Camaradas, amigos, familiares de Sérgio Vilarigues – filho e netas.
Evocamos hoje o centenário do nascimento de Sérgio Vilarigues, destacado dirigente do Partido Comunista Português, revolucionário de corpo inteiro, abnegado, corajoso e firme lutador contra a ditadura fascista, pela construção de um Portugal democrático e soberano, pelo socialismo e pelo comunismo.
Sérgio Vilarigues, durante mais de 30 anos foi para a organização partidária tão só o camarada «Amílcar», pseudónimo usado para cobrir a sua actividade clandestina. Essa actividade que tecia a rede que unia os combatentes dispostos a trocar a sua própria liberdade pela libertação dos trabalhadores e do seu povo. Essa rede por onde corriam a energia e a coragem que alimentavam a luta, cuja construção exigia homens e mulheres dispostos a correr todos os riscos, incluindo o da perda da própria vida.
Pelo seu percurso de vida como revolucionário comunista, pela variada e natureza complexa das tarefas sem conta que realizou, pelas elevadas responsabilidades que assumiu na Direcção do PCP, em circunstâncias muitas vezes dramáticas, Sérgio Vilarigues ocupa um lugar particular na história do PCP, Partido ao qual pertenceu convicta e coerentemente durante mais de 70 anos e ao qual deu generosamente o melhor da sua vida. Uma vida que se confunde com própria história do Partido durante esse período.
Sérgio Vilarigues faz parte do núcleo de militantes que temos designado por construtores do Partido, homens e mulheres que em condições extremamente difíceis e à custa de enormes sacrifícios pessoais e humanos – vida precária, clandestinidade, anos e anos ausentes do convívio familiar, sem mesmo poderem ver crescer os filhos, prisões, torturas e a perda da própria vida – construíram o PCP como um grande partido nacional, o único Partido que continuadamente combateu a ditadura fascista e se tornou na vanguarda assumida e reconhecida da luta dos trabalhadores e do povo português pela liberdade. O único Partido que justamente pode reivindicar a condição de Partido da resistência, da conquista da liberdade, da democracia e do futuro.
Um partido que pela acção de Sérgio Vilarigues, de tantos e tantos outros militantes revolucionários como ele, se tornou na força necessária e insubstituível na luta dos trabalhadores e do nosso povo, por uma vida melhor, por uma sociedade nova mais justa, mais democrática e mais igualitária, liberta da exploração e da opressão.
Sérgio Vilarigues nasceu a 23 de Dezembro 1914 no lugar de Torredeita, concelho de Viseu. A sua infância e juventude foram naturalmente marcadas pelo berço. Nascido no seio de uma família numerosa – 7 irmãos – órfão de pai ainda miúdo, começa a trabalhar nas lides do campo como guardador de cabras. Aos 12 anos inicia a profissão de marçano, que abandonará já em Lisboa, onde passou a viver, tornando-se operário salsicheiro – decisão que marcará decisivamente a sua vida e o percurso como revolucionário, empenhado na luta emancipadora dos trabalhadores e dos povos.
Como operário começa a intervir na luta colectiva dos trabalhadores contra a exploração e quando a ofensiva fascista contra os trabalhadores estava já em curso. Ingressa no sindicato do sector, o Sindicato dos Trabalhadores das Carnes Verdes. É no quadro dessa participação em defesa dos interesses colectivos dos seus iguais que desenvolve a sua consciência de classe e política.
É em 1932, com apenas 18 anos, e quando o PCP já tinha sido ilegalizado havia 5 anos e a ofensiva fascista expunha o seu lado tenebroso e um grande número de comunistas jazia nas cadeias fascistas que Sérgio Vilarigues, enfrentando a adversidade de uma negra realidade que faz essa opção consciente e corajosa que vai determinar toda a sua vida de combatente decidido, aderindo à Federação das Juventudes Comunistas e não tardaria ao PCP. É nesse período que inicia e toma em mãos a actividade de solidariedade para com as vítimas das perseguições fascistas, no quadro do Socorro Vermelho Internacional, organização a que pertenceu em 1933-1934.
Sérgio Vilarigues participa na Jornada do 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos, a primeira grande acção da classe operária portuguesa contra o fascismo.
Meses depois, nesse mesmo ano, Sérgio Vilarigues é preso na via pública, quando com outros jovens participava numa acção de agitação pela libertação de um jovem comunista condenado a 20 anos de cadeia, a mais brutal pena aplicada até então pelos tribunais fascistas.
Em 1935, na Cadeia do Forte de Peniche, quando já tinha sido julgado e condenado em Tribunal Militar Especial, e o seu futuro como preso se mantinha incerto, Sérgio Vilarigues passa a militar no PCP.
Dali, daquele cárcere da ditadura, foi enviado pelos algozes nas condições que acabamos de ouvir pela sua voz para as sinistras cadeias do Forte de São João Baptista, em Angra do Heroísmo (Açores) e para o Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde).
Tendo integrado a primeira leva de 152 presos escolhidos para «inaugurar» em Outubro de 1936 o Campo de Concentração do Tarrafal, Sérgio Vilarigues só será libertado em 1940 quando já tinha terminado a pena a que fora condenado havia 4 anos.
No Tarrafal – tal como já antes nas esquadras de polícia e em Angra – Sérgio Vilarigues foi submetido a brutais castigos como a «frigideira» e «trabalhos forçados». A tudo resiste e a nada renunciou, como homem de carácter e firmes convicções ideológicas do comunista convicto que era Sérgio Vilarigues.
O Campo de Concentração do Tarrafal não era apenas uma das várias prisões fascistas. Pela inspiração que ditou a sua criação – os campos nazis; pelos critérios que levam à escolha do local – um clima inóspito; pelas condições precárias em que viviam os presos – degradantes condições sanitárias, sem água potável, péssima alimentação, carência de assistência médica e medicamentosa; como salienta Sérgio Vilarigues – pelos brutais castigos a que os presos eram sujeitos, o Campo de Concentração era a mais sinistra cadeia fascista, concebida e organizada para aniquilar física e psicologicamente os presos que para lá eram enviados e que se expressa no trágico balanço dos 19 anos de existência do Campo: muitas longas penas no mais completo isolamento; 32 mortes e dezenas e dezenas de presos com a saúde definitivamente arruinada, alguns dos quais morreriam pouco depois de libertados.
Sérgio Vilarigues sai do Tarrafal, em 1940, depois de tantas provações, com a mesma determinação de que já antes tinha dado provas – a de prosseguir a luta contra o fascismo.
Viviam-se, então, tempos sombrios e de terror por toda a Europa e os tambores da guerra já se faziam ouvir. Tempos que exigiam coragem redobrada, numa altura em que o movimento operário era alvo da mais feroz perseguição, a ditadura de Salazar se tinha consolidado, o domínio nazi-fascista era avassalador e os destinos da União Soviética incertos.
É enfrentando perigos imensos que Sérgio Vilarigues retoma de imediato a sua actividade partidária, lançando-se com vários outros camaradas, igualmente saídos das cadeias fascistas, incluindo do Tarrafal, na audaciosa, decisiva e confiante tarefa de reorganizar o PCP, de o colocar em condições de desempenhar o seu papel de vanguarda da resistência antifascista, tornando-o um grande partido nacional, profundamente enraizado nos trabalhadores e nas massas populares.
Em 1942 Sérgio Vilarigues torna-se funcionário do Partido, passando à clandestinidade, situação na qual se manterá durante 32 anos, até ao 25 de Abril de 1974, sem nunca mais voltar a ser preso, apesar de durante 27 anos no conjunto dos 32, ter permanecido no interior do País, tornando-se deste modo o militante que mais tempo viveu na clandestinidade e que também mais tempo continuadamente exerceu responsabilidades de Direcção.
Em 1943, no III Congresso, o primeiro ilegal, ingressa no Comité Central no qual permanecerá durante 53 anos.
Em 1949, depois do pesado golpe sofrido pelo PCP com o assalto à «Casa do Luso» e consequente prisão de Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, bem como a prisão na mesma altura de outros funcionários do Partido e o assalto a uma tipografia clandestina, Sérgio Vilarigues é chamado ao Secretariado, organismo que levou a cabo com êxito a tarefa de defender o Partido de uma das mais poderosas ofensivas repressivas que teve de enfrentar.
Sérgio Vilarigues integrou o Secretariado do Comité Central de 1949 a 1988. De 1967 a 1972 integrou simultaneamente o Secretariado e a a Comissão Executiva do Comité Central. Foi membro da Comissão Política e do Secretariado do CC de 1974 a 1988 e da Comissão Central de Controlo de 1988 a 1996.
Tendo integrado durante 4 décadas os Organismos Executivos do Comité Central do PCP, Sérgio Vilarigues teve participação activa em todos os grandes momentos da vida partidária, da luta dos trabalhadores e do povo contra o fascismo e na Revolução de Abril, no desenvolvimento das suas conquistas, pela afirmação e consolidação do regime democrático e contra as forças da reacção que o pretendiam liquidar, e posteriormente na resistência ao processo de recuperação capitalista e monopolista que os protagonistas da política de direita levaram a cabo a partir de 1976.
Percorreu clandestinamente o País de norte a sul. Foi responsável praticamente por todas as organizações regionais do Partido, acompanhou organizações específicas como as da juventude e trabalho unitário, como o MUNAF. Foi responsável pela montagem e acompanhamento do aparelho de falsificação de documentos indispensáveis à vida clandestina.
Ouvimos Sérgio Vilarigues salientar a importância das tipografias clandestinas do PCP e a complexidade da tarefa que era a sua defesa, sabendo-se que elas eram um dos alvos principais da acção repressiva da PIDE.
As tipografias do PCP, verdadeiros «prelos da liberdade», eram no dizer do comunista José Moreira, responsável pela ligação às tipografias clandestinas, assassinado pela PIDE em 1950, «o coração da luta popular» a que acrescentava que «um corpo sem coração não pode viver».
Na verdade assim era. Das tipografias clandestinas do PCP saíram milhões de documentos vários – manifestos, folhetos, brochuras, jornais – que denunciaram a política e os crimes fascistas, informavam sobre a vida nacional e internacional, apelavam à organização e à luta, fomentavam a solidariedade para com as vítimas do fascismo, cabendo ao «Avante!», órgão central do Partido, papel particular nesta acção.
Publicado clandestinamente a partir de 1931, e depois da reorganização ininterruptamente desde 1941 a 1974, sempre impresso no interior do País, o «Avante!» constitui caso único no mundo no panorama da imprensa clandestina, uma grande vitória política e organizativa do PCP, só tornada possível pelo empenho, abnegação, consciência revolucionária de milhares de militantes do nosso Partido que asseguraram o municiamento das tipografias, imprimiram os documentos e os levaram a todos os pontos do País.
Quem verdadeiramente queira conhecer o que foi o papel do PCP na resistência, a vida política durante o fascismo, o que foi a luta heróica dos trabalhadores e do povo, e a acção das forças democráticas, obrigatoriamente não poderá prescindir das páginas do «Avante!» clandestino, o único jornal onde a censura fascista nunca entrou e a sua acção repressiva não silenciou.
A actividade de Sérgio Vilarigues, tendo sido por vários períodos responsável pelo «Avante!» durante 16 anos, permanecerá indissociavelmente ligado à história do «Avante!» e ao seu papel na luta contra o fascismo.
Sérgio Vilarigues foi um dos construtores do aparelho clandestino do PCP, instrumento sem o qual não teria sido possível encabeçar durante décadas a resistência, lutar abnegadamente pelo derrube do fascismo, objectivo a que dedicou parte significativa da sua vida e pelo qual pagou um pesado tributo. Mas foi igualmente um empenhado e entusiasta interveniente na Revolução de Abril e na construção do regime democrático. Empenha-se na resolução dos problemas novos que se colocavam à actuação do Partido nas condições de legalidade, acompanha organizações regionais, intervém nas batalhas políticas e ideológicas.
Como membro do Secretariado do Comité Central assume a responsabilidade pelas relações internacionais e pela Secção Internacional do PCP, tendo participado em numerosos encontros com delegações estrangeiras, em congressos de Partidos irmãos e outras iniciativas, em representação do PCP, actividades de extrema importância para dar a conhecer a Revolução Portuguesa e apelar à solidariedade para com o nosso povo.
Participa em encontros com os movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas, participa na proclamação da independência de Angola em representação do PCP, a única força política a estar presente naquele acto histórico em apoio inequívoco do PCP ao processo de liquidação do colonialismo português.
Sérgio Vilarigues morreu no dia 8 de Fevereiro de 2007, com 92 anos de idade. Deixou-nos para sempre naquele dia, mas o exemplo da sua vida perdurará como um estímulo à nossa luta e à defesa da identidade comunista do PCP. Uma vida de coerência, de plena entrega ao seu Partido, o PCP, ao qual pertenceu durante mais de 70 anos. Uma vida de entrega plena à luta dos trabalhadores e de confiança no triunfo do socialismo e do comunismo – o ideal da emancipação humana.
Sérgio Vilarigues, como tantos e tantos outros militantes comunistas, considerava a entrega à luta pelos interesses dos trabalhadores por uma sociedade mais justa, como um dever, uma forma de realização. Uma entrega pela qual nada pediu, nada reclamou.
Como salientou Álvaro Cunhal «as vidas dos revolucionários valem como sementes nas vidas dos povos». A melhor forma de homenagear e honrar a memória de Sérgio Vilarigues, e de tantos revolucionários comunistas é continuar a luta pela qual deram o melhor de si e das suas vidas.
É continuar e intensificar a luta de hoje contra a política de direita. Num tempo em que vivemos momentos difíceis e perigosos; que prossegue o rumo da destruição das conquistas de Abril; que se agravam todos os problemas do país e do povo; em que se tornou necessário e urgente travar a fúria restauracionista do Governo PSD/CDS e romper com mais de 38 anos de política de direita em Portugal.
É continuar a luta pela afirmação e concretização de uma alternativa patriótica e de esquerda capaz de retomar os caminhos de Abril e reafirmar os seus valores e conquistas.
Homenagear e honrar a memória de Sérgio Vilarigues é continuar a luta por uma democracia avançada, parte integrante da luta pelo socialismo.
É levar cada vez mais longe e erguer cada vez mais alto o ideal da construção de uma terra sem amos, livre de todas as formas de exploração e de opressão, que Sérgio Vilarigues abraçou e dignificou com uma vida de coerência, dignidade, de entrega desinteressada ao serviço de uma causa justa, neste Partido, com tudo o que ele comporta de aspiração, sonho e projecto por um mundo melhor.