A criação das Regiões Administrativas está inscrita na Constituição desde 1976. Apesar disso a sua instituição em concreto tem sido sucessivamente adiada pela acção dos Governos de maioria PSD ou PS.
Entretanto, vinte anos após a sua consagração na Constituição da República, seis anos após a aprovação por unanimidade na Assembleia da República de uma Lei Quadro que, embora insuficiente, permitia avançar, a criação das Regiões Administrativas está ainda, não só por concretizar, como está hoje perante novos obstáculos erguidos em resultado das cedências que o PS concedeu à direita, designadamente ao PSD e CDS/PP, em sede de revisão constitucional.
Regionalização que foi e é ainda objecto da mais insidiosa e sistemática campanha pelos anti-regionalistas de sempre.
Descentrando e inquinando a natureza do debate, escamoteando os fundamentos, poderes e limites das futuras Regiões Administrativas, propositadamente confundindo Regiões Administrativas com Regiões Autónomas, o País foi bombardeado durante dias consecutivos com os principais órgãos de comunicação ao serviço de tal campanha. Não houve fantasma que não fosse perigosamente agitado. Custos falsificados, poderes propositadamente confundidos, falsas divisões do País, novos caciquismos, conflitos religiosos e étnicos, perda da independência nacional, novas burocracias e até, pasme-se, o iminente perigo de voltarmos à época dos Filipes através da nossa perda de identidade e independência em benefício da Espanha. A falta de rigor, a mentira organizada mil vezes repetida, a mais profunda, perversa e hipócrita demagogia ao serviço dos poderes instalados.
Para trás ficava, no esquecimento da memória de gente responsável, a aprovação por unanimidade da Lei Quadro, as sucessivas promessas sobre as virtudes das Regiões Administrativas, a realidade histórica do País a demonstrar que desde a revolução liberal o País sempre teve um poder intermédio entre o municipal e o central, processo só interrompido pela ditadura fascista durante a qual como se sabe, para evitar equívocos, era tudo nomeado por cima numa escolha criteriosa, não fosse o diabo tecê-las.
Sem relevo ficava a realidade do País, com as assimetrias regionais a avolumarem-se, extensas faixas do interior a desertificarem-se no plano económico e humano, situação criada não só pelas sucessivas políticas de direita implantadas no País, mas também fruto de Planos de Desenvolvimento Regional elaborados pelos diversos poderes periféricos da Administração Central com particular significado para a acção das poderosas CCR’s, Planos impostos, sem consulta nem correspondência com as necessidades de cada região.
Porque a questão é simples. Independentemente da configuração final que as futuras Regiões Administrativas venham a ter, num processo que tem como base a consulta às Assembleias Municipais de cada área de partida, o objectivo central a atingir é substituir um poder instalado nas regiões a mando do Poder Central, por outro poder eleito directamente pelas populações respectivas e a estas prestando regularmente contas.
Passadas que foram as eleições e no início da nova legislatura, o PCP na Assembleia da República, honrando como sempre os seus compromissos, apresentou uma série de projectos de lei, acompanhada de uma proposta de calendário que permitiria, se tivesse sido aprovado, a realização em simultâneo das eleições autárquicas do próximo ano com as eleições para as Regiões Administrativas.
A realidade foi entretanto outra. A nova liderança do PSD descobre no referendo um mecanismo para resolver não só divisões internas como um instrumento para retardar e em última instância anular a execução desta reforma. Chantageia o PS, que de cambalhota em cambalhota, foi contra, depois foi assim-assim, para finalmente, em sede de revisão constitucional, ceder a tudo que a direita pretendia. Consagrou o referendo nacional sobre esta matéria, aceitou que a validade do referendo estivesse dependente de nele votarem mais de 50% dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais, o que, em consequência do facto de todos sabermos que por desactualização dos mesmos existirem hoje mais de meio milhão de eleitores fantasmas, obriga a que o mesmo tenha, para ser válido, uma percentagem altíssima de votação. Significa que os abstencionistas, independentemente da opinião que tenham em relação ao processo, a sua posição contará objectivamente como oposição à regionalização. Significa que em regiões como a do Algarve, mesmo que a votação seja das mais expressivas em apoio à criação das Regiões Administrativas, tal vontade fica dependente dos resultados do País. Significa que na embrulhada em que o Governo se meteu, o compromisso que assumiu, de realizar eleições para os órgãos regionais em simultâneo com as eleições autárquicas em 1997, não se vai cumprir. Significa que os prazos anunciados agora por algumas estruturas do PS a Norte do País são, para além de contradições internas que revelam, objectivamente mais um disfarce para cobrir a falta de palavra e empenhamento do Governo PS em relação a esta importante reforma.
É este o PS que temos. Não o merecem os muitos socialistas, como não o merecem muitos homens e mulheres de esquerda para quem, iludidos, a ascensão do PS ao Poder representou incumpridas esperanças de uma nova política. A esquerda, de facto, não está neste Governo, nem nesta Direcção do PS.
Continuaremos sem desfalecimento o nosso combate pela implementação das Regiões Administrativas visando com a sua criação a instalação de um poder intermédio eleito directamente pelas populações, complementando e apoiando o poder autárquico existente, favorecendo a democracia participativa, ao serviço de melhores soluções para o desenvolvimento regional, desburocratizando e aumentando a eficácia da administração pública.
A mais recente consulta que sobre a regionalização está a ser feita às Assembleias Municipais, prazo cujo termo se aproxima, volta a dar um expressivo e largo apoio à sua instituição, num claro sinal que há forças, empenho, para travarmos vitoriosamente esta batalha.