Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Perante a multiplicidade de propostas que temos para apreciar hoje na generalidade em torno das leis eleitorais preferimos centrar-nos no que é essencial, porque diz respeito ao ato eleitoral que temos a seis meses de distância e que motivou o presente processo legislativo. Trata-se da questão das candidaturas aos órgãos das autarquias locais. É essa a questão que nos traz aqui hoje e tudo o resto é acessório.

Questões como a de saber se devem ser feitos mais testes, estudos ou simulações sobre votos eletrónicos ou se algum dia o Facebook ou o Twitter hão-de substituir as cabines de voto; saber se as eleições devem decorrer num só dia ou em dois, seguidos ou alternados; saber se deve haver, ou não, um dia de reflexão, ou saber se devemos aproveitar um processo legislativo sobre leis eleitorais para repor questões relativas ao exercício do direito de petição, ainda que justas, não é nada disso que nos ocupa neste processo legislativo. Haverá tempo e oportunidade para discutir e decidir sobre essas e outras questões. Mas o que nos traz hoje a este debate, não é isso.

O que dá lugar a este processo legislativo é o arrependimento do PS e, em certa medida, do PSD, relativamente à legislação que aprovaram em 2020 sobre as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores aos órgãos das autarquias locais, depois da contestação pública que essas normas sofreram, vindas sobretudo de autarcas eleitos em listas de grupos de cidadãos.

O que está em cima da mesa é a alteração a um regime jurídico que nunca foi aplicado e que provavelmente nunca chegará a ser, mas que, ao contrário do que já foi dito, não feito à pressa nem correspondeu a nenhuma opção irrefletida, nem da parte do PS nem do PSD. Desde logo não foi feito à pressa porque não havia razões para haver pressa. A lei foi aprovada em 2020 quando as eleições autárquicas só ocorreriam no final de 2021 e quem recordar os debates então ocorridos pode verificar que as opções assumidas pelo PS e pelo PSD foram ampla e convictamente defendidas por ambos.

A questão é mesmo de arrependimento, e no caso do PS, que propõe alterações de sentido diametralmente oposto ao que então defendeu, a sua posição faz lembrar uma frase atribuída a Groucho Marx: estes são os meus princípios, mas se não gosta deles, eu tenho outros.

Posto isto, importa deixar claro que a posição do PCP em relação às listas de cidadãos eleitores é a de que, sendo estas apresentadas no exercício de um direito perfeitamente legitimado pela Constituição e pela lei, deve corresponder-lhe um regime legal justo, que tenha em conta a sua especificidade e que não se traduza em dificuldades acrescidas nem em facilidades excessivas. Em suma, as candidaturas de grupos de cidadãos não devem ser prejudicadas nem beneficiadas na comparação com as listas de partidos ou coligações.

Importa não esquecer a este respeito que a lei, ao permitir que a denominação de uma lista de cidadãos eleitores possa incluir o nome de uma pessoa singular já representa uma situação de privilégio em relação aos partidos e coligações, reconhecido o grau de personalização que rodeia as eleições autárquicas. Contudo, esse privilégio já é inaceitável se se permitir que uma candidatura possa usar, na sua denominação, o nome de uma pessoa singular que nem sequer se apresenta como candidato à autarquia em causa. A proposta do PS teria esse resultado.

Mais: ao apresentar lista à câmara e à assembleia municipal, essa lista de cidadãos eleitores beneficiaria de um bónus de candidatura a todas as freguesias do concelho, bastando para isso um número meramente simbólico de assinaturas, em clara discriminação de uma eventual lista de cidadãos eleitores que, com toda a legitimidade, pretendesse apresentar candidatura apenas à sua freguesia.

Neste debate, o PCP propõe que elimine a inelegibilidade que foi introduzida na lei em 2020 que proíbe o mesmo cidadão de ser simultaneamente candidato à câmara e à assembleia municipal do mesmo município. É óbvio que deve existir uma incompatibilidade. Não se pode ser ao mesmo tempo vereador e membro da assembleia municipal. Mas daí a haver uma inelegibilidade que impeça a candidatura a ambos os órgãos vai uma grande distância e essa proibição não tem justificação.

Quanto ao mais, o PCP está disponível para equacionar adaptações que se revelem necessárias aos procedimentos eleitorais por motivo da situação sanitária que se verifique, desde que isso não ponha em causa a segurança do sufrágio.

Disse.

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