Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

A reprivatização do BPN e o processo negativo para a democracia portuguesa pela gestão que teve e pela falta de supervisão da tutela

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado João Almeida,

Há um ponto em que estamos de acordo: a supervisão foi desastrosa neste processo.

Aliás, fará parte do anedotário nacional que tenha sido o Banco Central de Cabo Verde o primeiro a alertar para a possibilidade de haver irregularidades na situação do BPN e no Banco Insular, quando o Banco de Portugal continuava a dizer que nada se passava e que tudo estava normal. O Sr. Deputado fez aqui um exercício muito inteligente, há que reconhecê-lo, dizendo que a decisão que agora foi tomada pelo Governo, que o seu partido apoia, foi uma espécie de «pagamento por conta do PS»: os senhores nada têm a ver com isto, nada tiveram a ver com isto no passado nem têm a ver com isto agora, e está tudo para trás. Sei que o Partido Socialista tem seriíssimas responsabilidades na situação que está criada, mas é verdade que quem tomou agora esta decisão foram os senhores. Quando se fez essa coisa chamada nacionalização mas que foi apenas pôr no erário público os prejuízos deixando de fora os activos, nessa altura, nem o seu partido, nem o PSD, nem nenhum outro partido sem ser o PCP e Os Verdes, estiveram contra essa solução de nacionalizar apenas o BPN, deixando de fora a Sociedade Lusa de Negócios, onde os accionistas do Banco puseram os principais activos para poderem ficar com a riqueza e deixarem os prejuízos para o Estado. De facto, essa solução, que podia, pelo menos, ter minorado os prejuízos para o Estado, não foi defendida pelo seu partido nem por nenhum dos outros partidos, à excepção dos que já referi.

Este foi o pecado original desta nacionalização, porque com isso aumentámos os prejuízos que foram embolsados para o Estado e que são enormíssimos.
Alguns desses prejuízos já foram contabilizados, outros virão a sê-lo nos próximos anos e, se tivermos em conta o que está nos veículos que foram criados e o que vai ser aumentado nos próximos tempos — mais 1000 milhões de euros, como a Sr.ª Secretária de Estado anunciou na Comissão —, teremos um prejuízo que pode ir até aos 4900 milhões de euros, entre o que já está contabilizado e o que pode vir a estar quando se fecharem todos estes processos. É curioso, aliás, que, nessa reunião com a Secretária de Estado, tenha sido colocada a questão de saber quais as opções que o Governo equacionou para a solução deste processo e a Sr.ª Secretária de Estado — e o Sr. Deputado, agora, disse o mesmo — tenha dito que havia duas opções: a que foi tomada ou a liquidação do Banco. Mas, Sr. Deputado, havia uma outra opção. A outra opção era que o Banco se mantivesse público e com a sua actividade, por exemplo, dirigida para as pequenas e médias empresas e para a internacionalização das nossas empresas — que é aliás, aquilo para que o BIC parece que vai utilizar o BPN —, e com os seus lucros anuais pudesse ir ressarcindo o Estado do prejuízo. E, Sr. Deputado João Almeida, não vale a pena dizer que a gestão pública seria sempre má, pelo menos neste processo não vale a pena dizê-lo porque este processo vem de uma gestão privada que foi má e fraudulenta.

Portanto, esse argumento não colhe, pelo menos neste processo. Sr. Deputado, o que acontece é que se errou na nacionalização, ao deixar de fora os activos, e se erra, agora, na reprivatização, porque não se permite que, limpo o Banco, ele possa ficar ao serviço do Estado e da economia nacional e com os seus lucros vir a pagar o buraco que deixou nas contas públicas. Ao invés, o que se faz é entregar de borla a um grupo privado um banco depois de limpo pelos cofres do Estado, pelo erário público, por todos os portugueses.

Isso é inaceitável, é duplamente inaceitável e é sobre isso que o Sr. Deputado devia pronunciar-se.

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