Revoga a revisão do regime jurídico do arrendamento urbano aprovado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto
Em média mais de cinco famílias por dia são despejadas da sua habitação porque os seus rendimentos não permitem pagar os elevados valores de renda. Esta é a realidade e é resultado da alteração ao novo regime do arrendamento urbano imposto por PSD e CDS. Na prática nunca foi uma lei para a promoção do arrendamento urbano (não há registo de os contratos de arrendamento terem aumentado), mas sim uma lei de despejos, devido à introdução de mecanismos vários para facilitar o despejo, como a criação do Balcão Nacional do Arrendamento, mas que verdadeiramente só trata de despejos de uma forma administrativa e cega. É uma verdadeira Lei dos Despejos, da qual resulta a negação do direito à habitação, o despejo sumário de milhares e milhares de famílias das suas habitações, o despejo de centenas de coletividades e o encerramento de inúmeras micro, pequenas e médias empresas, estabelecimentos dos mais diversos sectores, do comércio e serviços à restauração, da indústria à hotelaria.
Alertámos na altura que a total liberalização dos valores de renda iria levar a brutais aumentos no valor de renda como hoje se está a verificar. A par disto, o desenvolvimento desordenado e não planeado da atividade turística tem efeitos negativos na disponibilização de oferta de imóveis para habitação própria e permanente e os que existem têm preços proibitivos (altamente especulativos) para a esmagadora maioria dos trabalhadores.
Semelhantes preocupações têm as micro, pequenas e médias empresas, que hoje dão vida às cidades e vilas e se veem na iminência de terminar a sua atividade económica, colocando em causa muitos e muitos postos de trabalho. O regime de arrendamento urbano de PSD e CDS veio tratar de forma igual o que é manifestamente diferente: arrendamento habitacional e arrendamento para a atividade económica (vulgo comercial). Ignorando as especificidades em causa, o regime jurídico de arrendamento imposto pelo Governo veio penalizar e ameaçar estas empresas, agravando profundamente as condições em que desenvolvem a sua atividade.
A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, foi um indisfarçável instrumento concebido pelo Governo PSD/CDS e pela maioria parlamentar que o suportava para servir os interesses dos senhorios e a atividade especulativa do capital financeiro no mercado imobiliário, constituindo um fator adicional de instabilidade social, que se traduziu no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias e no aumento significativo de casos de exclusão extrema. Para o Governo PSD/CDS, a preocupação não foi a concretização do direito à habitação e a elevação do nível de vida dos portugueses, mas sim servir os grandes interesses ligados aos mercados imobiliários.
Para evitar consequências ainda mais gravosas desta lei dos despejos, por iniciativa e proposta do PCP foram aprovadas um conjunto de alterações cirúrgicas à lei, no fundamental para impedir que os inquilinos abrangidos pelo regime transitório, cujo prazo estava a terminar, fossem despejados. Das alterações propostas pelo PCP e aprovadas destacam-se:
- A prorrogação do período transitório por 10 anos para os idosos, as pessoas com incapacidade superior a 60% e o arrendamento não habitacional;
- A prorrogação do regime transitório por 8 anos (apesar de não corresponder à nossa proposta que era por 10 anos) para as pessoas com rendimentos inferiores a cinco retribuições mínimas nacionais anuais;
- A introdução de mais dois escalões na determinação do valor de máximo de renda para os rendimentos mais baixos;
- O alargamento do período do contrato de dois para cinco anos;
- A transmissão do contrato por morte do arrendatário no realojamento por motivo de obras ou demolição;
- A introdução de mecanismos que dificultam a denúncia de contrato por motivo de obras profundas;
- O aumento de dois para três meses de rendas em atraso para dar lugar ao início de um processo de despejo e o aumento de 15 para 60 dias para o inquilino desocupar o locado;
- E ainda uma maior proteção das coletividades de desporto, cultura e recreio.
Contudo, Assembleia da República perdeu uma oportunidade para ir mais longe na defesa do direito à habitação e que não se concretizou pela convergência do PS com PSD e CDS, quando rejeitaram a extinção do balcão nacional do arrendamento ou quando não se reduziu o valor da renda máxima no período transitório para 4% do valor patrimonial do locado.
A intervenção do PCP permitiu dar mais alguma estabilidade às muitas famílias que estavam na iminência de deixar a sua habitação, para muitas famílias a habitação de toda uma vida, no final de 2017 quando terminava o período transitório.
Mas afirmámos também que era necessária uma intervenção mais profunda no regime de arrendamento urbano, para que respeitasse os direitos dos inquilinos e protegesse o direito à habitação.
As alterações introduzidas nesta Legislatura permitiram evitar os despejos dos moradores e das micro empresas abrangidas pelo regime transitório por mais algum tempo, mas não evitam os despejos dos agregados familiares e das micro, pequenas e médias empresas que já estão abrangidas pelo novo regime de arrendamento urbano. Neste sentido o Grupo Parlamentar do PCP propõe a revogação do regime de arrendamento urbano imposto por PSD e CDS.
Confiar o arrendamento urbano a mercados totalmente liberalizados, como a lei preconiza, só agravará ainda mais os problemas neste setor. Para o PCP é necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades na condução das políticas de arrendamento urbano e reabilitação urbana, de modo a que, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa, todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 156.º da Constituição da República e do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 – A presente Lei revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 79/2014, de 19 de dezembro e 42/2017 e 43/2017 de 14 de junho, repristinando as normas por esta revogadas.
2 – São, consequentemente, revogados o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, que procede à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo, bem como o Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de agosto, que procede à adaptação à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, dos Decretos-Lei n.º 158/2006 e n.º 160/2006, ambos de 8 de agosto.
3 – Pela presente lei fica suspensa a atualização anual de renda dos diversos tipos de arrendamento, bem como a atualização da renda ao abrigo do regime constante dos artigos 30.º a 56.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação originária.
4 - Excecionam-se da revogação prevista no n.º 1:
a) o Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados e republicado nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho;
b) o artigo 2.º da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, que altera os artigos 1072.º e 1103.º do Código Civil;
c) a Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, que estabelece o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social;
d) o artigo 5.º da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho que altera os artigos 1083.º; 1084.º, 1094.º e 1103.º do Código Civil.
Artigo 2.º
Norma transitória
Aos processos pendentes em tribunal ou não resolvidos definitivamente é aplicada a lei mais favorável aos arrendatários.
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.