Intervenção de Rego Mendes, membro do Executivo da Direcção do Sector dos Transportes da ORL, Debate «Sectores estratégicos, mercado comum e soberania nacional. Um olhar sobre o sector de transportes»

Transporte Público de Passageiros - Consequências e principais ameaças face à implementação das directivas europeias liberalizantes

Vamos abordar, nesta intervenção, alguns dos reflexos no sistema de transportes públicos ferroviário e rodoviário de passageiros em Portugal, da ideologia que impera nos órgãos da União Europeia, vertida para os seus documentos orientadores.

Comecemos pela classificação dos transportes públicos, como um serviço de interesse económico geral, conceito corporativo, como se os interesses de quem os paga, seja directamente através das tarifas, seja através dos impostos, fossem iguais aos daqueles que, no caso dos privados, se apropriam de parte desses custos sob a forma de lucros.

Há apenas uma vertente em que há interesses económicos coincidentes, o transporte pendular casa/emprego, situação em que o transporte coloca a mão-de-obra em condições de ser utilizada – uns precisam dele para dispor da mão-de-obra, outros para poderem trabalhar - mas mesmo aí, em Portugal, esse custo de produção cai fundamentalmente sobre quem trabalha, havendo conflito de interesses nesse ponto fundamental.

Do Regulamento CE 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Concelho, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros podem tirar-se três conclusões quanto à sua base ideológica:

- O primado da dita concorrência, que como se sabe e Portugal é um exemplo, gera os monopólios.

- A total abertura ao espaço comunitário.

- O controlo do sistema pela União Europeia.

Aliás, aquele documento está em sintonia com o Tratado, quando o enquadra no seu artigo 86º, que por si e por aqueles para que remete, estabelece as regras que deixam clara a obrigação de seguir aqueles princípios.

Foi neste quadro e numa postura de total submissão aqueles ditames que nas últimas décadas os sucessivos governos têm orientado a política de transportes públicos ferroviário e rodoviário no nosso país.

O ponto (7) do referido Regulamento diz textualmente, e passo a citar: Os estudos realizados e a experiência dos Estados-Membros onde a concorrência no sector dos transportes públicos vigora há vários anos demonstram que, com cláusulas de salvaguarda adequadas, a introdução de uma concorrência regulada entre operadores permite a prestação de serviços mais atractivos, mais inovadores, com custos mais baixos. Fim de citação.

Não sabemos onde são esses paraísos, mas conhecemos a realidade no nosso país.

O resultado da política liberalizante da EU, acobertada pelo slogan dos benefícios da concorrência originou o que a seguir se descreve.

A empresa pública de caminho-de-ferro, a CP, foi impedida de concorrer à exploração de um troço aberto à concorrência (a concorrência não é para todos) e o resultado para os utentes em custo de passes mensais foi o seguinte: para as mesmas distâncias, o privado é mais caro entre 38% e 68%. Repito: 38% e 68%. Grande benefício!

Nos transportes rodoviários, a empresa pública, a Rodoviária Nacional, foi desmembrada e vendida aos privados, sendo hoje o panorama desolador.
Os preços, porque deixou de haver sector público não são comparáveis, mas a redução da oferta tem sido a consequência mais visível.

Muitas populações ficaram sem qualquer meio de transporte colectivo. Sublinhe-se que o país não são só os grandes centros urbanos. A privatização da Rodoviária Nacional ajudou ao ciclo vicioso: falta de meios de qualidade de vida = desertificação, desertificação = retirada de meios que contribuam para uma boa qualidade de vida.

Mas a redução da oferta também se fez sentir nos grandes centros, pois nas periferias e mesmo nalgumas zonas da cidade, como é o caso de Lisboa, o fim do serviço, a partir das 20.00 horas, leva à opção entre o uso da viatura própria ou o recolher obrigatório.

Quanto à dita concorrência, esta já levou e continua a acentuar o processo de concentração.

No transporte rodoviário de passageiros o país é dominado por três grandes grupos: Barraqueiro, Transdev e Arriva, sendo residual o que fica de fora.

A Barraqueiro, é detida em 31,5% pela Arriva, que segundo o seu presidente-executivo pretende adquirir o restante capital, evidenciando que as tais três, na prática, já são duas.

Mas que empresa é esta Arriva? Teoricamente é inglesa, mas é detida pela Deutsche Bahn, ou seja, vai parar tudo ao mesmo sítio.

Neste momento, directamente ou em parceria, este monopólio em evolução crescente, detém interesses também do setor ferroviário pesado e ligeiro nas seguintes empresas: Metro do Porto, Metro Sul do Tejo e Fertagus.

A nossa experiência mostra claramente que com o caminho seguido na linha política da União Europeia, temos transportes mais caros, menos transportes, concentração do capital das empresas privadas do sector e empresas estrangeiras a dominarem o mercado.

Cumpriram-se as orientações.

Mas se para as populações o panorama é mau, para os trabalhadores não é melhor.

Os trabalhadores do sector rodoviário têm hoje:

- Menores salário;

- Mais precariedade;

- Ritmos de trabalho mais intensos;

- Menos direitos.

Contra esta situação têm lutado trabalhadores e populações. Muitas vezes não têm vencido, mas a luta vai continuar.

Por fim, recordar que os últimos anos em Portugal ficaram marcados pela tentativa de privatização dos transportes públicos de Lisboa e Porto, realizada no espírito do mesmo regulamento europeu já aqui denunciado. A heróica resistência dos trabalhadores ao processo de privatização nos transportes públicos construiu impressionantes jornadas de luta, com mais de 100 jornadas em forma de greve, realizados conjugadamente com outras formas de luta (manifestações, plenários, comunicados aos utentes, debates, estudos, etc.). Uma luta que pode ter agora importantes vitórias com a anulação dos processos de subconcessão a multinacionais do Metropolitano de Lisboa, da Carris, dos STCP e do Metro do Porto.

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