Evocamos e homenageamos hoje a figura ímpar de Álvaro Cunhal exactamente no dia do seu centésimo décimo aniversário.
Personalidade inesquecível da nossa história contemporânea, central e incontornável na história do nosso Partido, no qual Álvaro Cunhal assumiu as mais altas responsabilidades, dedicando a sua vida, sempre com o seu Partido, à luta dos trabalhadores, ao combate contra a exploração, a opressão e as desigualdades, à conquista de direitos políticos, laborais, sociais e culturais do nosso povo, à solidariedade internacionalista, à conquista da liberdade e da democracia, a essa grande e ímpar realização que foi a Revolução de Abril, o seu desenvolvimento e defesa.
Com o destacado e determinante contributo de Álvaro Cunhal, fizemos avançar a roda da História no sentido do progresso, da liberdade, da democracia e do socialismo.
Em 1993, Álvaro Cunhal respondia ao desafio que lhe foi feito e aqui mesmo no distrito, no concelho de Ponte da Barca, reflectiu sobre o tema “O Comunismo Hoje e Amanhã.”
Trinta anos depois esta é uma reflexão e um texto que merece ser revisitado, estudado e dado a conhecer.
Uma exigência desde logo pela sua profunda actualidade e validade mesmo incidindo, naturalmente, na apreciação da época em que então vivíamos.
Tal como hoje, há 30 anos o capitalismo mostrava-se incapaz de resolver os problemas com que a Humanidade se confrontava.
Hoje não só não mudou a natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora, como se manteve e acentuou a sua incapacidade em resolver os grandes desafios da Humanidade.
Agravaram-se as injustiças e desigualdades, a concentração de riqueza, ao mesmo tempo que grassa a exploração, a guerra, a pobreza, a fome, a doença, a discriminação nas suas mais variadas formas, o agravamento dos problemas ambientais.
As dez pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza que 40% da população mundial.
Um por cento da humanidade tem mais do dobro da riqueza do que 6,9 mil milhões de pessoas e acumulou quase dois terços da riqueza gerada em todo o mundo desde 2020, quase o dobro dos restantes 99%.
No final de 2022, 214 milhões de trabalhadores viviam em situação de pobreza extrema.
Mais 120 milhões de pessoas foram empurradas para a fome, ascendendo a 735 milhões as pessoas que enfrentam o drama da fome no mundo.
Cinquenta e cinco milhões de pessoas morreram em todo o mundo devido à desertificação e à seca.
Em Portugal, os 5% mais ricos concentram nas suas mãos 42% de toda a riqueza nacional e os principais grupos económicos tiveram mais de 25 milhões de euros de lucros líquidos por dia no primeiro semestre deste ano.
Em relação aos lucros dos grupos económicos já conhecidos nos primeiros nove meses do ano, de 2022 para 2023 os lucros aumentaram mais de 1,7 mil milhões de euros.
Tudo isto enquanto 2 milhões de pessoas estão na pobreza, das quais 345 mil são crianças; 3 milhões de trabalhadores ganham até mil euros de salário bruto por mês e 72% dos pensionistas recebem menos de 500 euros por mês.
Hoje, tal como há 30 anos, o capitalismo recorre às guerras, massacres, golpes de Estado, bombardeamentos, que vitimaram largos milhões de pessoas ao longo dos últimos anos, décadas e séculos.
Trinta anos depois, e ao contrário do que nos quiseram convencer, o mundo não está nem mais seguro nem mais justo.
Uma realidade perante a qual o socialismo se apresenta como a única e verdadeira alternativa.
O desafio de hoje, tal como sempre, é não apenas conhecer e compreender a realidade mas acima de tudo transformá-la, com a luta dos trabalhadores e dos povos.
Uma luta que apela e exige a acção e intervenção das forças progressistas e revolucionárias, independentes da ideologia e dos interesses do grande capital, portadoras de uma teoria revolucionária, como a que o PCP é portador: o marxismo-leninismo. Teoria, princípios e valores que aí estão a dar provas de actualidade, continuando a demonstrar que é uma ferramenta imprescindível para a análise e transformação da realidade.
O quadro da luta dos comunistas apresenta por esse mundo fora uma grande diversidade de soluções, etapas e fases da luta revolucionária.
Não abdicamos de conhecer, valorizar e demonstrar solidariedade para com os processos que tenham em vista o progresso social dos trabalhadores e dos povos. Sabemos que há leis gerais de edificação do socialismo, mas, como sempre afirmámos, não há um modelo universal para a construção do socialismo.
Situações diferentes implicam soluções diferentes, soluções que têm de ter presente a constante evolução da situação, as contradições que sempre se manifestam, os elementos contra-revolucionários e, não menos importante, a história e cultura próprias de cada povo.
Tal como há 30 anos, o que a realidade demonstra é que é não só possível como é cada vez mais urgente e necessário resistir, lutar, defender e conquistar direitos, transformar e revolucionar no sentido do progresso.
Em relação aos desenvolvimentos da situação política nacional, já dissemos e gostaria de reafirmar que é necessário, quanto aos casos judiciais e criminais em curso, que sejam rapidamente apurados os factos e com todas as consequências que daí decorrem.
Como temos vindo a sublinhar ao longo do tempo, não é possível combater com eficácia a corrupção e a criminalidade económico-financeira sem considerar as suas causas de fundo, sem confrontar os fundamentos de um sistema económico assente na acumulação capitalista e por si só geradora da própria corrupção, sem pôr em causa a natureza e papel dos grupos económicos e financeiros e os critérios da sua actuação, para os quais só os números contam, só interessa o lucro e a tudo estarem dispostos para aumentar a concentração da riqueza.
Este é o combate que se exige, esta é uma batalha para a qual nenhum partido da política de direita, dos mais seráficos aos mais espalhafatosos, está disposto a travar, e percebe-se bem porquê.
Decidiu o Presidente da República, na sequência da demissão do Governo, garantir a aprovação desta proposta de Orçamento do Estado.
Solução que, de forma reveladora, PSD, Chega e IL, cada um à sua maneira, admitiram.
Um Orçamento que não resolve, antes aprofunda, a grave situação que atinge o povo e o País. O que se impõe é a superação deste quadro, é a necessidade urgente de uma política que efectivamente lhe dê resposta.
E com a dissolução da Assembleia da Republica e a convocação de eleições antecipadas, aí está uma oportunidade para a batalha por essa alteração política cada vez mais urgente e necessária.
Uma oportunidade para dar um firme sinal de que é preciso que a política se coloque ao serviço dos trabalhadores, das populações e do País e que não esteja, como tem acontecido, ao serviço dos interesses, calendários e opções dos grupos económicos.
E para que assim seja, é preciso, tal como é evidente para cada vez mais gente, reforçar o PCP e a CDU, porque os trabalhadores e as populações sabem por experiência própria que quando o PCP e a CDU são mais fortes isso contribui muito para as suas vidas melhorarem e os seus direitos avançarem.
Esta é a opção que se vai colocar agora, ou manter o rumo da política ao serviço dos interesses de um punhado ou tomar nas mãos a construção da alternativa que responda às necessidades da maioria. Ou votar naqueles que para lá de brigas combinadas são o sustento dos lucros e da concentração da riqueza, seja o PS, como revelam em particular estes últimos dois anos de maioria absoluta, seja o PSD, o CDS, o Chega e a IL, ou dar força à sua força, a força das soluções e das respostas, dar força ao PCP e à CDU.
Dizemos que o PCP e a CDU contam sempre, mas no actual quadro e face ao que aí está, o reforço do PCP e da CDU é o que vai contar, é o que determinará, é o que fará a diferença para enfrentar os interesses dos grupos económicos e é o garante mais sólido para travar os projectos reaccionários que aí estão.
Vamos para a batalha eleitoral com muita confiança, para obter mais votos e reforçar o PCP e a CDU, pois é isso que serve aos trabalhadores, ao povo e ao País.
Mas não podemos ficar à espera, porque se é verdade que estamos perante uma crise política, a vida difícil de todos os dias aí está e é isso que marca a realidade.
Agora não é momento para ficar à espera, a renda ou a prestação da casa não ficam à espera, o médico que falta não fica à espera, o custo de vida e as contas não ficam à espera, o mês cada vez maior para os salários e pensões não ficam à espera, e se assim é, não é tempo da luta ficar à espera.
Pelo contrário, agora é hora de exigir, de lutar, de avançar nas respostas e condicionar o rumo político.
Lá estaremos amanhã, no Porto e em Lisboa, na manifestação nacional convocada pela CGTP-IN, lá estaremos pelo aumento dos salários e das pensões, lá estaremos contra o aumento do custo de vida, mas também pela exigência do direito à saúde, à educação, à habitação, à justiça, lá estaremos por uma outra política que responda aos problemas dos trabalhadores, dos reformados, da juventude.
O que se impõe é esclarecer, mobilizar, trazer para a luta, mais e mais portugueses para derrotar a política de direita e impor a alternativa patriótica e de esquerda, para responder e resolver os problemas com que os trabalhadores e o povo estão confrontados.
Uma política que incorpore os valores de Abril, que cumpra e faça cumprir a Constituição da República Portuguesa, tal como Álvaro Cunhal aqui falou há 30 anos.
Aí mostrava e fundamentava a democracia que projectamos para o nosso País e propomos ao nosso povo, assente em quatro vertentes interligadas – a económica, a social, a política e a cultural.
Projecto e proposta que hoje se impõem, e a realidade aí está a demonstrar essa urgência.
Olhe-se para a vertente económica.
Onde fica a democracia e o escrutínio em empresas, monopólios, multinacionais, cuja orientação e objectivo a todo o custo é a obtenção continuada do lucro, é a exploração e a crescente apropriação e concentração de riqueza?
Pode haver democracia económica com a entrega aos grupos monopolistas de todos os sectores estratégicos do País? Veja-se a situação do sector mais liberalizado e menos regulamentado da sociedade, que é a habitação.
Vejam-se os casos mais recentes da TAP e da Efacec, tentativas de autênticos crimes económicos que fazem as delícias do grande capital, que enfraquecem a nossa soberania e delapidam a nossa riqueza.
Olhe-se para a vertente social.
Onde fica a democracia e o seu exercício perante a brutal injustiça e as desigualdades, onde fica a democracia com a repressão à actividade sindical nas empresas, a precariedade, as discriminações, a degradação dos serviços públicos, a dificuldade de acesso a bens e serviços essenciais como a saúde, a educação ou a habitação, o desrespeito para com a Constituição?
Mas também quando se assiste à desvalorização, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde e dos seus profissionais, empurrando-os a eles, aos utentes e a cerca de metade do orçamento da saúde para os grupos económicos do negócio da doença, ao invés de, como se impõe, responder às justas reivindicações dos seus profissionais e investir na autonomia do SNS.
Quando se protege os lucros da banca e dos especuladores imobiliários, ao invés de garantir, como se impõe, o direito à habitação.
Olhemos também para a vertente cultural.
Onde fica a democracia com a promoção e reposição de valores obscurantistas ou retrógrados, com a tendência de privatização, subfinanciamento e desresponsabilização do Estado, com a sistemática instrumentalização, mercantilização, censura, hegemonização ideológica, exclusão e desvalorização dos trabalhadores da cultura?
Com um ataque profundo à liberdade cultural mas igualmente à liberdade individual de criação e fruição da Cultura?
E quanto à vertente política?
Onde fica a democracia e o seu exercício com o enfraquecimento da nossa soberania, do Poder Local democrático, com a protecção à corrupção e o incentivo às portas giratórias, com a entrega dos meios de comunicação aos grupos económicos?
Onde ficamos perante os constrangimentos da União Europeia e do euro, e dos conceitos e intervenções belicistas da NATO, com sucessivos governos a assumir uma clara ruptura com os preceitos constitucionais, que deviam, esses sim, de ser respeitados e cumpridos.
Onde fica essa questão central nos dias de hoje, a soberania nacional?
Onde fica a capacidade do próprio País em definir o seu próprio caminho, a partir das suas próprias condições, dos seus próprios meios e capacidades?
O capitalismo monopolista, também em Portugal, não só não respeita os aspectos fundamentais da democracia, como em nenhum momento responde aos problemas e anseios dos trabalhadores e do povo.
É no projecto de uma nova e melhor sociedade, é na afirmação no imediato de uma política alternativa patriótica e de esquerda pela qual actualmente lutamos, assente nos valores e conquistas de Abril, que está o caminho que serve o presente e a construção do futuro.
Uma política patriótica e de esquerda, parte integrante de uma Democracia Avançada como a que propomos ao nosso povo, ela mesma parte integrante da luta pelo socialismo, num processo que não separa, antes integra de forma coerente o conjunto de objectivos de luta.
Socialismo, essa nova sociedade que aspiramos edificar, e que preconiza, entre outros objectivos fundamentais, o fim da exploração do homem pelo homem, a libertação dos trabalhadores de todas as formas de exploração e opressão, uma economia desenvolvida ao serviço de todos, a socialização dos principais meios de produção, num quadro de formações económicas diversificadas, a elevação constante do bem-estar, o desaparecimento das discriminações, injustiças e desigualdades.
Num País com as suas próprias características, com a sua cultura, história e especificidades, que passou por uma Revolução há praticamente meio século e cuja influência ainda se faz sentir na memória e na realidade concreta do dia-a-dia, e que décadas de governos de política de direita não conseguiram fazer apagar.
Um País que está empobrecido com esta política herdeira da contra-revolução, mas um país que não é pobre, que tem em si todas as condições e todas as forças para recuperar a sua soberania.
Dizia-nos Álvaro Cunhal há 30 anos que:
«Ser comunista é confiar no povo e nas potencialidades populares de compreensão, de determinação, de luta e de realização. É manter sempre estreita ligação com o povo, transmitindo ao povo os conhecimentos, a capacidade e a experiência do partido, e recebendo do povo elementos essenciais para o conhecimento rigoroso dos problemas e receber também opinião, e apoio, e estímulo e participação que se traduzem em poderosa energia revolucionária capaz de transformar a vida social para melhor. É ter consciência de que são os povos que acabam sempre por decidir da história e de que o socialismo só poderá ser construído por decisão e empenhamento do povo e nunca contra a sua opção e vontade. É ter confiança em que a luta, o futuro para a humanidade será melhor que o presente.»
Tal continua a ser válido.
Ser comunista hoje, como há 30 anos, como sempre, é saber que este não é o melhor dos mundos possíveis, é resistir a todas as ameaças e chantagens de que nos temos de sujeitar à realidade que temos, querendo convencer-nos que a única alternativa que existe é para pior.
Ser comunista hoje, como há 30 anos, como sempre, é saber que continua a ter toda a actualidade a defesa dos trabalhadores e do povo, a luta por melhores condições de trabalho e de vida, contra todas as discriminações, a luta pela paz, pela solidariedade com os trabalhadores e os povos de todo o mundo na luta pelos seus justos direitos e aspirações, pela amizade e cooperação entre os povos, as nações e os Estados, pela defesa da soberania e pelo direito de decidirmos o nosso próprio destino.
Daqui prestamos, hoje como há 30 anos e como sempre, solidariedade para com o povo da Palestina, que enfrenta a brutal agressão, massacre e ocupação de Israel.
Ser comunista hoje, como há 30 anos, como sempre, é não ser indiferente às injustiças, às desigualdades, é não aceitar que muitos tenham tão pouco para tão poucos terem tanto.
Ser comunista hoje, como há 30 anos, como sempre, é agir e transformar o sonho em vida, com confiança, com determinação e, não menos importante, com alegria.
Ser comunista hoje, como há 30 anos, é reconhecer o insubstituível papel da luta de massas, dos trabalhadores e das populações, pela resolução dos problemas, desde os mais concretos aos mais transversais, pela melhoria das condições de vida e pelo progresso social.
Finalizemos voltando a Álvaro Cunhal e ao texto que aqui hoje assinalamos.
«Ser comunista é compreender e praticar a política não para se servir da política em benefício próprio, mas para através da acção política servir o povo e o país. Com verdade, com convicção, com serena firmeza, com consciência tranquila. Mantendo vivos no pensamento e na acção valores básicos elementares como a igualdade de direitos, a generosidade, a fraternidade, a justiça social, a solidariedade humana.»
Façamos destas palavras um guia para a nossa acção.
Ontem, hoje e amanhã, com a perseverança, a determinação e a alegria de quem sabe que é justa e invencível a causa por que luta.