Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta primeira e única proposta que legaliza a partilha e remunera os criadores

Sra Presidente
Srs Deputados

Sem colocar de parte críticas à forma como funciona no contexto capitalista o direito de autor, não é possível ignorar que muitos criadores são de facto espoliados do valor que produzem. E são-no em primeiro lugar por quem explora o seu trabalho, nomeadamente as grandes produtoras e distribuidoras. E em segundo lugar por aqueles que, muitas vezes ilicitamente, usam os conteúdos produzidos por esses criadores para vender produtos.

A proposta de lei do Governo sobre a cópia privada é importante referir que esse mecanismo de compensação dos titulares de direitos foi, em determinado momento, uma resposta ajustada ao contexto. E é verdade que a lei actual não se adequa à realidade existente hoje. Contudo, a proposta do Governo não resolve esse desajuste aos nossos dias, do ponto de vista da tecnologia existente, nem responde às necessidades de compensação dos titulares. A taxação de suportes de fixação ou de equipamentos de reprodução não só não corresponde a uma taxação de quem beneficia com a produção e distribuição de conteúdos, como generaliza um uso e um fim de equipamentos que podem produzir muitos outros. Ou seja, nem todos os que compram um cartão de memória, ou uma flash drive pretendem alojar conteúdos que resultem de cópias privadas. Na verdade, muitos podem ter um cartão de memória para alojar as suas próprias fotografias, os seus filmes ou seus documentos, trabalhos ou até mesmo as suas próprias criações artísticas.

Ao mesmo tempo, é importante referir que muitos, nomeadamente o PS e o Governo, têm alimentado a ilusão de que a lei da cópia privada compensa os autores e artistas pelos danos causados pela chamada pirataria. Sobre isso importa esclarecer: estas taxas não são para indemnizar os artistas e autores por uma actividade ilícita, que é vedada ao cidadão e que, como tal, seria imoral cobrar-lhe. Assim, se esta proposta visa compensar única e exclusivamente pela realização de cópias privadas, então a compensação não pode ser justificada com base nos prejuízos que a indústria anuncia como resultado da chamada pirataria. Ao mesmo tempo, devemos ter em conta que a taxação dos suportes, na conjuntura económica em que o país se encontra, e principalmente os trabalhadores, trabalhadores desempregados e outras camadas da população, contribuirá em muito para limitar o acesso de muitos à tecnologia e aos conteúdos que essa lhe possibilita. Além disso, tornará muito mais barato ir a Espanha comprar equipamentos, representando também nesse aspecto, perdas importantes para a economia do país.

A solução não está em limitar o acesso à tecnologia e à cultura, mas sim em garantir que todos podem aceder-lhes sem que isso prejudique os autores e artistas.

O PCP parte de dois princípios fundamentais para a proposta alternativa que apresenta: o da necessidade e desígnio constitucional da democratização e da liberdade de fruição e criação culturais e o da necessidade de retribuir justamente os criadores pelo seu trabalho. A proposta do Governo coloca o interesse do utilizador de tecnologia em oposição aos interesses dos titulares de direitos. A proposta do PCP faz o inverso: quanto mais pessoas consumirem os conteúdos culturais através da tecnologia, mais remuneração devem ter os titulares, sem que existam limitações legais à partilha.

A proposta do PCP é audaz e inovadora: a única e primeira proposta que legaliza a partilha de obras e remunera os criadores e artistas.

Em vez de pagar uma taxa sobre um aparelho a pretexto de uma prática ilícita, o Estado deve tornar lícita e estimular a prática da partilha de conteúdos, taxando a transferência de dados em benefício de quem produz os conteúdos. A taxação deve incidir sobre quem se apropria do valor dos conteúdos, ou seja, os operadores de internet de banda larga. Este é o futuro, por todos os motivos: porque a evolução tecnológica pode até ditar o fim do suporte físico de obras e a fruição poderá deixar de implicar a cópia, como já é o caso do streaming e da computação na nuvem e porque amplia uma prática que foi determinante para a massificação da fruição e para as recentes explosões de criatividade nas diversas disciplinas artísticas que é a da partilha, entre autores, entre utilizadores, e até esbatendo as barreiras entre uns e outros. A partilha de dados sem fins comerciais, a partilha de obras de arte é uma prática que possibilita a milhares, ou mesmo milhões, de portugueses o acesso à música, ao cinema, à literatura. E é uma prática que deve ser encorajada ao invés de apelidada de pirataria.

A questão é: deve ou não deve o autor ser compensado pela partilha que se faz da sua obra? Aprovar a proposta do PCP é a única forma de remunerar justamente o titular de direitos e simultaneamente assegurar a total liberdade de partilha A rejeição da proposta do PCP diz-nos que o autor não deve ser compensado pela partilha. Partilhar não é crime.

A proposta de lei do Governo prevê, segundo alguns dados disponibilizados, uma receita entre os 10 e os 12 milhões de euros para compensações de titulares de direitos. A proposta do PCP, de taxar os fornecedores de internet em vez de taxar os utilizadores de tecnologia, pode arrecadar uma receita de 59 milhões de euros anuais, sendo que 17 desses 59 são afectos directamente ao financiamento às artes e à cultura, restando 42 para compensação de titulares de direitos.

Para clarificar, o PCP propõe um regime de taxação sobre os operadores de internet que se apropriam de parte do valor dos conteúdos. Um regime de partilha de obras por livre decisão do autor que é simultaneamente condição para aceder à remuneração prevista, através da taxação das operadoras. As operadoras pagam, os utilizadores usam livremente, os artistas recebem, desde que aceitem partilhar.

Disse.

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