Projecto de Resolução N.º 1097/XII/3.ª

Sobre o novo Quadro Comunitário “Portugal 2020”

Sobre o novo Quadro Comunitário “Portugal 2020”

Exposição de Motivos

A cerca de um ano da finalização concreta do QREN e a poucos meses do início efetivo do novo período de programação financeira europeia (2014-2020), verificamos que Portugal, e várias das suas regiões, inclusivamente as mais desenvolvidas, não progrediram relativamente aos países e regiões mais ricas da Europa.
Apesar de toda a propaganda, a política de coesão económica, social e territorial implementada pela União Europeia em Portugal não tem tido os resultados prometidos em função dos repetidos anúncios, quer pela Comissão Europeia, quer pelos governos portugueses. As políticas da UE não se traduziram no aumento da convergência económica, social e territorial.
A grave crise socioeconómica e financeira que se instalou na Europa, com um particular destaque em Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, veio ainda agravar as já existentes disparidades regionais: de acordo com os dados económicos e sociais disponíveis no Eurostat, verifica-se que na UE (tanto a 27 como a 15) houve descida dos rácios – por exemplo PIB por habitante, em paridade de poder de compra – enquanto o desvio médio se tem mantido, mesmo que com oscilações. Isto é, não tem havido convergência em muitos dos parâmetros que caracterizam a coesão.
Um dos supostos objetivos centrais da UE, proclamado no Artigo 2.º do Tratado, é a “promoção de um progresso económico e social e de um nível de emprego elevado e a obtenção de um desenvolvimento equilibrado e sustentável, nomeadamente mediante a criação de uma área sem fronteira internas, mediante o reforço da coesão económica e social e o estabelecimento da união económica e monetária”. Significaria isto que as pessoas não deveriam ser prejudicadas em virtude do lugar da União onde residem ou trabalham. Ora, evidentemente não é isto que a realidade demonstra.
O QREN esteve sempre imbuído do espírito e da letra da Estratégia de Lisboa, lançada em março de 2000, com o suposto objetivo de tornar a União Europeia na “economia mais competitiva do mundo e alcançar o objetivo de pleno emprego até 2010”. A essa mesma estratégia chama-se hoje, por decisão do Conselho Europeu de junho 2010, Estratégia Europa 2020.
Diz-se, agora, ser a estratégia da UE virada para um “crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”. Contudo, bem analisados os conteúdos, trata-se da continuação da fórmula anterior: entre nós, através do designado Portugal 2020, que foi aprovado recentemente pela Comissão Europeia.
Para o próximo período de programação financeira (2014/2020), coloca-se a perspetiva de uma mudança drástica na tipologia dos conteúdos e das formas dos apoios financeiros, aprofundando-se as tendências que já vêm de quadros anteriores.
As principais diferenças impostas pela UE são as seguintes:
• Existência de critérios ex-ante, através de condicionalismos que os estados membros terão que cumprir, como condição para acesso a apoios financeiros. Desde logo, terão de garantir os já conhecidos rácios de “equilíbrio” no plano dos orçamentos de estado, em sintonia com o que se registou no Memorando da Troica.
• Definição de temas obrigatórios para os projetos candidatáveis, com a UE a exigir que uma parte muito importante do financiamento seja destinada à “competitividade e inovação das empresas” e outra à “eficiência energética e energias renováveis”, e às questões ambientais relacionadas com as designadas alterações climáticas.
• Atribuição prioritária de financiamentos aos projetos que possam apresentar melhores “resultados” previstos, apontando assim para indicadores que venham a ser estabelecidos, designadamente os qualitativos, no sentido de favorecendo o aumento da precarização sócio laboral e a “gestão” economicista e mercantilista dos recursos públicos.
• Aprofundamento, maior do que nunca, da privatização dos recursos, destinando maioritariamente os apoios financeiros às empresas privadas, às entidades particulares relacionadas com a ação social e com a formação profissionalizante, e, ainda, aos diversos tipos de parcerias publico privadas, privilegiando a forma de empréstimos, capital de risco e bonificações.
Assim, com a estratégia Europa 2020 e com o quadro Portugal 2020, na realidade uma enorme parte dos financiamentos terão como destino empresas privadas, a entidades particulares e, também, o estímulo aos diversos processos de privatização de sistemas infraestruturais e redes de serviços de interesse público vital, diminuindo drasticamente as verbas para o sector público, designadamente para os municípios. Neste último caso, aquilo que se prevê aponta para o pior quadro de sempre, o que terá gravíssimas repercussões na vida das populações e nas economias locais.
Trata-se, portanto, de um quadro estratégico pautado por cinco aspetos centrais:
I. Aprofundar o movimento no sentido da privatização do que resta de empresas estratégicas e dos serviços públicos essenciais (ditos serviços de redes de interesse geral); incrementar a liberalização, presumindo que a concorrência tudo resolve, mesmo quando se sabe que ela é fictícia (como acontece nos serviços das redes infraestruturais); forçar a desregulamentação e aumentar a crença irracional na capacidade da autorregulação dos mercados.
II. Retornar, em nome de uma suposta eficácia, a um caminho de centralização dos processos da decisão pública, com a menorização da efetiva participação autónoma do poder local.
III. Tentar atenuar cosmeticamente os aspetos sociais mais preocupantes que, sendo resultantes da política de base e da forma como a UE tem enfrentado a prolongada crise financeira e económica, poderiam levar a convulsões sociais e ao confronto laboral.
IV. Financeirizar os fundos europeus, colocando-os ao serviço da banca comercial privada, conferindo a esta ainda mais poder negocial, e uma aplicação guiada pelos seus estritos critérios de viabilidade económica – desde logo ao colocá-la como intermediária obrigatória do dito “Banco de Fomento”.
V. Reforçar os mecanismos de “Engenharia Financeira” acentuando a dificuldade de acesso das pequenas empresas e agravando e perpetuando os cortes no investimento público.
A propósito deste quadro comunitário, vem sendo veiculada ao longo dos últimos meses uma tese inaceitável, que pretende disseminar a ideia errónea de que investimentos materiais em diversas redes de serviços públicos essenciais já não seriam justificáveis porque, supostamente, se estaria numa “fase superior de imaterialidade”.
A realidade e as necessidades objetivas desmentem tal ideia, até porque os levantamentos feitos em todo o país indicam que continua a haver necessidades de investimento público nas redes de água e saneamento, nos sistemas de recolha, tratamento e destino final de resíduos sólidos urbanos, em equipamentos escolares de diversos graus, na regeneração, requalificação e/ou revitalização urbana de cidades, vilas e aldeias, incluindo o património cultural construído, em equipamentos de saúde e de segurança pública, em infraestruturas portuárias, nas redes que utilizam a ferrovia como meio de transporte – sendo que, mesmo no plano das rodovias, continuam a subsistir necessidades criticas, relacionadas com a ligação de proximidade sub-regional, tão importante para a dinamização das atividades económicas, para garantir a segurança rodoviária e, até, para permitir o acesso das populações a serviços menos frequentes.
As políticas de desinvestimento nas infraestruturas e equipamentos com valor crucial para a coesão socioeconómica e territorial escondem o propósito político-ideológico de privatização crescente dos serviços públicos essenciais, invocando-se o ataque ao défice dos orçamentos públicos para desviar grandes quantidades de fundos europeus para iniciativas privadas de substituição. Ora, a escolha não está entre o investimento material e o investimento imaterial, porque um deve ir a par com o outro de forma harmónica e articulada.
Por outro lado, a subordinação de determinadas prioridades de financiamento às questões energéticas, quando são (como vem sendo o caso dos fundos europeus) focadas sobretudo nas metas climáticas mundiais, deverá ser escrutinada e monitorizada com vista a uma avaliação socioeconómica mais profunda, sólida e perene. Essa avaliação deve ter em conta o estádio de desenvolvimento nacional e os efeitos socioeconómicos dos investimentos e não apenas as tendências ditadas a nível internacional que, por vezes, se configuram como não sustentadas em bases científicas comprovadas, e mais interessadas em promover interesses comerciais transnacionais e responder a modas mediáticas. O aumento da eficiência energética é desejável, tanto na indústria como nos serviços, principalmente nos transportes, como no residencial e logístico, tal como o são a diminuição do impacto das emissões de poluentes e dos gases que contribuem para o aumento do efeito de estufa.
Os fundos comunitários não serão uma alternativa suficiente ao investimento público com origem em fundos nacionais do Orçamento do Estado, e não poderão compensar e atenuar nunca as graves consequências da política de brutal restrição orçamental decorrente dos condicionamentos económicos impostos pela União Europeia e o FMI. Mas se bem direcionados, geridos e aplicados podem constituir um importante contributo para o crescimento e desenvolvimento económico de que o País necessita. É nesse sentido que o PCP apresente este Projeto de Resolução.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo as seguintes medidas:
1. Mobilização dos fundos europeus no sentido da resposta às necessidades de investimento dos serviços públicos essenciais, fomento dos sectores produtivos e criação de emprego.
2. Apoio às micro, pequenas e médias empresas, no sentido de que passem a incorporar novos meios técnicos de produção, processos de trabalho e metodologias organizacionais mais eficientes e racionais, nomeadamente do ponto de vista energético e ambiental, nomeadamente pela reserva de um envelope/volume dos fundos destinados às empresas, proporcional ao seu peso no tecido económico nacional, privilegiando uma atribuição a fundo perdido, mediada pelo IAPMEI.
3. Utilização dos fundos europeus de forma coordenada e integrada, não apenas para potenciar os efeitos cruzados do FEDER, FC e FSE, mas também dos fundos relacionados com a agricultura e as pescas, em permanente atenção a um programa nacional coerente de políticas públicas.
4. Aplicação do quadro de fundos na perspetiva da operacionalização da estratégia de ordenamento do território nacional, no contexto do PNPOT – Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território. Nomeadamente, através de um conjunto de investimento e de medidas estruturantes com vista a um desenvolvimento económico e social mais equilibrado do ponto de vista territorial e de combate às assimetrias regionais, garantindo envelopes financeiros adequados ao nível das NUT III nas regiões do interior, de volume inversamente proporcional ao seu nível de desenvolvimento.
5. Definição de prioridades no financiamento de projetos energéticos, que garantam uma sustentabilidade múltipla, integrando as vertentes ambientais, económicas e sociais.
6. Consideração, no apoio com fundos europeus, em especial através do FSE, às ações de formação de jovens e de adultos, não apenas do curto-prazo e da oportunidade empresarial, mas principalmente da formação integral e perene, e da dotação dos cidadãos com instrumentos de trabalho e ação inovadores e socioeconomicamente válidos no futuro, sempre tendo em vista o emprego com direitos.
7. Estabelecimento de estratégias de reintegração de médio e longo prazo nos apoios à ação contra o desemprego, privilegiando o combate ao desemprego de longa duração e o desemprego juvenil, travando a discriminação e a segregação, evitando o gasto de dinheiros públicos em intervenções pontuais de reduzido alcance.
8. Financiamento dos programas de investigação fundamental e aplicada, desenvolvidos por centros integrados no sistema de investigação pública nacional, com articulação com o tecido produtivo ou com serviços empresariais mas rejeitando a “empresarialização” e mercantilização da investigação científica.
9. Definição de políticas e linhas orientadoras de gestão e governação dos fundos europeus, destinados aos diversos eixos temáticos e às diversas regiões, descentralizando e desgovernamentalizando as decisões, nomeadamente com a participação dos municípios e suas associações;
10. Rejeição de modelos de controlo privado dos processos de financiamento e de estritos critérios de viabilidade financeira, designadamente com o chamado “banco de fomento” e sua ligação aos grupos económicos do sector financeiro, recusando e evitando quer a centralização e concentração num organismo estatal quer a alienação do poder de decisão em parcerias público privado, de natureza pouco transparente.

Assembleia da República, em 24 de julho de 2014

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