Intervenção de João Ferreira, Deputado ao Parlamento Europeu e Membro do Comité Central, Sessão de abertura das Jornadas Parlamentares do PCP no Distrito de Santarém

«A afirmação soberana do direito ao desenvolvimento é condição de defesa da própria democracia»

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A afirmação de uma política soberana, que liberte Portugal das imposições e constrangimentos da União Europeia, em particular os associados ao Euro, constitui um dos eixos estruturantes da política alternativa, patriótica e de esquerda, que o PCP propõe ao povo português.

Três anos passados, não ignoramos a importância do afastamento do Governo PSD-CDS do poder. Não subestimamos, pelo contrário, valorizamos todas e cada uma das conquistas alcançadas neste período, através da luta dos trabalhadores e do povo e da acção do PCP.

Mas a verdade é que a situação nacional se mantém claramente marcada pela espessa teia de condicionamentos e de imposições que emanam da União Europeia, que vão do Euro e da União Económica e Monetária aos programas ditos de estabilidade, aos planos nacionais de reformas, ao Semestre Europeu, às ameaças de sanções, passando pelo próprio orçamento comunitário, pela União Bancária, pelo impacto assimétrico do mercado único e das políticas comercial, agrícola, de pescas e outras.

Condicionamentos e imposições aos quais o Governo do PS se mantém voluntariamente amarrado, não estando disponível para os enfrentar.

Passam este ano vinte anos desde que outro Governo PS, com o apoio do PSD e do CDS, decidiu amarrar Portugal ao “pelotão da frente” da moeda única.
Foram duas décadas de crescimento quase nulo – Portugal foi um dos países que menos cresceram no mundo. Fizemo-lo a um ritmo quatro vezes inferior ao que se verificou nos vinte anos anteriores e a um ritmo inferior ao da média da Zona Euro, aumentando a distância face a outros países. A taxa de desemprego média aumentou significativamente. Os salários reais praticamente estagnaram, crescendo a um ritmo dez vezes inferior ao que se verificou nos vinte anos anteriores e cinco vezes inferior ao crescimento da produtividade do trabalho. O peso dos salários no produto nacional caiu para níveis historicamente baixos. O investimento desde há vários anos que não repõe sequer o consumo (desgaste e inutilização) de capital fixo. Degrada-se o aparelho produtivo. Degradam-se os serviços públicos e as funções sociais do Estado.

A ténue e insuficiente recuperação que se registou nestes últimos anos não apaga a percepção de duas décadas perdidas no desenvolvimento do país.
É neste quadro que a afirmação soberana do direito do país ao desenvolvimento, livre dos constrangimentos que o coarctam, se assume como um eixo estruturante de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

Esta afirmação relaciona-se com os demais eixos prioritários da política alternativa de que o País precisa e que o PCP propõe ao povo português. Ou não implicasse, cada um destes eixos, no seu desenvolvimento e implementação, algum grau de confronto com as imposições e constrangimentos da União Europeia.

Renegociar a dívida, libertar recursos para responder às necessidades de investimento público, de desenvolvimento e de criação de emprego, exige romper com os constrangimentos do Tratado Orçamental mas exige igualmente preparar o país para se libertar dos mecanismos que estiveram e estão subjacentes à explosão da dívida e dos encargos que lhe estão associados.

O controlo público da banca e a recuperação para o sector público também de outros sectores básicos estratégicos da economia é essencial para redireccionar estes sectores para a sua função social, para o apoio às famílias, às micro, pequenas e médias empresas, para a promoção do desenvolvimento económico e social, libertando-os da dominação monopolista privada que desvia recursos do país, dos trabalhadores e do povo e cujos resultados estão à vista. Uma dominação que o projecto de União Bancária visa acentuar, promovendo e organizando a concentração monopolista do sector bancário à escala europeia.

O objectivo de valorização do trabalho e dos trabalhadores – assente no pleno emprego, no aumento dos salários, na redução do horário de trabalho, na defesa do trabalho com direitos, no combate ao desemprego e à precariedade e em reformas e pensões valorizadas – (este objectivo) choca inapelavelmente com as estratégias e as orientações da União Europeia que preconizam o contrário de tudo isto, como ainda recentemente pudemos ver nas “recomendações por país” reiteradas para Portugal pela Comissão Europeia.

A defesa e promoção da produção nacional, com o desenvolvimento de uma política de Estado em defesa da indústria, da agricultura e das pescas, é essencial para colocar os recursos nacionais ao serviço do povo e do país e para reduzir os défices estruturais, a dependência externa e a dívida. Este objectivo deve prevalecer sobre os constrangimentos – sucessivamente aceites por PS, PSD e CDS – associados à Política Agrícola Comum, à Política Comum das Pescas, à Política Comercial Comum, ao orçamento e a outros aspectos da legislação da União Europeia.

A valorização da administração e serviços públicos, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da Segurança Social, um verdadeiro serviço público de cultura, são exigências incontornáveis para promover o desenvolvimento, o progresso e a justiça social. Exigências que se confrontam com as limitações impostas pelo Pacto de Estabilidade e pelos ritmos agravados de consolidação orçamental, e com as estratégias de liberalização que promovem a desarticulação e a privatização de serviços públicos e das funções sociais do Estado.

Um país independente e soberano, com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos, não pode submeter-se nem aceitar o aprofundamento do militarismo da União Europeia, em articulação com a NATO, ao serviços dos interesses e ambições das suas principais potências.

Perante este quadro contraditório, a intervenção dos deputados do PCP no Parlamento Europeu – orientada pelo inabalável compromisso de defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país – combateu firmemente as decisões que prejudicam esses interesses; reclamou e procurou aproveitar todos os recursos, meios e possibilidades a favor o povo e o país; e tudo fez para minimizar, com iniciativas concretas, os condicionalismos e consequências negativas da integração. Razões pelas quais o reforço dessa intervenção, com o reforço da presença de deputados do PCP no Parlamento Europeu, é um objectivo útil, necessário e possível.

Perante o ascenso da extrema-direita na Europa e a evolução da União Europeia que lhe vem abrindo o caminho – com o aprofundamento do neoliberalismo, do federalismo e do militarismo – os povos não estão condenados a falsos dilemas e dicotomias.

A afirmação soberana do direito ao desenvolvimento é condição de defesa da própria democracia.

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