1. As decisões da Reunião do Conselho Europeu de 18 e 19 de Fevereiro são elucidativas do nível de crise, desagregação, ausência de valores e falta de legitimidade em que se encontra o processo de integração capitalista na Europa. Uma crise que realça a necessidade e urgência da ruptura com um processo de integração esgotado e cada vez mais marcado por políticas de domínio económico e político, de regressão social e civilizacional, e de crescentes ataques à democracia e soberania dos povos.
2. As negociações sobre a posição da Grã-Bretanha na União Europeia (o chamado caso “Brexit”) e a “solução” encontrada demonstram que face ao agravamento da crise económica e social na Europa e às contradições entre potências que nesse quadro se desenvolvem, os dirigentes da União Europeia não têm outra resposta que não seja a de, por um lado, tentar “acomodar” num enleado burocrático, os elementos de desagregação da União Europeia e por outro, aprofundar o carácter reaccionário das suas políticas. As decisões agora anunciadas desmentem as tão propaladas e endeusadas “liberdades” da União Europeia. A “liberdade de movimentos e circulação” é afinal, como o PCP sempre denunciou, a liberdade do grande capital e dos grandes monopólios de não conhecerem fronteiras na sua política e acção de domínio económico, exploração, extorsão e destruição de direitos e garantias dos trabalhadores na União Europeia. “Liberdade” essa reafirmada e aprofundada agora no pacote negocial sobre “competitividade”.
O PCP chama a atenção para a gravidade das decisões tomadas no âmbito dos pacotes de negociação sobre competitividade, benefícios sociais e liberdade de movimentos. O seu conteúdo, bem como a solução institucional encontrada para a sua aplicação - com a prevista revisão de legislação da União Europeia e dos próprios tratados, no que toca à liberdade de circulação e direitos sociais e laborais - representam um ataque directo aos rendimentos dos trabalhadores, nomeadamente dos emigrados, abrem caminho ao aprofundamento do dumping social e à retirada de benefícios sociais a todos os trabalhadores e, finalmente, institucionalizam na chamada “lei da união” a discriminação dos trabalhadores e dos cidadãos em função da sua nacionalidade e condição social. Trata-se de uma deriva reaccionária e xenófoba que deita por terra toda e qualquer propaganda relativa à União Europeia da “liberdade” da “coesão” e da “tolerância”. Argumentar, como o fez o Governo português, com supostas salvaguardas e prazos de implementação, é tentar mitigar aquilo que, pela sua frieza e gravidade, é impossível de ser mitigado.
A discussão e as decisões agora assumidas pelas instituições da União Europeia e pelo Governo Britânico demonstram claramente que o referendo na Grã-Bretanha é visto como um instrumento para gerir contradições e para tentar branquear uma deriva nacionalista reaccionária das classes dominantes britânicas com o beneplácito, agora confirmado, das instituições da União Europeia e dos governos que têm assento no Conselho Europeu. O conteúdo e a forma das decisões confirmam que em torno do referendo britânico se desenvolveu e desenvolverá, agora com maior intensidade, uma inaceitável teia de chantagens e pressões sobre o povo britânico que visa condicionar a livre expressão da sua vontade soberana.
Não obstante estarmos perante uma farsa e uma inaceitável deriva reaccionária, que visa conter elementos fulcrais de uma crise profunda do processo de integração capitalista, o processo de negociação demonstra que, quando se trata de ir ao encontro dos interesses do grande capital financeiro, de dirimir contradições entre potências económicas e salvar os seus mecanismos supranacionais de domínio político e económico - como o Euro ou os mecanismos previstos na União Bancária -, os Tratados e a Legislação da União Europeia são passíveis de ser alterados e até subvertidos. Esta “flexibilidade” demonstrada agora no caso “Brexit” contrasta com a inaceitável rigidez e imobilidade face à gravíssima crise social e com as pressões e chantagens que continuam a ser dirigidas contra países como Portugal, como ficou bem patente na discussão do Orçamento do Estado 2016.
Independentemente da sua natureza e contradições, as decisões agora tomadas terminam com o mito da impossibilidade de ajuste do estatuto de cada Estado Membro às suas especificidades nacionais e à vontade do seu povo, estabelecendo se necessário as necessárias derrogações, excepções ou salvaguardas específicas às políticas comuns, ao mercado interno, aos tratados – cuja possibilidade de reversibilidade agora se comprova na prática – aos pactos e demais legislação da UE.
3. O PCP alerta para a aprovação das recomendações da Zona Euro pelo Conselho Europeu no âmbito do processo do Semestre Europeu e realça que a sua orientação política confirma a prossecução de um rumo de destruição de sistemas produtivos, desinvestimento, ataques aos direitos sociais e laborais, concentração e centralização de capital, e empobrecimento das massas trabalhadoras e populares, impossibilitando assim qualquer estratégia de relançamento do crescimento económico.
4. As decisões do Conselho respeitantes às migrações clarificam, de forma explícita e despudorada, a essência da política de migração da União Europeia - o encerramento das fronteiras externas e a expulsão de todos quantos consigam chegar a território da União Europeia.
As conclusões do Conselho não só caucionam as piores práticas, que em palavras os responsáveis das instituições da UE vêm lamentando, como avançam numa visão e solução militarista e militarizada para um problema humanitário. É disso exemplo o regozijo do Conselho Europeu com a intervenção da NATO, nomeadamente no Mar Egeu, em estreita colaboração com o FRONTEX, e a exigência para que a Turquia tome mais medidas para impedir a travessia e conter o fluxo migratório. Tais decisões são profundamente contrárias ao direito internacional, que protege e confere direitos aos refugiados e requerentes de asilo, e faz antever uma criminosa acção marítima da qual poderão resultar milhares de vítimas. Nesse quadro, o PCP expressa a sua frontal oposição à decisão do Governo português de colaborar na missão da NATO no Mar Egeu bem como à posição expressa pelo Primeiro-Ministro, de concordância com a criação da chamada “Guarda Costeira Europeia”.
A política de migração, que é agora friamente reafirmada e sistematizada, não reconhece nem direitos nem escolhas para os refugiados, mesmo os que consigam pedir asilo, nomeadamente por via do “cartão azul”, em que os Estados-Membros exercerão o seu poder discricionário no “acolhimento” de refugiados, transformando aquilo que deveria ser uma obrigação legal de apoio humanitário, num sistema de importação selectiva de mão-de-obra barata e qualificada, privilegiando aqueles que detenham as mais altas qualificações.
É esta a política de “solidariedade” que a UE tem para responder à chamada crise migratória, um drama humanitário com milhões de refugiados no Norte de África e Médio Oriente, que alimentam o êxodo de centenas de milhar de pessoas que têm procurado na Europa a fuga à fome, à miséria, à perseguição, à guerra. Uma tormenta que é resultado directo da acção intervencionista da UE, em articulação com os EUA e a NATO, com as suas políticas de ingerência e agressão militar em diversos conflitos naquelas regiões, de que se destacam as intervenções na Líbia, na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Criminosas políticas neocoloniais que visam a desestabilização do mundo árabe e o controlo geoestratégico e económico daquelas regiões.