A Cimeira da NATO e a reunião do Conselho Europeu, cujas decisões foram no essencial coincidentes, suscitam fundadas preocupações e inserem-se na lógica de confrontação que, nos planos político, militar e económico, está a marcar a evolução da situação na Europa e no mundo.
A situação actual é marcada pela guerra na Ucrânia. Uma guerra que não deveria ter começado e a que urge pôr termo. Para tal, assume importância prioritária o desenvolvimento de iniciativas e medidas que possibilitem um cessar-fogo, uma solução política do conflito, a necessária resposta aos problemas comuns de segurança na Europa, do desanuviamento e do desarmamento, o respeito pelos princípios da Carta da ONU e do direito internacional, em particular da Acta Final da Conferência de Helsínquia. É necessário defender o diálogo e a paz, olhando às causas do conflito, e não alimentar e instigar uma escalada de consequências imprevisíveis.
Ao contrário do que se impunha, as conclusões do Conselho Europeu, alinhadas com as conclusões da Cimeira da NATO – algumas das quais há muito delineadas –, apontam precisamente no sentido da política de confrontação que está na origem da grave situação actual. Em vez de esforços para o desanuviamento e para parar a guerra, as medidas aprovadas são objectivamente de sentido contrário. Em vez da abertura de vias de diálogo para uma solução política, insiste-se num reforçado impulso belicista, promovendo um novo e mais grave salto na instalação de meios e contingentes militares no continente europeu, envolvendo já, nesta fase, a mobilização de centenas de milhar de tropas (incluindo, além dos efectivos dos países europeus membros da NATO, mais de 100 mil norte-americanos) e diversos meios militares terrestres, aéreos e marítimos da NATO no Leste da Europa, do Mar Báltico ao Mar Negro, numa presença sem precedentes nesta região.
O PCP volta a sublinhar que não se alcança a paz insistindo no caminho que conduziu à guerra. O reforço da presença da NATO no Leste da Europa é parte do problema, nunca será parte da solução. Não se promove a paz e a segurança com confrontação, com ameaças, com propaganda de guerra, nem com sanções.
As conclusões do Conselho Europeu evidenciam o seguidismo da União Europeia face aos Estados Unidos da América e aos seus interesses, sacrificando os interesses dos países e povos da Europa, que vêem degradar-se significativamente a sua situação económica e social, com um impacto brutal no aumento do custo de vida, no quadro da política de imposição de sanções, que em Portugal e por toda a Europa está a servir para aproveitamentos vários, bem patentes na acção de grupos económicos que fomentam a especulação, oneram fortemente os trabalhadores e as populações e atacam direitos laborais e sociais. Infelizmente, esta realidade não mereceu nem uma palavra do Conselho Europeu.
A escalada armamentista, a política de sanções económicas, comerciais, financeiras, culturais e desportivas, a deriva autoritária e de imposição do pensamento único não servem a causa da paz, nem os interesses dos povos. Servem, como já é evidente, os lucros da indústria de armamento, o complexo militar-industrial, cuja capitalização em bolsa bate recordes por estes dias; servem os que se aproveitam das sanções para aumentar lucros; servem os beneficiários directos do redireccionamento da dependência energética de diversos países na União Europeia, nomeadamente os EUA, em especial no que toca aos combustíveis fósseis e, em particular, ao gás – com soluções mais caras e de maior impacto ambiental, deixando a nu a hipocrisia subjacente às propaladas preocupações ambientais da União Europeia; servem, também, para alimentar o crescimento de concepções reaccionárias, antidemocráticas e fascizantes.
A aprovação da chamada “Bússola Estratégica”, há muito em preparação, configura um novo passo no sentido do aprofundamento do pilar militarista da União Europeia. Em assumida articulação e complementaridade com a NATO, que se confirma como instrumento dos EUA, acentua-se uma visão ainda mais agressiva, mais intervencionista, desestabilizadora, alinhada com os interesses e ambições geoestratégicas das principais potências europeias, que almejam dispor de um aparelho militar apto a intervir em qualquer parte do mundo, segundo os seus interesses e associado ao desenvolvimento do seu próprio complexo militar-industrial. Um caminho que reclama que recursos crescentes sejam absorvidos por esta deriva militarista, enquanto faltam no combate aos défices produtivo, energético, alimentar, tecnológico, demográfico, no financiamento cabal dos serviços públicos, no combate à pobreza, às injustiças e desigualdades sociais. Este é um caminho que não trará maior segurança à Europa, antes maiores riscos.
Quanto ao aumento brutal dos custos com a energia, que arrastam uma significativa degradação da situação socioeconómica, importando conhecer os detalhes relativamente à designada “excepção temporária” concedida a Portugal e Espanha, deve sublinhar-se que o Conselho Europeu mantém intocados os aspectos essenciais do status quo nos mercados da energia: a liberalização, privatização e segmentação do sector, que decompôs custos de produção que foram transferidos para os consumidores finais; e uma metodologia de fixação de preços nos mercados grossistas que é responsável por diferenciais brutais entre os custos na produção e os preços ao consumidor, assegurando enormes margens de lucro aos grupos oligopolistas privados. A chamada “caixa de ferramentas” em que o Conselho Europeu volta a insistir consiste, na prática, em pouco mais do que subsidiar temporariamente estes lucros com recursos públicos.
A adopção de medidas de regulação do mercado, que agora é timidamente admitida, nomeadamente pela instituição de tectos máximos de preços, há muito que podia e devia ter sido concretizada, evitando o esbulho a que, nos últimos meses, foram sujeitas muitas famílias e pequenas e médias empresas. Mas estas medidas não excluem a necessidade, ainda mais evidente, de recuperação do controlo público sobre o sector energético, opção essencial para encarar os desafios do desenvolvimento económico.
A situação actual coloca ainda mais em evidência os riscos de uma crescente dependência do País. A resposta aos problemas económicos e ao défice produtivo nacional não passa, como aponta o Conselho Europeu, pelo aprofundamento do mercado único e das desigualdades que lhe estão subjacentes, nem por manter os constrangimentos que decorrem da moeda única, das regras da governação económica e das condicionalidades associadas aos fundos europeus.
O que se exige é a implementação de medidas que promovam a produção nacional, criando emprego com direitos, atenuando défices produtivos, substituindo importações por produção nacional, nomeadamente no plano alimentar, diversificando relações económicas, diminuindo os desequilíbrios da balança comercial e a dependência externa do País.