Repõe o princípio do tratamento mais favorável e regula a sucessão de convenções coletivas de trabalho, procedendo à 12.ª alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro
Exposição de Motivos
A luta reivindicativa, organizada a partir dos locais de trabalho, está na origem da contratação coletiva. Sobretudo depois da Revolução de Abril, representou um sinal de progresso nas relações laborais, mas também de aprofundamento da democracia participativa. A contratação coletiva tem um papel estruturante na regulação do trabalho, é um instrumento de consagração de direitos conquistados com a luta e simultaneamente condição para o desenvolvimento e progresso do país.
O direito de negociação e contratação coletiva é reconhecido aos trabalhadores na Constituição e integra o elenco de direitos fundamentais consagrados em convenções internacionais.
Convém recordar que o patronato nunca se conformou com a perda do poder unilateral de ditar as regras nas relações de trabalho. Aliás, cedo iniciou o bloqueio à negociação coletiva, chantageando os sindicatos nas negociações e recusando aumentar os salários caso os sindicatos não aceitassem a redução de direitos.
A contratação coletiva fixa salários, consagra direitos em condições francamente favoráveis aos trabalhadores, muito acima do que está previsto no código do trabalho. É assim em matérias como pagamento de trabalho suplementar e noturno, pausas, descanso suplementar, subsídios de turno, majoração de dias de férias, feriados e dias de descanso, entre outros.
Por isso mesmo, tem sido alvo de ataque sistemático por parte das associações patronais e de sucessivos governos, e em particular do anterior Governo PSD/CDS, apostados na individualização e precarização das relações laborais.
O código do trabalho e as sucessivas revisões, sempre realizadas em nome de uma falsa dinamização da contratação coletiva, constituem a causa principal do seu inaceitável e insustentável bloqueio.
Pela mão de um Governo PSD/CDS, a publicação do código do trabalho em 2003, resultou na admissão da caducidade das convenções, bem como a eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. O patronato não perdeu tempo e empenhou-se numa queda significativa do número de contratos acordados e, sobretudo, numa brutal diminuição do número de trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva, agravando a sua desproteção.
Desde então, todas as revisões, sempre para pior do Código do Trabalho, dificultaram o efetivo exercício do direito de negociação coletiva e, simultaneamente, criaram espaço para eliminar direitos. Tal resultou num bloqueio generalizado da negociação, incluindo a recusa de negociação e da contratação na Administração Publica.
Se em 2003, antes da alteração ao Código do Trabalho, a renovação da contratação coletiva abrangia 1 milhão e 500 mil trabalhadores, em 2013 o número de trabalhadores abrangidos pela renovação dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho era de apenas 241 mil. Não satisfeitos, reduziram de forma significativa os prazos da caducidade e sobrevigência dos contratos coletivos de trabalho, com vista a acelerar o seu fim e destruir os direitos neles consagrados para assim baixar salários e agravar a exploração. Ao mesmo tempo o afastamento da contratação coletiva no sector empresarial do estado retirou rendimentos e direitos aos trabalhadores.
A contratação coletiva continua a ser fortemente bloqueada por grande parte das associações patronais. Os expedientes são vários: apresentação de propostas inferiores ao que a lei geral estipula; pressão para publicação de avisos de caducidade; alteração de Estatutos de associações patronais para não negociar a contratação coletiva (exemplo da Associação Portuguesa de Seguros), tudo tem sido feito para aniquilar o princípio do direito legal e constitucional de negociação da contratação coletiva.
Usam a caducidade como elemento de chantagem sobre os sindicatos e os trabalhadores para a retirada de direitos.
Esta situação é insustentável e exige a revogação da caducidade e a reintrodução na sua plenitude do princípio do tratamento mais favorável.
É inaceitável a ameaça, por exemplo, da Associação dos Têxteis de Portugal de retirada do subsídio de amas às trabalhadoras têxteis, no valor de cerca de 50 euros, num salário que ronda o salário mínimo nacional; bem como não reconhecer feriados consagrados.
A recusa em negociar aumentos salariais, com tabelas salariais que remontam a 2003, como é o caso do Contrato Coletivo das Cantinas, Refeitórios, Áreas de Serviço e Bares Concessionados; ou até mesmo em sectores com resultados francamente positivos, como o caso da Hotelaria, onde existem CCT que não são revistos há mais de 10 anos.
A valorização da contratação coletiva exige a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador e o fim da caducidade na lei.
Esta é uma exigência da democracia e uma condição de desenvolvimento e progresso do país.
Para o PCP os contratos coletivos de trabalho são uma peça fundamental na vida dos trabalhadores portugueses e são um instrumento indispensável para uma justa distribuição da riqueza.
Os direitos consagrados na contratação coletiva devem ser protegidos e o código de trabalho deve ter um verdadeiro papel na promoção da contratação coletiva de trabalho.
O PCP entende que o fim do princípio do tratamento mais favorável e a imposição de regras de caducidade refletiram-se numa acentuada quebra da contratação coletiva e num gigantesco retrocesso.
Neste projeto de lei o PCP propõe a reposição do princípio do tratamento mais favorável e a proibição da caducidade dos contratos coletivos de trabalho por via da sua renovação sucessiva até a sua substituição por outro livremente negociado entre as partes.
Assim, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente lei procede à 12.ª alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, pela Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, pela Lei n.º 69/2013 de 30 de agosto, pela Lei n.º 27/2014, de 08 de Maio, pela Lei n.º 55/2014, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 28/2015, de 14 de Abril, Lei n.º 28/2016, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 8/2016, de 01 de Abril e pela Lei n.º 120/2015, de 01 de Setembro.
Artigo 2º
Alteração ao Anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro
Os artigos 3.º, 476.º, 500.º, 502.º do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, passam a ter a seguinte redação:
«[…]
Artigo 3.º
(…)
1 - Aos contratos de trabalho aplicam-se:
As normas legais sobre regulamentação de trabalho;
Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
Os usos laborais que não contrariem a lei e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
O princípio da boa-fé.
2 - As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes de direito inferiores, salvo na parte em que estas estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.
3 – As normas legais sobre regulamentação de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, salvo quando delas resultar o contrário.
4 - As normas legais sobre regulamentação de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 – As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho.
6 – As normas dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.
Artigo 476.º
(…)
As fontes de direito superiores prevalecem sobre as fontes inferiores salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabeleçam um tratamento mais favorável para o trabalhador.
Artigo 500º
Denúncia de convenção coletiva
Qualquer das partes pode denunciar a convenção coletiva com efeitos no termo de cada período de vigência, mediante comunicação dirigida à outra parte, acompanhada da respetiva proposta negocial.
Artigo 502.º
Cessação da vigência de convenção coletiva
1 - A convenção coletiva apenas pode cessar mediante revogação por acordo das partes.
2 – Revogado.
3 – Revogado.
4 - Aplicam-se à revogação as regras referentes ao depósito e à publicação de convenção coletiva.
5 – A revogação prejudica os direitos decorrentes da convenção, continuando todavia o respetivo regime a aplicar-se aos contratos individuais de trabalho anteriormente celebrados e às respetivas renovações.
6 – Revogado.
[…]»
Artigo 3º
Norma revogatória
São revogados os artigos 5.º e 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, e os artigos 497.º, 501.º e os números 2 e 3 do artigo 502.º do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Artigo 4º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.