Assume um acrescido significado e uma redobrada importância assinalar os 38 anos da Constituição da República Portuguesa quando comemoramos o 40º aniversário da Revolução de Abril e num momento em que Portugal vive um dos períodos mais negros da sua história recente, em resultado do rumo de desastre que tem vindo a ser prosseguido desde há 37 anos e que comprometerá, a não ser invertido, o futuro do País enquanto nação soberana e independente.
As profundas transformações alcançadas com a Revolução de Abril, o caminho de progresso e desenvolvimento nacional que iniciou e projectou, os princípios que definiu para o posicionamento de Portugal no mundo, a afirmação de soberania e independência nacionais que representou, foram consagrados na Constituição da República, aprovada pela Assembleia Constituinte em 2 de Abril de 1976 – e cuja matriz continua actualmente a consagrar apesar de sete mutiladoras revisões constitucionais.
A Revolução de Abril comprovou o carácter inseparável e complementar das quatro vertentes principais da democracia – económica, social, política e cultural –, assim como a sua associação a uma quinta vertente, a vertente nacional – isto é, a soberania e independência nacionais –, aliás, vertentes que a Constituição da República acolhe e reflecte.
Apesar do risco de poder ser redundante, a gravidade da situação do País e os agravados perigos que enfrenta tornam necessário recordar e reafirmar que a Constituição da República determina, entre outros aspectos: que «Portugal é uma República soberana (…).» (Artigo 1.º); que «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular (…).» (Artigo 2.º); que «A soberania, [é] una e indivisível, [e] reside no povo (…).» (Artigo 3.º); que «O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce (…).» (Artigo 5.º); que «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional (…), da igualdade entre os Estados, (…), da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados (…).» (Artigo 7.º); que «Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos (…), [que Portugal preconiza] a dissolução dos blocos político-militares (…).» (Artigo 7.º); que «Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento (…).» (Artigo 7.º); ou ainda que é uma das tarefas fundamentais do Estado o «Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; (…).» (Artigo 9.º).
No entanto, se a Revolução de Abril teve na afirmação da soberania e independência nacionais uma das suas expressões e componentes fundamentais – consagrada na Constituição da República –, de modo inverso e como a realidade comprova, o processo contra-revolucionário que se lhe seguiu constitui uma história de capitulação ante interesses e imposições do estrangeiro.
A evolução da situação do País ao longo dos últimos 37 anos comprova que sucessivos governos levaram a cabo uma política que – em permanente confronto com as conquistas alcançadas com a Revolução de Abril e a Constituição da República que as consagrou – visa a recuperação do capitalismo monopolista e a crescente acumulação capitalista, com a consequente intensificação da exploração do trabalho, o ataque aos direitos laborais e sociais.
Uma política que é responsável pela degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo, pelo declínio económico, pelo retrocesso social, pela dependência externa, pela associação à ingerência e guerra imperialistas dos EUA e da NATO e pelo comprometimento do futuro do País.
Uma política que encontrou na inserção de Portugal na CEE/UE – e nas crescentes limitações à soberania nacional – um dos seus sustentáculos fundamentais. Aliás, ao longo dos últimos 28 anos é cada vez mais evidente que a política de direita prosseguida em Portugal tem na União Europeia, um dos seus principais instrumentos, protagonistas e suportes.
Tratado após tratado – do Acto Único ao Tratado de Maastricht, do Tratado de Lisboa ao Tratado orçamental –, o que está em causa é a imposição de um quadro e normas supranacionais que assegurando o domínio político – com a crescente colocação em causa da soberania nacional – possibilitem o domínio económico de uns – isto é, das grandes potências e dos grandes grupos económicos e financeiros –, sobre outros – ou seja, os trabalhadores e os povos dos diferentes países da União Europeia, nomeadamente os da sua designada «periferia».
No fundo, é seu objectivo continuar a transformar Portugal num país fornecedor de mão-de-obra barata, despojado do controlo dos instrumentos necessários ao seu desenvolvimento económico, paraíso fiscal para as grandes transnacionais, dependente e submetido aos interesses dos grupos monopolistas e aos ditames das grandes potências da UE.
As recentes declarações de Cavaco Silva são clarificadoras quanto aos reais objectivos prosseguidos. Com a imposição ao povo português de reforçadas «regras» e «condicionalidades» ao nível da União Europeia – nomeadamente as que agora resultam do Tratado Orçamental, ratificado pelo PS, PSD e CDS e promulgado pelo Presidente da República – pretendem condicionar e, mesmo, pré-determinar a política prosseguida em Portugal, ou seja, tencionando perpetuar a política que tem vindo a ser prosseguida desde o Tratado de Maastricht, com a sua UEM, o Pacto de Estabilidade, o BCE e o Euro, com os PEC’s e o Pacto de Agressão, dizem, pelo menos, por mais 20 anos...
A sua «mais Europa» (isto é, mais UE) significa assim a institucionalização de acrescidos e permanentes mecanismos de ingerência e de usurpação da soberania do povo português.
É este rumo sem futuro que sucessivos governos ao serviço do capital monopolista têm imposto ao País.
Portugal necessita de romper com o rumo de crescente submissão e subordinação externas e defender os seus interesses e afirmar o direito ao seu desenvolvimento económico soberano.
Como temos vindo a afirmar, nada pode obrigar Portugal a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas socioeconómicas e pelo seu próprio regime político. Nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno no quadro da UE e a alienar a sua independência e soberania nacionais.
A realidade tem vindo a comprovar que um maior aprofundamento da UE significará, inevitavelmente, ampliar e reforçar os instrumentos para um maior domínio político e, consequentemente, económico por parte das grandes potências e suas grandes transnacionais – necessariamente colocando em causa a soberania nacional, isto é, o exercício do direito do povo português decidir livremente do seu presente e futuro.
Assim se compreende que a importância da salvaguarda da soberania nacional como condição essencial para romper com o actual rumo de desastre e para a construção de uma alternativa que assegure um Portugal com futuro seja um dos aspectos mais intensamente iludidos e combatidos.
A afirmação de um projecto de desenvolvimento que, promovendo as potencialidades do País, dê resposta às necessidades e aspirações do povo português, exige, necessariamente, a plena afirmação e exercício da soberania nacional e, consequentemente, a rejeição de ingerências e imposições externas, designadamente no quadro de uma UE cada vez mais federalista, neoliberal e militarista.
Como salientamos, uma das mais fortes exigências que emerge do mundo em mudança em que vivemos, não é de gravosas abdicações de soberania, de empobrecedoras uniformizações e de ampliação da distância entre os centros de decisão e os povos, mas da pujante afirmação da riqueza das diferenças, das identidades nacionais, do reconhecimento do direito das nações a um poder político soberano, da aspiração à igualdade de direitos e a novas formas de cooperação mutuamente vantajosas e reciprocamente enriquecedoras.
Tal como o demonstrou na Revolução de Abril, o povo português tem, e deverá sempre ter, o pleno direito de decidir do seu próprio destino e de escolher os caminhos que entender mais conformes com a sua identidade histórica e com os seus interesses e aspirações.
Num dos momentos mais sombrios e graves da história do País, assume redobrada importância comemorar e valorizar a Revolução de Abril, assim como a Constituição da República que continua a consagrar os seus avanços progressistas e caminho de desenvolvimento, pelo seu significado, pelo que representou e representa, pela actualidade dos seus ideais, das suas conquistas e dos seus valores no futuro de Portugal.
A nossa história demonstra que os grandes momentos de avanço progressista foram protagonizados e alcançados pelas massas populares tendo sempre como aspiração e suporte a afirmação da soberania e independência nacional – assim foi com a Revolução de Abril e a Constituição que a consagrou, assim é com a alternativa patriótica e de esquerda e o caminho para uma Democracia Avançada que propomos.