(projeto de lei n.º 646/XII/3.ª)
Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado,
Deixe-me, antes de mais, dizer que, na opinião do Grupo Parlamentar do PCP, a sua intervenção, bem como a proposta de lei que o Governo apresenta, não contribui em nada para definir os limites entre a cópia privada e a partilha, aquilo a que vulgarmente se chama «pirataria». O que nos veio dizer contribuiu, isso sim, para confundir. Ou seja, o cidadão pode copiar? Pode apropriar-se de uma obra? Não! Mas quando o faz, tem de pagar.
Portanto, o Estado está a cobrar uma taxa por uma atividade que considera ilícita e isso é, no mínimo, perverso, a não ser que não seja isso que aqui está e nós sabemos que deveria haver uma barreira muito mais clara, coisa que para a qual o Sr. Secretário de Estado não contribuiu.
O Sr. Secretário de Estado disse, na sua intervenção, que é preciso pôr a pagar quem beneficia com a apropriação das obras. Sr. Secretário de Estado, como é que, com a proposta de lei que aqui nos apresenta — e refiro-me, para já, à da cópia privada —, esse objetivo é compatível com uma proposta de lei que nem remunera os autores na justa proporção daquilo que diz querer compensar e, ao mesmo tempo, carrega sobre o utilizador os custos e impede-o de aceder quer às tecnologias, quer aos conteúdos, deixando de fora aqueles que verdadeiramente beneficiam da apropriação dos conteúdos, que são os operadores de telecomunicações, nomeadamente os operadores de banda larga.
Por isso mesmo lhe deixo esta questão, Sr. Secretário de Estado: qual é a apreciação que faz, de acordo com o cargo político que desempenha, do projeto de lei que o PCP aqui apresenta, que, em grande medida, é também uma alternativa à iniciativa que o Governo aqui nos traz, que é o de ir buscar o dinheiro a quem fica com o dinheiro, a quem se apropria do valor produzido pelos artistas, que são aqueles que disponibilizam os conteúdos e não aqueles que os usam, aliás, partilhando, que é também uma forma de estimular a fruição e a criação.
(…)
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados:
Sem colocar de parte críticas à forma como funciona, no contexto capitalista, o direito de autor, não é possível ignorar que muitos criadores, muitos artistas, são, de facto, espoliados de valores que produzem ou de boa parte desse valor. E são-no, em primeiro lugar, por quem explora o seu trabalho, nomeadamente as grandes produtoras e distribuidoras e, em segundo lugar, por aqueles que, muitas vezes ilicitamente, usam os conteúdos produzidos por esses criadores para vender produtos.
Quanto à proposta de lei, do Governo, sobre a cópia privada, é importante referir que esse mecanismo de compensação dos titulares de direitos foi, em determinado momento, na opinião do Grupo Parlamentar do PCP, uma resposta relativamente ajustada ao contexto. E é verdade que a lei atual não se adequa à realidade que hoje existe.
Contudo, a proposta do Governo não resolve esse desajuste aos nossos dias, nem do ponto de vista da tecnologia existente, nem responde às necessidades de compensação dos titulares de direitos. A taxação de suportes de fixação ou de equipamentos de reprodução, não só não corresponde a uma taxação de quem beneficia com a produção e distribuição de conteúdos, como generaliza um uso e um fim de equipamentos que podem produzir muitos outros usos ou fins.
Ou seja, nem todos os que compram um cartão de memória, ou uma flash drive pretendem alojar conteúdos que resultem da cópia privada. Na verdade, muitos podem ter um cartão de memória para alojar as suas próprias fotografias, os seus filmes, os seus documentos, trabalhos ou até mesmo as suas próprias criações artísticas.
Ao mesmo tempo, é importante referir que muitos, nomeadamente o PS, com a sua anterior proposta, e o Governo, têm alimentado a ilusão de que a lei da cópia privada compensa os autores e artistas pelos danos causados pela chamada «pirataria».
Sobre isso, importa esclarecer que estas taxas não são para indemnizar os artistas e autores por uma atividade ilícita, que é vedada ao cidadão e que, como tal, seria imoral cobrar-lhe. Assim, se esta proposta do Governo visa compensar os autores, única e exclusivamente, pela realização de cópias privadas, então a compensação não pode ser justificada com base nos prejuízos que a indústria anuncia como resultado da chamada «pirataria».
Ao mesmo tempo, devemos ter em conta que a taxação dos suportes, na atual conjuntura económica em que o País se encontra — principalmente, os trabalhadores, os trabalhadores desempregados e outras camadas da população —, contribuirá em muito para limitar o acesso de grande parte da população portuguesa à tecnologia e aos conteúdos que essa tecnologia lhes possibilita. Além disso, tornará mais barato ir a Espanha, por exemplo, comprar equipamentos tecnológicos, representando, também nesse aspeto, perdas importantes para a economia do País.
A solução não está em limitar o acesso à tecnologia e à cultura, mas, sim, em garantir que todos podem aceder-lhes, sem que isso prejudique o produtor, o autor, o artista.
O PCP parte de dois princípios fundamentais para a proposta alternativa que apresenta: o da necessidade e desígnio constitucional da democratização e da liberdade de fruição e criação culturais e o da necessidade de retribuir justamente os criadores pelo seu trabalho.
A proposta do Governo antagoniza o interesse do utilizador de tecnologia ao interesse dos titulares de direitos. A proposta do PCP faz o inverso: quanto mais pessoas puderem aceder aos conteúdos culturais, mais remuneração devem ter os titulares, sem que existam limitações legais à partilha.
A proposta do PCP é audaz e inovadora. É, aliás, a única e primeira proposta que legaliza a partilha de obras, remunerando os criadores e artistas.
Em vez de pagar uma taxa sobre o aparelho, a pretexto de uma prática ilícita, o Estado deve tornar lícita e estimular a prática da partilha de conteúdos, taxando a transferência de dados em benefício de quem produz os conteúdos. A taxação deve incidir sobre quem se apropria do valor dos conteúdos, ou seja, os operadores de Internet de banda larga. Este é o futuro, por todos os motivos: porque a evolução tecnológica pode vir até a ditar o fim do suporte físico de obras e a fruição poderá deixar de implicar a cópia, como já é hoje o caso de muitas das tecnologias disponíveis, nomeadamente através de streaming e todas as outras relacionadas com a computação na nuvem, e porque amplia uma prática que foi determinante para a massificação da fruição e para as recentes explosões de criatividade nas diversas disciplinas artísticas, que é a da partilha, entre autores, entre utilizadores, e até mesmo esbatendo as barreiras entre uns e outros.
A partilha de dados sem fins comerciais, a partilha de obras de arte é uma prática que possibilita a milhares, ou mesmo milhões, de portugueses o acesso à música, ao cinema, à literatura e é uma prática que deve ser encorajada, ao invés de apelidada de pirataria.
A questão é esta: deve ou não deve o autor ser compensado pela partilha que se faz da sua obra? A questão é saber se queremos manter a hipocrisia de proibir a partilha e não remunerar os autores, ou regulamentá-la e remunerar os autores.
Aprovar a proposta do PCP é a única forma de remunerar justamente o titular de direitos e, simultaneamente, assegurar a liberdade de partilha, e partilhar não é crime.
A proposta de lei do Governo prevê, segundo alguns dados disponibilizados, uma receita entre os 10 e os 12 milhões de euros para a compensação dos titulares de direitos. A proposta do PCP, ao taxar os operadores de Internet, em vez dos utilizadores de tecnologia, pode arrecadar uma receita de mais de 50 milhões de euros anuais, sendo que 15 desses são afetos diretamente ao financiamento às artes e à cultura, reforçando a verba do Orçamento do Estado, e os restantes utilizados para a compensação direta, através das entidades de gestão coletiva.
Para clarificar, o PCP propõe um regime de partilha de obras por livre decisão do autor que é, simultaneamente, uma condição para aceder à remuneração prevista, através da taxação às operadoras. As operadoras pagam, os utilizadores usam, de facto, livremente, os artistas recebem, desde que aceitem partilhar.
(…)
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
Deixo umas últimas considerações, porque me resta muito pouco tempo.
As Sr.as Deputadas Inês de Medeiros e Gabriela Canavilhas referiram-se à confusão que existe entre termos, que, aliás, foi reconhecida logo nas nossas primeiras intervenções, mas não contribuíram muito para desfazer as confusões, verdade seja dita!
Aliás, recorreram a um expediente que é comum na bancada do Partido Socialista: quando não têm muitos argumentos para combater o que está a ser debatido, fazem uma espécie de pirataria. Falsificam o que está a ser debatido, dizem sobre o que está a ser debatido coisas que nada têm a ver com o assunto ou, então, pior do que isso, não leem sequer o que está a ser debatido, o que é mais grave, tendo em conta que sexta-feira vamos ter de votar estes diplomas. Portanto, solicitamos que até lá façam esse esforço.
Srs. Deputados, para que fique claro, o PCP propõe que o artista autorize a partilha das suas obras através de todos os meios ou, então, não autoriza — tem essa escolha.
As operadoras de Internet pagam uma taxa para disponibilizar conteúdos; o utilizador pode partilhar todas as obras que tenham sido autorizadas pelos artistas, não podendo partilhar as que não foram autorizadas pelos artistas. Os artistas recebem a parte da taxa que lhes cabe pelas obras que partilham e não recebem nada por aquelas que não querem partilhar. É simples, parece-nos.
Sr.ª Deputada Conceição Pereira, evoluir é uma característica permanente no PCP. Aliás, julgo que rapidamente se verá que o PCP consegue adaptar aos momentos concretos as propostas que traz.
A posição do PCP estava acertada em 2004 e o PSD estava atrasado; a posição do PCP está acertada hoje e o PSD ficou em 2004.