Esta sessão legislativa tem vindo a ser marcada, nomeadamente por parte do PS e pelo governo, pelas questões institucionais e formais afastando, objectivamente e deliberadamente da opinião pública as graves questões socioeconómicas que afectam o quotidiano dos cidadãos.
É certamente a tradução da estratégica política definida por um membro do governo de que "é preciso arrepiar caminho". Arrepiar caminho não na alteração de políticas, como se vê, mas no marketing político, na imagem, no desviar de atenções, na pintura cor-de-rosa da realidade, através das estatísticas criativas e dos dados virtuais da economia.
Mas se alguma dúvida houvesse creio que este início de sessão legislativa teve pelo menos uma vantagem. É que tornou claro qual o principal objectivo da revisão constitucional. A pressa com que o governo veio apresentar projectos de novas leis eleitorais pôs a nú qual o verdadeiro objectivo da revisão constitucional e da negociata entre o PSD e o PS.
Isto é, o de criar uma espécie de funil eleitoral (os círculos uninominais) que imponha e force uma dinâmica de voto em torno apenas destes partidos. O de criar no fundo, ganhos de secretaria para o PS e o PSD, mesmo que disfarçados com muitos estudos universitários e com a "treta" da aproximação dos eleitos aos eleitores. Aliás em relação a esta questão e apesar de há anos andarmos a perguntar ao PS sobre qual seria a "aproximação" que passaria a haver entre o único candidato eleito e os eleitores (provavelmente a maioria) que não tivessem votado nele e que até tivessem a maior oposição ao seu partido, o que é certo é que até agora ainda não tivemos qualquer resposta.
Também ficou claro já no início desta sessão legislativa a trapalhada e a embrulhada que o PS teceu no articulado da vergonhosa revisão constitucional sobre a Regionalização e que vai criar sérias dificuldades à sua concretização e avanço.
Sobre esta questão e nestas jornadas parlamentares creio que se justifica, mais uma vez, lembrar e sublinhar o que várias vezes afirmámos: que era na votação da revisão constitucional que se definiriam as responsabilidades pela eventual inviabilização futura da regionalização e não quando se votarem as leis do referendo e a proposta de perguntas que a revisão impôs. É bom que o PS assuma as suas responsabilidades e que se deixe do jogo do disfarce.
A recente posição do governo indo de encontro às reclamações do PSD e desautorizando os deputados do PS (Lacão...) e o grupo parlamentar no seu conjunto é mais um testemunho que mostra que para os principais decisores do PS a Regionalização é apenas um instrumento para a encenação até às autárquicas.
De facto em vez de se respeitar a decisão da maioria quer conceder-se uma espécie de veto aos abstencionistas. É mais uma saída de sendeiro do PS que faz sorrir o PSD e o presidente do grupo parlamentar que já afirmou que a Regionalização se haveria de ver por um canudo!
Abordando ainda as sequelas da revisão constitucional creio que também se justifica nestas jornadas, chamar a atenção para o facto de a pergunta proposta pelo governo sobre a União Europeia, seguindo na esteira do PSD, para além de ser uma mistificação, vir mostrar também tal como sempre afirmámos que o povo português não se vai pronunciar sobre a ratificação do novo tratado da UE e sobre a participação de Portugal na moeda única.
O que se está a congeminar é uma mera fantochada de referendo. A pergunta proposta: "Portugal deve continuar a participar na construção da União Europeia que resulta do Tratado de Amesterdão", condiciona desde logo a resposta.
A primeira parte da pergunta que é aquilo que qualquer cidadão mais retém não é questionada por nenhuma força política. Nenhuma força política coloca a questão de Portugal não participar na construção europeia. Esta pergunta, como aliás as formuladas pelo PSD que com o PS constituem o "bloco central" pró Maastricht, mostra que estes dois partidos o que querem é um simulacro de referendo, uma pseudo legitimação na base de perguntas habilidosas e politiqueiras.
Por isso a questão que daqui colocamos é a seguinte: Senhor Primeiro Ministro, Senhores membros do governo digam com clareza para que serve este referendo, digam com clareza qual o seu alcance, digam o que é que sucederia se o "não" ganhasse nesse referendo. Que consequências é que teria? Ficamos a aguardar pela resposta que se quer sem subterfúgios. Nós não pactuaremos com fantochadas e com mistificações.
Nós combateremos a ideia de se vir a gastar dinheiros públicos que tanta falta fazem ao país para alimentar uma fantochada, uma aldrabice de consulta popular.
Se querem de facto ouvir o povo português sobre questões relevantes, então aceitem a proposta que fazemos, isto é que, o povo português seja consultado "sobre se está ou não de acordo com avanços da integração europeia significando maiores transferências de soberania, a supressão do escudo como moeda nacional, e a existência de um Pacto de Estabilidade com pesadas multas para os países que não cumpram os critérios de convergência de Maastricht". Esta é uma pergunta sobre factos concretos que o PS teima em esconder ao povo português.
A nossa postura em relação à integração europeia tem sido, como os exemplos o mostram, o de, por todos os meios, procurar limitar todos os efeitos negativos e estimular tudo o que surja de positivo, contribuindo e mostrando sempre disponibilidade para potenciar o poder negocial de Portugal. Este é o traço mais específico da nossa intervenção. A intervenção pela proposta e pela positiva e isto tanto na Assembleia da República como no Parlamento Europeu.
Dois anos de governo PS
Hoje não há analista político, ou comentador que não afirme que nas questões essenciais e estruturantes o governo PS prossegue a política cavaquista.
Analistas políticos e até ex-membros do governo, dirigentes e simpatizantes do PS têm-no afirmado quer numa apreciação global, quer sectorialmente, desde a política cultural até à política económica.
E mesmo entre aqueles que afirmavam que o governo PS pelo menos no estilo, na arrogância e no exercício do poder era diferente, hoje verificam com desgosto que nem no estilo as diferenças são de monta.
O uso e abuso do aparelho do Estado, por exemplo ao serviço da campanha eleitoral do PS ultrapassa tudo o que seria imaginável. Já não se sabe onde começa o governo civil e a sede distrital do Partido do governo, nem onde começa a acção do coordenador da campanha eleitoral do PS e onde acaba a intervenção do Ministro do Equipamento. É um fartote em que se fundem os boys, as promoções, os cheques e sacos azuis e as visitinhas dos mais diversos ministros e secretários de Estado.
Por isso foi sem estranheza que ao comemorarem estes dois anos de governo lá se ouviu o sucedâneo da teoria cavaquista do "oásis" na intervenção do Primeiro Ministro e a do "nós ou o caos" na intervenção de Jorge Coelho. E numa, de forte miopia, até tiveram a insensatez de gritarem que "do governo só a oposição diz mal" quando uma simples revisitação por recentes afirmações de vários deputados do PS os deveria levar, a pelo menos a uma maior prudência e comedimento...
Mesmo em relação à coesão do governo parece que já não lhes basta as lutas entre Ministros e Secretários de Estado e de a remodelação governamental estar suspensa apenas por causa das autárquicas...
Mas o que deixaram no Coliseu de mais claro, foi uma grande ambição. Não a ambição de procurarem dar respostas urgentes ás situações sociais mais gritantes mas sim, em conquistarem o "poder absoluto". Isto é a poderem estar sentados, com mais arrogância, menos fiscalização e mais segurança, à mesa do Orçamento.
O de juntos poderem gozar as delícias do poder sem se preocuparem com a fiscalização e com as oposições; o de juntos poderem continuar ainda com mais opacidade a dar curso aos "toto-negócios", às Lisnaves, às Torraltas e aos Autódromos; o de juntos poderem continuar a dar curso ao saque das empresas públicas e a alienarem a independência nacional.
O de juntos continuarem a fazer Portugal à medida dos seus interesses e dos interesses da alta finança.
Dois anos de promessas na gaveta bem poderia ter sido o lema das festividades no Coliseu.
Prometeram fazer da droga o inimigo público número um e os dados oficiais não só mostram a sua expansão como qualquer cidadão conhece onde ficam os verdadeiros hipermercados da droga que à luz do dia traficam livremente.
Prometeram fazer do combate ao desemprego a primeira prioridade e o que se vê é que apesar da limpeza dos ficheiros a mando do governo, o desemprego não só não diminuiu como a maioria do emprego criado é precário, mal pago e sem direitos.
Prometeram mais segurança, mas com o desemprego, o trabalho precário, e o aumento do flagelo da droga a insegurança e a criminalidade continuam a aumentar.
Prometeram a semana das 40 horas e continuaram a negá-la a milhares de trabalhadores.
Prometeram melhor ensino e passados dois anos o que temos é o elitismo e a degradação escolar e a paixão pelas propinas e os numerus clausus.
Prometeram mais e melhores cuidados de saúde e a verdade é que dois anos depois a situação no conjunto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) continua a degradar-se, com as inadmissíveis listas de espera e atrasos nos atendimentos dos utentes, mesmo para os portadores de doenças graves.
Enfeitam-se com os agregados macro-económicos da economia, que em boa parte são virtuais, fruto de engenharias contabilísticas, mas que não alteram a realidade. Servem apenas de propaganda.
Os trabalhadores e os reformados e milhares e milhares de famílias não sentem as melhorias desses valores estatísticos, nem em relação aos aumentos reais do poder de compra, nem em relação aos valores da inflação, nem em relação aos salários ou a melhores perspectivas de futuro.
Na agricultura, por exemplo, o rendimento dos agricultores não aumenta e o Ministro da Agricultura até já achou por conveniente insultar os produtores portugueses e elogiar os espanhóis.
Com esta orientação e com as políticas neoliberais, não admira que neste primeiro semestre o agravamento do défice da balança comercial nomeadamente com a Espanha tenha sofrido um novo e substancial agravamento.
Por outro lado, a desorientação e a partidarite é de tal ordem que já nem os Fundos Estruturais são capazes de aproveitar, pois está-se com um grau de execução extremamente baixo em relação aos mais significativos. Isto é inaceitável num país com tão graves carências. Que explicações é que dá o Primeiro-Ministro para este rotundo fracasso com tão negativas consequências para o País? Vai continuar a manter o silêncio e a fugir às questões incómodas?
E esta é uma questão incontornável como é incontornável o total fracasso do chamado Plano Mateus.
Restam as grandes obras públicas mas estas, só por si, não dão resposta ao crescente definhamento do aparelho produtivo nacional, nem ao agravamento das assimetrias regionais.
Impõe-se uma outra orientação, impõe-se uma outra política.
Mesmo pontualmente continuamos a insistir que era possível e era social e economicamente justo aumentar-se extraordinariamente as pensões e reformas abaixo do salário mínimo nacional em pelo menos três mil escudos, aumento este que deveria ser adicionado com as actualizações anuais feitas em sede de Orçamento.
Do mesmo modo reafirmamos que era possível diminuir desde já as tarifas da electricidade, acabando com esse autêntico imposto que os consumidores estão a pagar para favorecer a privatização da EDP.
Pensamos também ser necessário encarar, a exemplo de outros países europeus, uma ajuda aos pais, em relação ao cabaz do ensino, nomeadamente em relação às despesas escolares que todos os anos em Setembro/Outubro pesam substancialmente no rendimento de milhares e milhares de famílias.
Eram medidas que iriam responder a situações de grandes dificuldades e que alargariam o mercado interno estimulando também assim a produção, o investimento e o emprego.
Mas seguindo a mesma orientação tudo indica que vamos ter mais um Orçamento a navegar nas águas dos critérios de Maastricht, satisfazendo os interesses das grandes potências e dos mercados financeiros à custa dos trabalhadores e do povo.
Seguindo o credo neoliberal também orquestrado pelo FMI e Banco Mundial e pela sua caixa de ressonância, a OCDE, a terapêutica é sempre a mesma:
Flexibilidade reforçada, congelamento dos salários sobre o eufemismo da moderação salarial, desregulamentação e liberalização total do mercado de trabalho, desresponsabilização do Estado das suas funções sociais. Exploração sem barreiras nem entraves e entrega às seguradoras privadas do que é o "bife" da Segurança Social, tudo em nome de se evitar uma pretensa ruptura. Se tudo correr segundo o que dita a batuta da alta finança alemã e se não houver nenhum estoiro bolsista ou no Sistema Monetário, daqui por um ano será lançada a moeda única, tendo por corolário o abandono do instrumento da política monetária e, através das multas do Pacto de Estabilidade a paralisação da arma orçamental. Isto é, de um só golpe, emprego e políticas salariais e sociais tornar-se-ão nas únicas variáveis de "ajustamento" a choques conjunturais...
Os trabalhadores e os povos recusam cada vez mais as políticas liberais que levadas à prática há mais de quinze anos mostram a sua capacidade em fazer recuar a justiça social, os direitos e os salários mas não o desemprego, que não tem cessado de aumentar.
Não há dúvida que o grande capital tem um sonho, mas os trabalhadores e os povos têm outro. E também em Portugal os trabalhadores, os sindicatos e todas as forças progressistas não deixarão de dar combate à regressão social seja ela conduzida pelo PSD ou pelo PS.
Pela nossa parte - grupo parlamentar - vamos continuar a intervir com medidas alternativas, com projectos de lei, mostrando que há outros caminhos, que há outras vias, que esta política não é uma fatalidade nem uma inevitabilidade.
E esta postura tanto se verificará em relação à política geral e sectorial como em relação ao Orçamento do Estado.
O crescimento da riqueza sem justa repartição, sem justiça social e sem dimensão ambiental não é desenvolvimento.
A estabilidade é em primeiro lugar social. Não há sofismas nem chantagens que alterem esta realidade.
O PSD já afirmou que viabilizaria o Orçamento. E de facto não tem razões substanciais para não o fazer pois no essencial o governo PS prossegue a mesma política económica e orçamental do anterior governo. As suas divergências ou são de pormenor ou sobre questões secundárias ou são pura e simplesmente teatro para mostrar que há oposição.
O PP que desta vez parece ter descoberto que este Orçamento será um Orçamento de Maastricht fez voz grossa para dizer que não o votará favoravelmente. Mas como sabemos, os anteriores também eram Orçamentos para abrir as portas da Moeda Única e o PP viabilizou-os, pelo que se a CIP ou o Ferraz da Costa mudarem de ideias - e a troco de algumas compensações - também poderá vir a votá-lo favoravelmente.
A viabilização do Orçamento, se não entrarem em linha de conta os cálculos politiqueiros, não é problema. Mas também não é de excluir que o governo procure falsos pretextos para criar algum clima de tensão artificial que lhe seja favorável nas eleições autárquicas. Seria o mesmo teatro de Julho.
Creio que estais de acordo que a nossa postura se deve guiar por um só critério, o dos interesses do povo e do país, o do desenvolvimento, o do bem estar das populações, o da luta pela transparência, o da justiça social, o da defesa da soberania e independência nacionais.
Continuaremos a trabalhar por uma sociedade mais justa, humana e fraterna, a honrar a palavra dada, a dar voz aos que não a têm, e, com coerência, empenho e determinação, a lutar pela transformação social, por um Portugal de progresso e justiça numa Europa de paz e cooperação.