Exposição de motivos
O nosso país vive uma situação incoerente e anacrónica, geradora de desperdícios e criadora de injustiças no que diz respeito às forças e serviços de segurança.
No nosso país temos como forças e serviços de segurança a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a Polícia Marítima (PM), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a Polícia Judiciária (PJ) e o Corpo da Guarda Prisional (CGP).
A PSP sendo uma Polícia de natureza civil responde ao Ministério da Administração Interna (MAI), a GNR sendo de natureza militar mas cumprindo missões estritamente civis encontra-se igualmente sob tutela da MAI, a ASAE está sob tutela do Ministério da Economia não obstante ser um órgão de polícia criminal, o SEF está sob tutela do MAI, a PM sendo um órgão de polícia criminal está sob tutela do Ministério da Defesa, nomeadamente da Armada, que constitucionalmente não pode desempenhar funções de policiamento e por fim quer a PJ quer o CGP estão sob tutela do Ministério da Justiça.
Importa referir que todas as forças e serviços de segurança desempenham, em exclusivo, missões de natureza civil e que aos militares está vedado, no termos da Constituição, a assunção de missões de policiamento ou investigação criminal.
Neste contexto, tem particular relevância, desde logo pela dimensão, a situação da PSP e da GNR, mas também pelas atribuições genéricas de ambas as forças de segurança.
Os vários processos estudados de alterações no seio das Forças de Segurança (FS) foram inconsequentes, atendendo a que na sua génese o sistema policial continuou a caracterizar-se como dualista (PSP de natureza civil e GNR de natureza militar), opção meramente política, uma vez que as atribuições genéricas de ambas as forças de segurança continuam a ser idênticas, variando a sua prossecução em função da área geográfica atribuída a cada uma delas.
Podem ser considerados pontos críticos associados a este sistema (dual), os seguintes:
- A existência de concorrência institucional entre as principais forças de segurança (GNR e PSP), que afeta o desempenho da cooperação e articulação entre elas;
- A sobreposição de áreas territoriais e funcionais com a consequente duplicação de meios e potenciais conflitos (positivos e negativos) de competências;
- A existência de doutrinas táticas, regras de empenhamento distintas, e de níveis de formação e enquadramento diferentes, que dificulta a articulação operacional;
- A falta de interoperabilidade de equipamentos e duplicação de meios, gerando problemas de articulação em situações de atuação conjunta;
- A inexistência de uma cultura de partilha de informações, associada à competição institucional entre as várias Forças e Serviços de Segurança (FSS), tendo como consequência a compartimentação da informação e a inexistência de um fluxo contínuo e eficaz de informações entre elas;
- A falta de interoperabilidade entre as várias infraestruturas tecnológicas das FSS, com a consequente replicação de recursos e custos de exploração;
- A replicação de meios e estruturas de suporte à atividade operacional, desde o alto nível (Direções Nacionais/Comando Geral) até à base (Divisões e Destacamentos).
São conhecidas as dificuldades em meios humanos e materiais, o envelhecimento do efetivo e também as disparidades ao nível de direitos sociais e remuneratórios entre as duas forças, gerando sentimentos de injustiça relativa tendo presente que no quotidiano cumprem generalizadamente o mesmo tipo de missões.
Segundo alguns estudos a GNR tem cerca de 30 % do efetivo global dedicado a tarefas de suporte, sendo que só cerca de 60% estão nas unidades territoriais, evidenciando um regime fortemente concentracionário e de aquartelamento, típico das organizações militares. Quanto à PSP, dos 19.500 efetivos, cerca de 12.500 estarão no serviço operacional.
No que toca exclusivamente ao dispositivo territorial, a GNR apresenta um rácio de 1/213 habitantes, contra 1/202 apresentado pela PSP. As 420 esquadras da PSP e os 490 postos da GNR têm vindo a diminuir o efetivo por falta de profissionais e por retirada de outros para outros serviços
A adoção de um modelo de polícia nacional substituindo estas duas organizações, possibilitaria obter, prudentemente, os seguintes resultados:
- Uma apreciável dinâmica de rejuvenescimento do efetivo policial – essencial neste tipo de organizações, com elevadas taxas de desgaste físico e psicológico e onde são aconselhados padrões demográficos menos envelhecidos e uma especial mobilidade geográfica.
- Na ótica económica implicaria uma redução de custos bastante significativa, cujos valores devem ser aplicados na melhoria e modernização de equipamentos e instalações e no reforço dos direitos dos profissionais.
A reestruturação das forças e serviços de segurança com a opção por um modelo organizacional e funcional de cariz civilista irá ao encontro de tendências atuais já concretizadas em alguns países da Europa com sucesso, designadamente, na Áustria. A substituição das duas Forças de Segurança do MAI (PSP, GNR) por uma única força de segurança nacional de natureza civilista e multifuncional, com competências de polícia administrativa geral e especial, bem como, de polícia criminal para a investigação de determinado tipo e nível de criminalidade resultaria em ganhos económicos, financeiros e mais importante em ganhos operacionais, tais como:
- Redução significativa do número de dirigentes;
- Aumento do número de efetivos disponíveis para o policiamento nas ruas, através da redução de departamentos administrativos
- Rácios de policia/habitante mais equilibrados face aos atuais;
- Não obstante a redução do efetivo policial global, o modelo permitirá ainda um reforço substancial de 15% a 20 % na componente operacional associada à missão policial (Unidades Territoriais);
- Melhor racionalização de estruturas evitando a duplicação de esforços e consequentemente uma maior eficiência na gestão dos recursos.
- Diminuição em cerca de 40% do pessoal policial afeto à área de suporte e apoio operacional;
- Extinção de sobreposições de competências e replicações funcionais potencialmente geradoras de conflitualidade e assim, acabar com as barreiras de funcionamento entre as forças e os serviços de segurança;
- Potenciar a troca de sinergias entre os vários intervenientes;
- Permitir uma melhor gestão integrada dos recursos à escala nacional, conferindo por uma maior resiliência na sua administração;
- Possibilitar um redimensionamento dos efetivos ligados à área da segurança interna a médio/longo prazo, beneficiando a qualidade do serviço a prestar à sociedade;
- Atribuir à instituição policial uma nova imagem, nomeadamente no que se refere à existência de um único uniforme;
- Como resultado final desta reforma pretende-se criar um sistema mais equilibrado, adequado e sustentável, potenciado pela significativa redução de custos de funcionamento gerada pela racionalização da estrutura organizacional que o novo modelo potencia, bem como colmatar um dos pontos críticos que o atual modelo dualista, eliminando a sobreposição de competências e replicações funcionais geradoras por vezes de conflitualidades entre os vários intervenientes.
Tendo em conta o exposto, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:
- Inicie um processo de estudo e discussão, envolvendo as estruturas de comando da PSP e da GNR, as diferentes estruturas representativas dos profissionais das forças e serviços de segurança, e outras entidades e especialistas, com vista à criação de uma polícia nacional de natureza civil.
- Avance decididamente na partilha de serviços de logística entre a PSP e a GNR retirando daí as devidas conclusões.
- Que este processo de auscultação, discussão, estudo e planificação termine até ao final do ano de 2023 e que as conclusões sejam remetidas à Assembleia da República.