraso acumulado pelo nosso País e o agravamento do fosso que nos separa dos países mais desenvolvidos, tem consequências mais graves. A situação caracteriza-se por: a ausência de uma política científica e tecnológica nacional, desarticulação do sistema científico e tecnológico e falta de mecanismos de avaliação; progressiva destruição das unidades de investigação e desenvolvimento experimental do sector público; carência de recursos humanos, envelhecimento dos quadros, bloqueamento de admissões e recurso a bolseiros e a trabalhadores precários; subfinanciamento do sistema científico e tecnológico, má gestão durante anos dos recursos nomeadamente dos fundos comunitários, peso excessivo do financiamento por projectos; muito baixo nível das actividades de I&DE desenvolvidas pelas empresas; insuficiente articulação entre os sistemas produtivo, de C&T e educativo; investimento em infraestruturas tecnológicas desligadas de necessidades efectivas do sector produtivo e criação de Parques de Ciência e Tecnologia de duvidosa utilidade para a proclamada ligação de actividades de I&DE e as de produção de bens e serviços.

No domínio da ciência e da tecnologia o PCP propõe, como orientações estratégicas: o desenvolvimento sustentado do sistema nacional de I&DE, promoção da coordenação e articulação dos vários subsistemas e das suas funções; a afirmação do papel determinante do sector público no fomento das actividades de I&DE; a formulação de uma política científica e tecnológica que tenha em conta os problemas específicos do desenvolvimento do País, as tendências internacionais e as actuais condições de circulação e de intercâmbio de conhecimentos à escala internacional; a desgovernamentalização, desburocratização e democratização das decisões na área da C&T e o desenvolvimento de mecanismos de participação democrática da comunidade científica nas macro-decisões orientadoras do sistema nacional de I&DE; o crescimento dos recursos financeiros e dos recursos humanos e das suas condições de trabalho; a aprovação de uma lei de financiamento das unidades de I&DE, que contemple um financiamento de base das instituições regulado por parâmetros objectivos e um sistema de financiamento por contratos — programa e por projectos; e afirmação de que o investimento em C&T, sem prejuízo da investigação fundamental, deve ir ao encontro das necessidades do sector produtivo, deve abranger áreas de importância social como a educação, a saúde, a cultura, o meio ambiente, e fomentar também outras actividades científicas e tecnológicas; o incremento das actividades de investigação industrial; o fomento das Outras Actividades Científicas e Tecnológicas, como elementos de mediação entre a I&DE, o sistema produtivo e outras actividades sociais; o estabelecimento de um regime de autonomia (financeira, administrativa e científica) e de escolha democrática dos responsáveis das unidades públicas de I&DE, e o desenvolvimento de processos de avaliação e acompanhamento da sua actividade.

No que respeita à Saúde, o PCP recusa firmemente uma política que conduza à divisão entre aqueles que têm capacidade económica para usufruírem da prestação de cuidados de saúde de qualidade e os restantes, a grande maioria, que não tendo essa capacidade, ficam condenados ao acesso a um sistema de saúde residual e caricativo, com cuidados de saúde de nível inevitavelmente inferior.

A desresponsabilização do Estado do seu dever básico de garantir o acesso universal, geral e gratuito aos cuidados de saúde — quer através das diversas modalidades de privatização das unidades de saúde quer do pagamento desses cuidados ou de seguros que os garantam — representa um grave retrocesso social. Esta política conduz, nas condições actuais da sociedade portuguesa, ao aumento das despesas com a saúde, quer as suportadas directamente pelos cidadãos quer as suportados pelo Estado, e conduz a mais desigualdades, discriminações e injustiças sociais.

O PCP assume por isso a defesa do Serviço Nacional de Saúde. Não do SNS como está, desfigurado pelas continuadas orientações neoliberais que foram postas em prática e com as quais o Governo do PS não assumiu, durante um ano, uma posição clara de ruptura. Mas do SNS regressado à filosofia e à inspiração democrática e humanista inicial, universal, geral e gratuito ajustado às novas condições de progresso tecnológico, aos problemas que o crescimento dos custos e a evolução organizativa colocam, aos novos e mais exigentes padrões de saúde possíveis e por isso acessíveis a todos os seres humanos.

O PCP propõe como orientações estratégicas, articuladas, para uma nova política de saúde a reforma democrática do Serviço Nacional de Saúde (estabelecendo a sua autonomia e regionalização, um novo quadro regulador do financiamento do SNS e a gestão democrática das unidades de saúde) e políticas prioritárias (já publicamente apresentadas) nos domínios da concretização do direito à saúde, da qualidade dos serviços, da valorização dos cuidados de saúde primários, da política do medicamento, da promoção dos direitos dos utentes, da saúde mental, da toxicodependência, e da SIDA.

No que respeita à política de habitação, verificou-se que a última década se caracterizou pela demissão dos governos de exercer as suas responsabilidades, tentando remetê-las sem os correspondentes meios para o poder local. Deste modo não foram implementadas medidas que combatam as carências brutais da população sem capacidade económica. Os cálculos mais rigorosos estimam em 800 mil fogos as carências habitacionais, a que há que acrescentar a degradação do parque habitacional construído, avaliado em 20 a 25 mil fogos por ano, bem como o aumento da procura por parte de jovens que constituem novos agregados familiares. O ritmo de construção — sobretudo para as camadas insolventes — e de recuperação do parque habitacional construído está muito longe de corresponder ao ritmo que seria necessário para caminhar para a resolução deste grave problema nacional.

Os governos do PSD alienaram as suas responsabilidades, quer afirmando que o Estado não tem vocação para construir e que o problema teria que ser resolvido pelo mercado, quer afirmando que a responsabilidade seria das autarquias. O próprio Programa Especial de Realojamento (PER), com o qual o Governo afirmou, com propósitos eleitoralistas, seis meses antes das eleições autárquicas de 1993, que iria pôr termo às barracas, só abrange as áreas metropolitanas e impõe encargos incomportáveis às autarquias. O Governo do PS não inverteu os aspectos essenciais da política anterior.

Não assegurou um aumento substancial do investimento público neste sector, já que preferiu dar prioridade absoluta ao cumprimento dos critérios de Maastricht. Medidas pontuais positivas, como a revisão do regime do PER, tomada na sequência de um projecto de lei do PCP, não melhoraram a situação no que respeita às responsabilidades financeiras dos municípios nem inverteram o essencial do problema.

Para inverter a situação o PCP considera, designadamente, necessário: assegurar um Plano Nacional de Habitação em que o Estado assuma plenamente as suas responsabilidades; adoptar políticas de solo e urbanísticas de interesse público e realizar uma efectiva descentralização de atribuições e meios financeiros; incentivar um mercado de arrendamento; rever o regime do Plano Especial de Realojamento de acordo com o princípio de que o Governo não pode deixar de assumir responsabilidades essenciais; acelerar a reabilitação urbana e do parque habitacional, com atenção aos centros e núcleos históricos; reforçar o apoio concedido às cooperativas de habitação, à autoconstrução e às formas de associativismo para resolução do problema habitacional designadamente das camadas carenciadas; aumentar a eficácia e o volume do apoio ao crédito bonificado para a aquisição de habitação.

Quanto à Toxicodependência e ao tráfico de drogas, eles constituem dos maiores flagelos com que se confrontam as sociedades contemporâneas e que não tem parado de se agravar no nosso País onde estimativas recentes apontavam para a existência de cerca de 120 mil toxicodependentes e de um crescente número de mortos por causas ligadas à droga.

A resposta a esta situação não tem correspondido nem à sua dimensão nem à sua gravidade. Assim foi com os governos do PSD, cuja política deixou agravar a situação, e assim sucede actualmente com o Governo do PS, ao não introduzir alterações de fundo e ao não disponibilizar mais meios para combater estes flagelos, enveredando por uma política de desresponsabilização do Estado nesta área. O PCP propõe, para uma nova política de prevenção da toxicodependência e de combate ao tráfico de drogas: uma política geral que contribua para eliminar as causas das vulnerabilidades que conduzem à toxicodependência e um verdadeiro plano de prevenção e de combate ao tráfico; uma vigorosa acção de prevenção primária; uma rede nacional pública para o atendimento, tratamento e a reinserção social; a necessidade de ter presente que o toxicodependente é um doente e que não se devem sujeitar os simples consumidores a penas de prisão que nada resolvem e tudo podem agravar; o reforço e uma maior eficácia no combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento de capitais; o apoio à investigação científica destes fenómenos e à formação de técnicos; e uma postura activa de Portugal no plano internacional para que seja assegurada uma ordem mundial mais justa e um desenvolvimento mundial equilibrado.

No que respeita à questão do ambiente verificou-se a contradição entre, por um lado, o agravamento dos problemas e o aumento da consciência social da sua gravidade, e por outro a carência de medidas que estejam à altura da dimensão e importância das questões que estão colocadas para a Humanidade no seu conjunto, para o País e para as populações de muitas regiões e localidades. Portugal mantém, aliás, problemas típicos dos países mais desenvolvidos, como a poluição de certas indústrias e as carências de tratamento de resíduos industriais e, simultaneamente, problemas típicos dos países menos desenvolvidos, como as carências em matéria de qualidade da água para abastecimento público em algumas regiões, recolha e tratamento de esgotos (águas residuais) e recolha, reciclagem e tratamento de lixos domésticos. Problemas como os incêndios, a seca, a política florestal, a destruição de importantes áreas agrícolas, a desertificação, o desordenamento urbano e o desordenamento de importantes áreas do litoral vêm agravar o problema ambiental.

Face a esta questão, os governos têm desprezado a necessidade de um projecto global de desenvolvimento sustentado e têm procurado aproveitar os fundos comunitários para a área do ambiente, canalizando-os para acções de propaganda e para lucros privados, estimulando a privatização de sectores ou procurando a sua centralização, ao mesmo tempo que se mantém a situação de penúria relativa dos municípios. Ao mesmo tempo, multiplicam-se áreas protegidas, mas sem garantir a democraticidade da sua gestão e a necessidade de assegurar alternativas para as populações residentes.

Consciente da gravidade do problema, o PCP propõe as seguintes medidas: assegurar a participação de Portugal nas organizações e iniciativas internacionais com base numa concepção humanista e de defesa do desenvolvimento sustentado, que respeite os interesses actuais das populações, bem como das gerações vindouras; adoptar uma política em que o Estado assuma plenamente as suas responsabilidades e colabore com outros poderes públicos com base em concepções democráticas e descentralizadoras, e na preparação das populações e das associações ligadas ao ambiente; assegurar uma política adequada de resíduos, que privilegie a redução, a reciclagem e a reutilização bem como o tratamento na base dos interesses das populações; reforçar o investimento na qualidade da água e do ar, na recolha e no tratamento de efluentes no combate à poluição sonora; reforçar os estudos de impacte ambiental, bem como a sua qualidade; desenvolver e aprofundar as acções de ordenamento do território com especial atenção aos meios urbanos e ao litoral e às zonas mais sensíveis, com colaboração das autarquias e da Administração Central; reforçar as acções de informação e educação ambiental.

No que respeita à cultura física e ao desporto, verificou-se que com a responsabilidade dos sucessivos governos de direita pela área desportiva, o País desportivo regrediu, e prejudicou-se profundamente o desenvolvimento desportivo nacional.

Não evoluiu significativamente o número de portugueses que praticam desporto informalmente ou federados; na prática continua a não haver educação física no primeiro ciclo do ensino básico; milhares de alunos dos outros ciclos do ensino obrigatório e do ensino secundário continuam a não ter educação física nem acesso ao desporto escolar; o desporto universitário tem uma expressão limitada. Não há uma política orientada para a prática desportiva dos trabalhadores com consequências negativas para a sua saúde e bem estar, rendimento no trabalho, salutar ocupação do tempo livre e intervenção das suas organizações de classe na definição das orientações para o desporto nacional. O défice global de instalações desportivas ascende a centenas de milhões de contos; a importância do orçamento do desporto, ao longo destes anos, oscilou entre os 0,25% e os 0,30%, o que significa que quem assume os custos do desporto são as famílias, as autarquias locais e o associativismo, limitando-se o Governo a distribuir os dinheiros do Totoloto e do Totobola. Os atletas de alta competição continuam sem condições adequadas de preparação. Continua por conceber um plano nacional de infraestruturas desportivas que o apressado e demagógico projecto «Desporto Escolar 2000», relativo aos pavilhões escolares, não conseguiu esconder. A Lei de Bases do Sistema Desportivo continua por regulamentar, seis anos depois, e às alterações recentemente introduzidas não o foram no sentido do desenvolvimento desportivo e acabaram por contribuir para gerar mais confusão no sector que se pretendia privilegiar, o desporto profissional e o espectáculo desportivo e a legislação em vigor não responde às necessidades e exige correcção urgente, designadamente a revogação imediata do regime jurídico das federações. O desporto escolar conheceu sete medidas distintas e está em preparação o oitavo modelo não se cumprindo o Decreto-lei em vigor sem qualquer justificação. Continua a grande confusão da formação em educação física e desporto; e finalmente o INDESP, autêntico espelho da desastrosa política do PSD, atolou-se em situações de corrupção, compadrio e ilegalidades levando à prisão dos seus principais responsáveis.

É indispensável pôr fim a esta política de destruição do desporto nacional.

Lamentavelmente o PS foi quem iniciou esta orientação, não se vislumbrando nos dias de hoje na acção do Governo do PS, uma política diferente da que tem vindo a provocar um grande atraso ao desporto português. De cerca de um ano de acção do Governo PS ficam apenas a tentativa de aproveitamento político do fenómeno desportivo de alta competição, da actividade das selecções de futebol e dos Jogos Olímpicos assim como a famigerada iniciativa do «Totonegócio». Ao contrário do prometido, a existência de um Secretário de Estado em exclusivo para o desporto não se reflectiu em maior empenhamento numa política desportiva ao serviço dos cidadãos, pelo contrário tem servido e permitido um maior e quase exclusivo envolvimento do Governo com o futebol profissional, revelando compromissos que marcam a actividade governamental nesta área.

O PCP considera que o desporto deve ser encarado em toda a sua dimensão e impacto nas mais diversas áreas da vida social, designadamente na educação, na cultura, na economia, no turismo, na saúde, no desenvolvimento e crescimento do movimento associativo, na integração social dos deficientes, na afirmação da mulher, na melhoria da qualidade de vida, na afirmação internacional do País.

O PCP defende a definição de uma autêntica política de democratização da educação física e do desporto nacionais, capaz de garantir aos jovens e a todos os cidadãos a efectiva prática desportiva. O PCP propõe como orientações estratégicas para uma política desportiva: a concepção de que o desporto constitua um importante factor de desenvolvimento cultural e de integração social; a garantia de que o desporto constitua um direito real e a democratização crescente das actividades desportivas com o alargamento do número de praticantes, com actividades ricas de conteúdo cultural e correctamente concebidas do ponto de vista técnico e com a participação activa dos praticantes na concepção, organização, gestão e avaliação das actividades; a garantia da prática da educação física e do desporto em todas as escolas portuguesas em todos os níveis da escolaridade; o apoio ao associativismo e o reconhecimento do papel fundamental dos clubes na resposta às necessidades da prática desportiva; o apoio a uma efectiva descentralização desportiva; a clara separação do desporto amador do desporto profissional; a defesa da rigorosa transparência de processos no desporto, designadamente na sua vertente profissional, no sentido de um firme combate à corrupção, à violência e a todos os fenómenos de degradação do desporto português; e a atribuição dos meios financeiros capazes de garantir a implementação de uma política de efectivo desenvolvimento do desporto e da educação física.

Quanto à situação dos trabalhadores emigrantes portugueses, ela tem evoluído em consonância com a evolução da situação do povo trabalhador dos países onde se encontram. É, no entanto, um facto que os trabalhadores migrantes são os sectores mais fragilizados e as primeiras vítimas das medidas repressivas e anti-sociais que têm sido desenvolvidas, em particular nos países capitalistas mais desenvolvidos.

A política de emigração que foi levada a cabo nestes últimos anos pelos governos do PSD caracterizou-se pelo discurso fácil e demagógico centrado no voto para o Presidente da República. Virando costas aos verdadeiros problemas dos trabalhadores emigrantes e suas famílias o PSD orientou a acção governativa no apoio aos grandes empresários portugueses, ou de origem portuguesa, com vista ao seu envolvimento no processo de destruição do Sector Empresarial do Estado. Ao mesmo tempo que extinguia, porque incómodo para o Governo, o Conselho das Comunidades Portuguesas, estrutura representativa do movimento associativo, impunha, com o Decreto-lei nº 101/90, uma nova estrutura que nunca funcionou porque, desde logo devido ao ser carácter antidemocrático, foi rejeitada pelos emigrantes e o movimento associativo em geral.

O diploma que criou este ano um novo Conselho das Comunidades Portuguesas constitui uma medida de grande importância, se bem que não corresponda em absoluto ao projecto defendido pelo PCP na Assembleia da República e partilhado por muitos emigrantes. O PCP apoiará propostas no sentido de garantir uma participação mais alargada, através da criação de Conselhos de País. A nível governativo são notórias as contradições entre o discurso de boas intenções e os meios existentes para a aplicabilidade das medidas necessárias para uma nova política de emigração.

O PCP defende uma nova política de emigração que passa por uma intervenção do Governo português de firme defesa dos direitos dos nossos emigrantes, face às insistentes medidas discriminatórias de que são vítimas nos países onde residem; pela melhoria da qualidade do ensino do Português no estrangeiro, e por uma maior articulação entre os vários organismos oficiais que actuam nesta área; pelo planeamento de acções, em particular junto dos mais jovens, que estimulem o seu interesse pela defesa e promoção da nossa língua e cultura; pelo apoio ao movimento associativo, nomeadamente no âmbito da divulgação da nossa língua e cultura; pela criação de um espaço na RTPi para os problemas da emigração; pela reestruturação da rede consular no mundo (reestruturação esta à qual deve estar associada a revisão do Regulamento Consular, a modernização e informatização dos serviços e o apoio social e jurídico). O Governo deve, de facto, ter em conta as sugestões e propostas da comunidade portuguesa através das suas organizações representativas, nomeadamente o movimento associativo, e, também, de acordo com a sua especificidade, os sindicatos dos trabalhadores consulares (STCDE) e dos professores (SPE).

Nos últimos anos tem vindo a aumentar o número de imigrantes residentes em Portugal, provenientes, na sua esmagadora maioria, de países lusófonos. Segundo dados oficiais, residiam em Portugal em finais de 1995, cerca de 168 mil cidadãos estrangeiros, sendo estimado em várias dezenas de milhar o número de imigrantes que permanecem em Portugal em situação ilegal. Na sua maioria estão sujeitos a formas brutais de exploração, a péssimas condições de habitação, a falta de acesso a cuidados de saúde e à educação dos seus filhos, a situações de «ghettização» e estigmatização sociais. Os governos do PSD actuaram durante anos em consonância com os ditames dos Acordos de Schengen e do Tratado de Maastricht, alinhando activamente na construção de uma Europa xenófoba, de «portas fechadas» e na verdadeira campanha de culpabilização dos imigrantes pelo agravamento do desemprego e da criminalidade. Nos últimos anos, foram criados novos obstáculos legais à entrada de estrangeiros em Portugal. Foi possibilitada a sua expulsão por simples decisão administrativa. Foi prevista na lei a criação de «centros de instalação para cidadãos a expulsar. Foi enormemente dificultada a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização. Foi realizado um processo de regularização de imigrantes que ficou deliberadamente aquém dos seus proclamados objectivos. Com o Governo PS, igualmente defensor dos Acordos de Schengen e do Tratado de Maastricht, não se alteraram substancialmente as linhas de força desta política. Realizou-se um novo processo de regularização de imigrantes que, tendo corrigido alguns aspectos do anterior (devido à acção do PCP, do movimento anti-racista e das associações representativas dos imigrantes) manteve insuficiências, soluções inadequadas e ficou aquém dos objectivos. A criação do cargo de Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas (grande bandeira propagandística do Governo PS) não se traduziu em políticas, em poderes ou em meios visíveis de intervenção, mas tem consistido sobretudo numa operação de relações públicas e de propaganda governamental junto das comunidades de imigrantes. O PCP preconiza uma efectiva responsabilização do Estado Português na promoção da inserção dos imigrantes na sociedade portuguesa, o abandono das políticas persecutórias dos estrangeiros ditadas pelos Acordos de Schengen e o firme combate a todos as práticas e movimentos de cariz xenófobo e racista. Impõe-se, designadamente, eliminar as restrições no acesso dos imigrantes à habitação social, ao emprego, à saúde, à educação e à protecção social; garantir o respeito pela identidade cultural das comunidades de imigrantes e apoiar as suas associações representativas, privilegiando as relações de amizade e cooperação, em especial com os povos dos países lusófonos.

4. Evolução política — o Estado e o regime democrático

A subordinação do poder político ao poder económico do grande capital nacional e também, crescentemente, transnacional, constitui um dos traços mais negativos da evolução política nos últimos anos e que condiciona de forma mais significativa o funcionamento do Estado e do próprio regime democrático.

A ampla consagração constitucional dos direitos, liberdades e garantias tem vindo a ser contrariada por uma prática de discriminações e de regressão nas empresas e na sociedade, de favoritismo e de fomento de clientelas partidárias, de alastramento de fenómenos de corrupção.

A consagração constitucional da separação e interdependência dos vários órgãos de soberania foi durante anos contrariada pela tentativa de concentração de poder no primeiro-ministro e no Governo, pelo esvaziamento relativo da actividade e intervenção da Assembleia da República e pela contestação da actividade dos órgãos de fiscalização e controlo do poder executivo.

A ampla consagração constitucional da democracia participativa tem sido contrariada pela inviabilização de direitos das estruturas representativas dos trabalhadores e de outros sectores sociais, pela governamentalização do aparelho do Estado e pela transformação dos direitos de participação em meros procedimentos formais, em que as opiniões emitidas não pesam nem influem nas soluções legislativas, nas políticas governamentais e na actuação administrativa.

A consagração constitucional da descentralização e do poder local tem sido contrariada por uma orientação centralista, discriminatória e autoritária, de imposição de encargos sem recursos e de asfixia financeira. À consagração constitucional das regiões administrativas e à promessa eleitoral do PS de as instituir tem correspondido, na prática, o protelamento indefinido da sua criação e o prosseguimento da actividade de estruturas de administração central periférica, burocrática e concentrada em cinco capitais de distrito.

Continua por outro lado sem ser respeitado o princípio de que os direitos sociais, económicos e culturais são parte integrante dos direitos fundamentais, devendo dispor de idêntica protecção. Pelo contrário, prossegue a tendência de desresponsabilização do Estado, o desmantelamento de serviços públicos e de transformação de áreas como a educação, a saúde, a segurança social, a habitação e o ambiente em instrumentos de lucro privado.

Na evolução da situação política nos últimos anos, após o XIV Congresso, avultam a derrota do cavaquismo em Outubro de 1995 e a posterior eleição de Jorge Sampaio para Presidente da República, atirando por terra as esperanças da direita de recuperação rápida através da Presidência do poder perdido no Governo e na Assembleia da República.

O fim do período de predomínio dos partidos da direita, PSD e PP, em qualquer órgão de poder político, quando durante uma década o PSD controlou ferreamente dois deles — o Governo e a Assembleia —, representou de modo muito claro, como o Comité Central oportunamente assinalou, a abertura de uma nova fase na vida nacional. No entanto, apesar de a abertura desta nova fase comportar, inequivocamente, a marca da vontade de mudança e da necessidade de uma nova política expressa pela maioria do eleitorado, o afastamento do PSD do poder não veio pôr de facto termo à política de direita. O Governo do PS, embora com alterações de estilo, aparece em questões essenciais, especialmente nos domínios económico e social e a nível externo, a continuar a política de direita.

O processo de revisão constitucional actualmente em curso na Assembleia da República assume especial importância na vida política do País. Importa transformar a revisão constitucional numa batalha de massas em defesa dos trabalhadores e da democraticidade do sistema político. Com efeito, como mostram os debates e o conteúdo de alguns projectos de revisão, muitas das questões que estão em causa, especialmente os direitos sociais, dizem respeito directamente a sindicatos e outras organizações dos trabalhadores, a organizações juvenis e a diferentes estruturas representativas de interesses populares. Por outro lado, as propostas de degradação da democracia representativa dizem respeito a todos os cidadãos, quer se trate da eleição da Assembleia da República ou de câmaras municipais. Está em causa o alcance da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos na eleição da Assembleia da República (que também pode ser afectada por alterações da legislação ordinária). Está em causa também a eleição directa e proporcional das câmaras municipais. Os acordos bilaterais entre o PS e PSD visam designadamente criar o maior número possível de dificuldades à regionalização, inviabilizar um referendo sobre a aplicação do Tratado de Maastricht e degradar a democraticidade do sistema político. Não é preciso que se verifique um acordo solene e formal entre o PS e PSD, como o que esteve na base da revisão constitucional de 1989, para que este acordo exista. O interesse do PS, em particular, será o de garantir um acordo secreto de bastidores e, simultaneamente, que ele não seja conhecido dos portugueses. Ao mesmo tempo, o PSD pode tentar instrumentalizar o acordo em torno de normas constitucionais como moeda de troca num acordo mais vasto, compreendendo igualmente outras matérias.

Os trabalhos da Comissão Eventual de Revisão Constitucional confirmaram que existem motivos de preocupação. É o caso da convergência do PS e do PSD no sentido de criar dificuldades à regionalização e inviabilizar o referendo acerca da aplicação do Tratado de Maastricht, ao mesmo tempo que se podem desenhar outros acordos prejudiciais para a democracia, em especial em matéria de sistema de eleição da Assembleia da República e das câmaras municipais. Trata-se, agora, de impedir a possibilidade de o povo português se pronunciar designadamente acerca da terceira fase da União Económica e Monetária, incluindo sobre a moeda única e os sacrifícios que implica o cumprimento dos critérios de convergência, com preterição do emprego, do crescimento económico e da satisfação de necessidades do povo português.

Significativamente, os partidos que impediram agora a criação da possibilidade de referendar a aplicação do Tratado são os mesmos que impediram anteriormente que o referendo sobre o Tratado de Maastricht se realizasse. É também inaceitável o facto de o PS e o PSD não terem permitido referendar em caso algum tratados ou convenções internacionais, mas apenas «questões de relevante interesse nacional» neles incluídos, o que permitirá seleccionar — eventualmente de forma arbitrária — as questões que mais convenham ao poder político.

Tendo em conta os diversos projectos de revisão constitucional que pretendem eliminar direitos e distorcer o sistema de eleição de órgãos de poder e a perspectiva de prosseguimento da revisão constitucional sobre outras matérias, o PCP considera que os trabalhadores e as suas organizações e todos os democratas se devem empenhar no sentido de que possam ser evitados, através da mobilização popular, prejuízos para a democracia e os direitos fundamentais, em particular para os direitos sociais. Como resulta do seu projecto de revisão constitucional, na opinião do PCP a revisão da lei fundamental, a fazer-se, deve fortalecer os direitos fundamentais, em especial dos trabalhadores e os direitos económicos, sociais e culturais e a democracia e não enfraquecê-los.

Em matéria de regionalização o PS defendeu a instituição das regiões no seu Programa de Eleitoral e no Programa de Governo, e anunciou eleições regionais em 1997. Estes objectivos corresponderiam ao cumprimento da Constituição e às posições e luta do PCP, embora com diferenças de posições em aspectos importantes. Entretanto, no quadro da revisão constitucional o PS estabeleceu um acordo com o PSD e PP que cria dificuldades à regionalização, cedendo à pressão feita pela direita, após a aprovação dos projectos de lei do PCP e do PS em 2 de Maio de 1996. Com efeito, a revisão constitucional irá manter a regionalização como constitucionalmente obrigatória, mas vai fazer depender a «instituição em concreto» de um referendo nacional e de um referendo regional, o que coloca algumas questões fundamentais. É incontestável que o PS, depois de ter jurado que nunca o faria, fez depender o cumprimento de normas da Constituição de referendo, o que é grave em si e é grave como precedente que corresponde a antigas reivindicações da direita, renovadas na presente revisão constitucional. Esta posição contrasta com o impedimento, uma vez mais, do referendo acerca do Tratado de Maastricht. Em segundo lugar, o carácter vinculativo do referendo ficará eventualmente dependente do valor da abstenção que, em sucessivas eleições, aparenta valores superiores aos reais, devido a uma significativa desactualização dos cadernos eleitorais. Importa ainda sublinhar que, obrigando a aplicação destas normas à realização de um referendo nacional e de referendos regionais sobre as regiões administrativas à aprovação de uma lei ordinária que o regulamente, o PS não garantiu uma maioria para a sua aprovação.

O PCP sublinha, entretanto, que enquanto este processo decorria na Assembleia da República prosseguiu o debate público sobre a regionalização. Neste quadro, as assembleias municipais e outros órgãos autárquicos pronunciaram-se em massa a favor das regiões, sobre as suas áreas e sobre outras matérias relacionadas. Por isso, é justo afirmar que este procedimento do PS, em coincidência com os partidos de direita, contraria a generalidade das posições que se têm vindo a manifestar pelos municípios, que sentem pesadamente os inconvenientes do centralismo e da burocracia na sua actividade e reclamam generalizadamente, agora como há muito, a instituição das regiões administrativas.

O processo da regionalização democrática do Continente, tal como o PCP o propõe, pode contribuir para corrigir as desigualdades de desenvolvimento do País, reforçar a descentralização e a democracia, contribuir para uma reforma administrativa democrática e para a autonomia municipal, ameaçada pelas ingerências das Comissões de Coordenação Regional. A regionalização nestes termos não implica um acréscimo significativo de despesas públicas nem ameaça os poderes dos municípios.

Os projectos de lei do PCP correspondem a propostas de um processo de regionalização participado, «de baixo para cima», com uma equilibrada definição de atribuições e competências e regras de financiamento claras.

O PCP prosseguirá o combate para garantir a regionalização, tal como a Constituição a prevê, no interesse da democracia, das populações e do desenvolvimento.

A política de defesa ficou marcada nos últimos anos por um prolongado processo de transformações nas Forças Armadas portuguesas conduzido pelo governo PSD (que teve o apoio do PS nos seus aspectos mais negativos e fundamentais e que o actual Governo pretende prosseguir). Esta orientação, ignorando a missão principal das Forças Armadas na defesa do território nacional contra qualquer ameaça externa, tem como objectivos centrais a adequação aos novos conceitos estratégicos e doutrinais da NATO e a integração das nossas Forças Armadas em forças multinacionais de intervenção no quadro da NATO e da UEO, simultaneamente na qualidade de braço armado da União Europeia e pilar europeu da NATO. Para a obtenção desses objectivos e sob a capa da reestruturação e redimensionamento, cuja necessidade não estava em causa, o PSD alterou os principais pilares legislativos enquadradores da instituição militar, à revelia da Constituição e sem um debate aberto com os principais interessados e a sociedade em geral. O PSD implementou uma política que aprofundou o nível da integração e dependência externa, condicionando em elevado grau a soberania de Portugal na área da defesa nacional. Executou uma política que esvaziou e na prática pôs em causa o Serviço Militar Obrigatório, subvertendo a natureza e o modelo de Forças Armadas consagrado na Constituição, bem como uma política de governamentalização da instituição.

Decorrido um ano de Governo do Partido Socialista, o que marca estruturalmente a sua política na área da defesa é a viabilização constitucional da existência de Forças Armadas totalmente profissionalizadas e a prossecução das opções do PSD em matéria da política externa — NATO, UEO, PESC — preconizando o reforço do empenhamento e participação de Portugal em missões internacionais no quadro de objectivos alheios aos reais interesses do nosso País, à paz e cooperação — caso do envio de militares portugueses para a Bósnia.

Neste quadro é particularmente grave que o Governo PS não tenha ainda promovido um debate nacional sobre a redefinição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, de modo a proceder ao necessário ajustamento do sistema de forças, do dispositivo e a garantir os meios financeiros necessários à sua implementação.

Nos últimos anos, de forma mais ou menos notória, registaram-se profundas alterações no universo dos militares. Assistimos à diminuição para níveis relativamente insignificantes de militares em prestação de serviço militar obrigatório, bem como ao aumento do número de militares nos regimes de voluntariado ou de contrato; existe um número crescente de militares do sexo feminino, com influências globalmente positivas; verifica-se um crescente nível de habilitações dos militares e as respostas que coloca ao nível das perspectivas de carreira, cargos e funções, especialização técnicoprofissional, valorização social e material; verifica-se o conhecimento e a crescente consciência dos direitos e uso dos mesmos bem como a recusa da prepotência e do autoritarismo e a apetência crescente no que toca ao alargamento dos direitos de cidadania, ainda inusitadamente restringidos, etc..

A política do PSD, entrando em choque com direitos e expectativas dos militares, ferindo nalguns casos a imagem pública das Forças Armadas e consequentemente a dignidade daqueles que nelas servem, gerou diversos movimentos associativos de diferente natureza, bem como a activação de mecanismos legais e constitucionais de defesa dos seus direitos, dignidade e dignificação profissional.

Neste processo realça-se a acção e iniciativa das estruturas associativas militares, a Associação Nacional de Sargentos, a Associação dos Oficiais das Forças Armadas e a Associação dos Militares na Reserva e Reforma (ANS, AOFA, ASMIR) com a promoção de debates e colóquios sobre variadas matérias, com a apresentação de estudos e propostas junto da Assembleia da República, Provedoria de Justiça e outros órgãos do Poder.

O amplo, diversificado e persistente trabalho desenvolvido pelas estruturas associativas de militares tornou o associativismo militar de carácter socioprofissional numa realidade incontornável nos anos que correm.

O PCP propõe uma política alternativa consubstanciada nos seguintes princípios fundamentais: defesa do princípio constitucional da afectação prioritária das Forças Armadas a missões de defesa nacional; promoção de um amplo debate nacional sobre os conceitos fundamentais na área da defesa nacional e aprovação de uma nova Lei de Programação Militar que defina os investimentos em equipamento militar com base em critérios e prioridades que visem o interesse nacional; elaboração de doutrina militar própria, norteada pelo patriotismo, a defesa da independência nacional, o respeito da Constituição e a defesa da paz; aprovação de medidas valorizadoras nos aspectos social, material e profissional da condição militar; dignificação e valorização da prestação do Serviço Militar Obrigatório e manutenção do actual conceito na Constituição; eliminação à restrição injustificada de direitos de militares e consagração do associativismo militar com carácter socioprofissional e aprovação de regras definidoras de um relacionamento institucionalmente digno; oposição à criação e participação portuguesa em qualquer bloco político-militar europeu ou em qualquer processo visando tal objectivo, bem como em projectos de integração em forças multinacionais de intervenção; prosseguimento da defesa da dissolução da NATO; o reforço da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, de acordo com as orientações da Acta de Helsínquia.

A política de justiça ficou marcada pela tentativa de governamentalizar o sistema judiciário e pelo agravamento do fosso entre os cidadãos e a justiça, criando dificuldades de participação e acesso e de defesa dos direitos individuais e colectivos nos tribunais. O carácter caro e lento do seu funcionamento, com a falta de informação sistemática sobre os direitos dos cidadãos e com a inexistência de mecanismos de acesso ao direito e à justiça, é um traço indiscutível do sistema de justiça. A orientação do Ministério da Justiça caracterizou-se por uma notória falta de capacidade de diálogo, arrogância e confronto, o que se traduziu em instabilidade e atentados à independência do poder judicial e tribunais. A total degradação do sistema prisional e da política de reinserção social é um outro traço de uma orientação que, sistematicamente, tentou substituir as medidas e os investimentos pela demagogia.

Apesar das declarações e da proclamação das intenções de diálogo, o Governo do PS não enfrentou nem corrigiu os problemas essenciais da justiça que continuam, no essencial, a verificar-se.

Em contraste com esta política o PCP propõe: aproximar a justiça das populações, garantindo a participação efectiva dos cidadãos (juízes sociais, direito de acção popular e outros, pôr termo à onerosidade da justiça e criação de um sistema efectivo de acesso ao direito e aos tribunais; reforço da independência dos tribunais e modernização das condições da administração da justiça (parque judiciário, informatização, meios técnicos e humanos); simplificação e desburocratização do processo judicial; reformulação do direito penitenciário, com garantia dos direitos fundamentais dos reclusos, prestação de cuidados de saúde, prevenção da toxicodependência, SIDA e Hepatite B, e efectiva política de reinserção social.

A política de segurança caracterizou-se pela ineficácia e pelo crescimento da inquietação dos cidadãos. Os traços mais marcantes desta política de administração interna são o aumento da violência policial e das acções de repressão e de intimidação sobre os trabalhadores e outras camadas da população e o aumento dos índices de criminalidade e delinquência responsáveis pelo elevado clima de insegurança das populações. Da responsabilidade do governo PSD são também as medidas de reforço e centralização das forças de segurança (as super-esquadras), a multiplicação dos seus aparelhos de repressão (corpos especiais de intervenção), a diminuição do patrulhamento e afastamento das populações (fecho de esquadras), a comprovada infiltração impune em movimentos de opinião, sindicatos, etc., por agentes do SIS e outros ao serviço do Governo, a integração crescente no quadro das policias europeias (Europol) e das políticas de segurança xenófobas. São, por outro lado, a diminuição da vertente civilista das forças de segurança, a fuga ao diálogo com dirigentes associativos e a sua perseguição (processos disciplinares) e tentativas da divisão, a recusa do sindicalismo nas forças policiais (à revelia da tendência europeia).

Os profissionais das Forças de Segurança, através das suas estruturas associativas representativas, nomeadamente APG/GNR e ASPP/PSP, têm intervindo permanentemente, no sentido de garantir estabilidade e justa progressão nas carreiras, formação técnica adequada, dignificação dos Estatutos e sistemas remuneratórios, horários de trabalho equilibrados e folgas compensadoras do desgaste profissional, desmilitarização e judicialização, direito ao associativismo representativo e, no caso da PSP, à criação do Sindicato.

Do balanço da acção governativa do Partido Socialista no seu primeiro ano de Governo ressalta, no essencial, a ausência de mudanças de fundo nas opções relativas à política de segurança. Não se verificaram medidas no sentido de privilegiar os factores e as medidas de prevenção e de proximidade das populações, bem como relativas à natureza das forças de segurança, com vista à sua progressiva desmilitarização e ao reforço da sua vertente civilista. Sem embargo dos aspectos positivos que teria a proclamação de uma nova atitude de diálogo e abertura, persistem indecisões, omissões e atrasos graves no que toca a medidas concretas que ponham cobro à impunidade e irresponsabilidade nos casos da intolerável violência policial, julgando com severidade e prontidão exemplar os crimes cometidos por agentes de forças de segurança. Faltam igualmente outras medidas que possam contribuir para uma democratização nas forças de segurança.

Em matéria de segurança e tranquilidade pública, o PCP propõe: o combate ao crime, sobretudo o combate às suas causas, às desigualdades e injustiças, o que passa pelo êxito na luta por nova política de desenvolvimento económico, social e cultural harmonioso e integrado; uma política de segurança que garanta e defenda a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo o crime, proibindo actuações ilegais e antidemocráticas dos Serviços de Informação, garantindo a fiscalização efectiva e democrática da sua actividade e pondo termo às acções repressivas sobre os legítimos protestos populares; uma política de segurança com uma forte componente preventiva, que aproxime a polícia dos cidadãos e renove a confiança das populações nas forças de segurança; alterar radicalmente o caminho seguido na reestruturação das forças de segurança, designadamente abrindo novas esquadras e reabrindo as velhas esquadras e postos onde necessário e melhorar o policiamento preventivo, restringir ao mínimo os efectivos dos corpos especiais de reserva, em benefício do patrulhamento urbano, reorganizar e optimizar as capacidades de resposta das forças de segurança, com base na definição do seu carácter civilista e judicializado; uma política de segurança que dinamize a intervenção das populações, das comunidades e das autarquias na discussão dos problemas de segurança e viabilize a sua participação através dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos em todos os municípios do País, que dote as forças policiais com meios humanos e materiais suficientes e com formação técnicoprofissional adequada e humanizada e que promova a melhoria das condições de vida e de trabalho dos profissionais das forças de segurança e respeite os seus direitos de cidadania, designadamente o reconhecimento do direito de associação socioprofissional para a GNR e de associação sindical para a PSP.

A reestruturação democrática do Estado e o aprofundamento da democracia que o PCP defende (ao contrário da «reforma do sistema político» que o PS, PSD e PP preconizam) constituem fins em si mesmos e, simultaneamente, um instrumento para concretizar direitos, liberdade e garantias dos cidadãos e para realizar eficaz e eficientemente outras políticas, designadamente as que têm influência na concretização dos direitos económicos, sociais e culturais.

Impõe-se tornar a democracia representativa mais genuína e defender a representação proporcional na conversão de votos em mandatos.

Ao nível dos órgãos de soberania, impõe-se realizar plenamente o princípio da separação e da interdependência. Importa igualmente reforçar os poderes e o papel legislativo e fiscalizador da Assembleia da República, bem como reforçar e melhorar o estatuto da oposição. As funções de outros órgãos de fiscalização devem ser reforçadas e o seu estatuto de pluralismo e independência plenamente assegurado.

Ao nível da Administração Pública impõe-se assegurar um plano de modernização, desburocratização, descentralização e desconcentração com carácter sistemático, dignificar a função pública e assegurar o fortalecimento e respeito dos direitos dos seus utentes.

Nesse quadro, é necessário fortalecer o Poder Local do ponto de vista financeiro e das suas competências. Impõe-se igualmente criar as regiões administrativas, nos termos que a actual Constituição estabelece, como importante factor de descentralização e democratização administrativa e de desenvolvimento.

Assim se romperá com uma política centralista, autoritária, de asfixia financeira das autarquias e de criação de múltiplas dificuldades burocráticas no seu funcionamento, bem como de fortalecimento das Comissões de Coordenação Regional e da administração periférica, para impedir a criação das regiões administrativas.

A reestruturação democrática do Estado nas áreas que asseguram as principais funções sociais — a saúde, a educação, a segurança social — constitui uma matéria da maior importância. Trata-se de concretizar novos modelos de organização e de gestão democrática desses serviços, que dêem boa resposta aos interesses das populações nas condições de crescente complexidade funcional e territorial das suas estruturas, que desenvolvam processos dinâmicos de auto-regulação democrática e desenvolvam uma participação mais activa e responsável, e por isso estimulante, dos seus profissionais.

Impõe-se dignificar o serviço público como meio privilegiado de assegurar a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos, invertendo o processo de desmantelamento ou privatização sistemática dos serviços públicos, sobretudo dos que podem dar lucro, ainda que à custa da penalização dos utentes. Em consonância, é preciso dignificar a função pública e os seus trabalhadores, garantindo melhores condições de remuneração, motivação e estabilidade.

Por outro lado, a democracia participativa tem que estar presente como um dos critérios essenciais de estruturação e reforma democrática do Estado. Daqui decorre, designadamente, a necessidade de audição sistemática dos interessados no procedimento administrativo, a consagração do direito da iniciativa legislativa das populações, a criação ou revitalização de estruturas de participação, em particular dos trabalhadores e suas organizações. Impõe-se, por outro lado, democratizar a intervenção dos trabalhadores e outras entidades no procedimento legislativo, fazendo com que as consultas deixem de ser uma mera formalidade para serem objecto de real atenção.

5. Evolução da política cultural

Ao longo de todo o período que se seguiu ao XIV Congresso, a cultura continuou a ser, em termos orçamentais e na ordem das prioridades políticas, o parente mais pobre entre as diferentes áreas de acção governativa, muito longe do papel que o PCP lhe atribui na construção de uma democracia avançada.

Entretanto, ao contrário do que acontece noutras áreas, não se pode dizer, no que a esta respeita, que o Governo do PS está, no fundamental, a continuar a política dos anteriores governos do PSD.

Há que distinguir, então, duas fases neste período: a primeira, correspondente aos derradeiros anos da governação do PSD, marcada por um extremo agravamento de todos os aspectos negativos; a segunda, a do início da governação do PS, onde se verificam medidas pontuais positivas e se anunciam propósitos, em geral, mais ajustados às necessidades, mas onde persistem as hesitações, a lentidão, as acções contraditórias e a escassez de meios.

Os últimos anos da governação do PSD na área da cultura ficaram marcados pela chamada reestruturação da SEC, um verdadeiro terramoto com que se procedeu à liquidação das estruturas fundamentais para a defesa do património e o desenvolvimento cultural e se entregou a gente afecta ao cavaquismo o controlo dos mecanismos do poder e a gestão dos meios para o sector, acentuando, desta forma, o dirigismo e o paternalismo governamentais em relação à política cultural e, ao mesmo tempo, a desresponsabilização do Estado em relação à cultura.

Com esta «reestruturação» agravaram-se as piores orientações dos governos do PSD, que já vinham de trás, nomeadamente a imposição à cultura dos critérios do mercado e do lucro, as práticas censórias e discriminatórias em relação aos criadores e às actividades culturais, a instrumentalização da cultura ao serviço da propaganda do Governo, a promoção de concepções extremas de individualismo e de outros valores alienantes, obscurantistas e reaccionários.

A governação do PS iniciou-se com a criação do Ministério da Cultura e várias medidas pontuais que correspondiam a reivindicações formuladas pelo PCP e a generalidade dos meios democráticos do País — Parque do Vale do Côa, novo papel do IPPAR, maior transparência na atribuição de subsídios, suspensão da lei do Património Subaquático, anulação do essencial da «reestruturação» da SEC. Nessa fase foi adoptada uma postura dialogante por parte dos novos governantes do sector, foram sustidos ou corrigidos alguns dos desmandos da governação cavaquista e substituídos, em vários casos correctamente, os responsáveis por esta nomeados.

Entretanto, a dotação orçamental para a cultura continuou a ter um irrisório aumento, que dificilmente se conforma com a promessa de Guterres de duplicar orçamento para o sector no espaço da legislatura. Não foram publicadas as leis orgânicas do Ministério, não estão definidas as formas de articulação entre os vários institutos dele dependentes, nem se conhecem as orientações para uma efectiva política de descentralização. Não foi, ao contrário do prometido, regulamentada a Lei do Património, nem revista a Lei do Mecenato. Tardam as definições dos incentivos à criação artística e literária e em geral a definição das políticas sectoriais para o teatro, o cinema, a música, a dança ou o livro. Revelam-se tendências para a utilização do Ministério em operações propagandísticas do Governo.

Estes atrasos e inconsequências não podem desligar-se das lutas dos «lobbies» que se verificam dentro do próprio aparelho do PS para esta área.

As pressões das concepções neoliberais dominantes na União Europeia e no próprio Governo não são favoráveis à afirmação da identidade e potencialidades culturais do nosso País, nem à valorização do património e dos criadores nacionais, nem aos valores de uma cultura democrática. Entretanto, o País continua a ser invadido por subprodutos culturais originários dos grandes países imperialistas, e entre nós afincadamente disseminados pelas empresas transnacionais especializadas nesse domínio, com a colaboração dos seus representantes nacionais.

Há, pois, razões para que os comunistas mantenham as maiores reservas quanto ao desenvolvimento futuro da política cultural do Governo do PS, sem prejuízo do seu empenho de sempre de contribuírem para que se concretize uma orientação positiva na área da cultura.

O PCP propõe uma política de cultura que: garanta uma efectiva apropriação social do património cultural e, ao mesmo tempo, apoie a criação e os criadores contemporâneos; fomente o desenvolvimento cultural das populações e a generalização do acesso à recepção e à criação culturais, o crescimento e optimização das estruturas de produção e circulação culturais, e potencie os valores participativos e identitários da cultura popular; promova de forma rigorosa o ensino artístico, e as várias formas de interacção entre o sistema educativo e científico, a cultura artística e o serviço público de comunicação social; promova a projecção internacional da cultura portuguesa no quadro de um efectivo intercâmbio das culturas, de uma activa defesa da diversidade cultural, e do desenvolvimento da apropriação pelos portugueses das grandes realizações de outras culturas.

O PCP defende como imprescindível um aumento da dotação orçamental para a cultura e o seu progressivo crescimento.

6. Evolução da comunicação social

Quanto à comunicação social, acentuou-se a tendência para os grandes órgãos de comunicação constituírem um poderoso instrumento da política de direita, das ofensivas antidemocráticas, da defesa dos interesses do grande capital. Nos últimos anos ocorreram também mudanças profundas no panorama deste sector traduzidas, nomeadamente, na crescente concentração da propriedade dos meios de comunicação social e no seu domínio por grandes grupos económicos cada vez mais associados ao capital estrangeiro; no surgimento das televisões privadas desencadeando modificações e fenómenos, a nível dos conteúdos da programação, com profundas incidências no plano dos gostos e valores, e na banalização da violência; num acesso, que se generaliza, à televisão por cabo e por satélite; na institucionalização das rádios locais; no aparecimento de uma nova linguagem informativa que confunde deliberadamente informação com comentário; na criação de um clube restrito de comentadores e analistas, seleccionados pelas suas afinidades ideológicas e impulsionadores de visões redutoras, e por vezes falseadas, da realidade.

O serviço público de televisão abdicou de um modelo e de uma filosofia de programação e informação próprios e em conflito com o rigor, a objectividade, a isenção e a qualidade, integrou-se na lógica da televisão comercial e da informação-espectáculo, na mera luta pela captação de audiências e de receitas publicitárias.

Simultaneamente, registou-se uma fragilização crescente das condições de exercício do jornalismo, tanto no plano da insegurança de vínculo laboral como no da dificuldade em salvaguardar o respectivo código deontológico e de salvaguardar a democraticidade interna das redacções. Outras profissões inerentes ao universo mediático enfrentam o mesmo tipo de dificuldades éticas e profissionais.

Também a imprensa regional não viu reconhecida a sua importância para a vitalidade do regime democrático e foi inserida em sistemas de apoio do Estado baseados em critérios casuísticos e em relações de compadrio partidário.

Assistiu-se também a uma proliferação de publicações especializadas, com destaque para as que glosam as matérias omnipresentes na programação e a informação televisivas e que valorizam o anedótico, a emotividade e a fulanização, em prol de uma desideologização aparente dos conteúdos e da comercialização das políticas editoriais.

O balanço do primeiro ano de Governo do Partido Socialista faz sobressair uma profunda contradição entre as suas promessas e o que foi realizado.

O PS prometeu levar a cabo um contrato de concessão do serviço público que garantisse a sua independência e um financiamento adequado à natureza desse serviço. Porém, na RTP, tal contrato não garantiu os meios essenciais à definição do seu modelo, nem lhe permitiu revelar ganhos significativos em matéria de pluralismo, enquanto na RDP tal contrato é simplesmente inexistente.

As rádio locais encaram com benévola expectativa a nova Lei da Rádio e a sua próxima integração nos esquemas de apoio do Estado. Mas esse apoio, tal como o que já vinha sendo concedido à imprensa regional, far-se-á por portaria, ao sabor dos critérios aleatórios do Governo.

A discussão da nova Lei de Imprensa não foi iniciada e do novo estatuto jurídico da LUSA não há notícia.

No âmbito da revisão constitucional, o PS propõe a criação de uma nova entidade reguladora do sector com o objectivo expresso de reforçar a imagem de independência desse órgão face ao poder político. No entanto, essa proposta estabelece os mecanismos que asseguram que, no plano partidário, só o PS e o PSD poderão participar na eleição dos seus membros.

Este balanço, necessariamente preocupante porque revelador de uma evolução que se faz ao arrepio dos fundamentos democráticos da nossa sociedade, é demonstrativo de que a comunicação social constitui, simultaneamente, um efeito das políticas globais prosseguidas em matéria de desenvolvimento económico e social do nosso País e um seu instrumento essencial.

O processo de concentração empresarial na comunicação social (e as suas repercussões no pluralismo do sistema comunicacional), bem como o crescente predomínio das razões do mercado sobre as razões da informação isenta e objectiva, constituem matéria de reflexão e intervenção.

O desaparecimento da chamada «imprensa de tendência», surgindo no seu lugar uma imprensa dita «de referência» e proliferando uma outra imprensa dita «popular», introduziu formas de condicionamento da livre escolha do cidadão eleitor que desmentem a apregoada neutralidade e apoliticidade desses media.

Hoje, a imprensa, tomada no seu significado amplo, não se caracteriza, como faz crer, pela ausência de mensagem política ou ideológica, mas pela imposição do «consenso» ditado pelo mais forte; pela construção de uma visão harmónica de uma sociedade sem conflitos estruturais; pelo primado das soluções tecnocráticas que escamoteiam as opções políticas que lhes subjazem; pela difusão de uma ideologia do conformismo, da resignação e do fatalismo.

A sua reivindicada «neutralidade» e «objectividade» actua no plano das mentalidades e dos comportamentos e não está isenta de responsabilidades no aprofundamento dos fenómenos de abrandamento da solidariedade e da participação cívica, de despolitização, no aumento do abstencionismo e na diminuição da militância partidária e sindical.

Alimentando manipulações grosseiras, análises parciais, utilização de sondagens, discriminações e silenciamentos, essa imprensa fez-se porta-voz de ideias, valores, normas, de quadros mentais e de referências, cujos efeitos continuarão a repercutir-se, ao mesmo tempo que impede o debate plural das questões que afectam a construção do nosso futuro.

A atitude que, designadamente nos períodos eleitorais, importantes meios de comunicação social claramente assumiram de ostensivo desrespeito por princípios e regras básicas da legislação eleitoral puseram em evidência perigosas concepções como a de que os meios de comunicação estariam acima das leis do País e a de que, em suma, em nome de alegados «critérios jornalísticos», poderiam constituir-se em donos da democracia e tutores do eleitorado.

A recente evolução da comunicação social em Portugal, apesar dos progressos na qualificação e nas preocupações com as condições do exercício profissional, não tem favorecido o reforço dos valores do Estado democrático e deve ser, portanto, considerada como uma importante questão na nossa intervenção política.

7. Os grandes problemas sociais e nacionais — das suas causas à alternativa

A extensão e a gravidade dos problemas que hoje se manifestam e evidenciam globalmente na sociedade portuguesa, e em muitas das suas áreas e sectores, espelham de forma indisfarçável o fracasso da política de direita na solução dos problemas nacionais, política que tem sido conduzida por sucessivos governos e que o actual Governo do PS, nas suas linhas fundamentais, está a prosseguir.

A essência, natureza e característica essencial dessa política é a da restauração do capitalismo monopolista de Estado, com os seus diversos elementos constitutivos, no que respeita às estruturas socioeconómicas, aos instrumentos de domínio económico, à fusão com o poder político.

E o seu fracasso não é o resultado de quaisquer dificuldades ou ciclos de carácter conjuntural. Ele representa o completo desajustamento das opções de fundo de uma estratégia económica e social de direita em relação às necessidades e potencialidades do País, o seu desrespeito pelo normativo constitucional e a sua incapacidade para enfrentar de forma bem sucedida os complexos desafios com que Portugal está confrontado.

Essa estratégia representa no fundamental a reedição de velhíssimas teses e opções políticas, essas sim bem ajustadas aos interesses da grande burguesia portuguesa, agora no novo quadro da integração europeia e da mundialização das economias: a concepção dos grupos monopolistas como células a partir das quais se deve estruturar e articular todo o tecido e o funcionamento económicos; a reforçada ligação entre o poder político e o grande capital, observável no papel do Estado na acumulação acelerada do capital e na reconstrução e dinamização dos principais grupos económicos; a atribuição de um lugar estratégico ao investimento estrangeiro mesmo quando este se confina, como tem sido frequentemente o caso, a actividades especulativas e à intermediação e quando envereda pela deslocalização de actividades em busca de lucros rápidos; a aposta num crescimento económico centrado fundamentalmente numa dinâmica exportadora, assente em produções com reduzido valor acrescentado e no baixo nível dos salários, da qualificação e da protecção social dos trabalhadores; a tentativa de vender a posição geo-estratégica de Portugal como elo e plataforma de interesses estratégicos dos grupos transnacionais.

Essa estratégia antes assumida pelos governos do PSD e agora prosseguida pelo governo do PS é a responsável pelo aprofundamento do carácter periférico e dependente da sociedade portuguesa, com a brutal fragilização do tecido produtivo nacional e a acentuação de um perfil de especialização produtiva pouco valorizado, a inserção subalterna na divisão internacional do trabalho e o agravamento das assimetrias regionais.

A integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, com os desenvolvimentos e aprofundamentos decorrentes do Acto Único e do Tratado da União Europeia de Maastricht, com a atribuição ao País de vultuosos fundos comunitários e a sua apropriação em parte significativa pelo grande capital tem favorecido os processos de concentração capitalista e funcionado simultaneamente, como argumento, suporte e objectivo de tal modelo.

Perdida a ilusão de que a integração comunitária iria automaticamente conduzir Portugal a níveis de vida europeus, ruída a confiança na panaceia dos milhões da CEE e na benemerência do investimento estrangeiro, desfeitas as promessas de mudança do cavaquismo e crescentemente goradas as expectativas abertas pelo governo do PS, confrontados com o desemprego, a exclusão social, a insegurança e a recessão económica, os portugueses e a sociedade portuguesa enfrentam complexos e contraditórios sentimentos de desânimo, de impotência e desespero, mas também de descontentamento e protesto e, sobretudo, a incontornável necessidade de lutar por uma vida melhor, por um Portugal mais seguro, mais igualitário, mais democrático e a assunção da correspondente exigência de um outro e novo rumo político.

Face à situação extremamente desfavorável a que a política de direita conduziu o País, quer no plano interno quer no plano externo, é necessário e urgente afirmar o papel essencial e decisivo que uma nova política, uma política nacional e de esquerda, é chamada a desempenhar. E as potencialidades e possibilidades que existem para a sua concretização, tendo como base a participação activa e impulsionadora dos trabalhadores e de todas as classes e camadas da sociedade interessadas no progresso e independência de Portugal.

Essa afirmação começa pela importância de um posicionamento político que, no quadro objectivo de crescentes interdependências e de persistentes relações de dominação, procura enfrentar os constrangimentos desfavoráveis e alargar as margens de manobra do País. Significa, depois, o empenhamento num processo de desenvolvimento que defenda os interesses dos trabalhadores e de outras camadas laboriosas, objectivo em si e condição para o indispensável dinamismo e mobilização social e política da sociedade portuguesa.

Portugal pode alargar o seu espaço de manobra no quadro comunitário por uma posição de firmeza e permanente negociação, de atempada e conveniente definição das estratégias adequadas aos interesses nacionais e não pela conhecida e subserviente posição de aluno bem comportado, com total abdicação da invocação dos interesses do País, inclusive do interesse vital. Por uma visão de longo prazo na abordagem dos problemas nacionais, e não por uma posição de vendilhão que troca tudo por umas remessas imediatas de ecus. Pela busca de convergências com outros países que enfrentam problemas semelhantes aos de Portugal. E pela acção comum ou convergente com os outros povos da Europa, e com todos quantos, na Europa, lutam por uma construção europeia ao serviço dos povos e não do grande capital.

A sociedade portuguesa dispõe de condições e potencialidades para a solução dos grandes problemas nacionais. O País tem recursos naturais e humanos que lhe permitem acreditar num futuro diferente e melhor. Uma experiência humana e histórica de séculos, o que lhe dá uma coesão nacional ímpar na Europa. Uma cultura própria e uma reconhecida adaptabilidade do povo português às alterações de condições. Uma juventude disponível e numerosa. Uma mão-de-obra com uma qualificação de saber feito no trabalho, pesem embora as insuficiências do nível escolar da população portuguesa e da formação profissional e as deficiências, selectividade e discriminação que continuam a caracterizar um sistema escolar injusto. Milhares de trabalhadores com a dura experiência da emigração, mas também com a capacidade de trabalho, saber adquirido e inteligência que podem garantir uma mais valiosa participação na economia nacional. Potencialidades cujo aproveitamento equilibrado permitirá contribuir para o crescimento da produção nacional e a alteração para um perfil produtivo mais valorizado. Uma localização geográfica que aliada aos laços que a história construiu pode potenciar, com vantagens mútuas, processos de cooperação e intercâmbio.

É possível a materialização de outro projecto, de um projecto de esquerda para a sociedade portuguesa, que assegure a mobilização social e política dos portugueses e que neste limiar do século XXI aprofunde a democracia em todas as suas dimensões — política, económica, social e cultural. É possível uma sociedade mobilizada e confiante com valores e referências civilizacionais e não com o vazio cultural e o estilhaçar social que a política de direita produz. Uma sociedade em que os cidadãos não sofram o temor do desemprego, da precariedade do trabalho, da crescente insegurança e exclusão social, antes encarem o presente e o futuro com confiança nas capacidades próprias e da colectividade, assentes nas potencialidades do desenvolvimento económico e social, com trabalho para todos. Onde o livre desenvolvimento individual se concilie com elevados níveis de satisfação e solidariedade colectivas.

No seu Programa o PCP propõe ao povo português a construção de uma democracia avançada cujas cinco componentes ou objectivos fundamentais são:

1. Um regime de liberdade no qual o povo decide do seu destino e um Estado democrático, representativo, participado e moderno;

2. um desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País;

3. uma política social que garanta a melhoria das condições e vida do povo;

4. uma política cultural que assegure o acesso à livre criação e fruição culturais;

5. uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.

É no quadro desses objectivos fundamentais de luta que o PCP tem particularizado um conjunto de linhas para uma nova política, para uma política de esquerda, que permitam enfrentar com sucesso os principais problemas e desafios imediatos com que Portugal e os portugueses estão confrontados. São elas: desenvolver a economia, travar os processos destrutivos, e promover o emprego; melhorar as condições sociais e o ambiente, como objectivos e factores de desenvolvimento; promover a educação, a ciência e a cultura; assegurar a liberdade, concretizar uma reforma democrática do Estado e aprofundar a democracia; lutar por um Portugal de progresso e justiça, aberto ao Mundo, e por um novo rumo na integração europeia. E que o PCP tem sublinhado a importância da constituição de um governo democrático que realize tal política.

III. POR UMA REFORÇADA INTERVENÇÃO SOCIAL E POLÍTICA

O desenvolvimento da luta de massas e dos movimentos sociais, conjugado com uma reforçada intervenção do PCP e dos comunistas nas instituições e na sociedade, é factor determinante para assegurar e alcançar conquistas políticas, económicas, sociais e culturais favoráveis às massas populares, para derrotar a política de direita e criar as condições para se atingir uma verdadeira alternativa democrática.

Isto é particularmente verdadeiro nas circunstâncias de uma profunda crise social, económica e cultural, de perda, para muitos, de valores de solidariedade e de progresso, de aprofundamento do processo contra-revolucionário e consequente desfiguramento do regime democrático.

Num quadro de bipolarização política e instrumentalização dos grandes meios de comunicação social ao serviço da ideologia e da estratégia das classes dominantes, e em que o domínio das instituições do Estado se faz por forças políticas que, não se diferenciando nas questões essenciais, competem entre si apenas para assegurar, pela via da alternância, o comando da gestão do sistema, é pela acção política do PCP e pela organização e intervenção directa das massas que os trabalhadores e a generalidade dos portugueses melhor poderão compreender a importância da acção colectiva, e adquirir a consciência social e política necessárias para as transformações estruturais e estratégias de sociedade, sem o que os seus problemas e os do País não serão resolvidos.

1. A luta de massas no combate à política de direita

O período que nos separa do XIV Congresso, com excepção do espaço de tempo em que se desenvolveram expectativas e ilusões de mudança política resultantes do afastamento do PSD do poder, foi marcado por uma aguda conflitualidade social, política e institucional, e por uma combativa e diversificada luta de massas contra a política de direita.

Tendo como eixo central a acção dos trabalhadores, desenvolveu-se uma objectiva frente social abarcando, além dos trabalhadores, classes e camadas sociais muito diversas (agricultores, pequenos e médios empresários, intelectuais e quadros técnicos, juventude, mulheres, reformados), vítimas de uma política que feria (e que continua a ferir) os interesses e aspirações de praticamente todas as classes e camadas não integrantes da grande burguesia.

Esta frente social, que se expressou numa multiplicidade de acções e convergiu na rejeição da política de direita, embora não se tenha traduzido numa arrumação de forças no plano político, capaz de viabilizar uma verdadeira alternativa política, foi determinante para a acentuada redução da base de apoio do PSD e para a criação das condições que conduziram à sua derrota nas legislativas de 1 de Outubro e de Cavaco Silva nas presidenciais de 14 de Janeiro.

O PCP, prosseguindo a comprovada orientação de assegurar o carácter interdependente e complementar da sua intervenção na dinamização da luta de massas, da acção institucional e da intervenção directa do Partido, confirmou-se como uma força indispensável na resistência à política de direita, no assumir das aspirações e reivindicações das massas populares e na batalha para se alcançar uma verdadeira alternativa democrática e patriótica.

A luta dos trabalhadores reflecte a tomada de consciência da natureza da ofensiva desencadeada pelo patronato, pelos governos do PSD, e prosseguida pelo Governo PS, contra as condições de vida e de trabalho, as conquistas democráticas e os direitos.

Tiveram grande significado, pela combatividade, persistência e confronto directo com os governos, a luta dos trabalhadores da Manuel Pereira Roldão contra o encerramento da empresa, da Telecom pela defesa do Acordo da Empresa, dos Mineiros de Aljustrel e Pejão contra o encerramento das minas, da TAP pela defesa de direitos e contra os despedimentos, do complexo da Grundig, da Torralta, pela defesa da empresa e a garantia dos postos de trabalho, da Siderurgia Nacional, da ABB, da Setenave, do Hotel Atlantis (Madeira), da Lisnave, da Valfrio e da Renault contra os despedimentos, a luta dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado contra o desmantelamento das empresas e as privatizações.

Numerosas foram as lutas de empresas e sectores pelo desbloqueamento dos processos de contratação colectiva, pelo pagamento de salários em atraso, por aumentos de salários, contra a violação de direitos, pela redução do horário de trabalho, pela segurança no trabalho e a defesa da Segurança Social.

A luta dos trabalhadores da Administração Central e Local por aumentos de salários, pela defesa de direitos adquiridos, contra os «disponíveis», pela revalorização das carreiras, contra a privatização e desmantelamento de serviços públicos teve um grande papel para a amplitude da luta de massas dos trabalhadores e no combate às políticas governamentais.

As lutas dos professores e de outros trabalhadores do ensino pelas suas reivindicações profissionais e por uma escola pública de qualidade para todos os portugueses; dos médicos, dos enfermeiros e de outros profissionais da saúde pela valorização e dignificação das suas carreiras e pela defesa e aperfeiçoamento do Serviço Nacional de Saúde constituíram uma valiosa e constante contribuição para a melhoria das condições de trabalho desses profissionais e para a salvaguarda das funções do Estado na área social.

A luta contra a Lei da Polivalência e Flexibilidade traduziu-se em milhares de acções nos locais de trabalho, no envio de 1600 pareceres de estruturas dos trabalhadores à Assembleia da República, em manifestações de rua e concentrações junto dos órgãos do poder, tendo sido decisiva para esclarecer os trabalhadores e a opinião pública sobre a verdadeira natureza da iniciativa legislativa do PS que abre caminho para um dos mais graves atentados aos direitos do mundo do trabalho, após o 25 de Abril.

Os milhares e milhares de acções de protesto e luta reivindicativa, umas pequenas, outras grandes, assumindo uma enorme diversidade de formas, desde o recurso à greve (forma de luta amplamente utilizada a todos os níveis), a concentrações, manifestações, cortes de vias de comunicação, vigílias, plenários, abaixo-assinados, foram decisivos para contrariar medidas gravosas e impor justas reivindicações.

Foi pela luta que em muitas empresas se defenderam postos de trabalho e legítimos direitos; foi pela luta que elevado número de trabalhadores de sectores (comércio retalhista, metalurgia, cortiça, mármores, cimentos, indústria farmacêutica, etc.) viu consagrada nos contratos colectivos a redução do horário de trabalho semanal. A luta por aumentos salariais, apesar de condicionada por uma insistente política de contenção previamente determinada pelos governos e seus aliados na concertação social, não tendo alcançado os objectivos desejados foi, no entanto, factor decisivo para contrariar as tentativas de degradação dos salários e para que, em muitos sectores e empresas, se rompessem os tectos salariais que o patronato tentou impor.

O mesmo poderá dizer-se dos resultados alcançados na luta pelo emprego e contra os despedimentos. Não fora a corajosa acção dos trabalhadores e hoje o desemprego seria ainda maior.

Embora a luta contra a liquidação do Sector Empresarial do Estado tivesse sido insuficiente e ficado aquém das necessidades, considerada a dimensão e profundidade da ofensiva contra as conquistas sociais e os direitos dos trabalhadores, não é menos verdade que foi a corajosa e consciente intervenção de milhares de trabalhadores que impediu que o processo de destruição fosse mais rápido e profundo e a perda de direitos mais grave.

Apesar da grandeza e dos resultados da acção dos trabalhadores, da criatividade demonstrada na busca de novas formas de luta, importa considerar e acompanhar algumas insuficiências, nomeadamente a fraca coordenação, no tempo e no espaço, de muitas lutas; a pouca articulação entre lutas pela satisfação de reivindicações de carácter imediato e novas frentes resultantes da ofensiva contra a legislação laboral, a Segurança Social, as funções sociais do Estado, etc..

A defesa do direito histórico à negociação colectiva, sujeita a uma poderosa ofensiva por acção conjunta do patronato, governo e UGT, nem sempre mereceu a atenção necessária, insistindo-se em formas rotineiras de apresentação de contratos e desligadas da mobilização dos trabalhadores. A necessária e indispensável articulação entre a luta contratual e a luta nas empresas foi igualmente pouco cuidada. A divulgação das lutas e dos seus resultados continuou a ser insuficiente.

O Partido, através das células de empresa e dos seus membros nas estruturas unitárias, desempenhou papel determinante no impulso e na organização da luta dos trabalhadores. Muitas foram as lutas encabeçadas por membros do Partido. Entretanto, se há casos em que as células, conhecendo profundamente os problemas e o estado de espírito dos trabalhadores, discutiram, prepararam e dirigiram as lutas em todas as suas fases, outros casos se verificaram em que as organizações do Partido prestaram atenção insuficiente às lutas ou deixaram às estruturas unitárias essa tarefa, com graves consequências para o seu desenvolvimento, para o prestígio do Partido e a sua ligação às massas.

Como resultado das orientações decididas na Conferência Nacional do PCP de 26 de Novembro de 1994, regista-se uma melhoria, ainda que insuficiente, nesta direcção de trabalho.

O prosseguimento da política de direita pelo Governo PS, atingindo gravemente os trabalhadores, torna imprescindível que se considere o desenvolvimento da sua luta como uma linha prioritária de trabalho.

Outras classes e camadas contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento e a amplitude da luta de massas: os agricultores, desenvolvendo um número significativo de acções contra a política agrícola e para travar uma maior degradação da situação na agricultura, muitas delas de grande combatividade; os pequenos e médios empresários, em que avultam as lutas conduzidas pelas estruturas do Norte contra a proliferação indiscriminada das grandes superfícies; os pescadores, em luta contra medidas condicionadoras da sua actividade, pelo pagamento de subsídios devido a paralisações forçadas da frota, por melhores condições de vida e de trabalho a bordo das embarcações; as lutas da juventude, com destaque para as dos estudantes contra o aumento das propinas e as provas globais, e pelo desenvolvimento da acção social escolar; as mulheres, pela defesa da idade da reforma aos 62 anos; os reformados e os deficientes, apresentando cadernos reivindicativos às entidades oficiais e realizando marchas e concentrações nacionais junto de órgãos de poder.

A luta das populações constitui uma realidade relevante no conjunto da luta social e política desde o XIV Congresso: pelo seu elevado número e diversificação de objectivos; pelo carácter de massas e rápida radicalização que muitas delas assumiram; pela sua extensão nacional; pelo impacto mediático que conseguiram; pelo grande significado e importância que tiveram contra as consequências da política de direita na vida das populações; mas, sobretudo, pelo enorme contributo que deram para o descrédito e derrota do governo PSD onde, sem dúvida, sobressaiu com particular força e destaque a luta dos utentes da Ponte 25 de Abril contra as portagens.

Na base dos principais problemas detonadores das lutas das populações estão, no geral, as consequências das opções neoliberais da política social e económica seguida pelos governos do PSD e agora do PS, conducentes à crescente desresponsabilização do Estado das suas funções sociais.

O desenvolvimento, diversificação e amplitude da luta e protesto das populações reflectem de forma crescente as enormes contradições decorrentes das grandes desigualdades de desenvolvimento criadas entre regiões, com a progressiva desertificação e subdesenvolvimento do interior e o crescente sobrepovoamento urbano do litoral, com todos os problemas sociais, económicos e ambientais daí decorrentes, mas também os resultantes do alastramento da pobreza entre largos sectores da população, da marginalidade, da prostituição, da toxicodependência, da corrupção, da violência e da criminalidade.

Por isso, a par das lutas e protestos cujos objectivos podemos considerar como tradicionais na luta das populações, assistimos, nos últimos anos, ao desenvolvimento de grandes acções de massas envolvendo populações inteiras de concelhos ou regiões, em defesa da actividade produtiva, do emprego, do desenvolvimento económico e social (como, por exemplo, a actividade do Movimento Alentejo pela Regionalização e Desenvolvimento, envolvendo mais de 600 organizações de todo o Alentejo e que, entre outras iniciativas, realizou a «Embaixada do Alentejo» a Lisboa; em defesa da prevenção da toxicodependência e de medidas de segurança e tranquilidade públicas.

Caracterizada por uma grande espontaneidade e utilizando uma grande riqueza de formas de acção (abaixo-assinados, petições, concentrações, vigílias, manifestações, cortes de vias rodoviárias e ferroviárias, tribunais públicos, impedimento de obras...), a luta das populações, perante a necessidade do seu prosseguimento e face à manutenção dos problemas, evoluiu em muitos casos para formas orgânicas permanentes (comissões de utentes, comissões de luta, comissões e associações de moradores, etc.), por forma a assegurar o seu acompanhamento regular.

O Partido teve papel muito positivo, e em vários casos essencial, na iniciativa e acompanhamento das lutas das populações, mas há igualmente a registar que nem sempre as organizações locais mostraram suficiente conhecimento dos verdadeiros problemas que afectam as populações, as suas aspirações e nível de descontentamento, tendo sido surpreendidas pelo desenvolvimento de acções de protesto.

Casos houve, igualmente, em que faltou iniciativa às organizações locais no desencadear das lutas, tornando difícil a intervenção do Partido, enfraquecendo a sua ligação às massas.

Frustradas as expectativas de mudança política, às velhas expectativas juntar-se-ão muitas outras. O desenvolvimento das lutas das populações é não só essencial para a resolução de graves problemas que afectam o seu viver, como para dar maior amplitude e coesão à frente social que rejeita a política de direita.

Com vista ao desenvolvimento deste trabalho, devem ser consideradas como prioritárias para a intervenção do Partido as seguintes orientações:

a) Conhecer os principais problemas que afectam as populações, o seu estado de descontentamento e avaliar, em cada momento, a possibilidade de desencadear acções concretas para a resolução, definindo em diálogo com as populações objectivos e formas de luta;

b) incentivar os membros do Partido para uma participação e intervenção activa na iniciativa, dinamização e organização da luta das populações;

c) afirmar as posições políticas do Partido, quer em relação aos problemas quer em relação às lutas em si;

d) articular a acção geral do Partido junto das populações com a intervenção dos membros do Partido nas autarquia, associações populares e outras instituições.

2. A intervenção do PCP no combate à política de direita

A par da intervenção constante nos movimentos e acções de massas, feita sempre com o objectivo de defender os interesses dos trabalhadores e do povo, de reforçar a sua unidade e elevar a sua combatividade, e das eleições que, em si mesmas, foram grandes batalhas de esclarecimento e combate à política de direita, o Partido, dando mostra de grande vitalidade, interveio activamente com a sua identidade e projecto próprios, com propostas concretas, em toda a acção política e social.

A intervenção política do Partido junto da sociedade e nas instituições pautou-se pelo combate persistente e coerente à política de direita, pela contribuição para a resolução dos grandes problemas nacionais, pela necessidade de conjugar esforços das forças democráticas para se alcançar uma verdadeira alternativa democrática.

Pela identificação com os anseios e aspirações das massas populares, pela sua acção e intervenção política, pelo seu projecto, o PCP afirmou-se como a única e verdadeira oposição à política de direita e objectivamente a expressão política da frente social que se opõe a essa política.

O PCP não deu tréguas aos governos do PSD, desenvolveu múltiplas campanhas de esclarecimento sobre a natureza da política de direita e suas consequências, mobilizou e uniu forças, tomou a iniciativa e afirmou a necessidade e a possibilidade de uma nova política. Foi o único Partido que salientou a importância e desenvolveu uma intensa acção para que, tão cedo quanto possível, se pusesse termo à governação desestabilizadora do PSD que, a concretizar-se, teria poupado ao País elevados custos.

O Partido foi a força política que se levantou contra o escandaloso processo das privatizações, de desmantelamento do Sector Empresarial do Estado, combateu os processos de destruição do aparelho produtivo nacional, na indústria, na agricultura e nas pescas e alertou para as graves consequências para o futuro do País resultantes da destruição do aparelho produtivo e da desertificação do mundo rural.

O PCP promoveu uma persistente e continuada intervenção em defesa do regime democrático, contra as tentativas para o pôr em causa. Denunciou e combateu práticas e propósitos do PSD como: a lei do segredo de Estado; a utilização do SIS como polícia política ao serviço do governo; a brutalidade repressiva e a governamentalização do Estado. Contrariou a ofensiva contra o poder local democrático e desenvolveu uma vasta acção em sua defesa e valorização, e em prol da necessidade e importância da regionalização administrativa do País. Pugnou pela defesa da cultura portuguesa.

Rejeitou a profissionalização integral das forças armadas e pugnou pela consagração do associativismo militar de carácter sócio-profissional. Desmascarou o nepotismo e a corrupção, indissociáveis da forma de a direita exercer o poder. Foi o único grande partido a alertar o País sobre o verdadeiro significado de Maastricht e a exigir uma política europeia que salvaguarde os interesses e soberania nacionais.

O PCP foi o motor da resposta à ofensiva contra os trabalhadores, designadamente às alterações à lei da greve que visavam pôr em causa o exercício desse direito e a outras mutilações da legislação do trabalho.

O Partido, estreitamente ligado à realidade nacional, aos problemas do povo e do País, promoveu deslocações, contactos e encontros com trabalhadores, populações, aprofundando o conhecimento da situação, dando a conhecer as suas análises e propostas, contribuindo com a sua acção política para a defesa dos seus interesses e para a resolução de problemas.

A campanha política desenvolvida pelo Partido contra a Lei da Flexibilidade e Polivalência foi determinante para esclarecer o seu verdadeiro conteúdo, mobilizar a opinião pública e fazer compreender a política do PS.

A acção coerente, corajosa e determinada do PCP foi decisiva para a resistência à política de direita, para o desgaste dos governos do PSD, para a sua derrota e afastamento do poder, e constitui hoje o elemento essencial para a mobilização de consciências e vontades, no combate à política de direita que o Governo do PS prossegue e na criação de condições para uma efectiva alternativa, para uma política de esquerda ao serviço do povo e do País.

Na Assembleia da República, o PCP opôs-se à governamentalização imposta pelas maiorias absolutas do PSD, interveio permanentemente em defesa dos trabalhadores e dos interesses nacionais e populares, e contribuiu para a criação das condições que levaram à derrota da direita nas eleições legislativas de Outubro de 1995.

Na actual legislatura, com uma profunda alteração da composição da Assembleia da República, sem maiorias absolutas, o PCP tem actuado no sentido de serem concretizadas as expectativas de mudança geradas com a derrota do PSD. De entre as iniciativas legislativas apresentadas pelo PCP salientam-se as relativas à redução do horário semanal de trabalho, à idade da reforma das mulheres aos 62 anos, ao sistema de fiscalização do SIS, à revogação das propinas e ao reforço dos direitos das mulheres.

Do vasto conjunto de iniciativas legislativas apresentadas pelo PCP foram aprovadas, nomeadamente, a do desenvolvimento florestal, a do regime de tutela das autarquias locais e a do regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes. O PCP contribuiu igualmente de maneira determinante para demonstrar a real falta de vontade política do PS para enfrentar e resolver os problemas fundamentais do País, bem como a convergência e a continuidade, no essencial, das políticas de direita que têm vindo a ser prosseguidas pelo seu Governo.

Nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira a acção dos representantes parlamentares eleitas em 1992 foi intensa e muito ligada aos problemas concretos das populações respectivas.

O trabalho desenvolvido pela representação parlamentar do PCP na Região Autónoma dos Açores constituiu um importante contributo para a acentuação do descontentamento e para a criação das condições que levaram ao abandono de Mota Amaral em 1995 e à derrota do PSD em 1996.

Na Região Autónoma da Madeira, o deputado independente eleito nas listas da CDU deu expressão às reivindicações e anseios populares, desmascarou a política autoritária e anti-social do PSD e desenvolveu, com o apoio dos comunistas, um intenso trabalho junto das populações, apoiando e estimulando a sua luta pela resolução de problemas concretos, luta que teve forte impacto na opinião pública.

Na actual Legislatura recentemente iniciada, o PCP, através do Grupo Parlamentar da Assembleia Legislativa Regional da Madeira e da representação parlamentar da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, continuará a nortear a sua acção pela defesa do sistema constitucional da autonomia e o aprofundamento da democratização do seu funcionamento, pela realização de políticas de desenvolvimento para as Regiões Autónomas e pela criação de condições para um maior alargamento da influência política e eleitoral em ambas as Regiões aprofundando o caminho aberto em 1996.

Nas autarquias locais, os eleitos comunistas e outros democratas da CDU, enfrentando sucessivas tentativas de reduzir a capacidade financeira e a autonomia do Poder Local, prosseguiram um importante trabalho ao serviço das populações onde são maioria e asseguraram, no geral, uma intervenção construtiva e de combate a irregularidades e ineficácias nos órgãos onde são minoria.

No Parlamento Europeu, os deputados comunistas portugueses deram uma activa contribuição para a constituição do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica. Defendendo em Bruxelas e Estrasburgo o que defendem em Portugal (em contraste com os deputados do PS, PSD e PP que no Parlamento Europeu aprovaram orientações e medidas que lesam os interesses de Portugal), desenvolveram uma actividade intensa e qualificada, centrada na firme defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses, no combate às imposições supranacionais e às políticas neoliberais do Tratado de Maastricht, na luta por uma outra Europa de paz, progresso e cooperação, na solidariedade com todos os povos sujeitos a ditaduras ou regimes de opressão e agressão imperialista, e particularmente para o povo de Timor-Leste.

3. A classe operária, os trabalhadores e as suas organizações de classe

A classe operária, os trabalhadores e as suas organizações de classe, com particular destaque para o movimento sindical, continuam a ser uma força social determinante, não só na defesa dos interesses dos trabalhadores, das massas populares e do País como na resistência à política de direita, e confirmaram-se, pela sua acção e pelos seus valores, como elementos essenciais na defesa do regime democrático.

A classe operária, pelo seu lugar no processo produtivo, por estar no centro da luta entre o trabalho e o capital, pelo grau de organização e experiência de luta, continua a ser a força dinamizadora e mobilizadora das lutas de classe contra o capital e da vasta frente social de luta contra a política de direita e pelo progresso social.

Esta realidade, confirmada pela vida, não anula uma outra realidade, que é a de as posições do movimento operário e sindical, globalmente consideradas, se terem enfraquecido. Confrontado com um processo de reestruturação geral das condições de exploração da mão-de-obra, assente na desregulamentação das relações laborais e na intensificação da exploração, o movimento operário e sindical enfrenta uma poderosa ofensiva e actua num quadro profundamente alterado, que afecta a sua estrutura, formas de organização, capacidade de intervenção, direitos e condições de trabalho e de vida.

No período que nos separa do XIV Congresso, com o aprofundamento de processos que se desenvolvem há vários anos, operaram-se significativas mutações de carácter qualitativo na composição dos trabalhadores, estatuto laboral e papel nos processos produtivos:

— A estrutura do desemprego alterou-se na sua dimensão (aumentando em volume e tornando-o massivamente crónico), na sua natureza (aumentou o desemprego de longa duração), na sua extensão (afecta todos os sectores e crescentemente a mão-de-obra qualificada), no seu ciclo de variação (o desemprego diminui pouco ou aumenta mesmo, em períodos de crescimento económico); a precariedade, nas suas múltiplas formas, aumentou e tende a generalizar-se como forma de estatuto laboral;

— desenvolvem-se processos de atomização das relações laborais e processos de concorrência entre trabalhadores em resultado dos elevados índices de desemprego e incerteza quanto ao futuro;

— com a chamada libertação da mão-de-obra «velha», com o crescimento dos assalariados jovens e mulheres, altera-se a composição etária e de sexos;

— com as reestruturações industriais, as mudanças tecnológicas, as novas formas de organização e divisão do trabalho e da actividade e das estruturas económicas, alteram-se a natureza e a composição do trabalho assalariado. Os próprios conceitos de empresa, de patrão e da condição de trabalhador assalariado tornam-se fluídos com o recurso à subcontratação, ao aluguer de mão-de-obra, aos recibos verdes, ao falso estatuto de trabalhador por conta própria;

— com o afastamento dos lugares de residência dos locais de trabalho, modificam-se as formas de organização de vida, as estruturas familiares, a ocupação dos tempos livres, a psicologia social e a disponibilidade para a actividade militante;

— com o aprofundamento do processo contra-revolucionário, as alterações nas estruturas socioeconómicas, as limitações de direitos, as privatizações e a fragmentação de grandes empresas, alterou-se o nível de concentração dos trabalhadores e o papel de sectores em que estes têm maior consciência de classe, mais forte organização e experiência de luta.

Todas estas mutações se repercutem não só sobre as formas de organização do trabalho, a natureza da mão-de-obra assalariada e estatutos laborais, mas igualmente na força organizada, unidade e condições de luta. O próprio imaginário colectivo tende a diluir-se, em muitos casos, ao tornar-se mais heterogéneo o mundo do trabalho e a formação da consciência de classe é mais morosa e complexa.

A dificuldade na resposta às novas realidades, o enfraquecimento das células de empresa como principal forma de organização do Partido para a acção junto dos trabalhadores, diminuem a capacidade de organização e de luta dos trabalhadores e sua formação política e ideológica.

As actuais dificuldades do movimento operário e sindical, embora de longa duração e complexa superação, são temporárias. A própria história do movimento operário e sindical conheceu, já no passado, situações de crise, que todavia vieram a ser ultrapassadas. As alterações de carácter objectivo no plano das inovações tecnológicas, nas novas formas de organização do trabalho e composição dos trabalhadores assalariados, não anulam a natureza exploradora do capitalismo. Natureza que, na actualidade, se intensifica e alarga com a extensão do trabalho assalariado a novos ramos produtivos, a novos sectores e profissões.

O agudizar da luta de classes entre o trabalho e o capital é uma realidade inquestionável. As lutas de massas, incluindo formas de luta superiores, abarcam novas camadas de trabalhadores, abrindo sólidas perspectivas ao seu desenvolvimento e à organização dos trabalhadores e do Partido.

A ampliação do trabalho assalariado gera fenómenos contraditórios na coesão da frente de luta dos trabalhadores. A condição objectiva de explorados e a compreensão subjectiva do seu lugar nos processos de relações económicas e sociais não são automáticas. Mas a sua crescente participação na acção de massas alarga a sua adesão aos valores de solidariedade e compreensão quanto à importância da acção colectiva.

O desenvolvimento da acção organizada dos trabalhadores, a elevação da sua acção combativa, o reforço da sua unidade e a formação da consciência de classe são inseparáveis do reforço da influência política e ideológica do Partido junto dos trabalhadores, do desenvolvimento e reforço das suas organizações de classe, nomeadamente do movimento sindical e das comissões de trabalhadores, organizações às quais os membros do Partido devem dar a máxima atenção ajudando a encontrar as soluções para os problemas que defrontam para conseguirem responder aos grandes problemas do mundo do trabalho.

O movimento sindical continua a ser a maior organização social de massas, força necessária e indispensável para a organização e unidade dos trabalhadores e defesa dos seus interesses sócio-profissionais e de classe.

O movimento sindical, pela sua acção, pelas camadas sociais que representa, pelos valores que inspiram o seu projecto, afirma-se como uma força fundamental para o regime democrático.

O papel, a influência e o prestígio da CGTP-IN e do movimento sindical que agrega, são determinados pela sua acção em defesa dos interesses dos trabalhadores e do País e pela sua identidade própria, sendo esta determinada pelas suas características fundamentais: natureza de classe, de massas, democrática, unitária e autónoma.

O desenvolvimento do movimento sindical confirma que a influência que os comunistas têm nele, a qual é determinada por razões históricas e pela sua acção constante e consequente em defesa dos interesses dos trabalhadores, tornou-se factor determinante da identidade e da força, independência, consciência de classe, unidade e influência de massas da CGTP-IN e do movimento sindical unitário.

A defesa da identidade e princípios do movimento sindical não contraria o seu necessário e permanente processo de renovação, o combate à rotina e à cristalização de conceitos e métodos de trabalho, a resposta aos novos problemas (objectivos e subjectivos), sendo antes condição para o seu sucesso.

A par de aspectos altamente positivos no seu desenvolvimento, o movimento sindical enfrenta dificuldades e novas realidades que requerem estudo atento, soluções adequadas, envolvimento e participações dos activistas e dos trabalhadores.

Na análise das dificuldades que o movimento sindical enfrenta quanto às formas de organização e de intervenção, capacidade reivindicativa, peso de cada sector, sua identificação com as aspirações das novas camadas de assalariados, não podem deixar de ser consideradas as características marcantes do mercado de trabalho, os efeitos das mutações tecnológicas e da divisão do trabalho, as condições políticas e socioeconómicas em que se processa a exploração da mão-de-obra assalariada.

O avanço do processo contra-revolucionário, a limitação de direitos, as alterações produzidas nos mecanismos e métodos de dominação do capital sobre o trabalho, alteram profundamente as condições em que actua o movimento sindical, enfraquecem as suas posições, exigem novas formas de organização, mas não invalidam o papel e a necessidade do movimento sindical como organização de classe e de massas.

Não têm fundamento, na realidade, as teses anunciadoras do «fim do sindicalismo», pretensamente justificadas quer por ser uma «organização datada» (fruto da revolução industrial), quer por ter supostamente desaparecido a sua razão de ser (a luta de classes), ou ainda pela impossibilidade que haveria de se organizarem trabalhadores com vínculo de trabalho precário ou inseridos no trabalho clandestino.

O movimento sindical é o resultado da evolução do capitalismo e da classe operária como força autónoma, uma organização tornada inevitável pela natureza exploradora do capitalismo, natureza que se mantém e se intensifica na actualidade com o desenvolvimento do capitalismo monopolista e sua internacionalização, pela necessidade de os trabalhadores assalariados como classe se organizarem nacional e internacionalmente para fazer frente à classe dos capitalistas.

O extraordinário desenvolvimento do processo de assalariamento, alargando o campo de exploração capitalista a novas camadas, com expressão significativa nos quadros técnicos e científicos, não restringe, antes alarga, como se comprova pelo desenvolvimento do movimento sindical, o campo da sua intervenção a novos sectores e camadas.

O desenvolvimento e a crescente intervenção das estruturas sindicais dos professores, dos médicos, dos enfermeiros, dos magistrados, dos trabalhadores da Administração Pública Central e Local, englobando milhares de associados e integrando-se em grande parte no movimento sindical unitário e no movimento geral dos trabalhadores, reforçam a importância do movimento sindical.

Os activistas sindicais comunistas, juntamente com os trabalhadores, têm a enorme responsabilidade de assegurar o êxito dos necessários e inadiáveis processos de renovação e reestruturação sindicais, ditados por razões objectivas e subjectivas e que não são separáveis do quadro da ofensiva do capital contra o mundo do trabalho.

Estes processos abarcam praticamente todas as áreas da vida sindical, no plano da estrutura orgânica, das formas de intervenção, da natureza das reivindicações e da sua formulação, das formas de luta, exigindo um conjunto de medidas articuladas entre si e inseparáveis umas das outras.

Os comunistas defendem que estes processos devem ser ditados por alguns princípios fundamentais, nomeadamente:

a) Adequar a acção sindical e as medidas orgânicas às alterações no mercado do trabalho, marcadas pelo desemprego massivo, crescente precariedade, mobilidade da mão-de-obra e evolução da estrutura sectorial das profissões;

b) desenvolver uma reestruturação orgânica que, com ampla participação dos trabalhadores, reforce os sindicatos, rentabilize meios e quadros, assegure os pólos sindicais regionais e a implantação sindical nos locais de trabalho, como garantia da ligação das estruturas aos trabalhadores;

c) desenvolver a democracia sindical a todos os níveis da estrutura e incentivar a participação dos trabalhadores na vida sindical;

d) dar muito maior atenção à juventude e às mulheres trabalhadoras que, pelo seu crescente peso na mão-de-obra assalariada, se tornam decisivas para a força e influência futuras do movimento sindical;

e) desenvolver a acção de massas, articulando as reivindicações de carácter imediato com as de carácter mais geral, e avançando reivindicações que tenham em conta as novas camadas de trabalhadores e a necessária articulação entre os trabalhadores no activo, os desempregados e reformados.

O movimento sindical e a luta ideológica — A ofensiva contra os direitos sociais e as condições de vida dos trabalhadores faz-se acompanhar de uma intensa ofensiva ideológica, com o objectivo de levar os trabalhadores a renunciarem à ideia de transformações sociais, inculcando a noção da comunidade de interesses entre trabalhadores e patrões e de que o capitalismo é o melhor e único dos mundos possíveis, que as suas vítimas não devem agarrar-se a privilégios ditos corporativos e ilegítimos, aceitando como legítimo e inevitável o desemprego, a degradação salarial e o desmantelamento da segurança social.

Esta operação de intoxicação ideológica dispõe de poderosos meios e de um verdadeiro exército de especialistas e escribas, que se afadigam a defender a mercantilização do social, a camuflar as verdadeiras causas da exclusão, separando-as do sistema de relações sociais que as engendram. As inovações tecnológicas e a chamada rigidez do mercado do trabalho são responsabilizadas pelo desemprego.

Neste mundo, dito de inevitáveis regressões sociais e em que se afirma estar a desaparecer o próprio sistema de trabalho explorado, só lhes resta decretar o fim do sindicalismo ou o abandono do seu carácter de classe, transformando os sindicatos em organizações filantrópicas do tipo mutualista, organizações indefinidas de cidadãos, ou a sua integração no sistema de exploração.

A acuidade da batalha ideológica em torno da natureza do movimento sindical está ligada ao papel que este desempenha na luta dos trabalhadores contra o capital, o qual encontra nos sindicatos um obstáculo à depreciação da mercadoria força de trabalho, pela capacidade que os trabalhadores têm de se agrupar em organizações de classe combativas, de resistir, reivindicar e de se apresentar como força autónoma frente à classe dos capitalistas.

O movimento sindical e a «concertação social» — Na diversidade de teorias e práticas para «domesticar» e desarticular o movimento sindical, assume particular relevo a da «concertação social», contraposta à luta de classes, forma dita caduca de relações sociais.

As formas e os conteúdos dos processos de «concertação social» não são estáticos. Na actualidade, estes processos, mantendo embora a sua essência de sempre (desarticular o movimento sindical como expressão dos interesses colectivos dos trabalhadores), são determinados pelas alterações que se operaram nos mecanismos de regulação da exploração da força de trabalho, na fase do capitalismo monopolista de Estado e dos processos de internacionalização e livre circulação de capitais, processos que requerem uma certa «homogeneização» das condições de exploração da força de trabalho, condições essas determinadas pelos centros de coordenação do capital multinacional e aplicados pelos poderes políticos instituídos, quer sejam da responsabilidade de partidos socialistas quer sejam de direita.

A «concertação social» institucionalizada constitui uma grave ameaça aos direitos e ao papel dos sindicatos como organização de classe. No plano ideológico, procura incutir-se a ideia da neutralidade do Estado como regulador das relações sociais, do primado do diálogo contra a barbárie da luta de classes. A «concertação social» é apresentada como forma pretensamente superior de democracia, difundindo-se a ideia de que os sindicatos, pela participação institucional se tornam co-decisores das estratégias socioeconómicas, as quais são sempre previamente decididas pelos governos e pelo patronato.

No plano político, o sistema de «concertação social» tem como objectivo corresponsabilizar os trabalhadores, corresponsabilizando os sindicatos pela ofensiva contra os salários, pela desregulamentação das relações laborais, pervertendo o sentido democrático de participação e violando o direito à livre negociação colectiva.

A «concertação social» institucionalizada conflitua com direitos e espaço de intervenção sindical, mas é uma realidade que está para durar e com a qual o movimento sindical vai ter de lidar, que requer orientações precisas, não podendo estas reduzir-se à dicotomia participar ou não participar.

O movimento sindical, como se comprova pelas suas orientações e práticas, é pelo direito de participação e negociação. Estes objectivos traduzem-se no estudo dos problemas gerais dos trabalhadores e do País, na elaboração de propostas para a sua solução e na apresentação de reivindicações para defender e melhorar os direitos socioeconómicoss do mundo do trabalho.

A participação nos órgãos de «concertação social» é um direito que o movimento sindical exerce em função dos interesses de classe dos trabalhadores, tendo em conta o quadro concreto em que se desenvolve a sua acção e que aí se discutem orientações e podem ser tomadas decisões de grande significado para os interesses dos trabalhadores.

Esta participação deve ser sempre encarada como uma frente específica de intervenção sindical, apresentando autonomamente as suas propostas, denunciando as medidas e orientações antilaborais e intervindo para as inviabilizar ou limitar os seus efeitos nefastos.

Não se pode alimentar a ilusão de que a «concertação social» institucionalizada coloca as forças sociais e políticas nela envolvidas em pé de igualdade. Os níveis de participação institucional, o seu conteúdo e eficácia são determinados pela natureza do poder e da política de classe que realiza, pela extensão dos direitos democráticos, pelas tradições, orientações e unidade dos trabalhadores, pela correlação de forças entre o trabalho e o capital.

A participação institucional deve ser estreitamente articulada com a informação regular aos trabalhadores e não poderá substituir nem limitar o desenvolvimento da luta de massas autónoma, mas antes assentar na sua intensificação por reivindicações imediatas e por objectivos de carácter mais geral, como a extensão dos direitos económicos, sociais e políticos.

O movimento sindical e a unidade — A luta de massas é não só o caminho mais seguro para a defesa dos interesses dos trabalhadores, fazendo-os intervir na resolução dos seus próprios problemas, como é também uma forma legítima e superior de participação democrática e de afirmação social e política da classe operária e dos trabalhadores.

O movimento sindical unitário, encabeçado pela CGTP-IN, já deu mostras de grande dinamismo e capacidade para enfrentar as dificuldades e os novos problemas, por mais difíceis que sejam.

A grandeza das tarefas que se lhe colocam na actualidade, o desenvolvimento da acção reivindicativa, a defesa do direito à livre negociação colectiva, exigem que se considere o reforço da organização, da influência do movimento sindical unitário e da unidade dos trabalhadores como tarefas correlacionadas e prioritárias.

O projecto de progresso social defendido pela CGTP-IN, assente na acção de massas, na solidariedade de classe e legitimado pelo amplo apoio que lhe dão os trabalhadores, é condição para o desenvolvimento da acção reivindicativa, o aumento da sua eficácia e para a defesa do direito à livre negociação colectiva como regulador das relações laborais.

A defesa da unidade, definida como linha orientadora estratégica, para que seja eficaz, requer uma actividade multiforme, tem de ter em conta a natureza das tarefas que se colocam ao movimento sindical no momento concreto, a natureza e o projecto das forças que intervêm junto dos trabalhadores e deverá ser suportada por alguns princípios fundamentais.

Desde logo, é indispensável definir-se que a unidade não se determina por ser um objectivo em si, mas pela necessidade de se construir um instrumento que torne mais eficaz a luta dos trabalhadores, sem o qual o objectivo da unidade na acção se transformará na «unidade» para a bloquear.

A unidade dos trabalhadores deverá reforçar-se na base da justeza dos objectivos, no desenvolvimento da acção reivindicativa, com o objectivo de defender e melhorar os direitos dos trabalhadores e de ter o seu suporte na participação e mobilização dos trabalhadores.

O desenvolvimento da acção reivindicativa e da unidade dos trabalhadores no quadro de pluralismo orgânico, e em que a UGT assume cada vez mais a função de «braço social» da estratégia do Governo e do patronato contra direitos fundamentais, passa igualmente pelo combate ao divisionismo, pelo esclarecimento dos trabalhadores quanto às suas práticas e sua natureza.

O envolvimento dos trabalhadores nas decisões sobre os problemas que lhes dizem respeito não é só um pressuposto essencial de uma prática democrática, é também indispensável para a unidade e a garantia de uma acção reivindicativa consciente, combativa e ampla.

O movimento sindical e a cooperação internacional — O significativo ascenso da luta de massas em vários países, em muitos casos ao arrepio das organizações sindicais reformistas, a cooperação, coordenação e acções comuns que se têm desenvolvido a nível europeu, no plano geral, sectorial e de empresa, constituem factores altamente relevantes, potenciadores da unidade e da intervenção dos trabalhadores.

O domínio da economia pelas multinacionais, o aprofundamento dos processos integracionistas, a natureza global e coordenada da ofensiva do capital contra o mundo do trabalho, tornam mais necessário prosseguir e alargar a cooperação e a solidariedade internacionalistas.

Isto é tanto mais importante quanto é certo que, apesar das dificuldades e da persistência de fenómenos negativos no movimento sindical internacional (exclusões por razões politico-ideológicas e capitulações face à ofensiva do capital, etc.), existe um largo número de organizações que desenvolvem uma acção de classe consequente.

Por outro lado, registam-se casos de cooperação e aproximação entre organizações de tendências político-sindicais diversas, observam-se processos de recomposição e reanimação de movimentos sindicais no Leste da Europa e nos países do Terceiro Mundo e, facto marcante, assiste-se na actualidade, em numerosos países, a uma importante reactivação da acção das massas impulsionada pelo movimento sindical.

A filiação da CGTP na CES, apesar desta organização prosseguir uma linha de subordinação às estratégias do grande capital e de integração no sistema e desenvolver uma acção limitada em defesa dos interesses dos trabalhadores, alargou o campo de cooperação internacional da CGTP-IN com o movimento sindical europeu no qual se verificam processos de diferenciação, abrindo-se-lhe novas responsabilidades na frente da actividade internacional, no sentido de ajudar ao desenvolvimento do movimento sindical internacional de classe e de massas.

O desenvolvimento desta linha de trabalho exige que sejam tidos em conta alguns princípios fundamentais, no sentido de garantir que as acções de cooperação e coordenação internacionais não contrariem, antes assentem, no desenvolvimento da luta autónoma ao nível de cada país, terreno no qual os trabalhadores enfrentam directamente a exploração patronal e as políticas concretas dos respectivos governos.

A necessária e indispensável cooperação e coordenação internacionais devem assegurar que estas não se sobreponham, e muito menos substituam as organizações de classe de âmbito nacional, com o argumento de que o desenvolvimento dos processos de mundialização, globalização e internacionalização das economias, acompanhados da criação de estruturas políticas e económicas supranacionais, requerem a criação de correspondentes estruturas sindicais e níveis de negociação colectiva supranacionais.

A defesa deste tipo de organizações, bem como a «concertação social» e a «negociação colectiva» europeias, longe da intervenção directa dos trabalhadores e dirigidas por cúpulas afastadas dos problemas e das aspirações reais das massas e dos interesses nacionais, insere-se na estratégia de integração do movimento sindical no sistema de integração económica dominado pelo grande capital.

A importância da frente sindical para o próprio desenvolvimento do Partido, e da sua identidade como Partido da classe operária e dos trabalhadores, torna necessário que as organizações partidárias dediquem maior atenção a esta frente considerando a distribuição de quadros, estudando as formas de enquadramento partidário e de formação dos quadros sindicais e reavaliando as estruturas do Partido para o acompanhamento desta frente de trabalho partidário, nomeadamente para assegurar uma mais eficaz articulação com as células de empresa e organizações de sector.

Com o objectivo de reforçar a unidade dos trabalhadores e a influência social e orgânica do movimento sindical unitário, são princípios orientadores da acção dos comunistas que intervêm nas estruturas sindicais:

a) Dar maior atenção aos problemas que o movimento sindical enfrenta na actualidade, tendo em conta as mutações que se operam no mercado de trabalho, nas formas de organização do trabalho e nos mecanismos de exploração;

b) contribuir para a definição do conteúdo da acção e intervenção sindical, trabalhar para o reforço da organização sindical, para a sua ligação aos trabalhadores, dando particular atenção aos jovens trabalhadores, intervindo com empenhamento no desempenho das tarefas que lhes estão atribuídas no quadro das suas responsabilidades, com pleno respeito pela autonomia e vida democrática das estruturas em que se integram;

c) desenvolver uma persistente acção tendente a reforçar a unidade do movimento sindical, combatendo tendências desagregadoras, estreitando os laços de cooperação com outras correntes de opinião, aperfeiçoando a democracia sindical nas várias vertentes, nomeadamente no funcionamento dos órgãos e na participação dos trabalhadores, defendendo a identidade da CGTP e do movimento sindical, condição da sua unidade e coesão;

d) intervir mais activamente no esclarecimento dos trabalhadores sobre o papel e a importância do movimento sindical, na difusão do projecto da CGTP e no combate às ideias capitulacionistas e diluidoras das suas características como organização de classe.

As Comissões de Trabalhadores. Os direitos das Comissões de Trabalhadores com consagração constitucional constituem um sério obstáculo aos objectivos do grande patronato e um instrumento democrático dos trabalhadores para a defesa dos seus direitos, para o alargamento da unidade e da elevação da sua consciência de classe.

A cooperação com o movimento sindical unitário tem sido um importante factor para fazer frente à ofensiva do capital a nível das empresas e nos sectores. O desenvolvimento desta forma de organização acusa tendências contraditórias.

Os processos de reestruturação industrial, os desmembramentos e desmantelamentos de empresas, levaram, nalguns casos, ao enfraquecimento e até ao desaparecimento de Comissões de Trabalhadores mas, noutros, à eleição de novas, em empresas resultantes do desmembramento.

Posteriormente essas novas Comissões de Trabalhadores elegeram, nalguns casos, as suas próprias coordenadoras de grupo ou de sector que, de forma criativa, evitaram o isolamento em cada unidade estatutariamente autónoma, mas dependente da holding que determina as orientações económicas, sociais e laborais do grupo.

Entretanto, a distribuição geográfica das Comissões de Trabalhadores é muito desigual, tendo pouco significado em algumas regiões.

Quanto a empresas novas, formadas na sua maioria com mão-de-obra precarizada, verificam-se reais dificuldades em eleger Comissões de Trabalhadores ou, quando surgem, são por vezes influenciadas pelas Administrações e ideias de corresponsabilização.

A direita, e também o PS, pela via da revisão constitucional ou da concertação social, tentam descaracterizar a sua natureza, limitar ou retirar direitos de intervenção e substituí-las por órgãos de concertação da empresa, visando quebrar a acção reivindicativa a nível de empresa e a difusão da conciliação de classes.

Ao nível da União Europeia, está em curso a aplicação de uma Directiva que cria os Comités de Empresa Europeus. Sendo um espaço que pode possibilitar a participação dos representantes dos trabalhadores, no entanto a sua composição, o seu funcionamento, os seus direitos e deveres, estão a ser determinados pelas multinacionais.

O desaparecimento e enfraquecimento de grande número de células de empresa reflecte-se negativamente no panorama geral das Comissões de Trabalhadores.

Entretanto, os membros do Partido, pela sua acção concreta em defesa dos interesses dos trabalhadores, continuam a ser eleitos em grande número, tanto na generalidade das empresas industriais como no sector financeiro e dos serviços.

O reforço do trabalho do Partido junto dos trabalhadores, a criação e dinamização de células de empresa, deverão ser acompanhados do esforço das organizações partidárias para dinamizar a criação de Comissões de Trabalhadores.

Tendo naturalmente em conta as diferenças de situação nas empresas que colocam a necessidade de soluções diferenciadas, os trabalhadores comunistas eleitos para as Comissões de Trabalhadores e Coordenadoras devem orientar a sua acção nas seguintes direcções fundamentais:

a) Defender as características unitárias tanto na sua composição como na sua acção, e aprofundar a cooperação com o movimento sindical unitário na defesa do Sector Empresarial do Estado, na acção reivindicativa e nas acções de massas;

b) defender os direitos de participação, intervenção e controlo de gestão, exercendo-os, impedir a descaracterização da sua natureza, combater a desconstitucionalização dos seus direitos e a sua substituição por órgão de concertação;

c) incentivar o reforço da sua intervenção nos locais de trabalho e junto dos trabalhadores e melhorar a informação e o trabalho de esclarecimento;

d) dinamizar a sua eleição nas empresas desmembradas ou em novas empresas e envolver todos os trabalhadores nesses processos, desenvolvendo a sua acção tanto para os trabalhadores efectivos como para os trabalhadores com vínculo precário;

e) combater tentativas para que os Comités de Empresa Europeus se substituam às Comissões de Trabalhadores. Assegurar a cooperação com o movimento sindical para a eleição, a partir das empresas, de representantes naquelas estruturas;

f) reforçar o grau de intervenção das Comissões Coordenadoras a nível de região, de sector e nas empresas do mesmo grupo económico, incentivando a eleição descentralizada de Subcomissões de Trabalhadores.

4. Outros grandes movimentos e organizações da frente social de luta

A frente social que se opõe à política de direita, expressa num grande número de acções pela satisfação de reivindicações específicas de classes e camadas sociais e na intervenção para dar solução a graves problemas de natureza social, económica, ecológica e do viver quotidiano, assenta num diversificado e largo conjunto de movimentos de massas que lhe dá continuidade e coesão na acção.

Pelos seus objectivos, formas de funcionamento e intervenção, os movimentos sociais de massas, como sujeitos sociais, têm uma raiz profundamente popular, projectam valores colectivos e de solidariedade, alargam a compreensão da importância da acção das massas para a resolução dos problemas, garantindo uma forma de participação e intervenção democráticas que vai muito para além da representação institucional.

Os movimentos sociais de massas, tendo como núcleo central e força dinamizadora as organizações da classe operária e dos trabalhadores, são uma realidade que abrange grandes massas de agricultores, intelectuais, pequenos e médios empresários de sectores diversos, reformados, deficientes, mulheres, jovens, com organizações próprias, estáveis e com actuação regular, e um sem-número de organizações e movimentações conjunturais ou duradouras de carácter muito diversificado.

Os movimentos de massas, na sua evolução, são marcados pela política socioeconómica e exprimem as transformações operadas na realidade social, com destaque para o crescimento da proletarização de camadas intermédias, a «desproletarização» forçada de trabalhadores, o crescente peso das mulheres na população activa, a expansão urbana e os problemas que coloca ao viver quotidiano.

Através da frente social estabelece-se objectivamente uma aliança de luta muito ampla, no plano social, da classe operária com camadas e classes intermédias que, convergindo também objectivamente no plano político, se torna determinante para a derrota da política de direita.

Percebendo a importância do papel dos movimentos sociais de massas na resistência e na derrota da política de direita, o governo do PSD e, na mesma esteira, o do PS, marginalizam as organizações mais representativas afastando-as de órgãos de representação institucional, negando-lhes apoios, privilegiando os contactos com as organizações do grande patronato (CAP, CIP, CCP, etc.), financiam o divisionismo e procuram condicionar a intervenção e representação dos outros parceiros sociais ao quadro estrito do Conselho Económico e Social e da concertação social.

O Partido, tendo em conta a importância do reforço dos movimentos sociais de massas para a derrota das políticas de direita e para a construção de uma verdadeira política democrática, deve dar a maior atenção aos problemas destas organizações, fazer uma abordagem profunda de todas as questões que se prendem com esta realidade determinante para a concretização da estratégia das alianças sociais básicas — as alianças da classe operária com diferentes camadas intermédias.

Movimento dos Agricultores — O período que nos separa do XIV Congresso foi marcado pelo ascenso da luta de pequenos e médios agricultores contra a política agrícola de direita, pela defesa dos seus interesses e o desenvolvimento da agricultura nacional.

O desenvolvimento da luta dos agricultores confirmou ser fundamental para a sua unidade e para uma intervenção de expressão nacional e a elevação da sua combatividade, a existência de um forte movimento de classe constituído com base social e regional muito diversificada. Luta e movimento de classe essenciais para a defesa da agricultura nacional.

As múltiplas lutas dos agricultores foram a necessária resposta à política agrícola do PSD, que o PS procura continuar e que, sendo determinada pelos interesses do grande capital nacional e multinacional (agrícola, agro-industrial, distribuição) e dos latifundiários, pelos processos de integração ditados por Bruxelas e da PAC, conduziu a agricultura nacional a uma grave crise e degradou gravemente a situação económica e social dos agricultores com a diminuição dos seus rendimentos, o crescente endividamento e falência, e enormes dificuldades de escoamento das suas produções. Consequência da política agrícola de direita, da cumplicidade de algumas associações com o poder político e da elevação da consciência dos interesses de classe dos pequenos e médios agricultores, há a assinalar importantes alterações na arrumação de forças do movimento associativo (económico e de classe), sendo de salientar: processos de recomposição no movimento cooperativo para fazer frente à ofensiva das multinacionais, embora neste movimento se mantenham contudo diversas orientações políticas e económicas contrárias aos interesses dos agricultores; dissensões internas na CAP, com o afastamento de algumas associações nela filiadas, surgimento de movimentos «independentes» e processos de aproximação e convergência com a CNA em torno de problemas e acções específicos.

Este período regista como factor relevante o facto de a CNA, dispondo de um conjunto de estruturas de âmbito distrital, ainda que com zonas mal cobertas ou com trabalho pouco desenvolvido, se ter afirmado de forma inquestionável como a principal organização dos pequenos e médios agricultores portugueses.

Assumindo a defesa efectiva dos interesses dos agricultores, desenvolvendo um importante esforço para estabelecer acções com outras organizações, protestando contra as marginalizações levadas a cabo pelo poder político, a CNA retirou espaço à CAP, impôs o seu reconhecimento de facto como parceiro social, ainda que não formalizado, no Conselho Económico e Social, e principal representante da pequena e média lavoura.

Os êxitos alcançados não devem fazer esquecer problemas e deficiências, nomeadamente a situação de regiões e subsectores com trabalho insuficiente. Em particular há que dar a maior atenção ao necessário equilíbrio no inevitável aprofundamento da vertente dos serviços a prestar pelas suas associações (formação profissional, intermediação de subsídios, contabilidade, etc.), com a clara percepção do seu papel instrumental para apoiar o factor decisivo: a luta por uma outra política agrícola.

É necessário continuar a impulsionar o desenvolvimento do movimento unitário dos agricultores que tem grandes potencialidades e se reveste de extraordinária importância para a ampliação e consolidação da frente social que se opõe à política de direita, para se alcançar uma verdadeira alternativa democrática.

O PCP, pela acção dos seus militantes nas estruturas unitárias, pela acção política directa, destacou-se por acções consequentes em defesa da agricultura e dos agricultores. É significativo que se tenha modificado a postura e verificado a aproximação de algumas estruturas económicas e associativas em relação ao Partido.

No entanto, o prestígio do PCP junto destas camadas não tem tido tradução significativa ao nível da influência política e eleitoral.

O importante papel dos pequenos e médios agricultores na vida do País, um maior contributo da sua parte para uma nova política, exige que as organizações e militantes do Partido continuem a intervir nas seguintes direcções de trabalho:

a) Reforço da organização do Partido junto destas camadas e das suas organizações económicas e sociais, com uma clara e maior afirmação directa do PCP, como única força do quadro partidário que, coerente e decididamente, defende os pequenos e médios agricultores e o mundo rural;

b) a continuação do trabalho dos militantes comunistas no movimento dos agricultores, pelo desenvolvimento da luta em torno de objectivos concretos, pelo reforço das suas organizações e a defesa das suas características unitárias e de massas, assentes na defesa da pequena e média agricultura, na defesa da produção nacional e do direito dos agricultores portugueses a produzir.

Movimento de Intelectuais e Quadros Técnicos — As movimentações de intelectuais, correspondendo a movimentos mais ou menos organizados, continuaram a ter uma expressão importante na vida nacional.

Estas movimentações traduzem o peso de uma camada social em rápido crescimento, representando já hoje 16,3 por cento da população activa do País. Esta camada social, que é muito heterogénea do ponto de vista de classe e quanto às condições de trabalho, ao estatuto hierárquico e remuneratório, ao seu papel na revolução científico-tecnológica, na formação de mão-de-obra qualificada e no universo da comunicação, exerce, pelas repercussões do seu trabalho, uma influência política, económica, social e cultural tendencialmente superior ao seu peso relativo.

A tendência crescente para o assalariamento (mais de 70 por cento), a concentração em grandes pólos (saúde, ensino, administração central e local, grandes empresas), o peso relativamente grande de jovens, os agudos problemas que começa a defrontar, com a degradação das condições de trabalho e de vida, com o desenvolvimento de novas formas de exploração, com as dificuldades no emprego e o crescente desemprego, aproximam grandes fracções desta camada social da situação em que vivem os demais trabalhadores e favorece de modo objectivo, embora contraditado em certos sectores, por outros aspectos do seu estatuto tradicional, a possibilidade de desenvolvimento da sua luta e da sua convergência com a luta geral dos trabalhadores.

Nas movimentações verificadas nos últimos anos voltaram a destacar-se, pela amplitude, combatividade e resultados obtidos, os professores, os médicos, os enfermeiros e os magistrados, que são precisamente os sectores onde a organização sindical atingiu mais forte expressão e capacidade de uma intervenção permanente, o que constitui uma experiência a reter por outros sectores onde a luta ainda não atingiu idênticas proporções.

Ao mesmo tempo, lutando embora com a debilidade das estruturas de produção e recepção culturais, a actividade criadora dos intelectuais portugueses na literatura e no cinema, na música, nas artes plásticas e na arquitectura, e em outros domínios, representou também, neste período, uma forte afirmação esteticamente diferenciada dos valores da liberdade e da democracia, e contribuiu para a expressão e investigação da complexa identidade cultural no nosso País.

No plano partidário, prosseguiram os esforços para melhorar o trabalho do Partido junto dos intelectuais e a participação dos intelectuais no trabalho do Partido, com realizações como as Assembleias de Sectores Intelectuais, nomeadamente de Lisboa e Porto, e o Encontro Nacional do PCP sobre «Os Intelectuais e a Sociedade/o Partido e os Intelectuais».

A rica experiência do trabalho com os intelectuais mostra que constituem orientações e tarefas fundamentais dos comunistas:

a) Continuar a aprofundar o conhecimento das alterações que têm vindo a verificar-se na condição social dos intelectuais e aproveitar o impulso, as ideias e as experiências surgidas no Encontro Nacional para um redobrado esforço de trabalho nesta área, designadamente junto das suas camadas mais jovens, com a dinamização dos diferentes sectores intelectuais e a sua organização e integração nas várias organizações do Partido;

b) impulsionar a acção reivindicativa dos intelectuais por objectivos concretos relacionados com a sua situação e actividade profissionais, por políticas democráticas para os seus sectores de actividade, e contribuir para o desenvolvimento da organização e intervenção sindicais e outras;

c) valorizar o papel da cultura na solução dos problemas do País e estimular e dinamizar a intervenção dos intelectuais para que contribuam, com o seu saber e a sua capacidade criadora, para uma nova política que responda à necessidade de desenvolvimento e defesa da independência nacional;

d) trabalhar para que acções dos intelectuais, no quadro da aliança básica da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias, ganhem crescente expressão na luta por uma alternativa democrática.

Movimento da Juventude — A juventude não é uma camada homogénea. Apresenta estratos etários, actividades, níveis culturais, origens de classe e perspectivas de vida diferenciadas.

No entanto, a juventude tem problemas e interesses específicos, gostos, hábitos, motivações e perspectivas próprias. Considera com naturalidade conquistas e direitos políticos, sociais e culturais, fruto da luta de gerações, é particularmente sensível a novos problemas e situações, tem uma enorme generosidade e vitalidade: tudo isto traços comuns — reforçados por aspectos da evolução da sociedade nas últimas décadas — que, não anulando, esbatem diferenciações, e lhe conferem as características de uma grande força social, com intervenção própria e um importante papel na sociedade.

Os governos do PSD desenvolveram uma política marcadamente antijuvenil, que o Governo PS prossegue nas suas grandes linhas, tendo como consequência a continuação e agravamento dos principais problemas com que se confrontam os jovens portugueses: os problemas do emprego, com o aumento do desemprego e precariedade, a ausência de saídas profissionais e a não adequação do emprego ao nível da formação; os problemas da educação, com o escândalo das avaliações, a desadequação dos currículos, a limitação da participação dos estudantes na definição da política educativa, os problemas do acesso ao ensino superior, a fuga ao cumprimento das responsabilidades do Estado no financiamento do ensino superior público e a tentativa de imposição das propinas, agora apelidadas de taxas; o elevado preço dos livros; os problemas da habitação; os fenómenos da marginalização social e da toxicodependência.

O movimento juvenil compreende expressões muito diversificadas nos seus objectivos, conteúdos e base associativa. Incorpora desde os jovens trabalhadores, os estudantes do ensino secundário e do ensino superior — suas principais componentes —, às associações e grupos em torno de problemas e actividades como o ambiente, a solidariedade internacional, o combate ao racismo, a música, a cultura, o desporto e o convívio, passando ainda pelos escoteiros e outros grupos ligados ou não às igrejas. Integra o associativismo juvenil mais estruturado, mas também associações e grupos informais que, na sua mobilidade e instabilidade, canalizam interesses de participação e intervenção.

A juventude tem um enorme potencial de indignação, acção e capacidade transformadora que mais uma vez se comprovou, nos últimos anos, nas grandes movimentações juvenis que constituíram significativas expressões da juventude como força social em movimento e que com a sua acção contribuiu para a derrota do PSD.

Para libertar o enorme potencial de acção e luta da juventude, assumem particular importância: a identificação dos principais problemas dos jovens, dos objectivos e das reivindicações concretas susceptíveis de, em cada momento, mobilizar os vários sectores da juventude; a consideração com maleabilidade e criatividade das formas de esclarecimento, mobilização, organização e luta; o estímulo ao desenvolvimento do movimento juvenil na sua diversidade de estruturas e conteúdos; o contributo para a autonomia e independência do movimento juvenil, rejeitando as pretensões e orientações governamentais para o envolver e neutralizar na fraseologia do diálogo.

Tais linhas de orientação têm que estar associadas ao aprofundamento da intervenção em torno de outras questões e problemas que influenciam a formação das mentalidades e a definição das opções políticas e ideológicas da juventude, de modo a ganhar cada vez mais amplos sectores juvenis para os valores progressistas e para o ideal comunista.

Os jovens trabalhadores (segundo dados de 1995 sobre a taxa de actividade económica dos jovens dos 15 aos 24 anos) têm um grande peso no conjunto dos jovens — são 39% — e constituem cerca de 15% dos trabalhadores portugueses, com particular relevo em alguns sectores de actividade e em algumas zonas do País.

Os jovens trabalhadores têm os problemas do conjunto dos trabalhadores, embora com incidência e valorização diferentes, têm problemas específicos, formas de ver, expectativas, gostos e pólos de atracção próprios e não têm a mesma vivência histórica de outros trabalhadores, o que lhes dá referências diferentes para analisar os problemas e posicionarem-se perante eles.

Estes factores objectivos, que condicionam e limitam a intervenção e organização dos jovens trabalhadores, contribuem para que estas continuem muito aquém da dimensão dos problemas que hoje os afectam.

O desenvolvimento do trabalho junto da juventude trabalhadora implica: o estabelecimento de objectivos de luta gerais e específicos; a aposta numa efectiva responsabilização de jovens nas organizações dos trabalhadores, em particular a todos os níveis do movimento sindical; o apoio ao desenvolvimento da Interjovem, considerando simultaneamente outras formas de organização e mobilização de jovens trabalhadores em torno de problemas e interesses específicos; o estímulo à sua organização e mobilização como uma tarefa de grande importância a exigir uma atenção redobrada e medidas inadiáveis que devem ser assumidas claramente pelo Partido e pela JCP, coordenando e tomando a iniciativa.

As escolas constituem hoje os maiores pólos de concentração de jovens: mais de 340 mil estudantes com mais de 16 anos frequentam os estabelecimentos de ensino básico e secundário; mais de 300 mil frequentam o ensino superior. Estes números são, por si só, elucidativos sobre o vasto campo de intervenção que se abre à actividade dos comunistas e colocam como grande princípio a necessidade de intensificar esforços no sentido do aproveitamento das potencialidades existentes, de aumentar a influência do Partido e da JCP junto das massas estudantis.

O reforço da acção e da organização no Secundário exige o destacar de quadros e de meios capazes de conduzir a JCP a uma diversificada e dinâmica intervenção associativa, reivindicativa, social, política, cultural e de convívio na base de uma estrutura capaz de responder à necessidade de aprofundar, acompanhar e dinamizar esta acção específica e de formas organizativas flexíveis, eficazes e ajustadas à realidade. A JCP, com a sua iniciativa própria, em estreita colaboração e cooperação com as organizações do Partido, tem um papel decisivo e insubstituível nesta tarefa que constitui uma linha de trabalho prioritária.

O Superior assume uma importância crescente. Os estudantes do ensino superior desempenham um destacado papel no conjunto do movimento juvenil, com impacto real na sociedade. Simultaneamente representam um sector que assumirá, no futuro, importantes responsabilidades nos vários sectores da vida nacional.

O aumento da influência do Partido e da JCP junto dos estudantes do Superior passa pelo contributo para o reforço da organização e dinamização da luta em defesa dos seus interesses específicos; pela contribuição para o desenvolvimento do movimento associativo; por uma mais activa intervenção social e política dos estudantes, pela intensificação da sua luta pelas grandes causas sociais e pela dinamização e intensificação da sua intervenção cultural, pela ampla difusão dos ideais, valores e projecto do PCP. Para que tais objectivos sejam concretizados é necessária a intensificação da acção decisiva da JCP por um maior apoio do Partido, nomeadamente no plano político, de quadros e de meios.

A intervenção junto da juventude constitui uma das tarefas prioritárias do Partido à qual é necessário dedicar sempre, e a todos os níveis, maior e melhor atenção. O aumento da influência do Partido junto da juventude é um objectivo da maior relevância para o presente e para o futuro do Partido, para cuja concretização é essencial o reforço da JCP, organização autónoma dos jovens comunistas e instrumento fundamental e privilegiado para a intervenção do Partido junto das e com as massas juvenis. Nos últimos anos verificou-se uma aproximação significativa de jovens quer ao Partido quer à JCP, estimulada pela acção do Partido e da JCP (ou pela acção conjugada PCP/JCP) em defesa dos interesses da juventude, e nela pesou significativamente o poder de atracção exercido pelos ideais comunistas e pelos seus valores essenciais, e pela intervenção coerente, firme, digna, do PCP na defesa dos interesses dos jovens, dos trabalhadores, do povo e do País.

O período que decorreu desde o último Congresso do Partido fica marcado por um constante movimento de adesões à JCP que atingiu as 4 mil só desde o seu 4º Congresso. A JCP alargou a sua implantação, criaram-se e desenvolveram-se organizações distritais e novos colectivos com funcionamento regular e capacidade de iniciativa, alargou-se o número de activistas, aumentou a capacidade de intervenção e a participação de jovens, onde se destaca a participação no quadro da Juventude CDU. Os aspectos positivos referidos não devem, entretanto, iludir insuficiências e debilidades que persistem na actividade, na iniciativa e na organização dirigidas à juventude, designadamente quanto à acção junto dos jovens trabalhadores e quanto ao pleno aproveitamento das potencialidades existentes de mobilização da juventude.

A realização dos 4º e 5º Congressos da JCP em 1993 e 1996, que constituíram êxitos assinaláveis, revelando uma grande força revolucionária, permitiu avaliar a situação da JCP e traçar novos caminhos para corrigir deficiências, apontando as seguintes prioridades para intervenção dos jovens comunistas: uma organização profundamente ligada ao Movimento Juvenil, traduzida no estímulo à participação dos jovens comunistas nas suas diversas expressões, contribuindo para o seu reforço; o reforço, incremento e intensificação da acção política e ideológica da JCP para uma maior afirmação pública das suas opiniões e propostas para a diversificação da sua actividade, abrindo a organização a novas áreas e interesses, permitindo o envolvimento de outros jovens; a afirmação do ideal comunista, assumindo a participação no combate ideológico dos nossos dias como fundamental.

A intervenção activa e constante do Partido na defesa dos interesses juvenis, o seu apoio ao movimento e às lutas da juventude, o estímulo à intervenção dos jovens na luta popular e democrática, constituem caminhos fundamentais para o aumento da influência do Partido junto da juventude, caminhos tanto mais eficazmente percorridos quanto mais forte e maior for o apoio do Partido à JCP, às suas linhas de trabalho, o estímulo à sua iniciativa própria e autonomia, a responsabilização efectiva dos jovens e a confiança na sua intervenção. No plano da intervenção do Partido, destaca-se o papel que podem ter os comunistas que intervêm no movimento sindical e em outras organizações de trabalhadores, os eleitos nas autarquias locais, os professores comunistas e os quadros do Partido no movimento associativo popular, áreas de particular importância no âmbito do trabalho com a juventude. O recrutamento de jovens das diferentes áreas, o seu enquadramento adequado na organização partidária, a sua responsabilização com audácia pelas múltiplas tarefas, a sua integração efectiva nos organismos de direcção aos vários níveis, são direcções de trabalho indispensáveis para o reforço do Partido e para o aumento da sua influência na juventude.

Movimento de Mulheres — Os movimentos de mulheres, nas suas múltiplas formas de organização e expressão, continuam a desempenhar um papel muito importante para a intervenção das mulheres na vida social, política e cultural.

Dando expressão organizada à luta emancipadora e pela satisfação de reivindicações específicas, alguns movimentos de mulheres despertam consciências, levam à compreensão da natureza e das causas das discriminações e opressões de que são vítimas, contribuindo para ampliar e reforçar a luta geral pelo progresso social.

A evolução dos movimentos e da situação das mulheres processou-se de forma contraditória.

Alargou-se significativamente a participação das mulheres em diferentes áreas da vida nacional, participam crescentemente na produção material, e em diferentes áreas do trabalho intelectual têm um peso predominante.

Com as transformações operadas nas condições de trabalho e nos hábitos de vida e com a sua luta, as ideias dos direitos específicos das mulheres como parte integrante de uma verdadeira cidadania ganharam maior dimensão na sociedade.

Entretanto, as mulheres são as principais vítimas da crise social, do aumento da exploração e do desfiguramento do regime democrático, tornando-se mais gritante o fosso entre as discriminações e as aspirações à igualdade.

As mulheres constituem a maior parte dos desempregados, são discriminadas na vida profissional sendo diminuto o número que ocupa cargos de chefia e os seus salários são acentuadamente mais baixos (cerca de 1/3) que os dos outros trabalhadores, com as mesmas funções e tipos de trabalho.

Uma maior participação na vida activa, acompanhada de maiores retrocessos nos apoios e nas funções sociais do Estado, tornam mais difícil a vida das mulheres e o pleno exercício de importantes direitos, tendo-se aliás alargado o fosso entre o reconhecimento dos direitos na lei e a vida real, situação que se agravou com a política dos governos do PSD e que o PS prossegue.

Desenvolve-se uma persistente ofensiva ideológica justificadora das desigualdades e no sentido de difundir a ideia do «retorno da mulher ao lar», das vantagens do tempo de trabalho incompleto, «pintando-se» imagens idealizadoras da mulher e da família no sentido de acentuar e perpetuar o seu papel subalterno na sociedade.

Toda esta realidade confirma que a emancipação das mulheres e a eliminação das discriminações de que são vítimas implicam profundas transformações socioeconómicas e nas relações sociais, e uma crítica permanente às concepções obscurantistas e retrógradas sobre o papel da mulher na sociedade, devendo dar-se maior atenção aos problemas subjectivos que determinam a formação das mentalidades.

O PCP assumiu papel importante na defesa e divulgação dos direitos das mulheres, estimulando e organizando a sua luta por reivindicações específicas e de carácter geral, organizando acções de esclarecimento e intervindo a nível institucional na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, denunciando as violações de direitos, tomando iniciativas legislativas para a defesa e o reforço dos direitos das mulheres.

A Organização das Mulheres Comunistas (OMC), interveio ao nível da secção das ONG do Conselho Consultivo da CIDM (Comissão para a Igualdade dos Direitos da Mulher), participou em debates e em grupos de estudos ligados à temática feminina, participando na Comissão junto da Associação para o Planeamento Familiar e na Conferência sobre a Mulher, realizada em Pequim, concretizou iniciativas próprias como a edição do livro «Subsídios para as Lutas e Movimento das Mulheres em Portugal sob o Regime Fascista» e da brochura «Direitos das Mulheres — Realidade Versus Lei», organizou as comemorações do dia 8 de Março. As mulheres comunistas realizaram assim um importante trabalho de esclarecimento.

Entretanto, apesar dos aspectos positivos do balanço do trabalho partidário nesta frente, há a assinalar retrocessos, nomeadamente quanto à atenção que algumas organizações partidárias dedicam a esta frente e aos problemas das mulheres, ao número de quadros para ela destacados, bem como quanto à atenção que o Partido dedica aos movimentos específicos. A Comissão junto do Comité Central para os problemas e a luta das Mulheres viu diminuída a sua actividade.

Para o desenvolvimento da luta das mulheres e o alargamento da influência do Partido, as organizações partidárias devem dedicar maior atenção aos seus problemas, às suas reivindicações e aos diferentes movimentos que dão expressão organizada às suas lutas específicas. Nos últimos anos criaram-se novas estruturas, existindo actualmente mais de 40 organizações femininas. Embora um número significativo destas organizações tenha âmbito limitado e esgote a sua intervenção em iniciativas pontuais, contribui para chamar a atenção sobre problemas referentes ao estatuto da mulher.

O Movimento Democrático de Mulheres (MDM), que continua a ser o único grande movimento unitário de mulheres com estrutura nacional e actividade regular, realizou este ano o seu V Congresso e alargou a sua influência junto de alguns sectores femininos no plano político e social.

O movimento sindical, organização de massas que abrange maior número de mulheres, dispondo de numerosos quadros e de estruturas nas empresas, nos diversos sectores e regiões, é a forma de organização mais importante e determinante na mobilização das mulheres para a luta e para a unidade dos trabalhadores.

Alargando a sua organização a novos sectores do trabalho assalariado, diversificando a intervenção organizada de camadas mais amplas de mulheres, contribuindo para uma mais estreita ligação entre a luta geral e a luta específica, o movimento sindical desempenha papel determinante no esclarecimento e na luta emancipadora das mulheres.

Para o desenvolvimento do trabalho do Partido nesta frente e o reforço da sua influência são linhas essenciais:

a) Promover a discussão e definir o nível de importância desta frente de trabalho, tomando-se as medidas correspondentes para reforçar o Partido nomeadamente criando comissões de Partido para o trabalho específico junto das DOR e assegurando uma melhor ligação às mulheres e suas organizações específicas;

b) reforçar o papel e a acção das mulheres comunistas no Partido e na vida social e política em geral, melhorando as formas de divulgação das posições do Partido junto das mulheres;

c) dinamizar o papel da imprensa e da propaganda do Partido na informação e na pedagogia pela igualdade;

d) contribuir para reforçar as organizações de mulheres.

Movimento dos Pequenos e Médios Empresários — Os pequenos e médios empresários constituem uma camada extremamente heterogénea e instável e encontram-se em todos os sectores económicos. As grandes modificações económicas e sociais, designadamente a concentração capitalista, estão na origem da criação e desaparecimento de milhares de pequenas e médias empresas. Muitas foram constituídas por trabalhadores despedidos, outras formadas como satélites de grandes empresas, de quem dependem. A composição e a origem social dos pequenos empresários modificou-se profundamente.

Na maior parte dos casos atravessam grandes dificuldades, as maiores das quais são pesados encargos financeiros, sendo vítimas, em relação às grandes empresas, de discriminações no recurso ao crédito, com juros muito altos. A crise económica, a invasão de produtos estrangeiros, a baixa do poder de compra das populações afectam directamente a viabilização das pequenas empresas.

A gravidade da situação e a falta de resposta e de capacidade reivindicativa das estruturas representativas tradicionais (normalmente na órbita da CIP, da CCP e das Associações Industriais de Lisboa e Porto) enfeudadas às grandes empresas, aos grossistas e à política de direita do governo do PSD, e agora do PS, estão na base de modificações de fundo na atitude dos pequenos e médios empresários, da sua disposição e da sua combatividade, expressas nas manifestações abertas de defesa dos interesses dos pequenos e médios empresários, sobretudo no comércio e distribuição, e mesmo uma modificação da correlação de forças no seio das associações de classe.

Ao mesmo tempo, registou-se o fortalecimento das organizações consequentes, como a Confederação Portuguesa das Pequenas e Médias Empresas, ou foram constituídas associações regionais, locais ou sectoriais reivindicando a sua independência orgânica e de orientação relativamente às estruturas tradicionais.

Existe, na actualidade, uma maior consciência dos interesses próprios dos pequenos e médios empresários, da sua contradição com os interesses dos grandes grupos económicos e com o processo de integração europeia, facilitada pelas modificações na origem social dos elementos que constituem esta camada. No entanto, persistem as tentativas de manipulação e a tentativa de polarizar lutas, procurando dificultar a estruturação e a formação de uma consciência política consequente.

O peso económico e social das pequenas e médias empresas é muito relevante. A deterioração económica e social, a persistência das orientações liberais e o ingresso de elementos na camada com larga experiência de luta e de organização abrem novas perspectivas ao desenvolvimento das suas organizações de classe.

Um maior acompanhamento da situação e dos anseios destas camadas pode potenciar o surto de uma ampla acção e a sua confluência com a luta dos trabalhadores em geral.

Como linhas de orientação para o desenvolvimento desta área de trabalho impõe-se:

a) Incentivar a luta de massas dos pequenos e médios empresários e apoiar as suas justas reivindicações na acção geral do Partido e na intervenção institucional, designadamente na Assembleia da República e nas autarquias;

b) propor e apoiar medidas que criem um quadro jurídico, fiscal e administrativo favorável à actividade das pequenas e médias empresas, uma lei da concorrência e sua fiscalização por forma a eliminar os privilégios dos grandes grupos económicos, uma nova legislação dos horários do comércio, bem como uma política de ordenamento dos espaços comerciais;

c) incentivar formas de associação, apoiar a revitalização das estruturas representativas dos pequenos e médios empresários, assegurando a sua participação da definição das normas de exercício da actividade.

Movimento dos Reformados — Os reformados, pensionistas e a população idosa em geral constituem um estrato da população que se caracteriza essencialmente pelo crescente peso no conjunto da população portuguesa, rondando já hoje os 2,5 milhões, por serem pessoas na sua esmagadora maioria com baixos níveis de vida e grandes carências em matéria de apoios sociais e culturais.

O continuado e intensificado processo de reformas antecipadas, lançando na vida inactiva homens e mulheres relativamente novos, alterou qualitativamente a composição desta camada e originou novos problemas sociais e humanos. Há pessoas que poderão viver mais anos inactivos do que activos, com grandes problemas para o seu desenvolvimento e condições de vida.

Entretanto, compreendendo o peso social e político desta camada, o governo do PSD e, de igual modo, o do PS, desenvolveram activas campanhas de demagogia no sentido de iludir os reais problemas e inculcar a resignação. Governamentalizaram a Comissão Nacional Para a Política da Terceira Idade, marginalizam o MURPI e a INTER-REFORMADOS no que se refere à representação institucional e aos apoios, e fomentam, em colaboração com a hierarquia da Igreja, o aparecimento de estruturas não representativas, com o objectivo de fragmentar a organização e intervenção do movimento dos reformados com sentido unificador da sua acção reivindicativa.

Apesar destas condicionantes, das enormes dificuldades financeiras e de apoios técnicos, o movimento dos reformados, assente em estruturas variadas de carácter local, regional e nacional, mas complementares, com destaque para o MURPI (a maior organização nacional) e a INTER-REFORMADOS (com numerosas comissões em sindicatos e em organizações sectoriais), afirma o seu carácter de massas com uma activa intervenção.

Apesar das potencialidades que se abrem ao movimento dos reformados, quer pelo aumento do peso desta camada quer pelo agravamento da sua situação social, desenvolvem-se processos negativos que devem merecer a maior atenção. Verifica-se, nomeadamente, a grande absorção pelos problemas diários locais, em detrimento da acção reivindicativa mais geral, a tendência para centrar a procura de apoios (importantíssimos) quase exclusivamente nas autarquias, o quase abandono do estudo da problemática da terceira idade, o amortecimento da coordenação de diferentes estruturas, por cedências à chantagem de apoios financeiros oficiais e grande dificuldade na renovação de quadros, quer por má avaliação quanto à importância desta frente quer pela persistência de preconceitos em relação a este trabalho.

No Partido, apesar da actividade única na defesa dos interesses desta camada social, organizando e animando a sua luta, apresentando iniciativas legislativas na Assembleia da República e desenvolvendo um importantíssimo trabalho de apoio nas autarquias, pode constatar-se uma menor atenção a esta frente fora dos períodos eleitorais. Em algumas regiões deixa-se quase exclusivamente às autarquias de gestão CDU o trabalho com esta camada, apesar do elevado número de membros do Partido responsáveis por associações locais e centros de convívio. Por outro lado, funcionam de forma irregular ou estão desactivados organismos, apesar do grande número de membros do Partido reformados.

Com vista ao reforço do trabalho partidário nesta frente, são de considerar as seguintes linhas de orientação:

a) Contribuir para o reforço das estruturas unitárias e sua criação onde não existam, designadamente criar e reactivar organismos responsáveis pelo trabalho nesta frente e melhorar a sua coordenação;

b) destacar um maior número de quadros para intervir nas estruturas unitárias, combatendo manifestações de sectarismo, de incompreensão e preconceitos quanto à importância do trabalho nesta frente;

c) dedicar maior atenção a toda a problemática da terceira idade e assegurar uma melhor coordenação entre o trabalho das organizações partidárias, do Grupo Parlamentar e dos autarcas;

d) desenvolver uma melhor articulação entre as células de empresa, os organismos sectoriais e as estruturas dos reformados que mantêm vínculos a essas empresas e sectores.

Movimento dos Deficientes — Sendo na sua grande maioria pessoas com graves carências económicas, baixos níveis de vida, carentes de apoios e também marginalizados pela sociedade, os deficientes foram com o governo PSD e continuam a sê-lo agora, com o do PS, profundamente afectados pela política de direita que se traduz na retirada de direitos conquistados, na regressão dos apoios sociais e esvaziamento da Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Com uma composição muito heterogénea, apesar dos esforços do PSD e do PS para dividir e subalternizar as associações de deficientes e a Confederação Nacional das Organizações de Deficientes, o movimento dos deficientes continuou a revelar grande vitalidade organizativa e reivindicativa, desenvolvendo importantes e diversificadas acções de massas.

As acções de protesto junto da Assembleia da República e do governo, a elaboração de cadernos reivindicativos, realizações como Seminários, Colóquios, Tribunais de Opinião Pública, Parlamento Nacional de Deficientes tiveram grande significado para sensibilizar a sociedade sobre a problemática da deficiência e a defesa dos seus interesses e de denúncia da política de injustiça social a que o governo do PSD sujeitou os deficientes.

O PCP desempenhou papel destacado na defesa dos interesses e direitos dos deficientes, realizando iniciativas de sensibilização para a problemática da deficiência, reivindicando a adopção de medidas a favor desta camada social e apresentando na Assembleia da República várias iniciativas legislativas que, se aprovadas, melhorariam significativamente a situação e os direitos dos deficientes e suas organizações.

Membros do Partido desempenham importantes responsabilidades em diferentes associações de deficientes e têm tido papel de vulto na preparação e dinamização da acção reivindicativa, mas há a assinalar sérias insuficiências e mesmo retrocessos no trabalho partidário desenvolvido nesta frente. Reduziu-se o número de quadros envolvidos nesta actividade, aumentaram as dificuldades no que toca a renovação de quadros associativos, reduziu-se o número de organismos ou é irregular o seu funcionamento, é desigual a atenção e compreensão nas organizações partidárias quanto à importância de uma frente de trabalho que abrange um milhão de pessoas com graves problemas sociais e humanos e cuja acção põe em causa directamente as políticas anti-sociais.

O movimento dos deficientes e a luta para o seu desenvolvimento terão de ter como primeira preocupação salvaguardar e reforçar a unidade, que garanta a autonomia face às tentativas de governamentalização das estruturas e estabeleça objectivos comuns, objectivo para a defesa da participação das organizações de deficientes na definição, planeamento e aplicação da Política Nacional de Reabilitação, adopção de medidas concretas contra as discriminações, regulamentação e aplicação da Lei de Bases da Prevenção, Reabilitação e Integração das pessoas com deficiência, atribuição de apoios às Associações e todo um conjunto de medidas socioeconómicas e culturais que melhorem as condições de vida desta camada social.

Para o reforço do movimento de deficientes e o alargamento da influência do Partido, são de considerar as seguintes medidas e linhas de orientação:

a) Criar novos organismos, reactivar outros e desenvolver esforços para destacar mais quadros para esta frente;

b) enquadrar e acompanhar regularmente os membros do Partido que intervêm em diferentes estruturas associativas e dedicar maior atenção ao estudo da problemática da deficiência;

c) dar maior divulgação pública às posições e propostas do Partido;

d) melhorar a coordenação da intervenção junto das massas e nas instituições (Assembleia da República e Poder Local).

Movimento Associativo e Popular — A importância e o valor do Movimento Associativo Popular decorrem da sua própria natureza. Do facto de constituir uma expressão de exercício de liberdade e exemplo da vida democrática, um espaço plural de criação, participação, organização e fruição cultural por parte da população. De participar na resistência cultural e de afirmação da identidade nacional face ao processo de descaracterização no quadro da integração europeia. De ser uma escola de vida colectiva, de cooperação, de solidariedade, de humanismo e de cidadania. De desenvolver uma actividade importante nas áreas da cultura e desporto, do recreio, da educação, do ambiente, do património, da protecção civil, etc.. De a sua actividade não ser substituível por qualquer alternativa de organização social e ainda menos por qualquer solução de ordem comercial, baseada no lucro.

O nosso País detém uma rica e diversificada vida associativa, mas é um País cujas potencialidades associativas estão longe de ser desenvolvidas. A situação associativa em Portugal é um implacável libelo acusatório das políticas prosseguidas pela direita (também pelo PS) nos últimos 20 anos. Derrotado o PSD, agora, com um Governo PS, não é visível qualquer mudança significativa de política. O PS tem demonstrado não estar interessado em contribuir para o desenvolvimento associativo do País.

Apesar das dificuldades e ausência de apoios e de políticas adequadas ao nível do poder central, o movimento associativo nos últimos anos desenvolveu-se, diversificou-se, cresceu e alargou a sua influência e protagonismo na sociedade portuguesa.

Desenvolveu-se uma poderosa economia social, gerada e gerida pelas associações, construída essencialmente na base de receitas próprias. O voluntariado continua a afirmar-se como um valor insubstituível na vida associativa. É crescente a atracção e a participação das populações, designadamente da juventude e da mulher na vida associativa. Há um esforço de criação de mecanismos e acções de formação orientados para a preparação dos dirigentes, para a resposta às novas necessidades, problemas e desafios. É sensível a renovação e inovação, na esteira das melhores tradições associativas. Há a pesquisa e a concretização de novas formas de cooperação e coordenação associativas. Há uma relação diversificada, por vezes contraditória, com o poder local, mas é do poder local democrático, designadamente das autarquias de influência CDU, que vêm os apoios do mais diverso tipo por parte da Administração do Estado.

O PCP considera que é indispensável fortalecer o movimento associativo, potenciar os meios existentes, dinamizar novas associações para novos interesses, apoiar a acção dos dirigentes no sentido de assegurar o carácter benévolo da sua actividade e o carácter formativo profundamente democrático do associativismo, e contribuir para a produção de legislação que clarifique as relações do Estado com o Movimento Associativo.

Apesar da intervenção de um número significativo de membros do Partido, é ainda em geral insuficiente a atenção que as organizações partidárias dão a esta frente de trabalho. Para a afirmação do movimento associativo, a intervenção dos membros do

Partido desenvolve-se com os seguintes objectivos:

a) Melhorar o nível de acompanhamento por parte das organizações partidárias dos problemas do movimento associativo, definir responsáveis aos diversos níveis e adoptar outras medidas orgânicas para ajuda e coordenação da actividade dos membros do Partido que actuam nesta frente;

b) analisar, aprofundar e prosseguir o desenvolvimento dos exemplos positivos de colaboração e cooperação, mutuamente vantajosos, entre as autarquias locais e o movimento associativo;

c) incentivar e aprofundar formas de cooperação e coordenação associativas e acção de intercâmbio a nível local, nacional e internacional;

d) potenciar o gosto pelo convívio e pela vida colectiva, contribuir para uma ampla participação de jovens e de mulheres nas associações populares, designadamente em tarefas de responsabilidade dirigente, criando novas condições para o rejuvenescimento, a renovação e a inovação na vida associativa.

Movimento de Defesa do Ambiente — Os problemas do ambiente e da defesa da natureza ganharam uma enorme importância.

No período que decorre desde o XIV Congresso, as movimentações em torno de problemas ambientais desenvolveram-se e alargaram-se, tendo-se acentuado a ligação entre a defesa do ambiente e o desenvolvimento socioeconómico. Neste movimento integram-se associações ambientalistas, com expressões e objectivos diversificados.

O Partido tem intervenção institucional meritória nesta área e uma linha programática de clara defesa do ambiente. Mas tem-se revelado necessária uma maior atenção a estas movimentações e associações nascentes, onde estão activos membros do Partido.

É indispensável que as organizações do Partido dêem maior acompanhamento a esta frente e aprofundem uma linha de iniciativa sobre problemas e lutas ambientais.Movimento Cooperativo — Apesar da sua importância socioeconómica, dimensão associativa e intervenção social, manteve-se condicionado por factores negativos que têm dificultado a sua viabilização. A par das dificuldades económicas e sociais que o País vive, e que se repercutem na actividade das cooperativas, manteve-se o desrespeito do governo PSD pela obrigação do Estado de prover «a protecção do sector cooperativo e social dos meios de produção», consagrada na Constituição da República.

O governo PSD desenvolveu uma outra linha de ataque à sobrevivência do movimento cooperativo com a aprovação, na Assembleia da República, de um Código Cooperativo (que não viria a ser promulgado pelo Presidente da República) em que se visava a eliminação dos princípios da gestão colectiva e democrática, a introdução de sócios financiadores com enorme capacidade de voto e controlo, bem como a possibilidade de transformar as cooperativas em sociedades anónimas com apropriação dos seus activos e patrimónios. A aprovação na Assembleia da República, em Julho deste ano, do novo Código Cooperativo limitou os perigos embora sem os conjurar.

No entanto, a situação mantém-se preocupante, tanto mais que se frustraram as expectativas geradas com a posse do novo Governo PS. Os preceitos constitucionais continuam letra morta, não foram tomadas medidas de carácter jurídico, financeiro, ou outras de apoio e estímulo ao sector cooperativo, designadamente aos ramos não agrícolas delas urgentemente carecidos.

Sendo diferente a situação de ramo para ramo, as cooperativas têm procurado ultrapassar as dificuldades através de medidas do tipo intercooperação ou integração económica, de reestruturação orgânica, de fusões nas cooperativas leiteiras, de comercialização ou integração económica nas cooperativas de consumo e, em geral, os esforços de melhoria da eficácia da gestão sem perda da identidade do movimento.

O movimento cooperativo, apesar das dificuldades e ameaças que enfrenta, tem enormes potencialidades e poderá contribuir para a superação da crise económica e social, se forem garantidos os seus legítimos direitos e assegurados os indispensáveis apoios. Os comunistas que actuam no movimento cooperativo devem aí defender:

a) A criação de um quadro jurídico, financeiro e de apoio técnico que enquadre a actividade das cooperativas;

b) a possibilidade de acesso a linhas de financiamento vantajosas e medidas de fiscalidade que tenham em conta a natureza do sector cooperativo;

c) o acesso aos fundos comunitários por forma a dotar o sector de meios materiais e a possibilitar programas de formação dos cooperativistas;

d) o apoio às estruturas representativas nos diferentes ramos para o aperfeiçoamento das estruturas e dos serviços que prestam, tornando mais eficaz a sua função de representar os interesses das cooperativas em todas as instâncias e no seio do INSCOOP.

A par de todos estes movimentos que, por representarem grandes massas, certa «coesão» social ou interesses de classe, e disporem de estruturas organizativas estáveis, ocupam um lugar preponderante, existem e desenvolvem-se muitos outros movimentos e organizações formais e informais de grande significado.

São movimentos e organizações compostos por pessoas de grande heterogeneidade política, social e de classe, mas que convergem na defesa de grandes causas (solidariedade, paz, ecologia, defesa do património, direitos étnicos, etc.) no combate a discriminações e na resolução de graves problemas sociais.

São de destacar o movimento anti-racista, movimentos e associações de imigrantes, cuja acção é extremamente importante no combate à xenofobia e ao racismo, para a defesa dos direitos dos imigrantes e das minorias étnicas, para a educação cívica, a convivência democrática e o combate a forças e ideologias reaccionárias, o movimento da paz e solidariedade, cuja actualidade se renova e reforça com o avolumar de conflitos e planos e acções agressivas do imperialismo, as associações e movimentos de defesa do património, empenhados na preservação da memória colectiva e na valorização da nossa identidade; dos utentes contra a degradação dos serviços de transportes; as comissões de base de saúde, desenvolvendo acções na defesa dos utentes da saúde.

Estes movimentos e formas de organização exprimem uma profunda aspiração de largos sectores a uma real e efectiva participação democrática na vida nacional.

O Partido deve dar uma grande atenção ao desenvolvimento destes movimentos. Os militantes do Partido deverão desempenhar um papel activo na dinamização e concretização dos projectos em que eles se empenham, dando expressão viva e concreta à ligação do Partido às massas e ao desenvolvimento de uma acção de grande importância para a defesa dos interesses das populações e no combate à política de direita e ao reforço da vida democrática.

Estreitando a ligação às massas, é necessário virar decididamente as organizações do Partido para o desenvolvimento da luta de massas.

É na luta que as massas melhor podem adquirir a consciência da necessidade de ruptura com os partidos que se alternam na gestão do sistema capitalista e da canalização do seu apoio para o PCP, que defende os seus interesses e direitos e garante soluções democráticas para os problemas nacionais.

O desenvolvimento das organizações unitárias é essencial para a acção ampla e eficaz das massas. A organização e a luta de massas são essenciais para a consciencialização social e política, para a revelação, afirmação e formação dos seus quadros dirigentes.

Estar disponível para integrar e assumir cargos de direcção nas estruturas unitárias de massas é uma exigência que se coloca aos membros do Partido. Conhecer os problemas, definir objectivos que correspondam aos interesses e aspirações das massas, procurar novas, adequadas e eficazes formas de luta e acção, devem ser preocupações de todas as organizações e membros do Partido.

5. As batalhas eleitorais e a intervenção do PCP nas instituições

Os diversos actos eleitorais de âmbito nacional realizados no período decorrente entre o XIV e o XV Congressos (para as autarquias locais, em 12/12/93; para o Parlamento Europeu em 12/6/94; para a Assembleia da República, em 1/10/95; para a Presidência da República, em 14/1/96; para as Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, em 13/10/96) constituíram grandes frentes de luta democrática, que pesaram consideravelmente no quadro geral dos esforços e da acção do Partido e cujos resultados, de forma relativamente constante e progressiva, foram exprimindo o processo mais profundo do enfraquecimento, crise e derrota da governação do PSD e uma generalizada aspiração a uma verdadeira mudança nas orientações políticas. Considerando globalmente os processos e actos eleitorais realizados entre o XIV e o XV Congressos, são de assinalar como traços gerais mais marcantes:

a) A progressiva redução da base social e política do PSD e as sucessivas derrotas eleitorais, culminando com o seu afastamento do governo;

b) a continuada ascensão eleitoral do PS culminada com o seu grande êxito nas últimas eleições legislativas, conseguindo polarizar eleitoralmente a quase totalidade das deslocações de voto geradas pelo descrédito da governação do PSD;

c) a recuperação eleitoral do CDS-PP, mais significativa nas eleições legislativas, atenuando a anterior polarização da direita em torno do PSD;

d) a estabilização da influência eleitoral do PCP e da CDU em valores que, testemunhando uma grande capacidade de resistência em condições e numa conjuntura particularmente difíceis, evidenciam também dificuldades em fazer irromper um nítido processo de recuperação da influência perdida, designadamente no período 1987-1991; esta estabilização não deixa entretanto de significar que o PCP conservou uma influência eleitoral que o confirmou, mesmo no plano institucional, como uma força indispensável para uma verdadeira alternativa democrática que substitua a mera alternância entre PS e PSD na realização de uma política similar;

e) a manutenção da reduzida expressão das pequenas formações, sendo de assinalar o eclipse do PSN que deixou de ter representação parlamentar.

Os resultados das eleições para os órgãos das autarquias locais de Dezembro de 1993, salvo algumas variações, exprimiram, em termos gerais, a manutenção das tendências e da situação resultantes das anteriores eleições autárquicas de 1989.

O PSD sofreu novamente uma grande derrota, ao não conseguir qualquer recuperação significativa da grande quebra (em votos e em presidências de câmara) que tinha sofrido quatro anos antes, perdeu as juntas de freguesia que detinha na cidade de Lisboa, com uma única excepção.

O PS averbou um progresso eleitoral quer em termos de percentagem (36%, mais 3 pontos) quer em termos de presidências de câmaras (126, mais 7), registando entretanto um significativo fracasso no seu proclamado objectivo de enfraquecer as posições da CDU, designadamente na Área Metropolitana de Lisboa, onde, não obstante uma maior aproximação à CDU em alguns importantes municípios, não lhe conseguiu retirar nenhuma presidência de câmara.

O CDS teve um resultado similar ao de 1989, com uma ligeira quebra de percentagem (8,4%).

Apesar de largamente desfavorecida pela promoção da «bipolarização» entre PS e PSD, a CDU alcançou um resultado positivo que a confirmou como uma grande força do poder local democrático. Sem prejuízo de aspectos insatisfatórios, é de registar que a CDU conquistou a maioria e a presidência em 49 municípios (menos um que em 1989) e em 340 freguesias, que excluindo a coligação «Com Lisboa» atingiu, na votação para as Assembleias Municipais e Juntas de Freguesia, 13% dos votos e mais de 700 mil votos, a maior votação em termos absolutos obtida pela CDU depois de 1985.

De registar ainda, pelo seu particular significado, a reforçada e ampliada vitória da Coligação «Com Lisboa», com base fundamental num acordo programático e de repartição de responsabilidades entre o PS e o PCP, conduzindo a que, por efeito dos resultados eleitorais, o número de vereadores do PCP tenha passado de 4 para 5 e de passarem a ser presididas por eleitos comunistas 25 juntas de freguesia, mais quatro que anteriormente.

É igualmente de assinalar, como um elemento novo depois de 1985, o facto de, em conjunto, a votação do PS, da CDU e da coligação «Com Lisboa» ter ascendido a 52,6% (para 42% do conjunto PSD-CDS).

Nas eleições para o Parlamento Europeu realizadas em Junho de 1994, o PSD sofreu uma nova e importante derrota, pois apesar de uma ligeira subida na percentagem (34,3%, mais 1,6 pontos que em 1989) perdeu a posição de partido mais votado para o PS, que obteve 34,8% dos votos (mais 6 pontos que em 89).

O CDS, ao obter 12,4% dos votos, sofreu uma quebra em relação ao seu resultado na anterior eleição para o Parlamento Europeu (14,1%), devendo entretanto ter-se em conta que, dada a mudança de orientação e atitude em relação à integração europeia ocorrida entre esses dois actos eleitorais e a transferência de Lucas Pires para a lista do PSD, o resultado alcançado pelo CDS representou um êxito superior ao que os resultados numéricos, isoladamente considerados, poderiam fazer supor.

A CDU alcançou 11,2% dos votos (quando em 1989 obtivera 14,4%) e elegeu 3 deputados, num resultado considerado insatisfatório, mas em cuja avaliação é indispensável ter presente que, entre as duas eleições para o PE, a CDU tinha sofrido uma quebra de 3 pontos percentuais nas legislativas de 1991.

Estas eleições para o PE foram profundamente marcadas por uma elevadíssima abstenção — 65% — que resultou da complexa conjugação de diversos factores, com destaque para a ausência muito generalizada de motivação em relação a uma União Europeia em crise e para a realização das eleições numa data correspondendo a um fim-de-semana muito prolongado em período estival.

É legítimo admitir que a CDU tenha sido particularmente penalizada pelo aumento da abstenção, dado que ela foi mais acentuada nos distritos de Lisboa e Setúbal, onde a CDU tem 60% da sua votação nacional.

O facto de o valor da abstenção ter sido o mais elevado desde as primeiras eleições em 1975 conduziu a que, não apenas a CDU, mas também o PS, o PSD e o CDS tivessem, em termos do número absoluto de votos, registado os mais baixos valores de sempre.

Como elemento de reflexão sobre estas eleições para o PE, é ainda de sublinhar que, apesar dos esforços e orientações do partido no sentido de enfrentar as preocupações antecipadamente existentes quanto ao risco de uma enorme abstenção, não foi possível alcançar um comportamento diferenciado do eleitorado do PCP e da CDU que, em grande parte, terá acompanhado a tendência geral para uma grande abstenção.

Culminando um processo de firme combate popular e democrático à política e aos governos do PSD, em que o PCP desempenhou um papel fundamental, os resultados das eleições para a Assembleia da República realizadas em Outubro de 1995 saldaram-se por uma espectacular derrota do PSD, do seu governo e de Cavaco Silva, que pôs termo a 16 anos consecutivos de permanência do PSD no governo, 8 dos quais com maioria absoluta.

Em termos estritamente eleitorais, a derrota do PSD cifrou-se, por comparação com as legislativas anteriores, na perda de cerca de 800 mil votos e de 16 pontos percentuais (de 50% para 34%).

O PS registou um grande êxito eleitoral atingindo a sua maior votação de sempre, obtendo mais 900 mil votos e aumentando a sua percentagem em 15 pontos percentuais (de 29,1% para 44%) e passando a dispor na AR de uma maioria relativa de 112 deputados (faltando-lhe 4 para a maioria absoluta), mas dispondo sozinho de uma representação parlamentar superior à soma das do PSD e do CDS-PP).

O CDS-PP, ao obter 9% dos votos (para 4,4% em 1991), regista um importante progresso eleitoral que, embora beneficiando de uma rearrumação na influência relativa dos partidos de direita (esvaziamento do PSD que, a meio da década de 80, conquistara metade do eleitorado do CDS), poderá também estar ligado com uma certa renovação do seu eleitorado, designadamente pela atracção exercida sobre segmentos e em camadas sociais cuja situação tornou permeáveis ao discurso demagógico e populista da nova direcção do CDS-PP, incluindo a sua apregoada posição da defesa da soberania nacional.

A CDU, ao alcançar 8,6% e eleger 15 deputados (menos 0,2% e menos 2 deputados que em 1991), não conseguiu realizar o objectivo do seu reforço eleitoral, que correspondia não só às expectativas existentes e confirmadas no decorrer da sua campanha eleitoral, mas sobre as necessidades objectivas da luta por uma efectiva mudança democrática.

Obtido em condições extraordinariamente difíceis (em que avultam gritantes perversões da democraticidade do processo eleitoral e uma intensa propaganda de «bipolarização» entre PS e PSD), o resultado da CDU, sendo insatisfatório, atesta entretanto uma travagem do sucessivo decréscimo de influência eleitoral que tinha vindo a verificar-se desde 1985. Pela primeira vez desde esse ano, a CDU não registou em eleições legislativas uma quebra no número absoluto de votos (obteve mais 2 mil votos que em 1991).

Ao mesmo tempo, é legítimo adiantar que o reforço eleitoral da CDU terá sido inviabilizado pelo facto de muitos eleitores que apoiavam politicamente a CDU, no quadro de um grande movimento nacional de opinião e vontade de derrotar o PSD e o cavaquismo, terem sido atraídos pela ideia falsa e enganosa de que a única forma de derrotar o PSD seria votar no PS, não sendo de excluir que este equívoco tenha sido agravado pela aparente exibição de força do PSD nos últimos dias da campanha. Ora, os próprios resultados de 1 de Outubro mostraram à evidência que o reforço da votação na CDU não só nunca poria em causa a derrota da direita, e para ela sempre contribuiria utilmente, como seria a forma segura de pesar no sentido da adopção de uma nova política.

As eleições presidenciais de Janeiro de 1996 foram marcadas pela tentativa do PSD de, através da candidatura de Cavaco Silva, recuperar da derrota sofrida nas eleições legislativas e, elegendo o seu antigo líder para Presidente da República, de alguma forma atenuar ou neutralizar o significado político dos seus resultados.

Num quadro em que só dois candidatos tinham possibilidade de ser eleitos — Cavaco Silva e Jorge Sampaio, que apresentara a sua candidatura antes de qualquer decisão formal de designação ou apoio por parte do PS —, o PCP apresentou a candidatura de Jerónimo de Sousa, fixando como objectivo central da sua intervenção contribuir para a derrota de Cavaco Silva, assegurando ao mesmo tempo a marcação das diferenças de opinião do PCP relativamente a concepções expostas por Jorge Sampaio e afirmando a autonomia das propostas, orientação e projecto do PCP.

A valiosa e combativa campanha de Jerónimo de Sousa, a sua posterior desistência e o correspondente apelo do PCP ao voto em Jorge Sampaio representaram uma contribuição decisiva para a sua eleição (com 54% de votos) e para a derrota de Cavaco Silva (com 46%), que representou uma derrota de toda a direita, dado que no termo de um processo marcado pelo embaraço e pelas ambiguidades, acabou por tornar-se explícito o apoio de destacados dirigentes do CDS-PP ao candidato do PSD.

As eleições para as Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira realizadas em 13 de Outubro de 1996 determinaram resultados diferenciados para cada uma das Regiões, configurando, no entanto, em ambos os casos, resultados positivos para a CDU.

Na Região Autónoma dos Açores verificou-se uma espectacular derrota do PSD (53,2% em 1992 contra 41% em 1996) a que correspondeu um significativo êxito eleitoral do PS (45,8% em 1996 contra 36,4% em 1992) que foi assim o partido mais votado, tendo no entanto o mesmo número de mandatos que o PSD.

A par da descida do PSD verificou-se uma subida eleitoral dos outros partidos. Assume especial significado o facto da CDU ter aumentado a sua votação num acto eleitoral em que o PS sobe nitidamente.

A CDU passou de 2,3% em 1992 para 3,5% em 1996, manteve a representação parlamentar, voltando a eleger um deputado no círculo eleitoral da Ilha das Flores, como já havia acontecido nas eleições de 1988 e 1992, tendo sido, em 1996, a força política mais votada nesse círculo eleitoral, onde obteve 33,4% dos votos. A CDU contribuiu para a não existência de maiorias absolutas mas não conseguiu outro dos seus objectivos eleitorais que era o de constituir um grupo parlamentar elegendo um deputado por S. Miguel.

As modificações introduzidas na vida política da Região Autónoma dos Açores, com a derrota do PSD e o crescimento da CDU, que atingiu o segundo melhor resultado de sempre para eleições regionais, abrem outras perspectivas para futuros alargamentos da influência social, política e eleitoral do Partido e da CDU.

Na Região Autónoma da Madeira, o PSD renovou a sua maioria absoluta dada a inexistência de uma alternativa credível devido à prática política e à situação interna do PS que, como maior partido da oposição, canaliza a seu favor os desejos espontâneos de mudança. Em relação às regionais de 1992 o PS quase estagnou em número de votos e o PP viu descer a sua votação. A UDP só elegeu um deputado, perdendo o grupo parlamentar que detinha desde 1976. A CDU elevou claramente a sua votação na Região, atingiu 6,5% no círculo do Funchal, onde elegeu os seus dois deputados, constituindo com eles pela primeira vez um grupo parlamentar.

Os resultados da CDU são fruto do amplo trabalho de massas anteriormente realizado, no qual o Partido e a CDU aparecem com a sua fisionomia própria, e da amplitude unitária da candidatura da CDU. Eles abrem maiores perspectivas de afirmação do Partido e de ampliação da corrente unitária e popular em luta por uma transformação mais profunda, democrática e progressista da autonomia regional.

É indispensável salientar que no período compreendido entre o XIV e o XV Congressos se acentuaram situações, tendências e fenómenos, alguns dos quais correspondendo a graves perversões e limitações da efectiva democraticidade dos processos eleitorais, de cuja conjugação resultaram acrescidas dificuldades para o PCP e para a realização dos seus objectivos eleitorais.

Neste âmbito, são de destacar, entre muitos outros:

a) Uma prolongada e praticamente constante discriminação do PCP em importantes meios de comunicação social, nomeadamente televisões, e que se traduz no silenciamento, deturpação ou insuficiente cobertura de actividades, iniciativas, tomadas de posição e propostas, no afastamento de debates televisivos e colunas de opinião na imprensa, na segregação e preconceito, relativamente não apenas aos dirigentes do PCP mas também a numerosos militantes comunistas com destacada qualificação e intervenção nas mais diversas áreas da vida nacional;

b) a intensa propaganda da «bipolarização» PS-PSD persistentemente inculcada pelos media (em muitos acasos acompanhada de um ostensivo favorecimento relativo do CDS-PP), e que teve a sua expressão máxima nos debates televisivos realizados à beira da campanha eleitoral para as legislativas apenas com a participação dos líderes do PSD e do PS;

c) a sempre crescente influência e interferência dos meios de comunicação social na vida política, traduzida designadamente na adopção de critérios de superficialidade e de politica-espectáculo e pressionando poderosamente no sentido de instituir a política comummente defendida pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP como a única possível;

d) o desrespeito patente do princípio legal de igualdade de tratamento das diversas candidaturas durante as campanhas eleitorais, em que é de destacar, pela sua extraordinária gravidade e consequências, o facto de, nas últimas eleições legislativas, os diversos canais de televisão, incluindo os do serviço público, terem nos seus serviços noticiosos passado a efectuar a cobertura das campanhas eleitorais na base de um critério de alinhamento e duração das reportagens escandalosamente favorável ao PS e ao PSD;

e) a forte acentuação de formas de condicionamento da formação da opinião e opção de voto, como é o caso das mistificações que, falseando a verdadeira natureza e finalidades dos actos eleitorais, foram inculcando em larguíssimos sectores do eleitorado a convicção de que as eleições legislativas são eleições para o Primeiro-Ministro ou a de que o único resultado que conta é a definição do partido mais votado;

f) a crescente e gritante desproporção de desigualdade de recursos financeiros aplicados pelas diversas forças políticas nas campanhas eleitorais (bem patente, por exemplo, no facto de que enquanto a CDU gastou 180 mil contos nas últimas legislativas, as despesas declaradas oficialmente pelo PSD e pelo PS foram respectivamente de 832 e 540 mil contos, sendo absolutamente legítimo suspeitar que ambos gastaram efectivamente muito mais);

g) o agravamento de múltiplas linhas de condicionamento e influência ideológicos tendentes a compartimentar e separar, de forma estanque, interesses sociais e representação política, sendo neste âmbito particularmente evidente a preocupação de silenciar ou desvalorizar as iniciativas e formas de intervenção em que o PCP se assume como protagonista no plano político de grandes causas e interesses sociais.

No quadro dos futuros actos e campanhas eleitorais, as eleições autárquicas a realizar no final do próximo ano constituem uma batalha política de grande importância que exige uma alargada e empenhada intervenção de todo o Partido. Independentemente das possíveis alterações do quadro existente em anteriores eleições (decorrentes eventualmente da revisão constitucional e porventura da regionalização), importa desde já prosseguir, aperfeiçoar e aprofundar o trabalho que tem sido realizado.

A concepção destas eleições como batalha de todo o Partido envolve quer as medidas e o trabalho especificamente eleitoral, no qual ressaltam as medidas de direcção, de quadros, de planificação e de dinamização e envolvimento da organização partidária, quer o prosseguimento do trabalho ao nível das autarquias e a sua correspondente valorização.

A afirmação e dinamização da CDU — Coligação Democrática Unitária como um amplo espaço democrático de intervenção e participação, aberto à contribuição de milhares de cidadãos independentes, disponíveis para trabalhar no interesse das populações e das respectivas freguesias, vilas e cidades, constitui uma tarefa e um objectivo da maior actualidade.

A confirmação de uma política idêntica à anterior por parte do actual Governo do Partido Socialista abrirá objectivamente campo a uma aproximação de numerosos democratas que, tendo confiado o seu apoio ao PS, o vêem agora prosseguir uma política oposta à que aspiravam.

O PCP prepara-se, como regra, para concorrer em todo o País no quadro da CDU, à excepção do concelho de Lisboa, onde deverá ser assegurada a continuidade da positiva experiência das coligações «Por Lisboa» e «Com Lisboa», na qual o PCP intervém com a sua identidade própria, com um largo trabalho e uma importante ligação às populações.

A CDU apresenta-se, em todas as situações, como a força portadora de um projecto autárquico capaz de dar resposta, de forma continuada e consistente, às aspirações de bem-estar, desenvolvimento e progresso locais. Um projecto para confirmar e desenvolver nas autarquias onde hoje já é a força responsável pelos seus destinos. Um projecto e uma força credíveis para se apresentar como alternativa para vencer em novas freguesias e municípios do País. Um projecto e uma garantia de defesa intransigente dos interesses populares, que faz do voto e apoio à CDU, em todas as situações, um factor essencial para um funcionamento transparente e democrático de cada autarquia.

No âmbito da actividade de preparação das próximas eleições, merecem particular atenção:

a) O processo de elaboração das listas procurando garantir uma renovação e rejuvenescimento e o início do debate com vista à elaboração dos programas de acção para o próximo mandato;

b) o trabalho de dinamização e alargamento de apoios à CDU e o lançamento a prazo de um amplo movimento de juventude CDU;

c) a valorização do trabalho e acção geral dos eleitos e das autarquias de maioria CDU, e da importância da sua intervenção mesmo quando em minoria.

Não se desconhecem os meios que outros procurarão utilizar e concentrar com o objectivo, comum ao PS e aos partidos da direita, de enfraquecer as posições de que o PCP e a CDU dispõem nas autarquias. Assim o fizeram, ainda que sem êxito, no passado. Assim pode voltar a suceder no futuro próximo. Tal situação requer a adopção enérgica de medidas, de concentração de atenções e de meios capazes de dar resposta a todo o momento à acção dos nossos principais adversários.

O valor da obra realizada e a afirmação do projecto CDU constituem os principais argumentos que permitem enfrentar as eleições, com consciência das dificuldades, mas também das possibilidades de as ultrapassar com êxito.

Apresentam-se como objectivos globais, cuja concretização representaria um acontecimento de indiscutível significado, e relativamente aos quais o trabalho geral dos comunistas nas autarquias torna perfeitamente legítimo a eles aspirar:

a) A apresentação de candidaturas a todos os órgãos municipais e ao maior número possível de freguesias;

b) a confirmação e reforço das posições do PCP e da CDU nos municípios e freguesias onde hoje são maioritários;

c) a conquista da presidência em novos municípios e freguesias;

d) a ampliação das posições que hoje detêm em situações de minoria e a obtenção de mandatos em autarquias onde hoje não dispõem deles.

O projecto autárquico do PCP, o prestígio conquistado, a identificação com as mais sentidas e profundas aspirações populares e o nível da obra realizada pelos eleitos do PCP nas autarquias, no decurso de vários mandatos, estão estreitamente ligados ao estilo de gestão e de exercício de poder.

A confirmação e aprofundamento de um exercício de poder adequado aos objectivos e natureza do Partido, num quadro de crescente complexidade que envolve a intervenção nas autarquias, é indissociável do reforço e aperfeiçoamento do exercício do trabalho de direcção do Partido, exercido com intensa participação dos eleitos autárquicos, à margem do qual não é possível assegurar uma orientação coesa e coerente com os principais objectivos de intervenção dos comunistas nos órgãos de poder local. Por outro lado, nas circunstâncias actuais, importa encontrar as vias para conjugar os diferentes níveis de intervenção do Partido (central, regional, local), com vista a garantir um melhor apoio recíproco e uma melhor recolha e aproveitamento de experiências.

Um exercício de direcção do trabalho nas autarquias que garanta a inserção e participação dos eleitos no trabalho colectivo e assente no debate e decisão regulares nos organismos, sobre as orientações essenciais, sobre a avaliação regular e colectiva do conteúdo e formas de exercício dos mandatos.

O balanço positivo não deve fazer esquecer a necessidade de enfrentar aspectos negativos onde se manifestam, tais como deficiências na ligação às populações e aos trabalhadores das autarquias, na prestação regular de contas da obra realizada, rotina, insuficiências na gestão e burocracia.

Ao projecto autárquico do Partido e à sua concepção de exercício de poder é inerente um conjunto de características essenciais que marcam e diferenciam o estilo de gestão desenvolvido pelos seus eleitos. Da sua efectivação e verificação depende a própria afirmação do nosso projecto, a eficácia e democraticidade da gestão e os níveis respectivos de realização.

Sublinham-se como princípios orientadores da acção dos eleitos comunistas:

— A afirmação, no exercício dos mandatos, dos princípios de trabalho, competência, honestidade, recusa de benefícios pessoais, desapego ao poder e defesa dos interesses populares, gestão transparente;

— o reforço da ligação às populações e aos trabalhadores como componente essencial de uma gestão democrática e participada, meio de mobilizar opiniões e apoios e de assegurar uma alargada informação e esclarecimento sobre o andamento, respostas ou ausência de resposta aos principais problemas locais;

— o princípio de não ser beneficiado ou prejudicado no exercício dos cargos públicos;

— a procura de uma alargada participação da população e das organizações sociais e culturais locais no processo de decisão da autarquia;

— o exercício das suas funções por forma a garantir uma natural aproximação e acesso das populações ao eleito e uma resposta pronta às suas solicitações;

— a valorização do papel dos trabalhadores da autarquia, cuidando das condições de trabalho, assegurando o respeito pelos seus direitos e garantindo a sua valorização e formação profissionais, mantendo um diálogo regular com os mesmos e suas estruturas representativas;

— a salvaguarda do carácter público do serviço prestado às populações em áreas estratégicas de atribuição do poder local e a garantia da defesa dos interesses e direitos colectivos sobre os particulares;

— o prosseguimento de uma prática continuada e consistente de descentralização, potenciando as novas condições de trabalho decorrente do exercício de mandatos em regime de permanência em muitas freguesias;

— a assunção, pelos eleitos, da sua intervenção na autarquia como contributo para o alargamento do prestígio e influência do Partido e factor de elevação da consciência social das populações;

— o apoio às justas lutas das populações, o fomento e apoio ao associativismo e a outras formas de expressão da intervenção colectiva e o respeito pelos cidadão e a garantia dos seus direitos face à administração.

Do ponto de vista do projecto para a gestão das autarquias, os eleitos comunistas conjugarão o prosseguimento de uma atenção especial aos equipamentos e infraestruturas, ao planeamento e gestão urbanística, ao património cultural e paisagístico e às actividades culturais e desportivas com uma atenção reforçada à luta pelo desenvolvimento sustentável (em especial à conjugação harmoniosa do desenvolvimento económico com o ambiente). Será particularmente importante a modernização da gestão e dos serviços, bem como a atenção às pequenas obras, ao embelezamento dos centros urbanos, às questões essenciais ao quotidiano das populações e à conservação e gestão dos equipamentos e infraestruturas. Será igualmente fomentada uma maior atenção à cooperação intermunicipal.

As eleições para o Parlamento Europeu, que se realizarão em 1999, assumirão considerável importância, tendo em conta a possibilidade de uma grande proximidade em relação às eleições legislativas e o facto de existirem projectos e prosseguirem intensamente acções no sentido de uma perigosa e cada vez maior transferência de poderes dos Estados para a União Europeia.

Neste quadro constituirão objectivos essenciais do PCP:

a) Lutar pelo alargamento da sua representação no Parlamento Europeu;

b) trabalhar para o reforço da capacidade de intervenção no Parlamento Europeu e junto dos partidos da coligação em que o PCP se insere;

c) procurar que a intervenção dos deputados comunistas e dos seus aliados contribua para uma Europa dos povos, da coesão económica e social e da igualização no progresso das condições de vida e de trabalho e não para uma Europa do neoliberalismo, das políticas monetaristas, do desemprego e do grande capital.

As eleições para a Assembleia da República que se realizarão, em princípio, em 1999, terão uma grande importância no sentido de derrotar os partidos de direita e a política de direita do PS, e fortalecer o PCP de modo a demonstrar que esse resultado deverá ser acompanhado de uma verdadeira mudança política e da derrota das políticas de direita e criar condições para uma alternativa democrática. Para se atingir estes objectivos impõem-se como tarefas políticas do Partido:

a) Intensificar, junto das massas populares, um trabalho de esclarecimento de que sendo o PCP o melhor defensor dos seus interesses sociais, o apoio eleitoral ao PCP é também a melhor forma de nas eleições defender os seus interesses;

b) lutar para a derrota das tentativas e projectos de adulteração do sistema eleitoral da Assembleia da República, quer na revisão constitucional quer em legislação ordinária;

c) garantir uma intervenção nas várias frentes de luta, conjugando a intervenção institucional, designadamente na Assembleia da República, com as lutas das massas populares;

d) valorizar sistematicamente a luta, a intervenção e os princípios a que obedece a intervenção dos deputados comunistas na Assembleia da República.

As eleições para as Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira que se realizarão, em princípio, no ano 2000, constituirão, certamente, um momento fundamental para que à existência do sistema constitucional da Autonomia possam corresponder políticas específicas adequadas em ambas as regiões insulares. Elas exigem que o PCP e a CDU consigam passar nos dois Arquipélagos para um outro patamar de influência, onde a expressão eleitoral possa Ter uma mais segura correspondência com a influência social e o peso político objectivo gerado pela intensa e constante acção desenvolvida nos últimos anos.

A grande importância que as Regiões Autónomas assumem no contexto geral do País, como elemento integrante do Estado democrático que são, associada aos avanços já conseguidos na alteração da correlação de forças existentes devem motivar todo o Partido no sentido da realização de um profundo e renovado esforço no apoio, cooperação e ajuda à permanente e diversificada acção política de massas e institucional desenvolvida pelas respectivas organizações regionais.

Ao longo dos últimos quatro anos não se alterou a situação já anteriormente verificada da falta de correspondência entre a base de apoio social política e eleitoral de que o Partido desfruta. O Partido dispõe de uma base de apoio social muito ampla que se traduz, antes de tudo, no papel por ele desempenhado como Partido da classe operária e de todos os trabalhadores e principal dinamizador da sua luta, e no apoio correspondente que eles expressam às suas propostas no plano das reivindicações sociais e na confiança que exprimem aos seus membros nas eleições sindicais e das Comissões de Trabalhadores.

O Partido tem igualmente um significativo papel nos movimentos das classes intermédias e de outras camadas sociais, papel que lhe é reconhecido e expressivamente apoiado quando as movimentações revestem um carácter essencialmente social.

Esta ampla base reduz-se, no entanto, de modo muito significativo quando se passa do plano social para o plano político e ainda mais para o plano eleitoral, o que acontece mesmo em zonas de forte predominância populacional operária.

Esta discrepância é, acima de tudo, provocada pelo forte preconceito anticomunista que nunca desapareceu na nossa sociedade desde o derrubamento do fascismo, que tão acerbamente o cultivou, e que as forças da direita e o PS sempre exploraram em seu benefício, tanto no ascenso revolucionário como ao longo do processo contra-revolucionário, sobretudo à medida que foram controlando de forma crescente os grandes meios de comunicação.

A instrumentalização deste preconceito foi acirrada ao extremo, em termos nacionais e internacionais, nos anos de 1989 a 91, com a intensa manipulação dos acontecimentos de Leste, desde a queda do muro de Berlim até ao desmoronamento da União Soviética, com consequências bem evidentes nos resultados eleitorais do Partido e da CDU.

No plano eleitoral, porém, o Partido e a CDU são também fortemente penalizados, especialmente nas eleições para a Assembleia da República, pelas concepções espalhadas pela direita e o PS sobre o «voto útil» e o «voto para ganhar» e pela bipolarização largamente fomentada pelos grandes órgãos de comunicação social.

As diferenças significativas entre as votações obtidas pela CDU nas eleições para as autarquias em numerosos municípios e nas eleições para a Assembleia da República, nesses mesmos municípios, são claramente influenciadas pelas possibilidades ganhadoras da CDU, onde esta é poder ou alternativa de poder, pela possibilidade que os eleitores têm de conhecer o projecto e o trabalho realizado no quadro autárquico, o que atenua o efeito do preconceito anticomunista.

Além destas causas relativamente objectivas, as discrepâncias que se assinalam entre as diferentes bases de apoio do Partido radicam, com certeza, noutras causas de natureza mais subjectiva, que se prendem com o trabalho partidário em termos de discurso, mensagem e formulação da alternativa.

A necessidade de alargar a base social de apoio, e de abrir perspectivas de trabalho para melhorar a correspondência da base social de apoio com as bases de apoio político e eleitoral do Partido, são grandes desafios que se colocam aos comunistas. São desafios que apresentam um largo terreno de possibilidades concretas para serem cumpridos.

A resposta a estes desafios compreende, nomeadamente, a acção junto das massas e o fortalecimento dos movimentos e lutas, a política de alianças, o projecto de alternativa política e de políticas alternativas, a forma de intervenção e as propostas eleitorais.

A experiência dos últimos anos aconselha a que essa resposta contemple, também, os aspectos concretos seguintes: a necessidade de o Partido intervir, ainda mais, como tal e directamente, em todos os grandes problemas dos trabalhadores e no desenvolvimento das suas lutas; no que toca às grandes questões do mundo do trabalho, o PCP deve aparecer, ainda mais, perante o País como uma força política indispensável; a necessidade de aparecer de forma mais explícita o papel e a influência que os comunistas e o seu Partido exercem nos movimentos unitários das classes intermédias e outras camadas, incluindo através da atribuição de maior divulgação pública da qualidade do trabalho dos comunistas, dos militantes que se destacam à frente desses movimentos; a necessidade de uma muito mais larga publicitação das posições e das orientações do Partido, em relação às dificuldades, problemas e aspirações do campesinato, dos pequenos e médios empresários, especialmente da indústria e do comércio, que se revelam pouco informados, incluindo através de uma malha muito mais densa de contactos e entrevistas directas e de ser assumido que o trabalho muito positivo de algumas autarquias CDU em relação ao empresariado pequeno e médio não se deve a uma inclinação pessoal dos presidentes ou vereadores dessas autarquias, mas obedece a uma orientação de fundo do PCP e da coligação.

6. O PCP como força aglutinadora da esquerda e de uma alternativa democrática

Considerando a caracterização e arrumação do quadro partidário, é de assinalar que, além das modificações nas posições relativas dos diferentes partidos, decorrentes dos resultados eleitorais atrás analisados, verificaram-se também sensíveis alterações no posicionamento politico-ideológico e na situação directiva de alguns deles.

Os seus traços mais importantes são os seguintes:

a) No PS, a equipa directiva encabeçada por António Guterres procedeu, desde o início do seu mandato, a uma inflexão ainda mais à direita, com uma ligação mais aberta aos interesses do grande capital, não só na intervenção concreta do partido mas nas suas próprias posições programáticas. O PS tornou-se, mesmo em termos de programa, adversário das nacionalizações e defensor das privatizações e juntou-se à direita na defesa das teorias de «menos Estado», ocultando a real e operativa intervenção do Estado ao serviço do grande capital. Com a chegada ao governo esta inflexão acentuou-se, adoptando o Governo PS, em termos práticos e políticos, as orientações neoliberais e as linhas essenciais de actuação, nomeadamente no domínio socioeconómico, dos anteriores governos do PSD. No plano do relacionamento interpartidário, o PS, que recusou entendimentos à esquerda com o PCP, entendeu-se com o CDS-PP para aprovar o Orçamento de Estado para 1996 e a Lei da Flexibilidade e Polivalência e quer entender-se com o PSD para fazer uma nova revisão da Constituição e da legislação eleitoral. A deslocação do PS para a direita não deixa de provocar uma área de descontentamento, cuja dimensão é difícil avaliar, dentro do próprio partido;

b) no CDS-PP, a liderança de Manuel Monteiro substituiu as orientações afectas à democracia cristã, que vigoravam oficialmente neste partido, por um populismo de extrema-direita, radical nos ataques ao regime democrático, por vezes com tonalidades fascizantes, e a utilização de uma grande demagogia social e nacionalista.

Esta demagogia provocou algum impacto nos sectores tradicionalmente predispostos para a mensagem da extrema-direita e até, o que é grave, em sectores populares mais deprimidos. A demagogia populista tem entrado, no entanto, em contradição com os «fretes» prestados ao Governo PS, determinados pelos potentados económicos a que o PP está ligado;

c) no PSD, as derrotas sucessivas em três eleições nacionais, culminando com a das legislativas, que o afastou do governo, e o desaire de Cavaco Silva nas presidenciais, provocaram o regresso deste partido às crises directivas, às habituais «guerras dos barões» e a uma imagem de confusão que lhe retira credibilidade. Esta crise é agravada pelo facto de as classes dominantes apostarem, por agora, no PS para realizar a política da direita. Mas é evidente que elas não deixarão de apoiar uma solução alternante e, com toda a probabilidade, ainda com base no PSD, para substituir o PS quando este estiver desgastado, não deixando sequer de, falsamente, apontar o fracasso do PS como o falhanço da esquerda;

d) dos pequenos partidos apenas o PEV (Partido Ecologista «Os Verdes») tem representação parlamentar no quadro da CDU e uma actividade política diferenciada.

Os pequenos partidos de esquerda ou esquerdistas continuaram em acentuado declínio, quase só reaparecendo (com excepção da UDP que tem uma actividade continuada) para concorrer a eleições, onde obtêm resultados baixíssimos.

Comportando riscos para o País e o regime democrático, inclusive com os que podem ser acentuados com uma nova revisão da Constituição, esta evolução do quadro partidário marcada, essencialmente, por uma crise conjuntural dos partidos da direita e por uma ainda mais nítida deslocação do PS para a direita, coloca novas responsabilidades ao PCP e confere-lhe, ao mesmo tempo, amplas possibilidades de intervenção e de trabalho susceptíveis de se traduzirem em crescimento orgânico, político e eleitoral.

A natureza de classe da política de direita, antes praticada pelos governos do PSD e agora prosseguida nas suas orientações essenciais pelo Governo PS, claramente evidenciada pela sua profunda ligação ao capital monopolista, atinge duramente os interesses e os direitos da grande maioria dos portugueses. Os reais beneficiários, em graus diversos, de tal política são (para além do grande capital estrangeiro e seus agentes) a grande burguesia financeira, industrial e agrária, e o círculo dos seus mais responsáveis e directos colaboradores, serventuários e gestores de interesses, algum alto funcionalismo e os que se movem nos circuitos da especulação financeira, da corrupção, do tráfico de influências e das negociatas com fundos comunitários.

No combate a esta política e na construção de uma alternativa estão, portanto, objectivamente interessadas classes e camadas sociais muito amplas da sociedade portuguesa. A construção de uma frente social alargada de resistência e de combate à política de direita e de submissão aos interesses do capital estrangeiro é indispensável à elevação da consciência social sobre as causas e os responsáveis dessa política, à transformação em sua condenação e à aquisição da consciência política de que há outro caminho, de que existe alternativa à política de direita, com o PCP e com a participação organizada dos trabalhadores, das populações.

Neste processo tem um papel decisivo a acção política geral do PCP, de todas as suas organizações e militantes, numa relação viva, dinâmica e transformadora com a sociedade, de que são elementos complementares: a contribuição e a iniciativa dos comunistas na dinamização e organização dos movimentos e das lutas sociais; a intervenção, a tomada de posição e o diálogo directos do PCP e das suas organizações com as mais diversas classes, camadas e grupos sociais atingidos pela política de direita; uma combativa intervenção nas instituições, estreita e permanentemente vinculada e articulada com os interesses populares.

Não existe correspondência na sociedade portuguesa entre os interesses das classes e camadas sociais não monopolistas e a sua opção eleitoral maioritária. PS, PSD e CDS-PP, embora tenham na sua base social de apoio, de modo diferenciado, participação dessas classes e camadas, defendem fundamentalmente orientações e políticas que privilegiam o grande capital monopolista e são contraditórias com os seus interesses.

Fazem-no num quadro de choques e conflitos que, além de visarem esconder convergências em questões essenciais, traduzem diferenças de opinião quanto aos caminhos que melhor asseguram a defesa dos interesses que protagonizam. Exprimem a própria oposição de interesses entre diversos sectores do grande capital e são também reflexo no seu comportamento, nos seus avanços e recuos, das lutas e movimentos sociais e da correlação política de forças. O preocupante e crescente apagamento das diferenças estratégicas entre PS e PSD configura a tentativa de reduzir as opções políticas dos portugueses a um «bloco central» inorgânico, funcionando na base da alternância de figuras que não de políticas, em que é reservado ao CDS-PP o papel de, através da sua demagogia populista tentar, sobretudo em camadas sociais mais gravemente carenciadas, evitar a canalização para o PCP do descontentamento popular causado pelos efeitos da política de direita e, nomeadamente, pelas consequências da actual política de integração europeia.

É, assim, necessariamente complexo, prolongado e contraditório, envolvendo uma grande diversidade de objectivos concretos, movimentos, planos de unidade, o processo de criação de uma vasta frente social de oposição à política de direita e a sua tradução, no plano político e institucional, por uma convergência de forças, correntes e sectores capaz de, com o PCP, dar corpo a uma alternativa de esquerda que exprima uma verdadeira mudança de rumo para Portugal.

A luta pela construção de uma alternativa exige que se mantenha uma pronta denúncia e combate pelo PCP, em aspectos essenciais e concretos, da convergência de políticas e orientações estratégicas entre o PS e o PSD e o CDS-PP. Exige igualmente uma firme orientação que não faça depender da postura da Direcção do PS o continuado esforço do PCP de diálogo, debate e intervenção políticos, visando quer a derrota da política de direita (conduzida pelo PS ou por outros partidos) e das suas manifestações concretas quer o desenvolvimento do mais amplo bloco de forças sociais e políticas capaz de sustentar uma alternativa democrática de política e de poder.

Neste quadro, considera-se entretanto que seria errado identificar totalmente o PS com o PSD e com o CDS-PP, ignorando as diferenças na base social, na composição partidária, no percurso e na história política do PS (em que pesam sem dúvida valores democráticos) e não as tendo em conta no processo de relacionamento interpartidário e no diálogo político prosseguido pelo PCP.

Existem condições políticas favoráveis à afirmação e ao crescimento da influência e do prestígio do PCP. Importa aproveitá-las assumindo, de modo claro e convincente, e com audaciosa iniciativa política, o papel que lhe cabe no actual quadro partidário de pólo aglutinador de valores e aspirações de esquerda e portador de uma alternativa democrática.

O processo de construção de uma alternativa de esquerda exige uma ruptura decidida com a actual política e com as suas dependências dos grandes senhores do dinheiro e de Bruxelas. Exige a cooperação, a convergência e a acção comum de forças políticas, tem de ter como preocupação fundamental a mobilização e intervenção dos próprios cidadãos. A construção da alternativa de esquerda que o PCP firmemente enuncia e defende tem de integrar um claro respeito pela identidade e autonomia de cada força política, ao contrário das práticas e concepções hegemónicas do PS (de que foram exemplo os seus «Estados Gerais», concebidos como puro veículo de atracção para a sua órbita de cidadãos e grupos políticos, com vista à sua instrumentalização como elementos de disfarce da sua política de direita).

Embora seja urgente do ponto de vista dos interesses populares e nacionais, a construção de uma alternativa política será reconhecidamente um processo exigente, complexo e provavelmente demorado, sobretudo em consequência da orientação de direita do PS, a qual previsivelmente só será passível de rectificação sob o efeito de uma fortíssima pressão social e política e de uma significativa deslocação de votos para o PCP, nomeadamente de eleitores do PS.

Por isso mesmo, seria uma ilusão supor que a construção de uma alternativa é uma questão resolúvel exclusivamente na base de definições teóricas ou da imaginação ou criatividade políticas, bem como supor que o reforço eleitoral do PCP é um objectivo realizável na exclusiva base de modificações de discurso político ou da proclamação de objectivos políticos e eleitorais excessivamente ambiciosos a curto prazo. A construção de uma alternativa à política de direita e aos governos que a têm realizado só será possível com uma sensível alteração da correlação de forças actualmente existente, de que é factor decisivo e determinante uma expressiva ampliação da influência social, política e eleitoral do PCP.

7. Reforço do PCP — o caminho da alternativa

A ampliação da influência social, política e eleitoral do PCP e a construção de uma alternativa implicam um persistente e audacioso trabalho nas seguintes direcções:

a) O reforço do PCP na sociedade portuguesa, da sua ligação cada vez mais profunda com as massas populares, da sua organização, iniciativa e acção políticas, da sua intervenção nas instituições, como partido da classe operária e de todos os trabalhadores, mas igualmente partido portador de uma alternativa e de uma política para a sociedade portuguesa, que corresponde aos interesses fundamentais de outras classes e camadas não monopolistas. Partido de oposição à política de direita e ao Governo do PS que a pratica e partido capaz de animar e dirigir o protesto, a reivindicação e a luta, mas igualmente partido capaz de contribuir no exercício do poder, seja no plano das autarquias locais hoje, seja amanhã no Governo de Portugal, para dar resposta mais eficaz e mais justa aos problemas do País e dos portugueses.

Partido com uma concepção nova e diferente do exercício do poder e da política, assente na profunda vinculação aos interesses populares, na seriedade, na transparência, na competência e isenção, no controlo do poder económico pelo poder político democrático, na combinação da democracia participativa com a democracia representativa de modo a valorizar e não distanciar os cidadãos da participação na vida política. Partido com uma identidade e uma imagem coerentes, que não mudam ao sabor das conjunturas e de cálculos eleitoralistas, mas em que a acção política quotidiana se articula com o projecto claro de uma democracia avançada e do socialismo para Portugal. Partido cujo fortalecimento passa pela capacidade de criar laços mais profundos, forjados no debate político e na acção comum, com os trabalhadores, com os agricultores, com a juventude, com os intelectuais e quadros técnicos, com todos os cidadãos que partilham a nossa convicção de que há outro caminho para Portugal, mas que vêem as esperanças frustradas pelo uso dado mais uma vez pelo PS à maioria conquistada nas eleições legislativas;

b) o reforço em profundidade e amplitude da contribuição dos comunistas para o desenvolvimento do movimento de massas, dos movimentos e lutas sociais. Do movimento sindical unitário e das Comissões de Trabalhadores. Do movimento camponês. Do movimento dos intelectuais. Dos movimentos dos pequenos e médios empresários. Do movimento juvenil. Do movimento das mulheres. Dos movimentos culturais. Do movimento associativo. Dos movimentos e organizações de defesa de camadas mais fragilizadas da sociedade, como os reformados e os deficientes. Do movimento pela paz e pela solidariedade. Dos movimentos e organizações populares em torno de aspirações e interesses locais. Dos novos movimentos sociais, de utentes e consumidores, de defesa do ambiente e do património, dos direitos dos imigrantes e das minorias étnicas, de combate ao racismo e à xenofobia. Defendendo a autonomia e o sentido aberto e unitário das associações e movimentos, na base dos interesses comuns mas contrariando uma visão neutra, atomizada e despolitizada dos movimentos sociais, normalmente associada a uma atitude de dependência do poder. Valorizando e fortalecendo os movimentos e organizações sociais como alicerce da democracia e da sua vertente participativa, como barreira às políticas de direita, como geradores de consciência social e de solidariedade, de combate ao individualismo, ao conformismo e à passividade perante os problemas, de formação de uma mais avançada consciência política. É, pois, indispensável um forte e articulado desenvolvimento das lutas de massas e movimentos sociais em torno de objectivos concretos, mas impulsionando a sua convergência na reclamação de uma nova política e favorecendo a afirmação na sociedade portuguesa de um mais vasto e consistente movimento de opinião agregado em torno dos valores, eixos e propostas centrais de uma nova política, por forma a que estes venham a ganhar um peso muito maior no processo de formação das opções eleitorais dos cidadãos;

c) a dinamização pelo PCP de um amplo movimento de debate, reflexão, diálogo e acção comum com correntes e sectores democráticos, com organizações e movimentos sociais, com todos os cidadãos que reconhecem ser indispensável a construção na sociedade portuguesa de uma alternativa à política de direita que, com diferentes matizes, tem caracterizado a governação do País nos últimos 21 anos, que essa alternativa exige a participação efectiva do PCP e deve ter como referência a modernidade e actualidade dos valores fundamentais da Revolução de Abril. Debate, reflexão e diálogo sobre a edificação dos alicerces, das condições e das políticas capazes de romperem com a actual lógica de «bloco central» politico-ideológico para a realização, na base da alternância, de uma política de direita conduzida por partidos cada vez mais semelhantes e que tem conduzido ao empobrecimento e mutilação da democracia portuguesa e ao afastamento de um número crescente de cidadãos da vida política. Debate, reflexão e diálogo assente no respeito pela identidade e autonomia dos seus participantes, desde logo do PCP. Debate, reflexão e diálogo que não se circunscrevem às fronteiras do relacionamento interpartidário, sem diminuir a importância destes, mas que se dirige a todos os trabalhadores, a todos os cidadãos e que pode e deve exprimir-se em diferentes iniciativas e acções comuns inseridas no combate às manifestações concretas da política de direita e num processo necessariamente prolongado de edificação de um bloco de forças políticas e sociais capazes de exprimirem os interesses das classes e camadas sociais não monopolistas e empenhadas num novo rumo democrático para Portugal. Da acção e da iniciativa criadoras do PCP e de todos os comunistas dependerá, em larga medida, a força que adquirir na sociedade portuguesa o movimento de opinião, de aspirações, de valores e de vontades capaz de impor uma viragem democrática na política portuguesa;

d) a dinamização da CDU — Coligação Democrática Unitária, importante espaço de diálogo e acção comum dos comunistas com o PEV, a ID e milhares de cidadãos independentes, lugar de encontro dos sectores mais consequentes da esquerda que têm sabido convergir no combate político e eleitoral contra a governação de direita, pelas conquistas e valores da Revolução de Abril e com um valioso e reconhecido património na gestão do poder local, constitui uma tarefa indispensável de modo a consolidar e ampliar a influência do PCP e dos seus aliados;

e) uma persistente, ampla e qualificada comunicação do PCP com a sociedade, que ajude a superar o fosso e a contradição existentes entre as escolhas políticas dos cidadãos e os graves problemas sociais que sofrem no seu quotidiano. Que contribua para que as opções políticas dos portugueses, e em primeiro lugar da classe operária e dos trabalhadores, sejam mais conformes com as suas aspirações e interesses de classe.

Que combata a premeditada fragmentação da realidade para dificultar a sua compreensão, o deliberado corte mediático entre o «político» e o «social», a separação entre os problemas sociais e as suas causas e responsáveis políticos. Que não se conforme com a transformação da política em espectáculo e «feira de vaidades», que alerte contra a perigosa substituição na vida política da escolha entre projectos e orientações por figuras, imagens e estilos, que seja veículo de uma pedagogia democrática, que desperte nos cidadãos um movimento de indignação e recusa da sua conversão em meros consumidores de informação efémera e superficial, de cultura e de «subvalores», comandados pela medida perversa das audiências, com que as forças dominantes no poder e nos media procuram estimular a resignação e o conformismo dos portugueses face à política de direita, degradar valores, condicionar a elevação da sua consciência política, uma cidadania activa, a busca responsável de outros caminhos;

f) a confiante afirmação, em todos os planos da intervenção do Partido, das suas organizações e militantes, do valor próprio das propostas e do projecto político do PCP, com destaque para o seu projecto de uma democracia avançada — uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural — e para as suas propostas para uma política de esquerda visando nomeadamente desenvolver a economia, travar os processos destrutivos e promover o emprego; melhorar as condições sociais e o ambiente, como objectivos e factores de desenvolvimento; promover a educação, a ciência e a cultura; assegurar a liberdade, concretizar uma reforma democrática do Estado e aprofundar a democracia; lutar por um Portugal de progresso e justiça, soberania e independência, aberto ao Mundo, e por um novo rumo para a integração europeia. Ao mesmo tempo, é indispensável que esta afirmação seja acompanhada de uma insistente valorização da aptidão do PCP para o exercício de responsabilidades governativas e da utilidade e eficácia, para a defesa dos interesses dos cidadãos e para uma alternativa democrática, de um maior apoio ao PCP e do reforço da sua representação nas instituições e órgãos de poder.

IV. UM PARTIDO COMUNISTA NA PASSAGEM PARA O SÉCULO XXI

1. Breve balanço da actividade

Desde o XIV Congresso o PCP, apesar das condições desfavoráveis que teve de enfrentar, manteve uma intensa actividade, marcada pelo esforço para superar dificuldades e insuficiências, mas também por uma significativa militância e capacidade realizadora. Para além da intervenção nas lutas de massas, nas batalhas sociais, políticas e eleitorais e da qualificada actuação nas instituições, que constituem valiosos elementos da acção política do Partido, a generalidade das organizações partidárias realizou muitos milhares de reuniões e plenários, festas e convívios, muitas dezenas de Assembleias das Organizações.

É de destacar igualmente a realização das Conferências Nacionais sobre «a organização e a intervenção do Partido junto dos trabalhadores» e «o Poder Local e as eleições autárquicas»; os Encontros Nacionais sobre «as eleições legislativas», «a educação e o ensino», «os problemas da saúde», «a segurança social», «a ciência e a tecnologia», «os problemas da agricultura», «a situação das pescas», «o Partido e as mulheres trabalhadoras», «o Partido e os reformados», «o Partido e os intelectuais», «juventude e autarquias», «política de turismo», e o «movimento associativo e popular».

Em 1995, a Campanha Nacional de Fundos para a angariação de 150 mil contos constituiu um êxito de elevado relevo.

O Partido realizou milhares de iniciativas — de âmbito local, regional, sectorial e nacional — sobre os problemas candentes da vida nacional e de importantes sectores económicos, sociais e culturais, fazendo a «radiografia» da situação e apresentando propostas para os resolver. Particular significado teve o ciclo «Debates com o País», que abrangeu um conjunto de 250 iniciativas, com a participação de cerca de 20 mil pessoas.

O Partido desenvolveu um importante conjunto de iniciativas de combate à ofensiva ideológica da direita, designadamente as acções em torno das comemorações do 20º aniversário do 25 de Abril e dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial, combatendo a falsificação da história, o branqueamento do fascismo e a adulteração do conteúdo e significado da Revolução de Abril.

A comemoração regular do aniversário do Partido com milhares de iniciativas revestiu-se de grande importância para a divulgação e afirmação do seu projecto, princípios e ideais. As comemorações do 75º Aniversário tiveram a este respeito particular relevo.

A Festa do «Avante!», que em 1996 se realizou pela 20ª vez, manteve-se como o maior acontecimento político-cultural do País e expressão do trabalho criativo e militante das organizações partidárias.

2. Trabalho de Direcção

Na sequência das orientações e decisões dos Congressos anteriores, o XIV Congresso implementou alterações na estrutura de direcção que, num quadro de grande exigência e complexidade políticas, assegurou em geral uma intervenção pronta e dinâmica, e a unidade de orientação e acção do Partido. Revelou-se, no entanto, complexa a interdependência, a complementaridade e a articulação das actividades dos diferentes organismos.

Para o reforço geral do trabalho partidário e da sua intervenção na vida nacional são imprescindíveis o aprofundamento e melhoramento do trabalho de direcção; a preservação e enriquecimento de características tão importantes como o trabalho colectivo, a democracia interna e uma orientação e uma direcção únicas e a estreita ligação dos dirigentes às organizações do Partido e aos seus membros; uma melhor preparação dos trabalhos e do funcionamento do Comité Central; uma melhor articulação entre os seus organismos executivos e o reforço da sua ligação às direcções regionais.

De acordo com o balanço e o estudo da experiência da estrutura actual, e tendo como ideia central a concretização de tais objectivos, considera-se necessário proceder a uma simplificação e reordenação da estrutura de direcção central. Esta estrutura deve, tendo em conta os meios, os quadros e as tarefas políticas que vão colocar-se ao Partido, reforçar e aperfeiçoar o trabalho de direcção, melhorar a sua eficácia, a sua intervenção e o seu funcionamento, aprofundar o conhecimento dos problemas e a elaboração das orientações, assegurar uma estreita ligação às organizações e sectores, no quadro do reforço do trabalho colectivo e da necessária renovação.

No quadro da simplificação da estrutura de direcção central, não se justifica a manutenção do Conselho Nacional e consequentemente o cargo de Presidente do Conselho Nacional e respectivas competências individualizadas, pelo que se propõe em conformidade alterar os artigos 34º, 35º e 36º dos Estatutos do Partido.

O Comité Central realizou, desde o XIV Congresso, 22 reuniões plenárias, o que lhe assegurou uma regular intervenção, no quadro das suas competências, na definição das orientações sobre as grandes linhas da actividade partidária. Entretanto, para que o Comité Central possa assumir mais cabalmente as suas responsabilidades em conformidade com os Estatutos — «dirigir a actividade do Partido no intervalo dos Congressos, assumindo a responsabilidade da orientação superior do trabalho político, ideológico e de organização do Partido» —, torna-se necessário preparar e organizar melhor as reuniões, a informação dos diferentes organismos e áreas de direcção central. Tendo em conta as competências do Comité Central, a fase da vida partidária e nacional e o balanço da experiência acumulada no seu trabalho, considera-se vantajoso, no quadro da sua necessária renovação, manter as características actuais do Comité Central, nomeadamente no que se refere ao número dos seus membros, o qual não deve aumentar, e à natureza da sua composição. Na elaboração da proposta do novo Comité Central devem ser assegurados como critérios: a participação de quadros do Partido, funcionários e não funcionários; responsáveis por grandes sectores da actividade partidária ou com intervenção destacada em importantes áreas da vida social e nacional; a diversidade de conhecimentos e experiências; uma larga maioria de operários e empregados, com uma forte componente operária; uma criteriosa distribuição geográfica; o reforço do número de mulheres e jovens.

Tendo em conta a prática concreta do funcionamento das reuniões plenárias do Comité Central, nas quais se foi esbatendo cada vez mais a diferença entre o estatuto dos membros efectivos e suplentes, considera-se que deixou de ter sentido essa distinção pelo que se propõe alterar os artigos 32º, 34º, 36º e 66º dos Estatutos do Partido, na parte referente aos membros suplentes do Comité Central.

As Direcções Regionais continuaram a desempenhar um papel essencial no desenvolvimento da actividade e da iniciativa partidárias e na articulação entre as estruturas de direcção central e o conjunto do Partido.

É necessário proceder ao exame das estruturas de direcção e coordenação regionais e do seu âmbito, para considerar soluções que, de forma eventualmente diferenciada e tendo em conta a experiência, assegurem o fortalecimento destas estruturas e a maior eficácia da sua intervenção e do seu papel decisivo na ligação do Partido com os trabalhadores e as populações. São, designadamente, elementos a ter em conta nessa reflexão: as diferenças existentes entre organizações regionais quanto a força orgânica, capacidade e meios de intervenção, quadros, influência política e social; a divisão administrativa do País, não a considerando entretanto como limite absoluto quanto ao âmbito das direcções regionais (que em todos os casos correspondem actualmente a distritos ou regiões autónomas); a avaliação da experiência colhida com os organismos inter-regionais constituídos; a definição pelo XV Congresso da estrutura de direcção central futura.

Considera-se entretanto que são de manter as Direcções das Organizações Regionais de âmbito distrital, admitindo-se porém que em certos casos as organizações regionais possam ter âmbito pluridistrital. Tendo em conta o balanço da experiência dos organismos inter-regionais, considera-se igualmente necessário manter e desenvolver estes organismos, com soluções diferenciadas, aprofundando a questão do seu âmbito e competências.

Devem também merecer reflexão outras estruturas intermédias de direcção (Comissões Concelhias, de sector ou classe profissional, de zona, etc.), no quadro do seu papel orgânico e político.

As estruturas de apoio à direcção central, que assentam em departamentos e serviços centrais, áreas de trabalho, comissões junto da Comissão Política, do Secretariado, do Comité Central, comissões de coordenação e grupos de estudo, continuaram a desempenhar papel de grande importância para aprofundar o estudo de problemas e contribuir para a elaboração de orientações e a elevação da capacidade de intervenção política do Partido, envolvendo neste trabalho um elevado número de quadros.

Entretanto, acentuaram-se dificuldades e insuficiências já verificadas no XIV Congresso — debilidade e funcionamento irregular de algumas destas estruturas —, por carência de quadros, não correspondência com as alterações de estrutura da organização de direcção central e a não rigorosa definição das prioridades.

Tendo em conta as experiências, uma avaliação das necessidades e possibilidades, a rentabilização de meios e quadros, a definição das prioridades de trabalho, a extensão e características das estruturas de apoio dever-se-ão adequar à estrutura de direcção central a decidir pelo XV Congresso.

Na apreciação do trabalho de coordenação de empresas e sectores de âmbito nacional ou pluridistrital, decidido pelo XIV Congresso, considera-se que, apesar dos progressos existentes — maior atenção do Partido, responsabilização de camaradas dos organismos executivos pela tarefa, melhor harmonização e unificação das orientações em alguns sectores — continuam a verificar-se insuficiências e indefinições que é necessário superar. Mantendo-se a orientação da responsabilidade das Direcções das Organizações Regionais e a necessidade do reforço da sua atenção, pelo trabalho de direcção e organização partidárias das unidades ou núcleos dessas empresas e sectores ao nível regional, considera-se necessário reforçar os meios, melhorar o conteúdo da coordenação (ainda muito centrada nas questões sindicais e sectoriais, e na gestão de conflitos) e a regularidade das reuniões, e vencer os atrasos em alguns sectores e empresas.

Desde o XIV Congresso realizaram-se várias iniciativas nacionais e numerosas reuniões de quadros de diverso âmbito geográfico e sectorial para aprofundar e debater problemas da vida partidária e nacional. Esta linha de trabalho revelou-se de grande importância para a troca de experiências e elaboração de orientações políticas, para um maior conhecimento da realidade em que intervém o Partido, para a ajuda aos quadros e para a coesão e unidade de pensamento e acção das organizações.

Deve continuar a desenvolver-se esta prática, cuidando mais da sua calendarização, eficácia política e preparação, e em particular ao nível da discussão prévia com os vários organismos envolvidos nos temas em debate, de acordo com as possibilidades reais da sua realização e mobilização.

3. Política de Quadros

Os êxitos alcançados pelo Partido são inseparáveis da acção de milhares de quadros e outros militantes no desempenho das inúmeras e variadas tarefas impostas pela luta.

No período decorrido desde o XIV Congresso, e seguindo as orientações aí aprovadas, três grandes questões foram preocupações do Partido relativamente aos quadros: o seu melhor conhecimento e acompanhamento, a sua preparação e formação e a sua responsabilização. Mas, em balanço, tem de considerar-se que, a par de dificuldades objectivas, subsistem ainda subestimação e rotina em relação a esta questão fundamental do Partido.

O conhecimento e avaliação dos quadros é uma questão complexa. A par dos progressos realizados, mantêm-se casos de grande superficialidade, subjectivismo e surpreendentes oscilações na apreciação dos quadros, assim como tendências para destacar só traços positivos ou só traços negativos e para avaliar um quadro apenas por uma faceta ou por um curto período da sua actividade. Por outro lado, ainda se verifica falta de compreensão e de fraternidade perante dificuldades por parte de quadros no desenvolvimento das suas tarefas partidárias ou problemas da sua vida pessoal.

Uma correcta formação e desenvolvimento dos quadros é inseparável da sua adequada inserção na dinâmica do trabalho do Partido, nomeadamente a participação em reuniões e organismos a funcionar regularmente, com a atribuição de tarefas e controlo de execução e assunção de responsabilidades.

O estímulo à iniciativa e criatividade deve articular-se com o cumprimento das tarefas, a natural prestação de contas, a disciplina, a prática da crítica e da autocrítica e a ajuda, sempre que é necessária. Também de grande acuidade é o pronto, fraterno e frontal esclarecimento dos problemas de quadros.

A formação e o desenvolvimento dos quadros passam também pela sua preparação politico-ideológica no plano teórico. O trabalho neste campo tem sido insuficiente.

Contudo, apesar da menor disponibilidade face às expectativas de participação, é de referir a realização de iniciativas de formação, nomeadamente palestras e 20 cursos, em que participaram 300 camaradas, sendo de realçar os resultados positivos obtidos nos cursos destinados a novos membros do Partido.

É de salientar a importância, para a formação de quadros, da realização de reuniões sobre temas gerais ou específicos, de reuniões das Direcções de Organização Regional alargadas a outros quadros, de debates e conferências como os que se realizaram por ocasião da celebração do 75º Aniversário do PCP.

Apesar dos avanços desde o XIV Congresso, com a responsabilização de numerosos quadros, aos mais variados níveis, incluindo de responsáveis de grandes organizações do Partido, continuam a persistir muitas insuficiências que é necessário ultrapassar.

É indispensável considerar, a todos os níveis de direcção, que o atraso na formação e responsabilização dos quadros pode provocar estrangulamentos no desenvolvimento do Partido. Preservar e desenvolver a firmeza política e ideológica, a preparação e capacidade de direcção e intervenção do actual núcleo de quadros, assim como formar futuros quadros, designadamente funcionários, exige que a política de quadros seja encarada como uma das tarefas fundamentais do Partido.

A maior responsabilização de quadros operários, de quadros jovens e de quadros femininos (onde é necessário ter em conta os condicionalismos que dificultam a participação política das mulheres), coloca-se com grande premência nas mais diversas organizações e em vários níveis. Neste domínio impõe-se a programação de medidas, a fixação realista de objectivos e um grande empenho na sua concretização.

No conjunto dos quadros, os funcionários, que continuam a desempenhar um papel determinante na dinâmica da actividade partidária, são um importante contributo para o reforço da natureza de classe e do papel revolucionário do Partido.

O reforço do núcleo de funcionários é na actualidade uma condição particularmente importante para o fortalecimento do Partido. Trata-se não apenas do seu número, que é desejável poder aumentar (em alguns casos é mesmo indispensável e urgente), mas da sua renovação e rejuvenescimento, dando prioridade a quadros operários e jovens que se tenham destacado na luta e pela sua dedicação ao Partido.

Relativamente aos quadros funcionários, no contexto de uma maior atenção às suas condições de vida e de trabalho, foram tomadas algumas medidas para melhorar o seu estatuto material. Foram também consideradas medidas de apoio financeiro central a novas funcionalizações. Mas, globalmente, mantiveram-se as insuficiências e dificuldades assinaladas no XIV Congresso — redução do seu número, insuficiente renovação, sobrecarga de tarefas e responsabilidades, problemas de preparação política e ideológica. Manteve-se, para responder a necessidades específicas do Partido, o recurso a outros quadros remunerados, cuja situação e estatuto, diversos dos funcionários, necessitam de uma consideração global.

A situação existente impõe que seja feita uma ampla reflexão sobre as condições e a situação dos funcionários, com o objectivo de determinar as medidas necessárias à superação dos problemas, no quadro da manutenção das características revolucionárias intrínsecas do que, nas condições actuais, deve ser um funcionário do Partido.

4. Balanço, evolução e análise do trabalho de organização (1992-1996)

Ao realizar o balanço da situação orgânica do PCP, deve sublinhar-se que, apesar da manutenção de um quadro de condições objectivas desfavoráveis, a organização do Partido respondeu como um grande e forte colectivo, de forma capaz e viva, às muitas solicitações, tarefas e desafios, impostos por uma exigente situação política e social. Enfrentando uma enorme ofensiva política e ideológica, a organização partidária teve forças e energias para progredir em numerosos domínios, embora com diferenças regionais e sectoriais, concretizando orientações e iniciativas decididas pelo XIV Congresso.

O resultado da leitura dos indicadores orgânicos do Balanço Geral de Organização (Maio de 1996) e as apreciações realizadas a nível central pelas Direcções das Organizações Regionais e outros organismos permitem, em segundo lugar, afirmar que, a partir de 1994, se verifica uma travagem na evolução negativa do quadro orgânico que se desenvolvera desde o XII Congresso em 1988 e que ainda prosseguiu após o XIV Congresso. Esta é a conclusão síntese a reter do balanço e análise da situação orgânica.

O conjunto dos indicadores orgânicos resultante dos Balanços realizados deve ser avaliado mais pelas tendências evolutivas que mostram do que pelo seu valor absoluto. São as tendências evidenciadas que fundamentam a conclusão síntese referida e permitem dar conta simultaneamente de uma diversidade regional e sectorial significativa. No conjunto das vinte organizações regionais há as que mostram já tendências de subida e outras em que ainda pesam sinais de descida nalguns indicadores.

Verificou-se, em relação aos dados obtidos no Balanço realizado em Outubro de 1994, uma consolidação do núcleo mais activo do Partido e da estrutura orgânica. O número total de organismos cresceu e o número de membros do Partido em organismos estabilizou, com sete organizações regionais a apresentarem uma evolução positiva.

O número de membros do Partido com uma ligação ou contacto tem, relativamente a 1994, uma evolução favorável na maioria das organizações regionais (treze), embora a nível nacional se verifique globalmente uma evolução negativa. Esse número de membros do Partido atinge pouco mais de metade do total de inscritos.

O número de membros inscritos avaliado pelas Direcções das Organizações Regionais, na base dos respectivos ficheiros, na realização do Balanço Geral de Organização em Maio do corrente ano, evidencia uma estabilização nos últimos anos em torno de um valor médio correspondente a 140 mil. O PCP é um corpo vivo com um universo grande, atravessado não só pela conjuntura política, como pelas profundas mutações económicas e sociais que percorrem a sociedade portuguesa: encerramento de empresas, despedimentos e precarização do trabalho, emigração e imigração, desertificação do interior Norte e Centro e do Alentejo, concentração da população nos centros urbanos. O número de inscritos sofre assim mudanças significativas afectando a contagem de um ano para o outro.

O número do Balanço deverá ser lido como um valor médio que ganha sentido na detecção da evolução média dos efectivos do Partido. (Os efectivos no pós-25 de Abril cresceram muito entre 1974 e meados da década de 80 — XII Congresso —, decresceram entre essa data e finais de 1994, e apresentam-se agora tendencialmente numa fase de estabilização devido a um positivo processo de renovação de efectivos).

Pode acrescentar-se que a maioria dos inscritos não contabilizados num balanço por dificuldades orgânicas (perdas de contacto com a organização, transferências entre organizações não concretizadas, etc.) tem, quando contactada, mostrado vontade em permanecer como membro do Partido, com pagamento inclusive da quotização atrasada. É, por outro lado, reduzido o número daqueles que explicitamente se demitiram ou que assumiram o abandono efectivo do Partido.

Prosseguindo os esforços, realizados desde o XII Congresso, para a actualização dos ficheiros com a adequação entre o número de membros inscritos e os reais efectivos do Partido, deve combater-se qualquer «limpeza administrativa» dos ficheiros. Com esse objectivo, deve persistir-se no trabalho (constituição de brigadas e outras formas) para a identificação e contacto sistemático de membros inscritos e desligados da vida partidária.

A composição social, por sexos e etária dos efectivos do PCP decorrente do Balanço apresenta pequenas diferenças relativamente aos dois Balanços anteriores (de 1994 e 1992). Diferenças que acompanham o evoluir da composição da sociedade portuguesa. O Partido mantém-se como uma organização maioritariamente operária, apesar da ligeira redução do seu número e peso percentual que é agora de 53,4% dos efectivos.

Constituindo os empregados 20,9%, percentualmente a soma dos operários e empregados representa 74,3%, sendo de sublinhar a progressão, em valor absoluto e em relação a 1994, do número de empregados. O número e o peso percentual dos intelectuais e quadros técnicos (5,4%) mantêm-se sensivelmente os mesmos do Balanço anterior.

Significado tem também a progressão em valor absoluto do número de pequenos e médios empresários, ultrapassando os 3% do total. Este crescimento deve-se certamente mais à passagem a esta camada de membros do Partido anteriormente contabilizados noutras e/ou a uma actualização da situação profissional de muitos inscritos, e menos ao recrutamento. Mas os números mostram as potencialidades para fazer crescer a influência do Partido nessas camadas intermédias.

No que se refere à composição por sexos, o peso percentual de mulheres continua a aumentar mas o seu valor actual (24,4%) mantém-se insuficiente.

Quanto à composição etária, uma muito ligeira subida em valor absoluto e percentual dos membros do Partido com menos de 21 anos não é suficiente para inverter a tendência de descida no escalão até aos 30 anos. Assim, mantém-se um muito insuficiente rejuvenescimento dos efectivos do Partido, face ao natural crescer do número de membros acima dos 40 anos.

O número de organismos teve uma evolução global favorável (sempre em relação a 1994), mas com alterações diferenciadas conforme a natureza dos organismos.

Cresceu o número de organismos correspondentes a organizações por local de residência/área administrativa, Comissões Concelhias, Comissões de Freguesia e Núcleos Locais. Têm uma evolução contraditória os organismos por local de trabalho/sector profissional, com uma ligeira redução global dos Secretariados de Célula, com diferenças regionais acentuadas, enquanto cresce o número de organismos de sector profissional. Embora tivesse diminuído o número de organismos dedicados ao trabalho autárquico, tornaram-se mais numerosos os organismos voltados para o associativismo popular, para a informação e propaganda, para centros de trabalho e para outras frentes.

A difusão da imprensa do Partido através da organização manteve-se estagnada, não tendo grande significado as alterações verificadas, dado terem sido ocasionadas por uma campanha de assinaturas que atingiu muitos dos que adquiriam os seus exemplares na organização.

A realização das Assembleias das Organizações e eleição dos respectivos organismos dirigentes foi mais frequente nos dois últimos anos. É normal a situação nas organizações regionais e muitas das organizações concelhias de maior força orgânica, assim como em outras organizações de sector e de base, mas persistem incompreensões e dificuldades quanto à necessidade e possibilidade da sua realização em muitas outras organizações.

As principais orientações orgânicas do XIV Congresso foram concretizadas, embora com diferenças regionais por vezes acentuadas.

No âmbito da primeira prioridade estabelecida — o trabalho junto da classe operária e dos trabalhadores em geral, e a acção dos comunistas no movimento sindical, nas comissões de trabalhadores e noutros movimentos unitários de massas —, realizou-se, em 26 de Novembro de 1994, a Conferência «Renovar e Reforçar a Organização e a Intervenção do Partido no Seio dos Trabalhadores». A Conferência permitiu uma abordagem esclarecedora dos problemas existentes, uma maior sensibilização e mobilização dos quadros e organismos do Partido para esta decisiva vertente do trabalho orgânico.

Confirmando e sistematizando direcções de trabalho e esforços orgânicos já em curso nalgumas das Organizações Regionais em que o problema tem mais relevância, a Conferência, entendida como ponto de chegada e como ponto de partida terá conseguido travar uma evolução muito negativa nesta área de trabalho. Verificam-se também esforços bem sucedidos de algumas organizações para encontrar soluções orgânicas dinâmicas que respondem às situações criadas pela destruição do aparelho produtivo. Apesar disso, o Balanço apresenta ainda uma redução do número de Secretariados de Célula, embora com grandes variações regionais, como se assinalou atrás. E se outros vectores deste trabalho mostram progressos — a organização de sectores profissionais por exemplo —, é manifesta a existência de muitas outras situações insatisfatórias, inclusive no desenvolvimento da atenção para novos sectores laborais e grandes unidades com elevada concentração de trabalhadores.

Têm constituído estrangulamentos para o desenvolvimento e reforço das organizações e organismos um conjunto complexo de factores interdependentes, dos quais a análise e debate realizados apontam como principais as seguintes questões:

— Quebra de militância, que com altos e baixos, conforme a conjuntura política, e com sinais positivos em 1995 e 1996, aparece como um grande obstáculo à concretização de iniciativas e à realização das tarefas partidárias;

— insuficiência de quadros, e de quadros funcionários, a par de dificuldades no aproveitamento dos militantes do actual núcleo activo. Os progressos na responsabilização de muitos membros do Partido (esforço a prosseguir) não são suficientes para as necessidades orgânicas que existem;

— dificuldades financeiras de muitas organizações regionais e em particular das que têm menor força orgânica e influência eleitoral, onde a obtenção de fundos, sendo uma tarefa política de grande importância, exige um enorme dispêndio de esforços e de tempo;

— debilidades e fragilidades de muitas organizações e organismos de base e, em particular, a insuficiente iniciativa própria e capacidade de concretizar orientações, se ligar às massas e responder aos problemas dos trabalhadores e das populações;

— deficiências no conhecimento do meio em que uma dada organização actua, pouco cuidadoso acompanhamento da organização e falta de ligação aos problemas existentes;

— subestimação do papel determinante da estruturação e do funcionamento orgânico regular num partido comunista e enfraquecimento em algumas organizações e organismos do trabalho colectivo.

A aplicação das orientações decididas pelo XV Congresso visa quebrar esses estrangulamentos e dinamizar o reforço e desenvolvimento da organização partidária, indispensáveis para responder às responsabilidades que incumbem ao PCP.

5. Um Partido Comunista na passagem para o século XXI

Se é verdade que são múltiplas e pesadas as dificuldades que a luta dos comunistas enfrenta, é também verdade que há sintomas de uma crescente revolta e indignação em vários sectores sociais, com a persistência da política de direita e as tentativas de uma redução das escolhas políticas. Há diversificados e crescentes sinais de preocupação com as ameaças aos direitos sociais e culturais e o que a muitos tende a aparecer como uma crise de civilização. Tais sintomas e sinais indiciam a possibilidade de mudanças de campo na luta social e política. Para aproveitar e concretizar tal possibilidade são necessárias a redobrada e renovada afirmação da identidade, projecto e propostas dos comunistas e dinamizar a intervenção política do PCP na sociedade portuguesa

O Partido Comunista Português é um Partido necessário, indispensável e insubstituível para os trabalhadores, para a democracia, para o povo português e para Portugal.

Nenhum outro o pode substituir na defesa coerente, firme e dedicada dos interesses dos trabalhadores, do povo, das liberdades e dos direitos dos cidadãos, da democracia e da independência nacional.

O PCP, como consagram o Programa e os Estatutos, tem como objectivos e características da sua criação e da sua luta a construção em Portugal de uma sociedade liberta da exploração e opressão capitalistas, o aprofundamento da democracia, o socialismo e o comunismo. Sociedade liberta das grandes desigualdades, injustiças sociais e flagelos do sistema capitalista, e com estruturas socioeconómicas e regime político verdadeiramente democráticos, capazes de assegurar ao povo português e a Portugal o desenvolvimento e progresso económicos, sociais e culturais, o progressivo melhoramento das condições de vida material e espiritual. O PCP integra no seu projecto de sociedade socialista os ensinamentos e lições da revolução de Abril e das suas realizações e conquistas, assim como a experiência histórica da Revolução de Outubro, as experiências positivas e negativas, das vitórias e derrotas na construção do socialismo ao longo do século XX.

Constituem também elementos centrais da identidade do PCP, que se confirmam na sua acção concreta, a sua natureza como Partido e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, independente dos interesses, da política e das ideologias das forças do capital; uma estrutura orgânica e funcionamento que assentam em princípios decorrentes do desenvolvimento criador do centralismo democrático (de que são características básicas uma profunda democracia interna, uma única orientação geral e uma única direcção central); uma base teórica e guia para a acção, o marxismo-leninismo (que, sem dogmatização de teorias e conceitos, constantemente se enriquece e se renova); a complementaridade e articulação das tarefas nacionais e dos seus deveres internacionalistas, o que faz do PCP um Partido patriótico e internacionalista.

A estreita ligação à classe operária, aos trabalhadores e às massas populares é um elemento constitutivo da sua identidade, razão da sua força, da sua capacidade de influência e de luta.

A luta actual contra a política de direita, em defesa do regime democrático, por uma nova política, por uma política de esquerda, é o caminho para uma democracia avançada nas suas vertentes inseparáveis (política, económica, social e cultural) e pela soberania e independência nacionais. Caminho de luta que é, por sua vez, parte constitutiva da luta pelo socialismo.

6. Aprofundar uma intervenção coerente com a identidade e o projecto comunistas

O PCP afirma-se como o partido da classe operária e de todos os trabalhadores.

Não basta, porém, ao Partido Comunista, ter uma natureza de classe. É necessário que a vida partidária e a intervenção política e social dos comunistas estejam impregnadas dessa natureza, que decorre da sua identidade, e que se afirma nos objectivos que o PCP avança e nas prioridades que estabelece. Os trabalhadores assalariados constituem a principal, a mais numerosa e decisiva força social de transformação e progresso existente na sociedade portuguesa. A justa solução dos problemas nacionais é inseparável da satisfação dos interesses e aspirações dos trabalhadores. A consciência da sua força e do seu protagonismo decisivos na vida política e social do País, a participação activa dos trabalhadores e das suas organizações representativas, são fundamentais para a construção da autêntica alternativa democrática.

O PCP, pela sua composição, pelas suas teoria e prática políticas, pela sua base social e eleitoral de apoio, tem como eixo central de toda a sua acção a mobilização e organização dos trabalhadores e das massas populares, a luta pela defesa dos seus interesses e direitos.

Na luta por objectivos imediatos ou na acção pelos objectivos de médio e longo prazo, tem importância determinante a organização e a intervenção no seio dos trabalhadores. Isso exige que, na distribuição das forças disponíveis, quadros e fundos, sejam tidas em conta as concentrações regionais e sectoriais da classe operária e dos trabalhadores em geral.

A prioridade ao reforço da organização e intervenção do Partido no seio dos trabalhadores é também o caminho para contrariar concepções reformistas e de direita que tentam moldar e condicionar as atitudes e valores dos trabalhadores no quadro ideológico do capitalismo.

A luta, os objectivos e o projecto comunistas têm uma ideologia e uma base teórica próprias, o marxismo-leninismo, contrariamente aos partidos que se afirmam sem ideologia ou interclassistas, para melhor mascarar a sua natureza de classe e identificação ideológica com o grande capital e o imperialismo. Base teórica não confinada a dogmas ou formulações abstractas, desligada de uma prática política e do movimento e história da luta de classes. Base teórica que exige, partindo das suas teses centrais e essenciais (elas próprias motivo de reflexão), renovação e desenvolvimentos capazes de responder às profundas mutações das sociedades humanas, aos espantosos progressos da ciência e das tecnologias neste findar do século XX, à necessidade de procurar os caminhos e as soluções para a superação do sistema capitalista.

A base teórica e a ideologia assim consideradas são elementos essenciais para o estudo da realidade objectiva e guia para a acção e para afirmar a independência das reflexões políticas e sociais, das análises, das propostas e soluções construídas pelo Partido Comunista face às teorizações e respostas dos partidos e ideólogos da burguesia e da oligarquia financeira.

A natureza de classe deve estar presente nos princípios e critérios da direcção, organização e intervenção política e social do PCP, pela procura de que trabalhadores assumam as mais altas responsabilidades na direcção do Partido e em cargos institucionais.

As células, e outras organizações e organismos de trabalhadores, devem ser destacadas como um instrumento essencial e decisivo, dada a sua ligação directa às massas, para a participação e a organização políticas autónomas dos trabalhadores na sociedade. A que se acrescenta o seu papel para a elevação da consciência social e da solidariedade de classe dos trabalhadores, para integrar as novas camadas e gerações de trabalhadores, para promover a tradução da consciência social numa mais avançada consciência política e no apoio ao PCP.

Na acção política e social, parlamentar e autárquica do PCP deve continuar a estar sempre presente o objectivo de afirmar e defender os direitos e aspirações dos trabalhadores.

A natureza de classe do PCP estabelece uma base sólida para o desenvolvimento de alianças sociais e políticas. O que se contrapõe aos outros partidos, que mascaram efectivas alianças e convergências na defesa dos interesses do capital, debaixo da sua pretensa natureza interclassista e da acentuação de diferenças secundárias e conjunturais.

O PCP empenha-se no alargamento das alianças da classe operária e de todos os trabalhadores em geral com todos os sectores atingidos nos seus interesses pelo grande capital monopolista. O PCP não pretende uma instrumentalização de aliados e sectores próximos, antes assume a defesa dos seus interesses na luta contra um adversário comum: o grande capital. Para tanto, na luta pela defesa e aprofundamento da democracia, o PCP empenha-se na criação de uma vasta frente social, que abrange os operários, os empregados, os intelectuais e quadros técnicos, os pequenos e médios agricultores, os pequenos e médios empresários do comércio, indústria e serviços, bem como as mulheres, os jovens, os reformados e pensionistas, os deficientes, forças sociais que intervêm na vida nacional com aspirações e objectivos específicos.

Igualmente procura que a expressão política do sistema de alianças sociais e da frente social se traduza na convergência e unidade das forças democráticas e patrióticas.

Da concepção da base social de apoio para uma alternativa democrática, o PCP infere o âmbito das alianças políticas, tendo sempre em vista os objectivos da luta a travar. São alianças em que o Partido, tendo em conta as diversas condições concretas históricas e objectivos imediatos, não abdica da individualidade e identidade próprias, nem sacrifica princípios centrais da sua natureza, ou o seu objectivo supremo de luta por uma sociedade socialista. São sempre alianças e convergências que reforçam e respeitam a sua estratégia transformadora da sociedade e o seu projecto revolucionário para Portugal.

É a identidade do PCP que determina e explica a forma específica do exercício democrático do poder pelos comunistas. Apesar da profunda diversidade de situações, decorrente do mesmo ser exercido no Partido, nas organizações sociais ou nas instituições e órgãos de soberania, há traços comuns que lhe dão uma especificidade própria:

a) Um exercício do poder, como serviço aos trabalhadores e às populações, ao povo e ao País, desligado de interesses pessoais, ou de actuações eleitoralistas;

b) uma concepção do poder como resultado e como exigência da organização e funcionamento democráticos das instituições. Em particular, a consideração de uma articulação poder/democracia participativa, em que os «eleitores» representados não se limitam a eleger de tantos em tantos anos esses eleitos, mas em que assumem uma participação e controlo regulares ao longo do mandato nas decisões e nas formas de exercer o poder;

c) uma consideração dos órgãos eleitos como colectivos (naturalmente com a excepção dos unipessoais) que devem funcionar democraticamente, afastando personalismos e presidencialismos desfiguradores dos colectivos, e onde a defesa das orientações do Partido se articula com o respeito pela iniciativa, pelo âmbito e especificidade próprios, pela autonomia e vida democrática das instituições;

d) um comportamento no exercício do poder que respeite o dever de não ser, por esse motivo, nem beneficiado nem prejudicado financeiramente, e de conjugar a responsabilidade assumida perante os eleitores, e a disponibilidade dos seus mandatos e a responsabilidade política perante o Partido.

Os eleitos comunistas não exercem o poder à margem ou acima do carácter de classe e da correspondente batalha ideológica que atravessa todo o movimento social e político.

É nessa base que devem compreender a sua actividade.

No desenvolvimento de uma política de classe coerente com a identidade e o projecto comunistas nas instituições democráticas, o PCP deve:

— Desenvolver e aprofundar programas políticos e uma prática dirigida aos trabalhadores e às massas populares, de defesa dos interesses e aspirações das camadas e sectores sociais compreendidos na política de alianças definida;

— aperfeiçoar e intensificar a ajuda aos membros do Partido para que o exercício do poder seja coerente com a identidade e características do PCP;

— manter e reforçar as orientações que garantam a presença nos órgãos do poder de operários e outros trabalhadores, contrariando assim o afastamento «natural» dessas camadas do seu exercício na actual sociedade portuguesa;

— conceber o exercício do poder na perspectiva do desenvolvimento da democracia participativa e, em consequência, intensificar os esforços para abrir espaço aos movimento sociais, e ao reconhecimento do seu papel na participação e gestão da coisa pública.

Deve procurar-se que o exercício do poder pelos comunistas, em qualquer cargo para que tenham sido eleitos ou nomeados, seja exemplar e sem arrogância, mantendo assim o património de prestígio e seriedade, e contribuindo para a afirmação e o reforço do Partido.

7. Desenvolver a democracia interna

Desenvolver a democracia interna é aprofundar criativamente o centralismo democrático do Partido como grande colectivo de militantes — fundamento da unidade no quadro da direcção e trabalho colectivos — e consideração do valor do militante na contribuição e dinamização da actividade política.

São pilares fundamentais da democracia interna a participação e contributo dos membros do Partido na análise dos problemas e na elaboração da orientação partidária, a prestação de contas da actividade pelos organismos e militantes, a eleição dos organismos dirigentes, a valorização efectiva das organizações e organismos, a coesão do Partido e a rejeição do sectorialismo.

A democracia interna é a base mais sólida para a definição de uma orientação justa pelos órgãos estatutariamente competentes, para uma avaliação regular do trabalho de direcção a todos os níveis e para o empenhamento de todas as organizações e militantes na concretização das orientações e decisões tomadas, designadamente as de âmbito nacional.

Uma das questões fundamentais para elevar a militância e reforçar a democracia é criar condições para uma efectiva participação dos membros do Partido na discussão e elaboração das orientações. Com esse objectivo é necessário: melhorar o conteúdo das reuniões e a sua preparação, assegurando espaço para o debate; respeitar as naturais diferenças de opinião, que são também factor de enriquecimento do Partido; valorizar o militante como elemento essencial na actividade e intervenção partidárias; aperfeiçoar o estilo de trabalho dos quadros que assegure, no âmbito da direcção colectiva, a responsabilidade individual e a mais alargada audição e intervenção dos militantes, assegurar que a eventual diversidade de opiniões seja transmitida aos níveis superiores de apreciação e decisão.

Importante vertente para aprofundamento da democracia interna e elevação da participação dos militantes é a concretização das assembleias das organizações e a eleição dos respectivos organismos dirigentes. O Comité Central decidirá, no quadro das normas estatutárias, sobre as orientações necessárias para a sua mais regular e frequente realização.

Um organismo é um conjunto de militantes que pode e deve, com a sua contribuição individual, enriquecer a análise e propostas do Partido e elaborar as respostas concretas necessárias para a intervenção partidária, inserida no quadro das orientações e decisões mais gerais.

Desenvolver a iniciativa e vida próprias dos organismos e organizações é condição indispensável na ligação do Partido às massas e é contribuir para um maior envolvimento dos militantes e consolidação da estrutura orgânica, factor decisivo para o desenvolvimento da democracia interna e da dinamização e intervenção partidárias.

8. Reforçar a organização partidária

O quadro actual em que se trava a luta política exige um PCP mais forte. Face às profundas mutações nas estruturas económicas e sociais, a uma intervenção qualitativamente nova e poderosa dos órgãos de comunicação social (media), ao desenvolvimento da política espectáculo, à personalização, à intensa batalha ideológica, etc., a organização assume para o PCP um renovado e decisivo papel.

Apesar de dificuldades e obstáculos, objectivos e subjectivos, muitos são os factores que abrem perspectivas para uma abordagem confiante do trabalho de organização. Os dados do Balanço Geral de Organização; o crescimento do número de jovens que procuram o Partido e a JCP; o êxito de muitas iniciativas políticas realizadas nos últimos anos; a aproximação ao Partido de muitos homens e mulheres, incluindo camaradas que há muito se encontravam afastados; o património de prestígio e seriedade que o Partido tem junto dos trabalhadores, dos intelectuais, de muitos e importantes sectores da sociedade portuguesa — são factores que, além de outros, fundamentam a possibilidade de uma melhor organização partidária.

Nesse sentido, a viragem decidida das organizações do Partido para a organização e mobilização dos trabalhadores, das outras camadas antimonopolistas e das populações para a luta continuará a constituir o caminho mais seguro para o reforço e o alargamento orgânicos, sociais, políticos e eleitorais do Partido.

Outra questão central é como organizar e valorizar a intervenção social, cultural, política e partidária do conjunto dos camaradas mais activos — núcleo activo do Partido — ligados às tarefas de organização, eleitos em instituições e activistas das organizações e movimentos de massas.

Às diferenças objectivas das situações em que se actua e à diferença das forças do Partido, quer do ponto de vista regional quer sectorial — número de membros do Partido, influência política e ideológica, composição social da organização, etc. — deve responder-se naturalmente no quadro geral da estrutura orgânica definida estatutariamente e conforme práticas comprovadas pela experiência, com diversidade de soluções orgânicas concretas. Poderá até acrescentar-se que quanto mais adequada for a resposta orgânica à especificidade, características e condições próprias das organizações e dos meios em que actua, quanto melhor reflectir a realidade da comunidade ou local de trabalho onde se inserem as organizações e a diversidade das suas expressões organizadas, mais eficiente será a correspondente intervenção e capacidade de mobilização do Partido.

A estrutura intermédia de direcção, em que se destacam muitas Comissões Concelhias e outros organismos, desempenha um papel muito importante na concretização dessas respostas orgânicas. O seu reforço (em número de organismos, melhor e renovada composição, regularidade de funcionamento, etc.) é uma condição indispensável para melhorar a sua capacidade de direcção, organização e execução, para uma mais eficaz ligação entre os organismos de direcção regional e os organismos e organizações de base, e a grande massa dos membros do Partido.

Atendendo sempre à diversidade das situações concretas na busca das soluções orgânicas mais eficazes para a actividade partidária, impõe-se que se considerem três direcções principais:

— Continuar a renovação e rejuvenescimento das organizações e estruturas partidárias, em que o recrutamento de militantes assume um papel decisivo;

— elevar a militância e valorizar o papel do militante, como fundamento essencial para o reforço orgânico do Partido;

— desenvolver o trabalho de reforço e constituição de organizações de base — as células — e de outras formas de integração orgânica dos membros do Partido.

São necessárias mais adesões ao PCP e a continuação do trabalho de rejuvenescimento e renovação.

Um objectivo central desta direcção de trabalho é o recrutamento de novos membros para o PCP e a JCP. A Campanha Nacional de Adesão ao PCP, o balanço do recrutamento realizado em 1995, o significativo número de jovens que têm aderido à JCP e ao Partido, demonstram as potencialidades existentes.

Há que continuar a agir com confiança, perseverança e organizadamente nesta direcção, ultrapassando posições de passividade, estabelecendo objectivos e planos de trabalho, definindo responsabilidades pelo contacto e diálogo, principalmente com trabalhadores, jovens, mulheres, visando a sua adesão ao Partido.

Uma particular atenção deve ser dada aos que se destacam na luta social e política, aos que militam nas organizações de massas. Esta deve continuar a ser uma tarefa de todo o Partido e, em particular, de cada militante e dos organismos de base.

Rejuvenescer o Partido significa avançar para uma presença mais numerosa, mais responsabilizada e responsável, mais interveniente, de quadros jovens no colectivo partidário a todos os níveis.

Esta é uma questão central para um partido que quer ganhar o presente e garantir o futuro. As potencialidades são evidentes, mas há que ultrapassar os escolhos objectivos e, sobretudo, as hesitações e preconceitos que continuam a tolher membros e organismos do Partido na entrega a quadros jovens de responsabilidades e espaço de participação que necessariamente lhes cabe ter.

Valorizar e reforçar o trabalho da JCP é uma linha prioritária, não é, no entanto, suficiente. Não haverá trabalho adequado e necessário com a juventude e para a juventude, nem se desenvolverá suficientemente o trabalho político do PCP, sem que o conjunto do Partido adquira significativamente uma rejuvenescida massa militante.

Neste sentido, deve destacar-se a necessidade de medidas para, em coordenação com a JCP, e sem a enfraquecer, organizar e responsabilizar com audácia, jovens e, em particular, jovens trabalhadores.

A renovação das estruturas, funcionamento e trabalho partidários passa pelo recrutamento, desenvolvimento da militância e o rejuvenescimento do Partido, mas não se esgota aí. A renovação exige a responsabilização renovada de camaradas, a mudança de tarefas e a alteração de responsabilidades onde se verificam situações de rotina e cansaço, e impõe, ao mesmo tempo, que se não perca a experiência e a militância. A renovação não significa tão-pouco que não continuem assumindo as suas responsabilidades camaradas com muitos anos de Partido e que mostram na sua actividade estar em plenas condições de exercê-las.

Renovar significa criar audaciosamente novas propostas orgânicas, formas e estilos de trabalho da organização partidária e das linhas de abordagem dos problemas, não por qualquer fétiche do que é «novo», mas para corresponder às novas situações e exigências. Uma particular atenção deve ser dada à renovação do conteúdo e formas de organizar as reuniões, tendo sempre presente a sua motivação e utilidade.

Renovar significa combater a rotina e um trabalho predominantemente interno, «rodando» sobre os mesmos membros do Partido, virar as organizações e a intervenção para a vida, para os trabalhadores, para as massas, através de um trabalho vivo, criador, confiante, ao encontro dos seus problemas, interrogações e anseios.

É um dever fundamental dos membros do PCP «a militância numa das suas organizações» (artigo 9º dos Estatutos). O cumprimento deste dever é uma questão decisiva para o reforço da vida democrática e intervenção do Partido. A evolução da situação económica e social, a conjuntura, o resultado das lutas, a credibilidade do projecto e das alternativas, as limitações que hoje a vida (profissional, familiar, etc.) impõem às pessoas, condicionam o activismo político e a militância. A perda de prestígio da actividade política decorrente dos fenómenos conhecidos de corrupção, nepotismo, tráfico de influências, vedetismo, da chamada «classe política» afectou também seriamente a imagem do militante político. Mas a força do ideal e do projecto do PCP, a razão das suas propostas, a seriedade da sua forma de estar e fazer política, constituem poderosos contributos para fazer crescer a militância partidária. As causas por que lutamos, os princípios e os valores que sustentam a actividade do PCP, são factores capazes de revigorar a militância e, em particular, entusiasmar e envolver politicamente muitos milhares de jovens.

Fazer crescer a militância é um objectivo necessário e possível, considerando como militância o activismo político, social, cultural, etc., mais a ligação orgânica regular a uma estrutura do Partido. Na militância, em sentido lato, deve reconhecer-se a gradação de possibilidades e diversidade de situações. Pode ser um activismo reduzido ou esporádico numa campanha eleitoral ou em outras iniciativas, uma presença regular, como dirigente ou não, numa organização social, um trabalho mais regular numa organização partidária, ou uma disponibilidade superior, como a de muitos quadros não funcionários e, em geral, a dos funcionários do Partido e muitos camaradas que exercem funções a tempo inteiro em movimentos de massas e em instituições. Importante é que esse activismo tenha ligação e correspondência com o trabalho da organização do Partido. Os organismos e os quadros do Partido devem procurar estabelecer e definir as tarefas adequadas, em diálogo com os respectivos membros do Partido, e fazer um acompanhamento que ajude a descobrir a motivação política e incentive o desenvolvimento da militância.

É necessário descobrir novas e redescobrir velhas formas de envolvimento e responsabilização dos membros do Partido e reforçar o funcionamento democrático, vivo, virado para os trabalhadores, as populações, os problemas «de todos os dias e de toda a gente», capazes de gerar uma forte motivação e empenhamento políticos.

Uma grande atenção deve ser dada ao acolhimento de novos membros do Partido para que eles se sintam úteis e para que tenha significado a opção política que fizeram. Igualmente deve ser objectivo a recuperação para uma militância regular dos camaradas que, por motivos diversos, dela se afastaram.

O militante é o sujeito essencial da organização do Partido. Sem marginalizar ou pôr em causa a condição de membro do Partido dos que, por razões diversas, não têm, em dado momento, disponibilidade para um maior e mais regular activismo, há que valorizar os que assumem plenamente a sua condição de militantes do Partido. Sem militantes não há Partido Comunista, nem a profunda democracia interna e participativa que inscrevemos nos Estatutos poderá concretizar-se.

O «militante» contribui para fazer a diferença entre o PCP e os outros partidos. O Partido começa, prolonga-se e realiza-se pelo militante, na sua intervenção social e política, institucional e de massas.

O trabalho militante deve ser gratificante, desenvolver a responsabilidade e a iniciativa do membro do Partido e é a ponte estratégica para a ligação do Partido aos trabalhadores e às massas. A política faz-se de relações com as pessoas e entre as pessoas.

Fazer crescer o número de militantes e a sua qualidade (pelo trabalho numa organização e pela ajuda à sua formação política e ideológica), renovar profundamente o núcleo activo do Partido, enriquecendo-o com novos militantes, é o caminho certo e seguro para o desenvolvimento e criação de novos e mais quadros, inclusive funcionários, de que o Partido necessita.

O membro do Partido que reconhece em si «o Partido» através da sua actividade militante adquire a compreensão da responsabilidade e importância da sua opção pessoal. Contraria-se, assim, uma visão abstracta ou distanciada do Partido («o Partido são os outros»), uma identificação do Partido só com a sua direcção, ou a procura de fórmulas milagrosas (outro comportamento dos órgãos de comunicação social, a imagem dos dirigentes, receitas orgânicas) para que o Partido tenha bons resultados eleitorais. Ou ainda a ideia de que o possível sucesso do Partido passa por uma abdicação da sua identidade e formas de estar e fazer política, copiando as dos Partidos da burguesia, e não pelo esforço militante e empenhado dos comunistas, pela necessária acção, esclarecimento e mobilização das massas, no quadro da orientação, tácticas e estratégias definidas pelo Partido.

É necessário desenvolver o trabalho pela valorização das organizações de base.

Como afirmam os Estatutos: «A célula é a organização de base do Partido, é o seu alicerce e o elo fundamental da ligação do Partido com a classe operária, com os trabalhadores, com as massas populares, é o suporte essencial para promover, orientar e desenvolver a luta e acção de massas».

O XV Congresso decide travar a batalha em toda a organização do Partido pela mais plena concretização do disposto neste artigo 47º dos Estatutos. As células, cuja estrutura e funcionamento poderão ter soluções diversas, são essenciais para ligar à actividade do Partido milhares de membros desligados ou com contactos irregulares, para elevar a sua militância e ampliar e intensificar a ligação aos trabalhadores e às massas populares.

Esta direcção de trabalho deve ser articulada com a continuação e desenvolvimento de outras formas de integração orgânica dos membros do Partido, como a utilização de plenários, a convocação regular das assembleias e a realização frequente de iniciativas culturais, de convívio e outras.

Perante uma situação orgânica caracterizada por debilidades das organizações e organismos de base, devemos começar por identificá-las e definir as suas fronteiras com algum rigor.

Célula é toda a organização que enquadra directamente o conjunto dos membros do Partido numa empresa ou grupo de empresas, num local de trabalho, numa escola ou hospital, num sector profissional ou área de actividade, num bairro ou aldeia, numa freguesia ou grupo de freguesias, ou mesmo num concelho.

As organizações de base do Partido, as células, dando vida às atribuições e competências que os Estatutos lhes conferem, devem ser espaços privilegiados de debate, para os membros do Partido que a elas pertencem, sobre todos os problemas políticos, dos locais aos nacionais e internacionais, que os interessem; para tomarem as decisões e as iniciativas que correspondam ao debate realizado e às orientações dos organismos superiores, para darem resposta aos problemas concretos dos trabalhadores e das populações, para contribuírem para a sua organização e luta em defesa dos seus direitos e aspirações.

Há que procurar uma vida da célula mais motivadora, capaz de a fazer funcionar também como espaço pedagógico do trabalho militante, o que exige um funcionamento mais flexível, adequado às condições de trabalho e da vida actual, às preocupações e ideias dos homens e mulheres que a integram. Procurar que a célula possa abranger a diversidade de disponibilidades, de situações e outros interesses dos seus militantes.

Num plano de valorização das organizações/organismos de base, considera-se importante:

— Dinamizar o seu funcionamento democrático e criar uma vida partidária viva e intensa, pela realização regular, que poderá ser anual, da sua Assembleia e eleição do respectivo organismo de direcção e pelo desenvolvimento da iniciativa política;

— que os organismos superiores, dentro dos princípios orgânicos definidos nos artigos 16º, 19º e 25º dos Estatutos, devem envidar todos os esforços para desenvolver e incentivar a iniciativa e o funcionamento próprios das organizações e organismos de base, promovendo para isso toda a ajuda política, ideológica e de meios necessários, compatível com as possibilidades do Partido.

O Comité Central considerará, no quadro desta direcção de reforço orgânico, o envolvimento de quadros do Partido que por razões do trabalho partidário não militem regularmente numa organização de base e o papel do responsável ou coordenador do organismo.

9. Por uma mais eficaz comunicação do Partido com a sociedade

Os comunistas desenvolvem o trabalho de informação, propaganda e esclarecimento das suas ideias, projectos e propostas para Portugal num quadro de profunda desproporção de recursos e meios comparativamente com outras forças políticas beneficiárias do apoio do grande capital; de concentração e controlo dos media e das novas tecnologias da informação por poderosos grupos económicos, reduzindo a comunicação a mercadoria e os cidadãos a consumidores; de predomínio mediático da política espectáculo, empobrecedora da democracia e secundarizadora do debate de ideias; de falsa e artificial bipolarização política; de manipulação e abuso das sondagens, usadas como instrumentos condicionadores da opinião dos cidadãos; de esforço de hegemonização ideológica da sociedade portuguesa pelos valores do chamado «pensamento único», celebrando o capitalismo como presente e futuro da Humanidade.

Ante a desigualdade de meios e o quase silenciamento ou deturpação das posições e actividade do Partido pelos media, o PCP não tem justamente baixado os braços. No balanço do trabalho realizado no domínio da comunicação desde o XIV Congresso, importa assinalar, como elementos relevantes:

a) Uma intensa e contínua actividade de informação e propaganda, apoiada no trabalho do Departamento de Propaganda (DEP), do Gabinete de Imprensa central e das organizações regionais, com um trabalho organizado e persistente junto da comunicação social de veiculação das posições e iniciativas do Partido, com a produção de numerosos materiais dirigidos, temáticos ou generalistas, a realização de várias Jornadas Nacionais de Propaganda e campanhas temáticas (como a campanha contra a flexibilidade e a polivalência), a circulação nacional de exposições, a produção de tempos de antena na rádio e televisão, a permanente e mais cuidada gestão de imagem nas iniciativas e intervenções públicas do Partido, acompanhada do reforço em meios técnicos de apoio, a utilização de grandes painéis de propaganda visual, o início (na celebração do 75º Aniversário do PCP) da presença permanente do PCP e das suas publicações centrais na Internet, uma significativa produção descentralizada de materiais de informação e propaganda, com destaque para o aumento expressivo de boletins, comunicados e outras publicações;

b) a publicação regular e os esforços significativos realizados para diversificar e melhorar o conteúdo e apresentação gráfica da imprensa partidária — o «Avante!» e «O Militante» — bem como as medidas tomadas no plano central para o acompanhamento e dinamização da sua difusão, embora ainda sem correspondência significativa nos resultados;

c) as campanhas eleitorais realizadas, que constituíram instrumentos essenciais de comunicação das nossas ideias, a Festa do «Avante!», as numerosas iniciativas políticas de esclarecimento e debate, os comícios, sessões e outras iniciativas, as celebrações do 75º Aniversário do PCP e do 20º Aniversário da Revolução de Abril, etc..

A experiência colhida da complexa e diversificada actividade de comunicação, esclarecimento e diálogo com a sociedade que o Partido realiza, no contexto de uma aguda luta ideológica, justifica uma particular atenção às seguintes questões e problemas:

a) Os modos e meios de combater a visão redutora e/ou deformada do que é, do que faz e do que pensa o PCP, veiculada pela generalidade dos media para os membros e apoiantes do PCP e para os cidadãos, seja promovendo uma atitude mais crítica e atenta (não uma atitude rejeicionista ou isolacionista) quanto à leitura da realidade pelos media, seja por uma mais eficaz, atempada e ampla informação interna, seja agindo no plano do relacionamento com os media e do combate pela sua isenção e pluralismo, seja fortalecendo o diálogo directo com os cidadãos;

b) uma imaginosa e profunda acção do Partido para vencer os bloqueamentos à compreensão da nossa mensagem, pela sedimentação, nas consciências e nos comportamentos sociais, de valores e representações da realidade que exprimem o chamado «pensamento único» ao serviço do capitalismo, e que promovem uma visão defeituosa das realidades, o individualismo, o egoísmo, a superficialidade, a perda de memória, o culto do efémero, o conformismo e a passividade perante as políticas de direita e os mecanismos de exploração e dominação;

c) a contradição entre a realidade do País, as aspirações e os problemas dos trabalhadores, da juventude, das populações, e o modo como essa realidade é representada, seleccionada e fragmentada nos media, exigem do Partido e dos comunistas uma firme e coerente atitude para garantir a autonomia da sua acção política e, ao mesmo tempo, contrariar o comando pela agenda dos media da vida política; por outro lado, exigem a capacidade para comunicar num quadro mais exigente em que as novas tecnologias de informação alteram profundamente os conceitos de tempo e de espaço na informação e na percepção dos acontecimentos.

Os comunistas, sem ignorar dificuldades, devem assumir uma mais ampla consciência de que o próprio Partido constitui uma grande e ímpar rede de comunicação militante, uma enorme corrente de convicções e de vontades que, organizada e em movimento, é capaz de enfrentar a desigualdade de meios, e partir decididamente à conquista da inteligência e da sensibilidade de mais trabalhadores, mais jovens, mais cidadãos, para apoiarem as nossas propostas políticas e o nosso projecto. Valorizando os meios próprios de comunicação e de informação.

Aproveitando melhor a imprensa, as edições, os materiais e os meios de informação e propaganda do Partido e fazendo-os chegar aos seus destinatários. Afirmando sempre a diferença entre a concepção que defendemos da informação e da propaganda políticas, caracterizada pela coerência entre imagem e conteúdo, e pelo apelo à inteligência na comunicação de ideias e propostas, e a concepção praticada por outras forças políticas, cada vez menos distinta da publicidade e do marketing, tratando os cidadãos como meros consumidores passivos e as ideias como mercadorias em que sobretudo conta a embalagem.

Constituem ainda orientações e direcções na actividade de comunicação:

a) Trabalhar para o fortalecimento das estruturas de informação e propaganda centrais, no plano dos meios, dos quadros, da sua formação e da sua capacidade de apoio ao conjunto do Partido nesta área; procurar também constituir ou reforçar estas estruturas nas principais organizações regionais; progredir no uso de linguagens e códigos de comunicação que contribuam para maior clareza e eficácia nas mensagens;

b) valorizar a actividade de informação e propaganda, promovendo a descentralização e a iniciativa próprias de todas as organizações, essenciais para uma mais eficaz e oportuna comunicação e relacionamento do Partido com os trabalhadores e as populações;

c) reforçar e ampliar o relacionamento activo e disponível das organizações do Partido com os meios de comunicação social, com vista a assegurar uma maior divulgação das posições, iniciativas e propostas do Partido, e uma maior presença dos comunistas no debate política através dos media;

d) dinamizar campanhas de informação, mobilização e esclarecimento, em torno de causas e temas sociais e políticos considerados particularmente relevantes, prosseguindo também as positivas experiências de jornadas nacionais (e também sectoriais ou regionais) de propaganda, de edição e distribuição de materiais de informação e publicações de conteúdo temático, generalista ou dirigido;

e) promover uma mais desenvolvida e qualificada utilização das modernas tecnologias de informação na actividade de comunicação do Partido, sem menosprezar processos e soluções técnicas financeiramente menos exigentes;

f) cuidar da preparação e da imagem das iniciativas do Partido, assumindo a complementaridade da comunicação com os seus participantes e destinatários locais, e da sua projecção mediática e expressão nacional;

g) desenvolver, em articulação com as medidas de reforço orgânico, uma mais pronta e efectiva informação dos quadros e militantes que os capacite e responsabilize como agentes activos no seu círculo de vida e trabalho para a difusão das posições do Partido; dinamizar uma mais ampla intervenção e iniciativa dos quadros comunistas, designadamente dos intelectuais, no movimento e debate de ideias;

h) prosseguir os esforços para tornar mais atraente o conteúdo e a apresentação gráfica da imprensa partidária — «Avante!» e «O Militante» — e fortalecer a sua ligação com as diversas organizações do Partido. É indispensável desenvolver e apoiar a sua mais ampla difusão — com particular atenção ao «Avante!» — como tarefa e responsabilidade de todo o Partido: elevando a compreensão do seu papel como precioso instrumento de formação e informação na luta das ideias, e fomentando a sua leitura; tomando medidas de responsabilização de camaradas pela sua propaganda e divulgação nas organizações regionais, outras estruturas intermédias e organismos de base; criando comissões que apoiem esse trabalho, acompanhem o aparelho de distribuição e dinamizem a organização de correspondentes e difusores, e a rede de assinantes; animando a constituição de bancas e uma activa e organizada presença da nossa imprensa nas iniciativas do Partido;

i) dinamizar a actividade editorial do Partido prestando, designadamente, particular atenção à criação de condições para a elaboração e publicação regulares de materiais, que respondam a questões centrais da luta ideológica e política, que contribuam para a formação de quadros e militantes, e que intervenham eficazmente na ligação do Partido com a sociedade.

10. Fortalecer a capacidade financeira do Partido

A experiência quotidiana de todos os membros do Partido e das respectivas organizações e organismos é que os recursos do Partido são reconhecidamente insuficientes para o seu desenvolvimento e para a sua actividade. Na Conta de Gestão a apresentar ao XV Congresso far-se-á a apreciação dos resultados globais e a análise, rubrica a rubrica, das receitas e despesas, no período decorrido desde o XIV Congresso, na base das contas anualmente apresentadas ao Tribunal Constitucional e publicadas no «Avante!», as quais comprovam a situação de equilíbrio verificada.

Mas se houve globalmente uma evolução positiva no equilíbrio das contas, tal facto deve-se, fundamentalmente, a critérios e medidas de gestão restritivos e de contenção.

Os saldos apresentados nas contas anuais impressionam, em geral, de modo positivo mas, na realidade económica e financeira da Partido, tais saldos não alteram efectivas dificuldades, em consequência de limitações financeiras. Exemplos evidentes são os gastos baixos em informação e propaganda, sobretudo se tivermos em conta a atitude política de premeditado silenciamento por parte da comunicação social da luta dos trabalhadores e do PCP. Mesmo os gastos com pessoal, os mais significativos no plano das despesas, são apesar disso manifestamente insuficientes face às necessidades e características do Partido.

A análise aprofundada das contas evidencia que estamos muito próximo dos limites da capacidade de contenção e restrição de gastos, pelo que o crescimento das receitas se tornou um objectivo central de todo o Partido. Um tal objectivo deverá assentar sobretudo no financiamento próprio do Partido, tal como tem sucedido.

Deve ser mantida a posição do Partido de que «é inaceitável e deve ser proibido» o financiamento da vida política por empresas, e deve continuar a reclamar-se a adopção de medidas tendentes a limitar o poder dos meios financeiros (em grande parte por via dos donativos de pessoas colectivas) na vida política, designadamente através da limitação dos custos das campanhas eleitorais.

Neste quadro de princípio, torna-se indispensável o estabelecimento de metas quantificadas no tempo, tendo em vista o aumento global do financiamento próprio.

Assim, constituem objectivos e direcções de trabalho quanto à elevação das receitas:

a) No plano da quotização, fazer progredir a tendência verificada entre o XIV e o XV Congressos quanto à elevação do montante recolhido, e trabalhar para o aumento simultâneo do número de membros do Partido a pagar quota e do respectivo valor médio, e a fixação de uma meta de crescimento, tendo em vista o aumento das receitas ordinárias e o reforço da militância e da ligação dos membros do Partido;

b) constituindo uma receita extraordinária, as contribuições dos membros, amigos e simpatizantes do Partido representam, para a generalidade das organizações do Partido, a única forma de diminuir ou equilibrar o tradicional défice. Considera-se, contudo, ser de assegurar em muitas organizações uma outra atitude quanto às abordagens, encarando-as não como forma de superar a pressão de tesouraria e dificuldades de um dado momento, mas como uma actividade regular, orientada e planificada. A fixação e concretização de objectivos anuais de crescimento constituirá uma importante ajuda na evolução geral das receitas;

c) é justo salientar a grande capacidade de iniciativa das organizações do Partido, traduzida na concretização de inúmeras, diferenciadas e criativas formas de angariação de fundos. A troca periódica de experiências entre organizações poderia potenciar, com adaptações adequadas às respectivas regiões, a captação de receitas, e o seu crescimento programado;

d) as contribuições de representantes e eleitos do PCP constituem a segunda verba mais importante da estrutura das receitas. Decorrendo da influência institucional do Partido, elas dependem, sobretudo, do grau de cumprimento do princípio de que os membros do PCP, eleitos ou nomeados, não devem ser beneficiados nem prejudicados financeiramente. Sendo certo que um grande número dos nossos eleitos cumpre o princípio estabelecido, considera-se que a questão da contribuição dos eleitos comporta vários aspectos que exigem um permanente acompanhamento político, e sobretudo um melhor enquadramento, no âmbito das tarefas que realizam e das responsabilidades que têm.

A concretização dos objectivos propostos quanto ao aumento das receitas, associada a medidas de ajustamento na sustentação financeira da estrutura orgânica, permitiria abrir objectivos de desenvolvimento e de investimento, de acordo com um plano definido de prioridades, mesmo tendo em consideração o acréscimo de despesas resultante do calendário político previsível, nomeadamente as campanhas eleitorais.

As medidas de ajustamento implicam: a actualização do esquema de ajuda às organizações que ainda não garantem o seu autofinanciamento, de acordo com indicadores, prioridades e critérios de importância política a considerar; a avaliação das medidas futuras de apoio central a novas funcionalizações; o estabelecimento, pelas organizações com mais dificuldades, de objectivos de elevação da taxa de cobertura das despesas pelas receitas; no caso das organizações com maior força orgânica que ainda sejam deficitárias, definição de objectivos e prazos para o seu autofinanciamento; dinamização da entrega de contribuições à Caixa Central por parte das organizações com saldos positivos nas suas contas, de modo a apoiar a actividade global do Partido.

No programa de investimentos, importa ter em conta nomeadamente as seguintes necessidades: o restauro do património degradado; a construção de infraestruturas indispensáveis; a renovação criteriosa do parque automóvel; o desenvolvimento do processo já iniciado, no plano dos equipamentos e do recurso às novas tecnologias, para a normalização e racionalização dos procedimentos de apoio técnico e administrativo.

É necessário desenvolver o controlo financeiro, com o objectivo de acompanhar a evolução dos fundos do Partido e a sua gestão, na perspectiva da ajuda e da procura, juntamente com os organismos dirigentes das regiões, das soluções mais adequadas para os problemas. É importante mobilizar mais esforços e camaradas para as diferentes tarefas de fundos, para o recebimento das quotas, para a difusão da imprensa do Partido, para comissões de fundos e de iniciativas, que assegurem uma criteriosa prestação de contas e um controlo eficaz dos fundos e dos bens do Partido.

A dimensão e o valor do património do Partido, nomeadamente o conjunto de Centros de Trabalho, adquiridos ou construídos com o contributo de milhares de comunistas e amigos do Partido, exigem medidas de acompanhamento, defesa e manutenção.

Uma correcta gestão do património implica, como é natural, o constante questionar da sua rentabilidade e justificação ou, pelo contrário, da eventual necessidade da sua ampliação e melhoramento.

No período entre Congressos estabeleceu-se um novo quadro legal relativo ao financiamento dos partidos. O PCP, que desde sempre esteve em condições de mostrar as suas contas, adequou com naturalidade os processos contabilísticos do Partido a esse novo quadro legal.

As contas apresentadas ao Tribunal Constitucional respeitaram o Plano Oficial de Contas e as novas exigências legais, tendo o PCP sido o único dos grandes partidos que cumpriu a obrigatoriedade de o balanço ser representativo de toda a organização partidária e não apenas das contas centrais.

Esta exigência coloca, contudo, dificuldades, uma vez que tais contas são influenciadas em numerosos aspectos pela intervenção de muitos milhares de membros do Partido e de muitas centenas de organizações, na sua maioria sem qualquer estrutura profissionalizada, tanto mais que a actividade e as características do PCP em particular colocam problemas específicos.

Torna-se portanto indispensável assegurar medidas tendentes à ultrapassagem de deficiências e dificuldades, como a correcta e pontual elaboração das contas, e o assegurar em cada transacção os documentos justificativos com validade legal e fiscal.

11. Assegurar e desenvolver a dimensão nacional do projecto e do Partido

No quadro das prioridades e direcções traçadas em matéria da organização, distribuição de recursos e concentração de atenções decorrentes da identidade, natureza de classe e dos meios existentes (sempre limitados), o PCP necessita de assegurar e desenvolver a dimensão nacional do projecto e da organização partidários. Dimensão que continua a exigir a manutenção e ampliação da influência e da organização do Partido nas zonas já hoje de maior força orgânica e política.

As desigualdades existentes de influência e trabalho do Partido não devem, contudo, levar a uma visão redutora e negativa sobre a presença do Partido em regiões e sectores onde a influência global do Partido e o papel social e político dos comunistas ultrapassa em muito as insuficiências dos resultados eleitorais.

O PCP não pode deixar que tendências de redução da sua presença territorial ou sectorial se expandam, ou que se ultrapassem limiares críticos e estabeleçam círculos viciosos (não elegemos porque temos poucas forças e temos poucas forças porque não elegemos), que tornem difícil a recuperação de níveis satisfatórios de influência política, social e eleitoral.

Para ultrapassar tais situações, a primeira condição é a consciência de que o problema existe, e de que, a não serem tomadas medidas suficientes, a situação pode agravar-se. Depois são potencialidades: a força nacional do próprio Partido e a sua capacidade para dirigir e orientar esforços orgânicos e políticos para onde eles se justifiquem; a existência, nas regiões e sectores, de uma base orgânica significativa, dispondo de quadros experientes e conhecedores, em muitos casos profundamente ligados às massas; a força de muitas organizações sociais; uma maior presença relativa de jovens nos efectivos do Partido e a gravidade dos problemas económicos e sociais existentes nas regiões e sectores facilitando e estimulando a presença do Partido.

Também o património de prestígio já referido, de dimensão bem superior ao número de votos alcançados, é um importante ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho, visando superar as desigualdades e problemas existentes.

Três pontos de partida: começarmos pelo que temos e procurarmos definir uma estratégia que conte com as próprias forças; utilizar os pontos fortes, que é necessário não só consolidar mas reforçar, para apoiar os pontos fracos, num quadro de ajuda mútua entre organizações e de solidariedade nacional do Partido; privilegiar, ao nível de cada região ou sector, as áreas, locais ou subsectores onde previsivelmente há mais possibilidades de desenvolvimento.

Um conjunto de políticas e orientações para assegurar e desenvolver a dimensão nacional do projecto partidário:

a) A intervenção nacional do Partido deve assumir com força a diversidade regional e sectorial da sociedade portuguesa, o que simultaneamente deve ser articulado com projectos e programas políticos regionais e sectoriais, dotados de autonomia e lógicas próprias, integrados na orientação nacional do Partido;

b) o trabalho de direcção e as políticas de quadros e financeira devem responder ao objectivo colocado:

— No plano da direcção, a concretização de estruturas regionais capazes de conservar e reforçar a importante participação de muitos quadros não funcionários e a especificidade da sua intervenção política, e, simultaneamente, conseguir que os organismos da direcção regional constituam colectivos capazes para o desenvolvimento dos quadros que a integram, para a necessária intervenção partidária e política;

— na política de quadros, inclusive funcionários, insistindo na responsabilização de militantes da região (ou do sector), criando ou mantendo linhas de ajuda económica e de formação específica, será para muitos destacados quadros do Partido uma experiência enriquecedora, uma envolvente política diversa daquela em que nasceram e se desenvolveram como quadros do Partido. O regresso às suas terras de origem de quadros do Partido, sindicais ou reformados, com experiência de luta, por motivo de mutações no aparelho produtivo e na sociedade portuguesa, deve ser considerado como dando novos elementos ao desenvolvimento do trabalho local;

— na política financeira, manter e aperfeiçoar critérios de distribuição de apoios que traduzam o objectivo da dimensão nacional do Partido;

c) em matéria de organização, cabe aos organismos dirigentes das respectivas regiões e sectores, em articulação com a direcção do Partido, e conforme os Estatutos, estabelecer as formas orgânicas e as direcções de organização e intervenção principais adequadas;

d) na organização e intervenção das frentes de trabalho, procurando que tenham uma efectiva dimensão nacional, deve adequar-se o seu funcionamento à fragilidade orgânica e de quadros de muitas organizações regionais, e incentivar-se o esforço destas para corresponderem, dado o importante papel supletivo que o trabalho da frente pode ter como complemento do trabalho regional. As frentes de trabalho e a coordenação nacional de sectores e empresas favorecem a participação de militantes e quadros que, na sua ausência, podem ficar desaproveitados;

e) reflectir sobre a realização de iniciativas de âmbito nacional e, em particular, sobre a sua multiplicação e frequência;

f) planificar melhor, em estreita articulação com todas as organizações regionais, a intervenção nacional dos quadros da direcção do Partido, por forma a obter uma cobertura geral do País;

g) melhorar a articulação dos grupos parlamentares da Assembleia da República e do Parlamento Europeu com as regiões que em geral não elegem ou os sectores cujos problemas podem ter menor visibilidade política. Continuar a estabelecer na organização do trabalho parlamentar uma distribuição dos deputados por regiões/distritos e sectores;

h) desenvolver criadoramente as experiências feitas e as potencialidades abertas pela Festa do «Avante!» para grupos de visitantes e participação política e cultural dessas regiões onde a nossa influência continua a ser reduzida. Dar a conhecer o Partido, numa das suas iniciativas de maior força e impacto, é abrir janelas para o seu reforço a nível nacional.

12. Reforço da cooperação e da solidariedade internacionalistas

A luta dos trabalhadores e do povo português está objectivamente inserida no processo mundial de libertação dos trabalhadores e dos povos. Defendendo firmemente a independência e soberania nacional, considerando que a sua primeira e principal responsabilidade é perante os portugueses e a sua luta, o PCP é activamente solidário com a luta dos outros povos e considera que a solidariedade dos comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos é de capital importância para o avanço da luta libertadora à escala dos diferentes países e no plano mundial. Para o PCP patriotismo e internacionalismo são inseparáveis.

Nos últimos quatro anos, o PCP desenvolveu uma larga e diversificada actividade internacional. Considerando como necessária à sua própria reflexão as informações, experiências e opiniões de outros partidos, o PCP orientou a sua actividade internacional para as batalhas do presente, para a acção comum ou convergente dos partidos comunistas e outras forças de esquerda contra a ofensiva global do grande capital e do imperialismo, para a recuperação da influência e dos ideais libertadores dos comunistas. Foi linha de direcção fundamental intervir com as suas posições próprias na aguda batalha política e ideológica que tem percorrido o campo das forças progressistas, em particular quanto à necessidade dos partidos comunistas e da sua cooperação internacionalista com firme combate a tendências derrotistas e liquidacionistas, mostrando que os comunistas não só são necessários aos trabalhadores e à sua luta, como a sua cooperação é indispensável para a mais ampla e eficaz cooperação de todas as forças de esquerda, democráticas e progressistas.

Dando grande atenção ao desenvolvimento das relações num plano bilateral, o PCP recebeu em Portugal a visita de numerosos partidos, nomeadamente por ocasião da Festa do «Avante!» (entre 30 e 40 delegações em cada edição) e enviou ao estrangeiro um grande número de delegações em visitas oficiais ou de trabalho, tendo participado em numerosos Congressos, Festas de órgãos centrais, aniversários, conferências e outras iniciativas.

São de destacar, pela sua importância, as visitas efectuadas pelo Secretário-geral do Partido, a convite dos respectivos partidos comunistas, a Espanha, França, Grécia e Itália (Outubro-Novembro, 1994), à China, Vietname e RPD Coreia (Janeiro-Fevereiro, 1996) e a Cuba (Julho, 1996), assim como as visitas do presidente do Conselho Nacional a Cuba (Outubro, 1993), a Itália (Dezembro, 1992) e ao Brasil (Abril, 1995).

No plano da cooperação multilateral de partidos comunistas e outras forças de esquerda, o PCP deu particular atenção à Europa. Empenhou-se profundamente na formação e actividade do Grupo de Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu. Promoveu e participou em encontros em torno da problemática da União Europeia envolvendo o PDS (Alemanha), o PCE, o PCF, o PCG e o PRC (Itália). Deu uma activa contribuição para o êxito do Comício de 11 de Maio de 1996, em Paris. Participou ainda em várias outras conferências e colóquios de partidos comunistas e outras forças de esquerda e progressistas. Fora da Europa, de sublinhar a participação nos Encontros do Fórum de S. Paulo, no Seminário de Calcutá promovido pelo PC da Índia (M), na Conferência de Solidariedade com o Povo da África do Sul e outras conferências e encontros de carácter internacional.

O PCP manteve e reforçou as suas relações tradicionais, restabeleceu-as com partidos com quem haviam sido interrompidas em consequência dos acontecimentos na Europa de Leste, e ampliou-as a novas forças políticas. O PCP prosseguirá uma linha de alargamento das suas relações, não só com os partidos comunistas mas com outras forças de esquerda e progressistas.

São orientações para o desenvolvimento da actividade internacional do Partido:

a) Acompanhar e aprofundar o estudo das grandes questões da vida internacional;

b) reforçar as relações com outros partidos comunistas e intervir para o fortalecimento e afirmação do movimento comunista e revolucionário;

c) estabelecer e/ou desenvolver as relações com outros partidos progressistas de esquerda e nacional-libertadores;

d) desenvolver as relações com partidos no poder que, nos respectivos países, definem como objectivo a construção de uma sociedade socialista, bem como com partidos que nos países da ex-URSS e do Leste da Europa procuram caminhos para retomar o rumo ao socialismo;

e) sem prejuízo das suas relações com outros continentes, dar particular atenção às relações com os partidos comunistas e outras forças de esquerda na Europa, ao reforço da sua solidariedade e cooperação multilateral, ao desenvolvimento da acção comum ou convergente, em particular no que respeita à luta contra o Tratado de Maastricht e por uma outra Europa, de paz, progresso e cooperação;

f) contribuir para o reforço das estruturas e o relançamento da iniciativa de massas do movimento português de luta pela paz e solidariedade internacional;

g) articular melhor e potenciar a actividade internacional dos comunistas, nomeadamente no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, assim como da JCP, no respeito pela sua dinâmica própria;

h) melhorar a divulgação internacional da actividade e das orientações do Partido;

i) desenvolver a acção pronta de informação, solidariedade e/ou protesto do Partido junto dos trabalhadores e das populações em relação aos acontecimentos mais marcantes da vida internacional.

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