Exposição de motivos
O acesso a uma habitação condigna e “de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto”, tal como preconiza a Constituição da República, está longe de ser uma realidade.
Segundo os elementos que constam das estratégias locais de habitação aprovadas, estima-se que haja necessidade de dar resposta a mais de 100 mil famílias, muito superior às 26 mil famílias identificadas no levantamento realizado em 2017/18. Se o investimento previsto no Programa de Recuperação e Resiliência para a habitação já era insuficiente para suprir as carências habitacionais destas 26 mil famílias, com estes dados torna-se ainda mais limitado.
Durante décadas os Governos demitiram-se da sua responsabilidade de garantir o direito à habitação. Deixaram “nas mãos do mercado”, que não resolveu nenhum problema, só contribuiu para o seu agravamento, empurrando as famílias para o endividamento e com custos cada vez mais elevados, incomportáveis para a esmagadora maioria das famílias, sobretudo para as famílias com baixos rendimentos.
Nos últimos dez anos os preços da habitação aumentaram mais de 60% e os valores das rendas cresceram 25,1%. São as famílias de mais baixos rendimentos que se vêm obrigadas a uma taxa de esforço incomportável (acima de 40%) para garantir habitação.
Há famílias a viver em habitações sem condições de habitabilidade, famílias a viver em quartos, algumas regressaram para a casa dos pais ou jovens que, por impossibilidade de aceder a habitação, não conseguem alcançar uma vida independente.
As atuais dificuldades no acesso à habitação resultam da liberalização, da consideração da habitação não como um direito essencial, mas como mais uma mercadoria geradora de chorudos lucros para os fundos imobiliários e o sistema financeiro.
Pouco ou nada tem sido feito para conter a especulação imobiliária, deixando as pessoas à mercê dos negócios e o direito à habitação abandonado à lógica dos fundos de investimento e do capital financeiroou da dominação da utilização turística.
Pouco ou nada foi feito para aumentar a habitação de promoção pública. O parque habitacional público é apenas 2% do total da habitação, percentagem muito inferior a outros países europeus, que chegam a ter em alguns casos cerca de 20%. Refira-se que o objetivo, anteriormente apontado pelo Governo, de elevar a percentagem de habitação pública a 5% obriga à construção ou reabilitação para uso habitacional de 170 mil fogos.
É preciso habitação pública para realojar quem vive em condições precárias, e para dar resposta a muitos milhares de famílias de trabalhadores, a jovens e menos jovens, a custos acessíveis para o seu nível de rendimento. A falta de casas disponíveis é o resultado da gula de um mercado de arrendamento dominado pelos grupos financeiros nacionais e internacionais, orientado pela especulação imobiliária que torna proibitivo o acesso a uma habitação condigna à maioria das pessoas.
É por isso fundamental que o Governo assuma as suas responsabilidades que constitucionalmente incumbem ao Estado, e adote uma política de promoção de habitação pública, dirigida a diversas camadas da população, para dar resposta às atuais carências habitacionais. Para isso o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana pode e deve assumir um papel central de toda a intervenção pública na resposta à carência de habitação, na promoção de habitação pública, seja na requalificação, seja na construção de habitação.
Para assumir essas responsabilidades, o IHRU deve ser dotado dos meios humanos, técnicos e financeiros, urgindo a criação de uma estrutura orgânica com capacidade técnica para elaboração de projeto, planeamento, programação e execução dos investimentos na construção e reabilitação de imóveis.
A resposta às carências habitacionais implica também a mobilização do património público que possa servir a este fim. É inaceitável que a “ESTAMO-Participações Imobiliária, S.A.” continue a vender a entidades privadas – que logo o rentabilizam através de operações de especulação financeira - património que prioritariamente deveria ser utilizado para resolver os graves problemas de habitação.
Só o Estado, cumprindo os imperativos constitucionais e da Lei de Bases da Habitação, pode, através da promoção pública de habitação e de ação regulamentadora do mercado privado, dar resposta às necessidades habitacionais no País.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:
- Defina claramente o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) como o organismo do Estado promotor de habitação pública e dinamizador das políticas de construção e reabilitação urbana, assumindo a responsabilidade da intervenção pública para a garantia do direito constitucional à habitação.
- Dote o IHRU dos meios humanos, técnicos e financeiros para dar concretização ao previsto no número anterior.
- Crie uma estrutura orgânica no IHRU que possibilite a constituição de equipas técnicas com capacidade de elaboração de projeto, planeamento, programação e execução dos investimentos na construção e reabilitação de imóveis, incluindo os investimentos com financiamento do Programa de Recuperação e Resiliência.
- Identifique e mobilize o património público, do Estado e do Setor Empresarial do Estado, assim como o património habitacional dos Institutos Públicos das áreas da Habitação e da Segurança Social passível de ser utilizado para habitação.
- Disponibilize para oferta de habitação pública, nos regimes de renda apoiada ou de renda condicionada, património habitacional identificado no número anterior, não podendo ser objeto de alienação.
- Atribua ao IHRU a responsabilidade de gestão deste património habitacional.