Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República, Reunião Plenária

A situação dos imigrantes em Portugal é uma urgência o PCP exige medidas

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Sentir-se meia pessoa, meio cidadão. Não saber com o que contar, não ter um interlocutor.

Assim estão centenas de milhares de estrangeiros e imigrantes no nosso país, pessoas que vivem e trabalham todos os dias sem saber ao certo com o que contar.

Vidas suspensas, embrulhadas nos processos de autorização de residência e na sua relação com o Estado português.

São muitos, muitos milhares de pessoas que passam os seus dias, recorrendo a ajuda de familiares, amigos, advogados, até a procuradoria ilícita, a telefonar para o SEF, apenas para tentar obter uma marcação.

Falamos de vidas, de situações muito diferentes entre si, de pessoas que procuram regularizar a sua situação ou dos seus filhos, outros que pretendem ver os seus documentos renovados, outros que construíram a sua vida no nosso país e apenas aguardam a possibilidade de reagrupar a família, ainda os que reúnem todas as condições para obter nacionalidade e simplesmente não conseguem.

Em comum estão, tantas vezes, demasiadas vezes, anos de espera.

 

Muitos dos srs deputados aqui presentes terão recebido inúmeros pedidos de ajuda nos vossos e-mails destes cidadãos desesperados.

Da nossa parte, podemos testemunhar situações inconcebíveis.

“Ligo ligo ligo e ninguém atende. Liguei mais de 12.000 vezes nas últimas semanas”

ou

“Estou há meses sem trabalhar porque não renovaram a minha residência”

“sou residente, tive a minha filha aqui ela agora está com 1 e meio e até agora não consigo receber o abono nem consigo fazer a minha marcação no SEF”

 

É preciso ouvir estes gritos de revolta: “quatro anos morando aqui e pagando os meus impostos e contribuições, quatro anos em que a minha filha mora cá sem documentos, e não foi falta de tentar”

Gritos tantas vezes abafados porque um imigrante indocumentado, alguém que não tem em sua posse um cartão, um documento válido, é alguém que não tem segurança para fazer valer os seus direitos.

 

Esta situação envergonha o nosso país.

Levar ao desespero milhares de pessoas que apenas querem ter a sua situação regularizada não é uma política de integração digna desse nome, não é sequer uma política de respeito pelos direitos humanos.

E, no entanto, parece não haver por parte do Governo uma real vontade de resolver este problema e garantir condições dignas a quem procura o nosso país. Uma vez mais, as palavras, as proclamações não correspondem à ação.

 

Estamos a dias da extinção definitiva do SEF e da sua substituição em matéria administrativa pela Agência para a Integração Migrações e Asilo que ficará, a par do IRN no que toca a renovação de títulos e emissão de passaportes, com os processos de Autorização de Residência.

Só no que diz respeito a processos pendentes de pedidos de residência com manifestação de interesse, serão à volta de 300 mil. 300 mil. A que se somam todos os outros processos ao abrigo de outros artigos e de renovação. É incalculável o volume de pendências que transitarão a 30 de outubro para a nova agência.

Preocupado com esta situação e percebendo que para que esta nova agência possa corresponder aos objetivos para os quais foi criada são necessárias medidas extraordinárias urgentes, na semana passada, o PCP apresentou um requerimento para ser ouvida a ministra com a tutela da integração e das migrações, a Ministra Adjunta dos Assuntos Parlamentares, assim como o Conselho Diretivo da nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo, na 1ª Comissão desta Assembleia.

Incompreensivelmente o Partido Socialista opôs-se e assim inviabilizou esta audição.

Alegou ser “extemporâneo”, “tratar-se de uma fase de transição” e que, apesar de já existir um conselho diretivo nomeado, a nova Agência ainda não estar em funcionamento.

 

Ou seja, a alguém que está há 2, 3 ou 4 anos à espera de uma marcação no SEF, dizemos que tem de esperar mais um bocadinho, porque este assunto é terra de ninguém.

A alguém que espera há meses para poder iniciar um processo de reagrupamento familiar e assim poder trazer os seus filhos ou companheiro, diz-se que a sua pretensão é extemporânea.

A quem tem a vida do avesso dizemos “esperem mais um bocadinho porque o governo não tem nada para dizer neste momento”. Porque o MAI está a deixar a pasta e a Ministra responsável pelas Migrações ainda não está inteiramente com a pasta.

Uma fase de transição que, recordamos!, dura há 3 anos desde que, de forma precipitada e irresponsável, foi anunciada em dezembro de 2020 a extinção do SEF. Uma extinção que era para ter acontecido em janeiro de 2022, depois passou para maio, depois suspensa por tempo indeterminado, novamente apontada para uma data -março 2023 e, por fim, 30 de outubro de 2023.

 

Srs deputados,

Uma audição, por si só, não resolverá os problemas. Mas seria uma oportunidade deste Parlamento escrutinar o que está a ser feito, dar resposta às pessoas, uma oportunidade para o Parlamento contribuir inclusivamente para resolver um problema que aumenta literalmente a cada dia com milhares de processos a entrar e sem resposta.

Isto é uma urgência e o PCP exige que se tomem medidas a sério.

Contrariamente ao que foi difundido, não existiu nenhuma medida extraordinária para recuperar processos e também não se conhece qual o plano para devolver alguma dignidade a este serviço.

Publicou-se a prorrogação da validade dos documentos até 31 de dezembro de 2023 no entanto são os próprios serviços da administração pública na Segurança Social, na Saúde e na Educação a limitar a eficácia desta medida.

As pessoas têm receio de sair do país porque poderão não conseguir regressar.

Diz-se que continuarão elementos policiais a dar apoio à AIMA num primeiro momento, o que choca com o argumento da urgência (real, quanto a nós) de separação das funções policiais e administrativas.

Não se sabe que reforço de facto acontecerá nos serviços assoberbados em prejuízo dos seus trabalhadores que lidam todos os dias com a frustração de não conseguir responder às solicitações.

Srs deputados, Fazemos um apelo sério a que se olhe para este problema com a atenção que ele merece. Para que o Governo utilize os meios ao seu dispor para pôr fim a este autêntico desastre.

Srs deputados, os trabalhadores estrangeiros têm remunerações médias mais baixas que os trabalhadores portugueses, têm maior risco de pobreza e exclusão social, pior habitação, mais sobrelotada, menos acesso à saúde e aos direitos em geral. São tantas vezes vítimas de xenofobia e racismo.

São vítimas de aproveitamento para todos os tipos de exploração e até das chamadas máfias das senhas ou das redes de trafico de seres humanos que aproveitam a fragilidade do sistema.

O que o Estado português deve fazer não é apenas proclamar a sua visão humanista, é praticá-la.

É fazer o que está ao seu alcance para promover uma verdadeira integração e igualdade.

Isso passa por acabar com o desrespeito, a humilhação e o absurdo destes processos que apenas vulnerabilizam cidadãos que muito contribuem para que o nosso país e garantir os seus direitos.

 

 

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