Entrevista a Thuan Huu, da direcção editorial do «Nhan Dan», órgão central do Partido Comunista do Vietname
Avante Edição N.º 1713, 28-09-2006
No ano em que comemora 30 anos de reunificação, o Vietname assume como principal objectivo para a próxima década e meia vencer o subdesenvolvimento. Thuan Huu, da direcção editorial do «Nhan Dan», órgão central do PC do Vietname, reforçou essa ideia em conversa com o Avante!.
Na entrevista, Thuan destacou ainda as medidas que consideram necessárias para fazer do país uma nação industrializada, e lançou pistas para análise da actual conjuntura económica e social.
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A!: No Vietname produziram-se recentemente um conjunto de mudanças na presidência do país, na chefia do governo, na condução da assembleia nacional popular e, anteriormente, na direcção do partido. Quais são os objectivos de fundo de tais alterações?
Thuan Huu: O último congresso do Partido Comunista do Vietname e o plenário dos deputados eleitos na assembleia nacional popular definiram, julgamos que com sucesso, um conjunto de mudanças, a começar pela substituição de alguns dos camaradas que integravam a direcção do partido, nomeadamente ao nível do seu comité central, e pela eleição de um novo presidente da república, um novo primeiro-ministro e um novo presidente da assembleia.
Na nossa análise procurámos identificar em profundidade as fraquezas, as forças e os desvios do processo iniciado há cerca de 20 anos. O objectivo de fundo passa por aproximar o Vietname dos países mais desenvolvidos, isto porque consideramos que é possível que o nosso país seja, no ano de 2020, uma nação industrializada. È nesse sentido que queremos prosseguir.
Ao fim destas duas décadas, qualquer pessoa pode comprovar que o Vietname conseguiu alcançar um nível de desenvolvimento razoável, com uma taxa de crescimento médio a rondar os 7,5 por cento ao ano, razão pela qual acreditamos que o tal objectivo central de que te falava - o de nos tornarmos uma nação industrializada incorporando tecnologia de ponta - não se encontra muito longínquo.
O nosso interesse é elevar as condições de vida do povo e, simultaneamente, levar os vietnamitas a participarem mais activamente nas resoluções, aprofundando os mecanismos de deliberação democrática. São essas as nossas ambições.
É nesse sentido que o PC do Vietname decidiu, entre outras medidas, aproximar os quadros dirigentes dos militantes e levar as organizações de base a um contacto mais frequente com as grandes linhas de orientação do país?
No nosso entender essa é a linha justa. Queremos fazer notar muito claramente que cada membro do partido deve ser um exemplo, um veículo da conduta, das ideias, dos objectivos que defendemos e procuramos implementar e, nesse contexto, todos, sem excepção, devem ser chamados a tomar parte, a assumirem na prática a concretização das linhas fundamentais traçadas.
É Outra das decisões que se destacam foi a divisão do Vietname em 15 zonas de desenvolvimento e investimento prioritário. Pensam com esta medida alcançar a maximização dos recursos e fazer reverter os benefícios em favor das classes populares?
Essa é precisamente uma das medidas que julgamos enquadrar-se no impulso estratégico de desenvolvimento económico que estamos dispostos a atingir o quanto antes. Todos os sectores económicos, qualquer que seja o nível em que se encontrem, vão estar subordinados às opções estratégicas que nos permitem superar o subdesenvolvimento.
Os benefícios vão estar, naturalmente, ao serviço do povo, como notaste, mas também cativados em parte significativa para procedermos aos investimentos necessários, permitindo assim que a nossa capacidade produtiva cresça como pensamos ser possível no decurso dos próximos 15 anos.
Em parte este plano já vinha sendo seguido. O anterior governo tomou medidas sérias que visavam canalizar investimento para as zonas mais pobres. O facto é que em resultado disso se regista uma diminuição do fosso entre as regiões mais abastadas e aquelas onde subsistiam bolsas de pobreza, portanto parece-nos acertado e adequado à nossa conjuntura.
Por exemplo, foi precisamente nas zonas mais pobres que apostámos parte da reconstrução do nosso aparelho produtivo. O fito é promover um impulso forte à economia local e dar-lhe peso no contexto do país.
A reconciliação possível
Foi complicado alcançar o acordo com os EUA para a entrada do Vietname na OMC?
Fácil não foi, mas é do interesse do Vietname aderir à OMC e obviamente também é do interesse dos norte-americanos que nós sejamos incluídos na organização, em relação a isso não existem dúvidas.
No que diz respeito à questão agrícola, que penso ser a que julgas ter levantado maiores dificuldades na negociação, ambos os países conservam pontos nos quais divergem, e pontos nos quais convergem, é sempre assim.
No fundamental, podemos dizer que com a nossa entrada na OMC os produtos agrícolas vietnamitas poderão penetrar com outra facilidade no mercado dos EUA, embora tenhamos consciência que da parte dos agricultores norte-americanos essa abertura não é vista com bons olhos, sobretudo no que toca às implicações que suscita no regime de subsidiação que mantêm com o respectivo governo. Não obstante, estamos convictos que para o povo norte-americano o acesso aos nossos produtos vai resultar num benefício directo.
É Também recentemente concluíram uma conferência internacional sobre os efeitos do Agente Laranja. Já é possível calcular o número de pessoas afectadas pelo uso dessa arma química durante a Guerra do Vietname?
Não existem números que possamos considerar exactos, isto é, mesmo para os cientistas que ao longo dos anos têm feito investigação sobre esta matéria, é bastante difícil avançar uma cifra que traduza com total rigor a quantidade de pessoas afectadas no Vietname pelo uso do Agente Laranja.
As estimativas indicam que, ainda hoje, milhões de vietnamitas sofrem os efeitos dessa arma química. São os cálculos obtidos pela análise da realidade, pelos dados recolhidos que o dizem.
Por outro lado, importa sublinhar que os efeitos são de tal forma devastadores, quer entre a população, quer para o meio ambiente, que certamente vamos continuar a sofrer as consequências nas próximas décadas, ou seja, os efeitos do Agente Laranja vão continuar a ser sentidos pelas próximas três, talvez mesmo quatro gerações, isso é uma conclusão unânime.
Também é com base nesta premissa que as associações de familiares das vítimas - conjuntamente com diversas organizações internacionais - lutam no sentido de obterem da parte dos EUA uma indemnização compensatória a título dos danos causados.
Debater e agir para melhorar
Em Abril deste ano, o X Congresso do Partido Comunista do Vietname analisou, durante uma semana, na presença de 1200 delegados eleitos em assembleias de base, um documento intitulado «Elevar a liderança e a combatividade do Partido, desenvolver a força de toda a nação, estimular integralmente o processo de reforma e retirar o país do subdesenvolvimento».
Na comunicação ao congresso, o secretário-geral, Nong Duc Manh, fez um balanço dos últimos 20 anos de processo de reformas políticas e económicas, iniciado em 1986 com o nome de «dói moi». Manh considerou que pese embora um assinalável crescimento económico constante entre o período 2001-2005, o partido não «esteve à altura das suas potencialidades», quer no que toca à maximização dos resultados económicos, quer ainda no que concerne ao trabalho de organização.
A este respeito, o líder comunista acrescentou que se observaram fenómenos de «degradação ideológica, ética, do estilo de vida» por parte de alguns quadros do partido e uma sobrevalorização da «via oportunista, burocrática, pela corrupção e o desperdício», quer da parte destes, quer também da parte de funcionários governamentais, razão pela qual o combate aos fenómenos de corrupção, a formação política dos militantes e o reforço da relação entre o PC do Vietname e o povo passaram a estar entre as prioridades de trabalho.
Em Junho, a assembleia nacional popular reuniu e aprovou medidas concretas que procuram responder às preocupações levantadas. Na discussão plenária, os deputados decidiram ainda substituir o presidente, Tran Duc Luong, o primeiro-ministro, Phan Van Kai, e o presidente da assembleia, Nguyen Van An, por Nguyen Ninh Triet, Nguyen Tan Dung e Nguyen Phu Trong, respectivamente.
Resultados económicos animadores
Quando a assembleia iniciava a discussão das linhas de fundo para os próximos cinco anos, já os resultados da economia vietnamita estimulavam a convicção de que o país oferece condições para superar o subdesenvolvimento que séculos de colonialismo e anos de embargo económico norte-americano acentuaram – recorde-se que só em 1994, na sequência da assinatura dos acordos de Paris entre Washington e Hanói, o então presidente Bill Clinton ordenou o levantamento do bloqueio.
Dados oficiais indicavam que até ao passado mês de Junho haviam sido criados mais de 700 mil novos postos de trabalho, com particular destaque para o sector industrial. Ainda segundo estatísticas disponíveis na página oficial do PC do Vietname, esta cifra ultrapassou no corrente mês de Setembro o milhão de empregos distribuídos por várias áreas de actividade.
O rendimento das famílias e o nível de vida das populações é outra das preocupações que o executivo vietnamita diz ter em franca consideração. Já este mês o governo aumentou o salário mínimo em quase 30 por cento, medida acompanhada pela diminuição do preço dos combustíveis, recurso que o país produz.
Para a agricultura, um dos sectores que continua a empregar parte considerável dos vietnamitas e garante a subsistência de milhões de famílias, Hanói disponibilizou recentemente 1300 milhões de dólares, 58 por cento dos quais representando investimento directo do Estado nas províncias centrais do país.
Finalmente, referir que em final de Agosto deste ano, o governo vietnamita anunciava que as exportações haviam aumentado 24 por cento, concorrendo para este valor um aumento da produção no sector estatal.