Sendo a gravidez um estado de saúde e não de doença, a sua vigilância nos cuidados de saúde primários devem centrar-se nas necessidades de cada mulher, de cada casal, de cada família, nomeadamente na promoção de hábitos e comportamentos saudáveis (alimentares, de exercício físico, cessação tabágica, etc.) que se prolongam ao longo do ciclo de vida da mulher, da criança e de todo o agregado familiar.
O direito aos cuidados de saúde da grávida e ao parto hospitalar integram o vasto conjunto de direitos sexuais e reprodutivos conquistados em Portugal com a Revolução de Abril. Recorda-se que cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica. Muitos distritos não tinham maternidade, era elevadíssima a taxa de mortalidade infantil e de mortalidade na maternidade.
Foi a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a disseminação de cuidados pelo país, designadamente da melhoria dos cuidados prestados ao nível da saúde materna e infantil que possibilitaram uma evolução muito positiva dos indicadores de saúde, em poucos anos, designadamente no aumento da esperança de vida, na redução da mortalidade infantil e materna e na promoção da saúde.
O acompanhamento da grávida no Serviço Nacional de Saúde é feito de forma articulada entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares e segue as normas e orientações clínicas da Direção Geral de Saúde.
Mas são as múltiplas as carências, certo que transversais a todo o Serviço Nacional de Saúde, com especial gravidade no que aos cuidados de saúde primários toca, precisamente porque são estes a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde.
Nos cuidados de saúde primários, os cuidados a prestar à mulher grávida são diferentes consoante a mesma tenha ou não atribuída uma equipa de saúde familiar ou pelo menos um médico de família ou um enfermeiro de referência ou de família, fator preponderante para a existência ou não da devida vigilância na gravidez.
A vigilância na gravidez é absolutamente fundamental, pela confiança que é transmitida à grávida e ao casal, assim como pelo esclarecimento, desmistificações, afastamento de medos, gestão dos sentimentos e ansiedade, sendo que para tanto é necessário ter profissionais valorizados e motivados.
Importa referir e valorizar as unidades de cuidados na comunidade, as quais têm também um papel fundamental na vigilância da saúde materna nos cuidados de saúde primários, sendo da sua responsabilidade o desenvolvimento de cursos de preparação para o parto e parentalidade, organizados por enfermeiros especialistas na área de saúde materna e obstétrica, em articulação com as unidades de recursos assistenciais partilhados, designadamente com fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais que são chamados a estes cursos para dar o contributo da sua área.
Outra necessidade sentida no que respeita à saúde materna prende-se com a amamentação ou aleitamento materno. Desde 1991, a Organização Mundial de Saúde, em associação com a UNICEF, tem vindo a desenvolver trabalhos e projetos no sentido de proteger, promover e apoiar o aleitamento materno, recomendando que as crianças façam aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses de idade, tendo em conta os benefícios de saúde decorrentes, quer para a criança quer para a mãe. Tal recomendação exige que se criem condições que são muitas vezes incompatíveis com horários de trabalho e deslocações pendulares que dificultam esta vontade e direito das mães e das crianças, mas também exige um acompanhamento e apoio estrito à mulher antes e durante a amamentação, sendo necessária a promoção de consultas exclusivamente dedicadas à amamentação com profissionais, nomeadamente enfermeiros com formação especifica nesta área, evitando o abandono precoce da amamentação.
Para o PCP as políticas e as medidas de promoção do acompanhamento das grávidas passam invariavelmente pela afirmação de importantes conquistas civilizacionais que elas constituem e pela adoção de um conjunto diversificado e transversal de medidas que contemplem: educação, saúde, emprego e a segurança social.
E, no caso concreto da saúde, por um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito dotado de meios humanos, materiais e financeiros que permita a prestação de cuidados de saúde de qualidade e atempadamente.
Neste sentido, propomos o reforço dos cuidados de saúde direcionados para as mulheres abarcando todo o ciclo de vida, e, no caso específico da mulher grávida desde a preconceção até ao parto englobando o período puerpério.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo que adote um conjunto de medidas para responder aos problemas existentes no Serviço Nacional de Saúde em relação à Saúde Materna e ao acompanhamento das mulheres grávidas, designadamente:
- Reforço do número de profissionais de saúde, designadamente, médicos especialistas em medicina geral e familiar, médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia, enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, assistentes técnicos, técnicos auxiliares de saúde, para as unidades hospitalares e para os cuidados de saúde primários, com vista ao acompanhamento de todas as mulheres grávidas;
- Garantia de condições de trabalho, de reforço dos direitos dos profissionais de saúde, de desenvolvimento da carreira profissional, de investimento na modernização das instalações e na inovação e tecnologia dos equipamentos, com o objetivo de fixar profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde;
- Valorização das Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) e das Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP), para que sejam efetivamente um complemento à prestação de cuidados às grávidas;
- Garantia da vigilância da gravidez a todas as mulheres residentes em território português, realizando no mínimo 6 consultas médicas e de enfermagem durante a gravidez e puerpério nos cuidados de saúde primários;
- Garantia de que todas as mulheres com diagnóstico de gravidez de risco são imediatamente referenciadas para unidade hospitalar;
- Reforço da capacidade das unidades do Serviço Nacional de Saúde em meios de diagnóstico, de forma a permitir o acesso de todas as grávidas aos exames necessários no prazo adequado;
- Articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares para a realização do diagnóstico pré-natal atempadamente, sempre que tal seja necessário, com vista à prevenção e acompanhamento da gravidez;
- Acompanhamento, através de consulta especifica, desde o início do terceiro trimestre de gravidez e até à 6.ª semana após o parto, na amamentação ou aleitamento materno, nos cuidados de saúde primários, de modo que todas as mulheres tenham acesso à informação necessária e ao apoio dos profissionais, incentivando a amamentação;
- Promoção da vacinação das mulheres grávidas, em cumprimento com o previsto no Programa Nacional de Vacinação, designadamente a vacinação contra o sarampo e a rubéola quando a mesma não tiver sido feita, bem como a vacina combinada contra a tosse convulsa, difteria e tétano entra as 20 e as 32 semanas de gravidez;
- Promoção da suplementação alimentar das mulheres grávidas, designadamente acido fólico e suporte vitamínico, dispensados gratuitamente nos centros de saúde;
- Promoção de acompanhamento de saúde mental das mulheres grávidas, antes e depois do parto, de forma a prevenir e tratar patologias nesta área;
- Investir nas condições físicas e humanas nas maternidades do Serviço Nacional de Saúde para permitir a opção das mulheres grávidas por soluções de parto menos medicalizado, garantindo as condições de segurança em qualquer situação de complicação do processo, designadamente o acesso imediato a cuidados médicos especializados;
- Promover a redução da taxa de cesarianas com o objetivo de atingir as percentagens preconizadas pela Organização Mundial de Saúde;
- Assegurar o acesso aos cursos de preparação para o parto em estreita colaboração com as UCC e as URAP;
- Dotar os cuidados de saúde primários dos equipamentos e infraestruturas necessários, para permitir um acompanhamento regular e eficaz da gravidez e puerpério;
- Criar, todas as condições para o estabelecimento e implementação de uma rede de bancos de leite humano no território nacional e nas unidades de cuidados intensivos neonatais, formando técnicos de saúde nesta área;
- Dar acesso facilitado à informação, através de panfletos e brochuras, sobre saúde materna, designadamente gravidez, hábitos alimentares saudáveis, amamentação, preparação para o parto ou cuidados ao recém-nascido, em todas as unidades de saúde do SNS;
- Criar “O Cantinho da Amamentação” com acesso a todas as puérperas com dificuldades na amamentação, equipado com bombas elétricas de esvaziamento do leite, e com apoio de enfermeiros com formação especifica sobre amamentação;
- Promover e incentivar a participação ativa e informada da grávida em todo o processo de acompanhamento da gravidez e parto;
- Promover a informação dos direitos e deveres da grávida, nos serviços de saúde e na sociedade.