Como comunistas, portadores de um ideal e de um projecto político democrático, emancipador e revolucionário, assumimos a questão social como um problema maior na vida dos trabalhadores e do nosso povo. Nela concentramos permanentemente atenções e energias. E encontramos múltiplas razões de intervenção e de luta, seja numa perspectiva defensiva dos direitos sociais e dos sistemas públicos que os suportam, seja no da sua concretização num nível mais elevado e do seu constante aperfeiçoamento.
É conhecida a profunda degradação do quadro social nos últimos anos. O agravamento da exploração dos trabalhadores, das desigualdades e das assimetrias e o aprofundamento dos dualismos que fracturam a sociedade portuguesa. O crescimento em flecha do desemprego, do sub-emprego e da precarização do trabalho, expressões da desvalorização do trabalho enquanto direito social fundamental e condição da integrarão social e da realização humana. As discriminações de natureza classista que afectam o acesso universal aos benefícios das funções sociais do Estado. O alastramento dos fenómenos multidimensionais da exclusão social e da pobreza, que atingem um terço da população e colocam Portugal na cauda da União Europeia.
Outras importantes alterações na esfera social são igualmente de registar.
Elas resultam, nomeadamente, de alterações no tecido produtivo, em que é saliente a rápida queda da população agrícola e o desaparecimento ou redução de pólos industriais, e o desenvolvimento da área dos serviços. Da quebra demográfica e da crescente concentração urbana que concorrem para a desertificação de muitas zonas do interior. E do abaixamento muito acelerado da taxa de natalidade, com a redução do peso do grupo etário com menos de 15 anos,a par do aumento significativo do da população mais idosa. E, por último, mas com consequências não menos graves na deterioração da situação social, refere-se a continuada ofensiva neoliberal contra os direitos sociais, associada à progressiva mercantilização e submissão a critérios lucrativistas de áreas como as da saúde, da educação e da segurança social, que foi conduzida pelos sucessivos governos de direita e que agora o governo do PS aparece a prosseguir, em aspectos fundamentais.
Outro aspecto que importa destacar diz respeito à enorme distância social que nos separa da quási totalidade dos países da União Europeia,como pode observar-se através dos indicadores relativos às despesas com a saúde, a segurança social e a educação, em que Portugal ocupa um lugar no fundo da escala. A evolução das despesas sociais entre 1980 e 1991 foi também muito modesta no nosso país, passando de apenas 19,7% para 21,6% do PIB, bem distante do crescimento das despesas sociais em relação aos respectivos PlBs registado no mesmo período em países como, por exemplo, a Espanha (de 15,6% para 26,2%), o Reino Unido (de 20% para 30%) e os Países Baixos (de 31,8% para 38, 1%).
A correlação que se verifica em cada país entre a percentagem do produto atribuída às despesas sociais e o nível médio do produto por habitante evidencia que os países que têm gastos sociais mais elevados per capita são simultaneamente os que apresentam maior produto por habitante e vice-versa.
Apesar deste facto mostrar que para além de evidentes razões de justiça social o caminho para o desenvolvimento do nosso país passa necessária e obrigatoriamente, também, pelo crescimento das despesas sociais — que constituem a base do papel redistributivo inerente aos direitos sociais —, a verdade é que não tem sido esse o rumo seguido. E que os governos (anteriormente o do PSD, como agora e no mesmo sentido o do PS ) têm vindo a apostar numa política neo-liberal e progressiva desresponsabilização do Estado nas áreas sociais e de crescente mercantilização das necessidades da população na esfera da saúde,da segurança social e da educação.
Quando, por exemplo, dois terços do total de pensionistas de velhice e de invalidez do regime geral, contributivo, da Segurança Social, recebem menos de 30 contos por mês; ou quando o actual governo, na recente actualizarão das pensões, não aumentou o valor real das pensões acima dos valores mínimos; — como não ver nestes factos as consequências de uma política que levou o Estado, durante uma década, a acumular uma dívida à Segurança Social superior à astronómica quantia de mil e duzentos milhões de contos? E que permitiu às entidades patronais, a par de uma vastíssima evasão contributiva, constituírem dívidas ao sistema que se aproximam dos 500 milhões de contos ?
É compreensível e inteiramente justa, por tudo isto, a linha geral que o PCP vem assumindo nas áreas sociais, para travar e inverter o deteriorado panorama social da sociedade portuguesa. Dando combate à política neo-liberal de desresponsabilização do Estado. Defendendo os direitos sociais e os grandes sistemas que os suportam, tal como estão constitucionalmente consagrados, designadamente o Serviço Nacional de Saúde, o sistema público de Segurança Social, a Escola Pública. E combatendo pela sua concretizarão num nível mais elevado e pelo seu constante aperfeiçoamento, causas inseparáveis da luta pelo desenvolvimento integrado do nosso país, simultaneamente político, económico, social e cultural.
Não se trata de uma perspectiva utópica aquela que assumimos. Mas de uma política objecto de aprofundado exame e de detalhada elaboração a nível de orientações e medidas — constantes de diversos documentos que o PCP apresentou oportunamente para debate público — Novo Rumo para a Educação, Programa de Desenvolvimento do Ensino Superior, Por uma Reforma Democrática do Serviço Nacional de Saúde e Por uma Reforma Democrática da Segurança Social — e cujas linhas fundamentais o projecto de Resolução Política acolhe e que cabe agora ao XV Congresso decidir.